Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00404/17.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/23/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ATRASO NA REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA; INDEMNIZAÇÃO; PROCESSO-CRIME; DECURSO DE SEIS ANOS ATÉ AO TRÂNSITO EM JUGADO DA DECISÃO FINAL.
Sumário:
1. Mostra-se razoável o prazo de 2 anos e 9 meses para a conclusão da instrução em processo-crime, dada a complexidade do crime em causa, bem como a necessidade de recurso à cooperação judiciária internacional.
2. Assim como se mostra razoável o prazo de 3 e anos e 3 meses para a decisão final do processo-crime, com trânsito em julgado, contado desde a acusação.
3. Nestas circunstâncias é de julgar improcedente o pedido de indemnização que não foi sequer deduzido apenas pelo alegado atraso na realização da Justiça, mas pela totalidade do tempo do processo, seis anos, no montante de 1.500 euros por ano, num total de 9.000 euros. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AJPL
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
AJPL veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 21.02.2018, pela qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção administrativa intentada pelo Recorrente contra o Estado Português, para condenação do Réu no pagamento da quantia de 10.000 € e juros vincendos por violação do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 2º e 12º da Lei nº 67/2007, de 31.12, o artigo 2º do Código de Processo Civil e o artigo 483º do Código Civil, absolvendo em consequência o Réu do pedido.
Invocou para tanto, em síntese, que o processo judicial criminal nº 7586/10.0JFLSB da Comarca do Porto, Matosinhos – J2 - demorou seis anos, prazo não razoável, que representa violação do direito a ser julgado em prazo razoável; que o Tribunal Europeu atende à dimensão global do processo e não a parcelas; cita três acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no processo nº 09034/12, datado de 20.03.2014.
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O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1- O Recorrente instaurou a acção à luz do artigo 6°-1 da Convenção Europeia. O caso demorou seis anos, prazo não razoável. O Tribunal Europeu atende à dimensão global do processo e não a parcelas. Veja-se o Affaire APRICELLA contra Itália:
“… no que diz respeito à avaliação equitativa do dano moral sofrido em virtude da duração do processo, o Tribunal Europeu considera que uma quantia que varia entre 1.000 a 1.500 Euros por ano de duração do processo ( e não por ano de atraso) é o ponto de partida para o cálculo a efectuar. O resultado do processo nacional (quer a parte requerente perca, ganhe ou acabe por fazer um acordo) não tem importância como tal sobre o dano moral sofrido pelo facto da duração do processo. O montante global será aumentado de 2.000 ouros, se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito do trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas." ....Acórdão Apricelia c. Itália de 10-11-2004, Acórdão Ernestina Zulio c.Itália de 10-11-2004 e Acórdão Riccardi Pizatti c. Itália de 10-11-2004.
2- A Convenção Europeia dos Direitos do Homem é acatada por Portugal há décadas e está integrada no nosso ordenamento jurídico pelo artigo 8° da Lei Fundamental. O prazo decorrido entre a abertura do Inquérito e a notificação da Acusação foi de três anos, o que é irrazoável; entre o início do inquérito e o trânsito em julgado decorreram seis anos.
3- O Autor deveria ter sido formalmente acusado em 2 ou 3 dias e julgado em 5 ou 6 meses, sendo irrazoável esperar três anos pela acusação ou seus anos pelo términus do processo; acresce que o pedido de aceleração processual pouco efeito teve no processo....
4- O Estado Português incorreu em responsabilidade civil extracontratual pela falta de Justiça em prazo razoável, pela violação do direito a ser julgado em prazo razoável: o artigo 6°- 1 da Convenção, artigo 20°. da Constituição da República Portuguesa, artigos 2° e artigo 12° da Lei 67/2007 de 31.12, artigo 2° do Código de Processo Civil e artigo 483° do Código Civil. E ainda:
Acórdãos TCAS Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 09034/12
Data do Acórdão: 20-03-2014
Relator: ACC
Descritores: RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR VIOLAÇÃO DO DIREITO A UMA DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL
Sumário: I. O direito a uma decisão em prazo razoável tem consagração constitucional no artº 20º, nº 4 da Constituição e no artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10.
… acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em: 1. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado português, em condenar o Estado português ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência da delonga processual, no valor de € 3.250,00… www.dgsi.pt
5- A sentença violou o artigo 6°-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 20° da Constituição da República Portuguesa e a jurisprudência do Tribunal Europeu.
Conclui que, face aos 6 anos de dimensão global do processo, deve o réu ser condenado a pagar no mínimo, 1.500€ por cada ano, no total de nove mil euros.
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II – Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos sem reparos nesta parte:
1- No dia 27.07.2010, o Autor foi detido e constituído arguido no âmbito do processo n.° 7586/10.0JFLSB da Comarca do Porto, Matosinhos - J2.
2- Em 18.02.2013, a Procuradoria-Geral da República deferiu o pedido de Aceleração Processual formulado pelo Autor.
3- Em 26.04.2013, o Ministério Público deduziu acusação contra o Autor pela prática de um crime de contrabando qualificado.
4- Em 24.05.2016 realizou-se o julgamento no Tribunal Judicial de Matosinhos.
5- Em 24.06.2016 foi proferida sentença, tendo o Autor sido absolvido.
6- A sentença descrita no ponto anterior transitou em julgado em 24.07.2016.
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III - Enquadramento jurídico.
1. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na justiça.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, no domínio dos actos de gestão pública, rege-se pelo disposto na Lei nº 67/2007, de 31.12, em vigor a partir de 30.01.2008.
O artigo 12º desse mesmo diploma determina que, salvo o disposto nos artigos seguintes, que respeitam ao erro judiciário, que não é objecto destes autos, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.
Esta última responsabilidade está prevista nos artigos 7º a 10º do diploma a que se vem aludindo.
O artigo 7º, nº 3, dessa lei dispõe que o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.
Acrescentando o artigo 7º, nº 4, que existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos.
Determina o artigo 2º, nº1, Lei nº 67/2007, de 31.12, que:
“O Estado e demais pessoas colectivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas aos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.
O artigo 9º, nº 2, considera que existe também ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no nº 3 do artigo 7º.
Por sua vez o artigo 10º, nº 2, preceitua que sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.
Tudo quanto foi alegado nos presentes autos e considerado provado foi que o Autor, no dia 27.07.2010, foi detido e constituído arguido no âmbito do processo n.° 7586/10.0JFLSB da Comarca do Porto, Matosinhos - J2, que em 26.04.2013, o Ministério Público deduziu acusação contra o Autor pela prática de um crime de contrabando qualificado; que em 24.05.2016 se realizou o julgamento no Tribunal Judicial de Matosinhos; que em 24.06.2016 foi proferida sentença, tendo o Autor sido absolvido e que essa sentença transitou em julgado em 24.07.2016, ou seja, o processo crime em questão durou quase seis anos, mais concretamente 362 dias.
Nada mais foi alegado nos presentes autos.
Nada se tendo provado sobre a verificação de um comportamento (acção ou omissão) concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, nem tendo sido possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão podemos concluir estar-se perante um funcionamento anormal do serviço?
Ou seja, o funcionamento dos serviços do Ministério Público e do Tribunal da Comarca do Porto Matosinhos – J2, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado deveriam ter evitado que a acusação demorasse quase três anos a ser proferida e a sentença três anos e três meses a ser proferida?
Estes factos por si só permitem concluir pelo anormal funcionamento dos serviços?
No recurso o Autor defende que o simples decurso do prazo de seis anos é suficiente para se concluir nesse sentido.
Mais defende que deveria ter sido formalmente acusado em 2 ou 3 dias e julgado em 5 ou 6 meses, sendo irrazoável esperar três anos pela acusação ou seis anos pelo término do processo, o que constitui violação do artigo 6º, nº1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, artigos 2º e 12º da Lei nº 67/2007, de 31.12, artigo 2º do Código de Processo Civil e artigo 483º do Cód. Civil.
Vejamos.
O artigo 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelece:
“Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada…num prazo razoável…”
Usa-se aqui uma cláusula geral que tem de ser preenchida em concreto pela jurisprudência, o que aliás também acontece com o artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, artigo 12º da Lei nº 67/2007, de 31.12, e artigo 2º do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa:
“Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável…”
O artigo 12º da Lei nº 67/2007, de 31.12:
“… é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável…”
E o artigo 2º, nº 1, do Código de Processo Civil:
“A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial…”.
Os demais preceitos invocados não aludem a esta questão, pelo que nenhum contributo oferecem para a solução do caso.
Como nenhum contributo dá para tal o artigo 2º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2017:
“O princípio da tutela jurisdicional efectiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, …”.
Como preencher esta cláusula geral “prazo razoável”, usada em todos os dispositivos legais?
Como se disse, recorrendo à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e à jurisprudência nacional, Supremo Tribunal Administrativo, Tribunal Central Administrativo Norte e Tribunal Central Administrativo Sul.
O Recorrente invoca três acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul para sustentar a sua tese de que o simples decurso de seis anos em si mesmo e independentemente de outros factores é prazo irrazoável e representa violação do direito a ser julgado em prazo razoável.
Não é essa a conclusão que se retira do acórdão invocado pelo Autor, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no processo nº 09034/12, datado de 20.03.2014, que apresenta o seguinte sumário:
I. O direito a uma decisão em prazo razoável tem consagração constitucional no artº 20º, nº 4 da Constituição e no artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10.
II. O direito à decisão da causa em prazo razoável, também referido como direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, direito a uma decisão temporalmente adequada ou direito à tempestividade da tutela jurisdicional, aponta para uma tramitação processual adequada e para a razoabilidade do prazo da decisão, no sentido de a tutela jurisdicional ocorrer em tempo útil ou em prazo consentâneo.
III. A razoabilidade do prazo deverá ser aferida mediante critérios, como a complexidade do processo, o comportamento do recorrente e das diversas autoridades envolvidas no processo, o modo de tratamento do caso pelas autoridades judiciais e administrativas e as consequências da delonga para as partes, entre outros.
IV. (…)
V. A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos, de entre os quais, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
Nem do acórdão por nós relatado, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 05.07.2012, no processo nº 02767/06.3 PRT, que apresenta o seguinte sumário:
“1. A existência ou não de um prazo excessivo na decisão de um processo judicial deve ser aferida caso a caso tendo em conta os critérios definidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: 1º - a complexidade do processo; 2º - o comportamento das partes; 3º - a actuação das autoridades competentes no processo; e 4º - a importância do objecto do litígio para o interessado.
2. Como tese geral, e sufragando o entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que um processo que demore mais de três anos numa instância excede o prazo razoável.
3. No caso das impugnações judiciais, e também como tese geral, excederá o prazo razoável aquela que demore mais de dois anos, tendo em conta do disposto no artigo 96.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (na redacção dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho).
4. Mostra-se desconforme com a lei, em concreto com o disposto nos artigos 562º, 496º, n.º1, e 566º, n.º3, do Código Civil, a decisão que fixe uma indemnização única para todos os autores e para danos morais e patrimoniais, dado que cada lesado sofre danos únicos e porque a regra de cálculo da indemnização dos danos materiais – de aproximação à reconstituição natural – é distinta da regra de cálculo da indemnização por danos morais – de recurso à equidade.
5. (…)
6. Não se justifica pagar a tradução e certificação de decisões do Tribunal Europeu por não se tratar de uma despesa necessária mas de uma despesa que os autores fizeram porque quiseram.
7. (…)
8. Os danos morais por atraso na realização da justiça presumem-se; justifica-se no entanto fixar um montante indemnizatório por este tipo de danos para o Autor que provou em concreto ter sofrido especialmente com a demora do processo, em relação à Autora que nada provou.
9. A indemnização por danos morais é, por natureza, calculada em termos actuais; daí que os respectivos juros sejam contados desde a data da sentença em primeira instância e não desde a citação, face ao disposto nos artigos 566º, n.º2, 805.º, n.º 3, e 806º, n.º 1, todos do Código Civil.
Na fundamentação do acórdão refere-se:
“Mas a mera e formal constatação de inobservância dum prazo processual fixado na lei para prolação de decisão por parte dum magistrado ou para a prática de actos processuais por parte dos funcionários judiciais, não significa automaticamente uma violação do disposto nestes preceitos.
O que seja um “prazo razoável” não se obtém por uma definição em abstracto, a partir dos prazos fixados na lei, mas de uma análise do caso em concreto.
Como sustenta Luís Guilherme Catarino (in “A responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça, O Erro Judiciário e o Anormal Funcionamento, pág.394): “(…) Se inexiste “constitucionalização” ou “fundamentalização” dos prazos processuais, não devemos considerar como fonte de anormal funcionamento da Administração da Justiça todo e qualquer atraso ou incumprimento dos prazos processuais pelas partes ou pela Administração. (…).”
Entendimento este, pacífico, que tem sido seguido uniformemente quer pelos tribunais nacionais, em particular pelo Supremo Tribunal Administrativo (ver, por todos, o acórdão de 17.3.2005, recurso n.º 0230/03), quer pelas instâncias internacionais, em concreto pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (ver, entre muitas outras, a decisão de 31.5.2005, caso ANTUNES ROCHA v. PORTUGAL).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (ver, entre outros, o acórdão de 15.10.1998, recurso n.º 036.811) e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (decisão de 8.7.1987, caso BARAONA v. PORTUGAL), inicialmente, serviu-se apenas de três critérios: 1º - a complexidade do processo; 2º - o comportamento das partes; e 3º - a actuação das autoridades competentes no processo.
Mais recentemente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem acrescentou um outro critério: a importância do objecto do litígio para o interessado (“what was at stake for the applicant in the dispute” – decisão 23.3.1994 no caso SILVA PONTES V. PORTUGAL).
Deverá assim ter-se em conta o número e a complexidade das questões de facto e de direito, o número e complexidade de consulta das peças processuais, a quantidade e complexidade das provas a produzir, etc…
Quanto ao comportamento das partes há que considerar, designadamente, o grau de cooperação das partes numa célere e correcta decisão, o eventual uso de expedientes ou manobras dilatórias que o juiz, apesar do seu poder de direcção do processo, não tenha podido evitar. Daí que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem exija, para a responsabilização do Estado demandado, que o queixoso, tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo.
No que se refere à actuação das autoridades competentes no processo, atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo mas também ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo exigindo-se aos órgãos do poder legislativo e executivo que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e reformas estruturais ao nível dos meios técnicos, materiais e humanos ao serviço da justiça.
A este propósito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não tem aceite argumentos como doenças temporárias do pessoal e a falta de recursos e meios do tribunal, o volume de trabalho e a complexidade da estrutura judiciária, considerando que foi o próprio Estado que, por força da ratificação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se comprometeu a organizar o seu sistema judiciário de molde a dar cumprimento aos ditames da Convenção.
Em todo o caso, o volume de trabalho, em nosso entender e salvo o devido respeito por opinião diversa, não pode ficar completamente afastado da análise daquilo que seja o “prazo razoável” se aceitarmos incluir nessa análise o “comportamento” dos agentes judiciários. Na verdade apreciar a conduta dos destes agentes passa não só mas também, necessariamente, pela consideração do volume de processos que cada um tem a seu cargo. Não se pode exigir, por exemplo, a um juiz que tenha a seu cargo 3.000 processos que os despache dentro dos prazos que os despacha um juiz com apenas 300, da mesma natureza.
Por fim quanto ao quarto critério analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objecto de apreciação e tipo de, mormente, a importância que a decisão tem para as partes.
O critério da importância do objecto do litígio para o demandante impõe que se tenha em conta as consequências que do processo resultam para a sua vida pessoal ou profissional, a natureza e premência dos interesses que o demandante defende no processo, e, consequentemente, a maior ou menor urgência que, objectivamente, poderá ter na respectiva efectivação.
Ver sobre este assunto os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.3.2005, recurso 0230/03, de 17.1.2007, recurso 01164/06, e de 6.2.2007, recurso 01037, do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.10.2003, recurso 12780/03, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.3.2006, processo 00005/04.2 BEPRT, de 12.10.2006, processo 00347/04.7 BEPRT, de 8.1.2007, processo 00348/04.5 BEPRT, e de 8.3.2007, processo 00470/04.8 BEPRT.
Não se pode dizer que a demora por mais de três anos numa única instância, como sucede no caso concreto, seja absolutamente anormal, mesmo no âmbito da União Europeia.
Utilizando como exemplo, entre outros, alguns dos Acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem citados pelos Autores ao longo deste processo, temos o seguinte panorama, em processos cuja questão principal foi precisamente o atraso das decisões judiciais:
- Caso CF contra Roménia – processo de 2005 (21534/05), decidido em 19.06.2012.
- Caso I… e Is… contra Eslováquia – processo de 2007 (30189/07), decidido em 12.06.2012.
- Caso V… contra França – processo de 1985 (11889/85), decidido em 20.02.1991.
- Caso D… contra Turquia – processo de 2002 (17765/02) decidido em 03.05.2007.
- Caso K… contra Turquia – processo de 2003 (32420/03), decidido em 03.05.2007.
- Caso V… contra Turquia – processo de 2003 (9613/03) decidido em 10.05.2007.
Em particular os acórdãos que se pronunciaram no sentido de que “a justiça não pode ser administrada com atrasos que comprometam a sua eficácia e credibilidade” (ver contra-alegações dos Autores a fls. 551):
- Caso P… e S… contra França – processo de 1994 (25444/94), decidido em 25.03.1999.
- Caso N… contra Alemanha – processo de 1998 (39547/98), decidido em 27.02.2003.
E os processos neste tribunal europeu são bem mais simples do que nos tribunais internos, como referem – e bem – os Autores no ponto 27 das suas alegações.
Em todo o caso, aceitamos, como tese geral, que um processo que demore mais de três anos numa instância excede o prazo razoável de acordo com o entendimento do próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (ver anotação de Isabel Celeste M. Fonseca ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.10.2003, recurso 12780, em “Cadernos de Justiça Administrativa”, n.º 44, p. 57, 2ª coluna)”.
No mesmo sentido se pronuncia o acórdão, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no proc. nº 12258/15, datado de 19.04.2018, que apresenta o seguinte sumário:
“II - Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;
III - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;
IV – Ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente a uma acção declarativa de mediana complexidade, que teve um número de partes diminuto e em que se se verificou a apresentação de meios de prova muito simples e unicamente documental, a referida lide esteve a aguardar a entrega aos autos de certidões e documentos entre 22-05-2006 e de 01-07-2010 e demorou até à prolação da sentença em 1.ª instância um tempo total de 6 anos e 5 meses;
V - O TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais vêem indicando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância de 3 anos;
VI - Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado;
VII - Deve presumir-se a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial;
VIII - Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do Código Civil. Porém, ainda aqui há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes, o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país;
IX- Pelos cerca de 3 anos que a acção terá demorado a mais será razoável fixar a indemnização a conceder em 2.500,00€”.
E no texto desse acórdão escreve-se:
“Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, a jurisprudência nacional, seguindo o entendimento que já vinha sendo tomado pelo TEDH, a propósito da aplicação do art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), vem invocando que para a apreciação da violação do prazo razoável, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais.
Verificada a violação de um dado prazo, essa constatação não será, contudo, o bastante para se concluir pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Diversamente, há então que atender também às circunstâncias do caso concreto: (i) à complexidade do caso - aqui relevando o número de partes ou de testemunhas ou o número de meios de prova a produzir; (ii) o comportamento processual das partes; (iii) a actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e a importância do litígio para o interessado – vg., havendo que apreciar-se o concreto assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor ou os próprios bens que se pretendem salvaguardar com o litígio.
Assim, verificando-se um atraso no cumprimento de prazos por razões ainda justificadas face aos termos do concreto litigio, ou derivadas de comportamentos provocados pelas próprias partes, há que afastar, nestas situações, o preenchimento do conceito de “prazo razoável”.
Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu. Para o cômputo desse prazo global releva não apenas a fase declarativa, desde o seu início, mas também a fase de execução judicial, importando apurar, no todo, o tempo em que decorreu até que uma dada pretensão formulada em juízo fosse efectivamente conhecida ou satisfeita.
Assim, como se defende no STA no Ac. n.º 0319/08, de 09-10-2008, “Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.” (sobre a apreciação do pressuposto da ilicitude por quebra do direito à justiça em prazo razoável, para além do acórdão do STA, acima citado, vide, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 122/09, de 08-07-2009, 090/12, de 10-09-2010, 122/10, de 05-05-2010, 144/13, de 27-11-2013 ou 72/14, de 21-05-2015. Entre a jurisprudência do TEDH remete-se para os Acs. n.ºs. 53615/08, de 25-09-2012, Novo e Silva c. Portugal, 75529/01, de 08-06-.2006, S… c. Alemanha, 35382/97, de 06-04-.2000, C… SA c. Portugal, 33729/06, de 10-06-2008, MC e ACC c. Portugal, 39297/98, de 08-03-2001, PO c. Portugal, 12986/87, de 24-08-1993, S… c. Itália ou 12598/86, de 19-02-1992, V… c. Itália).
Refiram-se, a este propósito, as palavras de Isabel Celeste da Fonseca, quando lembra que “o Tribunal de Estrasburgo já afirmou que a duração razoável corresponde em princípio à duração média de um processo, sendo certo que – em princípio, sublinhe-se – a duração em média em 1.ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas” (cf. da Autora, “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46).”
Vejamos, então, o caso concreto, à luz destes considerandos.
Dos factos provados apenas resulta que o processo em questão tem duas fases, distintas entre si: a primeira diz respeito à fase investigatória que culmina com a dedução da acusação; a segunda diz respeito ao processo judicial criminal propriamente dito, e integra o julgamento, prolação da decisão e seu trânsito em julgado.
Com muito acerto foram extraídos, pela primeira instância, do proc. nº 7586/10.0JFLSB, apenso aos presentes autos, os seguintes factos que são de conhecimento oficioso do juiz:
“Decorre do citado processo que o Autor, conjuntamente com mais 3 suspeitos, sendo que dois deles são de nacionalidade estrangeira, foram detidos em flagrante delito, no dia 26/07/2010.
No dia 28/07/2010, foram sujeitos a interrogatório no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, sendo indiciados pela prática de diversos crimes, estando essencialmente em causa o crime contrabando qualificado de tabaco, tendo sido fixado ao Autor, as medidas de coação de apresentações semanais no posto policial da área da sua residência e proibição de contactar com os restantes arguidos.
No âmbito da investigação, foram efetuadas diversas diligências com a Interpol, Europol e instâncias estrangeiras, nos primeiros casos, através do procedimento de Cooperação Internacional e, no segundo caso, por via de pedidos de cooperação judiciária internacional, através do competente envio de cartas rogatórias.
Na investigação, foram efetuadas diversas interseções telefónicas bem como, foi necessário recorrer ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.
A investigação implicou a análise de diversos sujeitos e entidades distribuídas por toda a Europa, Brasil e Estados Unidos da América.
De notar que a investigação efetuada visava o contrabando internacional de tabaco.
A acusação foi deduzida em 26/04/2013, após o Autor ter efetuado um pedido à Procuradoria-Geral da República, de Aceleração Processual, o qual viria a ser deferido pela mesma entidade, em 18/02/2013. De referir que a acusação foi efetuada contra 6 arguidos, dois deles de nacionalidade estrangeira, estando em causa um crime de contrabando qualificado, p. e p. no art.° 92.°, n.° 1, al. b) e 97.°, alíneas b) e c) do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.° 15/2011, de 05/06.
A medida de coação fixada ao ora Autor foi a de Termo de Identidade e Residência.”
Com fundamento nos supra referidos factos, a sentença recorrida teceu os seguintes considerandos:
“Vejamos, então, se a duração do inquérito ultrapassou o "prazo razoável" invocado pelo Autor.
Para a apreciação do caso, há que ter em conta a complexidade do processo e a atuação das autoridades competentes.
Ora, sobre os prazos de duração máxima do inquérito, o art.° 276.° do Código de Processo Penal estabelece o seguinte:
"1 - O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos de seis meses, se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de oito meses, se os não houver.
2 - O prazo de seis meses referido no número anterior é elevado:
a) Para 8 meses, quando o inquérito tiver por objeto um dos crimes referidos no n.° 2 do artigo 215.°;
b) Para 10 meses, quando, independentemente do tipo de crime, o procedimento se revelar de excecional complexidade, nos termos da parte final do n.° 3 do artigo 215.°;
c) Para 12 meses, nos casos referidos no n.° 3 do artigo 215.°
3 - O prazo de oito meses referido no n,° 1 é elevado:
a) Para 14 meses, quando o inquérito tiver por objeto um dos crimes referidos no n.° 2 do artigo 215.°;
b) Para 16 meses, quando, independentemente do tipo de crime, o procedimento se revelar de excecional complexidade, nos termos da parte final do n.° 3 do artigo 215.°;
c) Para 18 meses, nos casos referidos no n.° 3 do artigo 215.°
4 - Para efeito do disposto nos números anteriores, o prazo conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição de arguido.
5 - Em caso de expedição de carta rogatória, o decurso dos prazos previstos nos n.ºs 1 a 3 suspende-se até à respetiva devolução, não podendo o período total de suspensão, em cada processo, ser superior a metade do prazo máximo que corresponder ao inquérito.
6 - O magistrado titular do processo comunica ao superior hierárquico imediato a violação de qualquer prazo previsto nos n.ºs 1 a 3 do presente artigo ou no n.° 6 do artigo 89.°, indicando as razões que explicam o atraso e o período necessário para concluir o inquérito.
7 - Nos casos referidos no número anterior, o superior hierárquico pode avocar o processo e dá sempre conhecimento ao Procurador-Geral da República, ao arguido e ao assistente da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito.
8 - Recebida a comunicação prevista no número anterior, o Procurador-Geral da República pode determinar, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, a aceleração processual nos termos do artigo 1097 .
No presente caso, estamos perante crimes de natureza tributária, sendo necessário indagar sobre os prazos específicos constantes do RGIT.
Deste modo, estatui o art.° 42.° do RGIT, quanto à duração do inquérito e seu encerramento, o seguinte:
"1 - Os atos de inquérito delegados nos órgãos da administração tributária, da segurança social ou nos órgãos de polícia criminal devem estar concluídos no prazo máximo de oito meses contados da data em que foi adquirida a notícia do crime.
2 - No caso de ser intentado procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não é encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior.
3 - Concluídas as investigações relativas ao inquérito, o órgão da administração tributária, da segurança social ou de polícia criminal competente emite parecer fundamentado que remete ao Ministério Público juntamente com o auto de inquérito.
4 - Não serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos, cujo procedimento tem prioridade sobre outros da mesma natureza.
Ora, concatenando as duas normas transcritas, temos, por um lado, que o prazo máximo de duração do inquérito se situa entre os oito meses e os dezoito meses, sendo que no caso de terem sido enviado cartas rogatórias, o decurso dos prazos previstos nos n.ºs 1 a 3 do art.° 276.° do CP, suspende-se até à respetiva devolução, não podendo o período total de suspensão, em cada processo, ser superior a metade do prazo máximo que corresponder ao inquérito.
Por outro lado, e atendendo à especialidade do crime em causa, reza o n.° 4 do art.° 42.° do RGIT que "Não serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos".
Volvendo ao caso dos autos, do teor do processo n.° 7586/10, constata-se que a investigação perseguia crimes de especial complexidade, atendendo à localização das operações (Portugal, Europa e países terceiros), ao facto de envolver diversos agentes estrangeiros, à necessidade de traduções de documentos e de escutas telefónicas, ao recurso da cooperação internacional com a Interpol e Europol e, por último, à necessidade da cooperação judiciária internacional, através de expedição de cartas rogatórias. Aliado às diligências referidas, verifica-se que estamos perante um crime de natureza tributária, cuja norma do RGIT impede a conclusão das investigações enquanto não for apurada a situação tributária da qual dependa a qualificação criminal.
Disto nos dá conta a acusação, que identifica o montante do empobrecimento do Estado Português um função da autuação em que o Autor esteve envolvido, ascendendo ao montante de € 1.635.031,44, respeitante a prestação tributária aduaneira.
Em função do teor da norma do n.° 4 do art.° 42.° do RGIT, que dispõe que as investigações só serão concluídas com o apuramento da situação tributária da qual dependa a qualificação criminal, conjugada com os prazos máximos de duração do inquérito a que alude o art.° 276.° do CPP, que poderão chegar aos 27 meses (18 meses acrescido de 9 meses no caso de terem sido expedidas cartas rogatórias), e tendo em conta que o inquérito teve a duração de 2 anos e 9 meses (33 meses), entendemos que face à complexidade do crime em causa, bem como à necessidade de recurso à cooperação judiciária internacional, o prazo não se mostra excessivo, sendo um prazo que se considera razoável.”
Mostra-se acertada a decisão e correcta a análise feita do caso concreto.
Segue, de resto, a orientação da jurisprudência acima citada.
Quanto à fase judicial do processo, refere a decisão recorrida:
“Relativamente à demora na prolação de decisão judicial, desde o momento em que a acusação foi deduzida e a prolação da decisão final, com trânsito em julgado, decorreram 3 anos e 3 meses (de 26/04/2013 até 24/07/2016).
Ora, atendendo à jurisprudência já citada, o TEDH tem considerado como prazo razoável, a prolação de decisão que ponha termo ao processo, no prazo de 3 anos.
In casu, a decisão ultrapassou os prazos considerados razoáveis em 3 meses.
Assim, em face do diminuto prazo em que a decisão judicial ultrapassou os prazos que se consideram razoáveis, entendemos que tal ultrapassagem não mancha a celeridade da atuação da máquina judiciária, suscetível de fundamentar o pedido de indemnização formulado pelo Autor.
Assim, em face de tudo quanto antecede, julgo improcedente a pretensão formulada pelo Autor.”
Ora, efectivamente, a jurisprudência nacional e internacional considera que, em casos complexos, o prazo de duração de um processo judicial possa, inclusive, durar entre 4 a 6 anos. Este durou três anos e três meses e tem de ser qualificado como um processo complexo.
Porque os prazos da primeira e da segunda fase do referido processo são adequados aos factores supra elencados, quer nos critérios da jurisprudência nacional citada, quer nos critérios da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, também citada nos acórdãos que parcialmente reproduzimos, conclui-se que não se verifica a ilicitude decorrente do funcionamento anormal do serviço, que é um dos pressupostos para responsabilizar o Estado por atrasos na administração da justiça.
O Autor, ora Recorrente, pede, de resto, 1.500 € por cada ano que durou o processo, no total de nove mil €, do que se conclui que, na sua óptica, existiu atraso no seu julgamento desde que o processo se iniciou, dado que está a pedir uma indemnização pela violação do direito a se ser julgado num prazo razoável.
Sem a verificação deste pressuposto objectivo, da responsabilidade civil do Estado, a ilicitude, previsto nos artigos 7º, nºs 3 e 4, e 9º, nº 2, da Lei nº 67/2007, de 31.12, não pode o Autor beneficiar do direito a indemnização por danos não patrimoniais peticionada.
Não merece, pois, provimento o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.
Custas pelo Autor, enquanto parte vencida.
Porto, 23.11.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro