Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00418/20.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/28/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO – FUNDAMENTAÇÃO – PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE ESSENCIAL:
– DEGRADAÇÃO EM DISFUNÇÃO DE SEGUNDA ORDEM
Sumário:I– Um ato estará suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente do sentido da decisão nele prolatada e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.

II- Resultando adquirido que o ato administrativo em crise, do qual faz parte integrante, per remissionem, a ficha de avaliação do R.A., identifica as razões que estão na base da decisão tomada, deve entender-se que se mostra satisfeita a enunciada exigência de fundamentação.

III- O incumprimento ou o cumprimento defeituoso de uma formalidade legal pode degradar-se em disfunção de segunda ordem, sem eficácia invalidante, desde que os interessados não sejam realmente atingidos nos seus direitos de participação no contraditório e na tomada da decisão, isto é, quando se possa dizer que foram alcançados os objetivos tidos em vista pelo legislador ao prever aquela formalidade legal.

IV- Não se podendo assegurar que o objectivo a que preside o artigo 70º, nº.1 do Lei n.º 66-B/2007 foi alcançado por qualquer outra forma, não existe justificação racional para não conferir eficácia invalidante à preterição de tal formalidade.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:STAL
Recorrido 1:MUNICIPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
O SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL, STAL, devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou totalmente improcedente a presente ação, e, em consequência, absolveu o Réu MUNICÍPIO (...) do pedido.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…)
a) Quando no procedimento de avaliação de desempenho surge a atribuição da avaliação de “Desempenho Inadequado”, passa, por imperativo legal, a ser exigida uma fundamentação acrescida e específica, que deve obedecer ao que as normas, do artigo 53°, da Lei n° 66-B/2007, dispõem relativamente ao caso da atribuição de tal menção qualitativa;
b) De acordo coma as normas do artigo 53° da Lei n° 66-B/2007, a atribuição da menção qualitativa de “desempenho Inadequado” deve ser acompanhada de caracterização, que especifique os respetivos fundamentos por parâmetro, de modo a possibilitar decisões no sentido de analisar os fundamentos de insuficiência no desempenho e identificar as necessidades de formação e o plano de desenvolvimento profissional adequados à melhoria do desempenho do trabalhador e, também, fundamentar decisões de melhor aproveitamento das capacidades do trabalhador;
c) Assim, mais do que simples imputações e apreciações, impõe-se uma fundamentação mais dedicada, que permita saber qual a formação de que o trabalhador está a necessitar e quais as capacidades que se poderão potenciar;
d) Pelo que o espírito da lei espelhado na exigência de fundamentação decorrente da teleologia não se compagina com uma fundamentação genérica, indiscriminada, com abstração, assente em juízos subjetivos, não reportados aos parâmetros concretos, que não indica porque mereceram tal pontuação conducente a uma tal menção, sem qualquer concretização em termos circunstanciais, com juízos depreciativos e negativos, sem identificação de uma única capacidade do avaliado que possa ser aproveitada, uma única necessidade de formação que possa melhorar o desempenho do avaliado, inclusivamente, por que razão não foi alvo de qualquer procedimento ou sanção disciplinares;
e) Tendo em conta o que juridicamente é uma ata, ou seja, um resumo de tudo o que nas reuniões tenha ocorrido de relevante para conhecimento e apreciação da legalidade das decisões nelas tomadas, de acordo com a melhor interpretação da lei, nomeadamente do disposto no artigo 34°, n° 1, do CPA, acima exposta, forçoso é concluir que, no caso do sócio do Autor, o Conselho Coordenador da Avaliação não adotou qualquer fundamentação própria para estribar a sua decisão de validar a proposta do avaliador;
f) Considerando o espírito das normas do artigo 53°, da Lei n° 66- B/2007, curial será concluir que a fundamentação exigida ao CCA fica igualmente marcada por aquela especificidade, não bastando uma mera alusão à validação da proposta do avaliador, dado que uma mera remissão ou adesão à fundamentação do avaliador já não seria suficiente;
g) Pelo que o douto aresto recorrido, decidindo pela inexistência de fundamentação insuficiente no procedimento em causa fez errada interpretação e aplicação das normas conjugadas dos artigos 53°, da Lei n° 66-B/2007 e 152° e 153° do CPA;
h) O douto aresto não fundamenta como é que a não alegação, ou manifestação, da intenção de requerer a Comissão Paritária terá a força jurídica de tornar irrelevante um facto, em concreto, a emissão do despacho de homologação antes de expirado o prazo de para requerer a submissão do processo a parecer da Comissão Paritária;
i) Ato de homologação que pertence à categoria jurídica dos actos integrativos, ou seja, a partir da sua prolação apropria-se imediatamente dos pareceres e elementos instrutórios do procedimento, produzindo, da mesma forma imediata, efeitos externos na esfera de direitos e interesses do avaliado;
j) O que é inexorável, objectivo e relevante é que o sócio do Recorrente é notificado do despacho de homologação com esta categoria jurídica iniciando-se com este facto, o prazo 5 dias úteis para a respectiva reclamação;
k) O artigo 70°, n° 4, da Lei n° 66-B/2007, que comissão paritária pode solicitar ao avaliador, ao avaliado ou, sendo o caso, ao conselho coordenador da avaliação os elementos que julgar convenientes para o seu melhor conhecimento, bem como convidar avaliador ou avaliado a expor a sua posição, por uma única vez, em audição, cuja duração não poderá exceder trinta minutos;
l) Desta forma, pese embora a natureza de entidade consultiva da comissão paritária, a submissão do processo da avaliação à respectiva apreciação constitui uma oportunidade de participação na formação da decisão essencial;
m) Tratando-se assim de uma formalidade essencial cuja preterição inquina o procedimento de invalidade por vício de forma;
n) Acrescendo que, ignorando-se ou não relevando o “queimar” de uma fase procedimental passa-se a desculpabilizar a forma errada e a tramitação desconforme à lei, violando-se o princípio da legalidade consagrado no artigo 3° do CPA;
o) Pelo que a douta sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação das normas dos artigos 70°, n° 1, da lei n° 66-B/2007 e 3° do CPA (…)”.
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Notificada que foi para o efeito, o Recorrido contra-alegou, tendo defendido a manutenção do decidido quanto à improcedência da ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão a dirimir consiste em saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação das normas conjugadas dos (i) artigos 53°, da Lei n° 66-B/2007 e 152° e 153° do CPA e, bem assim, (ii) dos artigos 70°, n° 1, da lei n° 66-B/2007 e 3° do CPA.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1) Em 02/12/2003 o sócio do A. celebrou com o R. um contrato administrativo de provimento, com a duração de um ano, renovável por iguais períodos, tendo em vista o desempenho de funções na qualidade de Ajudante de Pedreiro, do grupo de pessoal operário qualificado, sendo o trabalhador afeto ao Departamento de Obras e Gestão de Infraestruturas Municipais (cfr. doc. de fls. 30, frente e verso, do processo administrativo).
2) Em 29/04/2008 o sócio do A. e o R. outorgaram um “Acordo de Cessação de Contrato Administrativo de Provimento”, relativo ao contrato celebrado em 02/12/2003 (cfr. doc. de fls. 31, frente e verso, do processo administrativo).
3) Em 30/04/2008 o sócio do A. celebrou com o R. um contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado, nos termos do Código do Trabalho e com as especificidades constantes da Lei n.° 23/2004, de 22/06, tendo em vista o exercício de funções relacionadas com o conteúdo funcional da carreira de Pedreiro, do grupo profissional operário qualificado (cfr. doc. de fls. 32 e 33 do processo administrativo).
4) Em 01/01/2009 o sócio do A. transitou para o regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, na categoria de assistente operacional da carreira de assistente operacional, por força da Lei n.° 12-A/2008, de 27/02 (acordo).
5) Na sequência do Despacho de Afetação n.° 15/2012/OV, de 06/07/2012, o sócio do A., que então exercia funções na Divisão de Promoção e Reabilitação da Habitação, foi afeto à Divisão de Ambiente e Saúde Pública, com efeitos a 07/07/2012, passando a trabalhar como motorista de máquinas pesadas e veículos especiais, mais concretamente conduzindo veículos de recolha de resíduos sólidos (acordo e cfr. docs. de fls. 34 a 37 do processo administrativo).
6) Em reunião do Conselho Coordenador de Avaliação (CCA) da Câmara Municipal (...) de 17/03/2017, foram aprovadas as orientações para a aplicação do SIADAP 1, 2 e 3 no biénio 2017/2018, tendo sido fixadas, para os trabalhadores que reunissem as condições previstas no art.° 80.° da Lei n.° 66-B/2007, de 28/12, para a avaliação do seu desempenho apenas com base nas competências, cinco competências obrigatórias e três competências facultativas, nos termos da Portaria n.° 359/2007, de 31/12, sendo que, no caso dos trabalhadores integrados na carreira de assistente operacional, como sucede com o sócio do A., as cinco competências obrigatórias eram as seguintes:
- N.° 2 - Orientação para o serviço público;
- N.° 5 - Trabalho de equipa e cooperação;
- N.° 8 - Adaptação e melhoria contínua;
- N.° 9 - Inovação e qualidade;
- N.° 12 - Responsabilidade e compromisso com o serviço
(cfr. doc. de fls. 1 a 3 do processo administrativo).
7) O avaliador do sócio do A., Chefe da Divisão de Ambiente, remeteu à Divisão de Recursos Humanos do R. comunicação a solicitar que aquele fosse avaliado, no biénio 2017/2018, apenas pelo parâmetro das competências, nos termos do disposto no art.° 80.° da Lei n.° 66-B/2007, de 28/12, o que obteve despacho superior favorável proferido em 16/06/2017 (cfr. docs. de fls. 4 a 7 do processo administrativo).
8) As competências referentes à avaliação de desempenho do sócio do A. no biénio 2017/2018 foram definidas e fixadas em documento assinado pelo avaliador e pelo avaliado em 09/09/2017, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. de fls. 8, frente e verso, do processo administrativo).
9) Em reunião do CCA de 30/01/2019, foi deliberado, entre outros aspetos, o seguinte:
“Tendo as fichas com as propostas de Desempenho Relevante e de Desempenho Inadequado sido remetidas em suporte papel pelos respetivos avaliadores, a Senhora Presidente do CCA informou que as mesmas se encontravam disponíveis para consulta dos presentes, alertando para situações de falta de fundamentação face às pontuações atribuídas nos parâmetros resultados e competências, referindo que cabe ao CCA não só verificar “as contas” para harmonização mas também aferir da devida fundamentação das propostas apresentadas. ------ (…) De seguida, a Senhora Presidente do CCA leu aos membros a fundamentação das propostas de Desempenho Inadequado apresentadas pelo Senhor Chefe da Divisão de Ambiente, Eng.° Fernando Rebelo, após o qual os membros decidiram devolver a ficha de avaliação do trabalhador (...) assistente operacional, para que o avaliador proceda à devida fundamentação. Assim, os membros do CCA aprovaram por unanimidade a devolução das fichas de avaliação dos trabalhadores identificados, estabelecendo o prazo de 3 dias para que os avaliadores procedam à devida fundamentação.”
(cfr. doc. de 9, frente e verso, do processo administrativo).
10) O desempenho do sócio do A. foi avaliado pelo respetivo avaliador, no biénio 2017/2018, com a pontuação final global de 1,0 no parâmetro das competências, a que corresponde a menção qualitativa de “Desempenho Inadequado”, por ter sido classificado, em cada uma das competências avaliadas, referidas supra no ponto 8), com a pontuação de 1 - Competência não demonstrada ou inexistente (cfr. doc. de fls. 19 a 22 do processo administrativo).
11) Consta do ponto 6 - “Fundamentação da menção de desempenho inadequado” - da ficha de avaliação do sócio do A., no biénio 2017/2018, o seguinte:
“Condutor de veículos pesados que já passou por diversos serviços do Município o que demonstra instabilidade; Comportamentos de total desprezo pelas funções, pelo equipamento e pelas pessoas; ausência de brio profissional e de compromisso c/o serviço; sistematicamente não cumpre as ordens nem os procedimentos pré-estabelecidos; foi alvo de diversas propostas de procedimento disciplinar”
(cfr. doc. de fls. 19 a 22 do processo administrativo).
12) Em reunião do CCA de 27/02/2019, os respetivos membros decidiram, por unanimidade, validar, entre outras, a proposta de “Desempenho Inadequado” referente ao sócio do A. e que foi apresentada pelo seu avaliador, quanto ao biénio 2017/2018, correspondente à classificação de 1,000 valores (cfr. doc. de fls. 23 e 24 do processo administrativo).
13) O ponto 4 - “Comunicação da Avaliação ao Avaliado” - da ficha de avaliação do sócio do A., no biénio 2017/2018, não se encontra por este assinado, tendo sido no mesmo aposta, no campo “Observações”, pelo respetivo avaliador, a seguinte informação, de 29/01/2020:
“Em 23.01.2020, o trabalhador esteve presente no serviço e declarou ter de pensar, até ao dia seguinte, se assinava o presente documento. Até à presente data, não o tendo feito, considera-se que o mesmo recusou tomar conhecimento da presente avaliação. Foi testemunha a funcionária G.”
(cfr. doc. de fls. 19 a 22 do processo administrativo).
14) Em 05/02/2020 o Vereador da Câmara Municipal (...), Dr. C., com competências delegadas/subdelegadas, proferiu despacho de homologação da avaliação de desempenho atribuída ao sócio do A. no biénio 2017/2018 (cfr. doc. de fls. 21, no verso, do processo administrativo).
15) O ponto 13 - “Conhecimento da Avaliação após a Homologação/Despacho do Dirigente Máximo do Serviço” - da ficha de avaliação do sócio do A., no biénio 2017/2018, não se encontra por este assinado, tendo sido no mesmo aposta, pelo respetivo avaliador, a seguinte informação, de 04/02/2020:
“O trabalhador ficou de pensar e referiu que no dia seguinte dizia ‘alguma coisa'. Decorridos 10 dias sem que o mesmo tenha dito nada, assume-se que o mesmo recusou subscrever o presente documento. É testemunha a assist. téc. G. que igualmente assina”
(cfr. doc. de fls. 21, no verso, do processo administrativo).
16) Através do ofício n.° 11675, de 22/05/2020, recebido em 27/05/2020, com o assunto '“Biénio 2017/2018 — conhecimento após homologação", foi remetida ao sócio do A. “cópia da ficha de avaliação homologada pelo Senhor Vereador, Dr. C.” (cfr. docs. de fls. 17 a 18, no verso, do processo administrativo).
17) Em 01/06/2020 o sócio do A. apresentou reclamação do despacho de homologação da sua avaliação de desempenho do biénio 2017/2018, proferido em 05/02/2020, alegando, em suma, que o ato recorrido era inválido por violação dos art.ºs 53.°, 66.° e 68.° da Lei n.° 66-B/2007, de 28/12, e por desrespeitar a forma imposta pela referida Lei e pelos art.ºs 152.° e 153.° do CPA (cfr. doc. de fls. 14 a 16, no verso, do processo administrativo).
18) Em 25/08/2020 o avaliador do sócio do A. elaborou pronúncia a respeito da reclamação por este apresentada, da mesma constando, além do mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. de fls. 27 e 28 do processo administrativo).
19) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 15/09/2020 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).
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Factos não provados:
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
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Os factos que foram considerados provados resultaram do exame dos documentos supra identificados, constantes dos autos e do processo administrativo apenso, conjugados com a vontade concordante das partes (acordo), nos termos expressamente referidos no final de cada facto (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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As questões decidendas traduzem-se em saber, como sabemos, se a sentença recorrida, ao (i) julgar inverificado o suscitado vício de falta de fundamentação do acto impugnado, e, bem assim, ao (ii) não atribuir eficácia invalidante à detetada irregularidade procedimental traduzida na homologação da avaliação de desempenho atribuída ao R.A. antes de decorrido o prazo de 10 dias úteis legalmente previsto no nº. 1 do artigo 70º do SIADAP - que permitia ao RA requerer a apreciação do seu processo por parte da Comissão Paritária -, incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação das normas conjugadas dos (i) artigos 53°, da Lei n° 66-B/2007 e 152° e 153° do CPA e dos artigos 70°, n° 1, da Lei n° 66-B/2007 e 3° do CPA, respetivamente.
Vejamo-las especificadamente.
Assim, e com reporte à primeira crítica dirigida à sentença recorrida, importa que se comece por sublinhar que, como é jurisprudência pacífica, um ato estará suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente do sentido da decisão nele prolatada e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.
Fazendo apelo a esta orientação jurisprudencial, é para nós absolutamente apodítico que o ato impugnado, consubstanciado no despacho do Vereador da Câmara Municipal (...) de 05/02/2020, que procedeu à homologação da avaliação do desempenho do seu associado no biénio 2017-2018, satisfaz a enunciada exigência.
Na verdade, o ato impugnado teve por base a ficha de avaliação do R.A elaborada pelo respetivo Avaliador, que propôs a final a atribuição da notação de “Desempenho Inadequado”.
Neste sentido, entendemos que a entidade decidente aceitou a proposta de avaliação de desempenho, assim, absorvendo o respectivo conteúdo e fundamentação, desse modo, a convertendo em decisão própria.
Examinando a fundamentação per relationem em causa, resulta cristalino que a atribuição da notação de desempenho sindicada tem na sua génese a seguinte fundamentação: “(…) Condutor de veículos pesados que já passou por diversos serviços do Município o que demonstra instabilidade; Comportamentos de total desprezo pelas funções, pelo equipamento e pelas pessoas; ausência de brio profissional e de compromisso c/o serviço; sistematicamente não cumpre as ordens nem os procedimentos pré-estabelecidos; foi alvo de diversas propostas de procedimento disciplinar (…)”.
Perante este quadro, um destinatário médio compreende razoavelmente o iter cognoscitivo-valorativo que conduziu à atribuição da notação de desempenho “Inadequado” promanada no ato impugnado.
Desde modo, é de manifesta evidência que o ato administrativo em crise, do qual faz parte integrante, per remissionem, a ficha de avaliação do R.A., identifica as razões que estão na base da decisão tomada, encontrando-se suficientemente fundamentado.
Pelo que bem andou, neste particular conspecto, o Tribunal a quo ao decidir em conformidade com o que se vem de atravessar.
Idêntica conclusão, porém, já não é atingível no domínio da decidida falta de eficácia invalidante da detetada irregularidade procedimental traduzida na homologação da avaliação de desempenho atribuída ao R.A. antes de transcorrido o prazo de 10 dias úteis legalmente previsto no nº. 1 do artigo 70º do SIADAP, que permitia ao R.A. requerer a apreciação do seu processo por parte da Comissão Paritária.
De facto, extrai-se do probatório coligido nos autos que o Vereador da Câmara Municipal (...) proferiu despacho de homologação da avaliação de desempenho atribuída ao R.A. um dia antes de terminar o prazo de 10 dias úteis legalmente previsto no nº. 1 do artigo 70º do SIADAP.
Contudo, o Tribunal a quo entendeu se tratava de uma “(…) mera “irregularidade” que, em todo o caso, não se mostra suscetível de invalidar, in casu, o ato de homologação entretanto proferido (…)”, já que não alegou o “(…) o A., na verdade, que era efetiva intenção do seu sócio submeter a sua avaliação à apreciação da Comissão Paritária e que a circunstância de ter sido praticado o ato de homologação, de alguma forma, impediu (ou, pelo menos, dificultou) o exercício desse direito (…)”, sendo certo que “(…) mesmo que o sócio do A. tivesse feito uso, no prazo legal, da faculdade prevista no art.° 70.°, n.° 1, do SIADAP e não podendo a audição da Comissão Paritária ser, em caso algum, recusada (nem sequer, portanto, com o hipotético fundamento de já ter sido proferido despacho de homologação), o exercício daquele direito não sairia prejudicado (…)”.
Salvo o devido respeito, não acompanhamos esta posição.
Na verdade, a intervenção da comissão paritária não consiste numa mera formalidade sem relevância procedimental.
Bem pelo contrário.
A comissão paritária, que é composta, em regra, por representantes da Administração, designados pelo dirigente máximo do serviço, e representantes dos trabalhadores, por estes eleitos, tem uma intervenção relevante no procedimento avaliativo, tendo a sua apreciação que constar de um relatório fundamentado com proposta de avaliação, subscrito por todos os vogais que a compõem e, no caso de não se verificar consenso, deve conter as propostas alternativas apresentadas e a respectiva fundamentação (art. 70º, nºs. 5 e 6 da Lei n.º 66-B/2007).
Acrescente-se que, no caso de o avaliado deduzir reclamação contra o acto de homologação da sua avaliação de desempenho, o relatório da comissão paritária deve ser tido em conta pelo dirigente máximo do serviço na decisão que vier a proferir sobre aquela reclamação (art. 72º, n.º 2 da Lei n.º 66-B/2007).
Pelo que, a posição adotada pela comissão paritária pode influir na formação da convicção do dirigente máximo do serviço e, consequentemente, no sentido da decisão que este vier a tomar na decisão da reclamação.
Pelo que deveria ter sido dado ao R.A. a oportunidade, para querendo, exercer tal faculdade na sua plenitude, o que não sucedeu, já ocorreu uma compressão não justificada do prazo legalmente previsto para requerer a apreciação do processo pela Comissão Paritária.
Naturalmente, pode perspetivar-se, como fez o Tribunal Recorrido, a irrelevância deste patologia procedimental, procurando-se, com isso, degradá-la em disfunção de segunda ordem sem eficácia invalidante.
Realmente, o incumprimento ou o cumprimento defeituoso de uma formalidade legal pode degradar-se em disfunção de segunda ordem, sem eficácia invalidante, desde que os interessados não sejam realmente atingidos nos seus direitos de participação no contraditório e na tomada da decisão, isto é, quando se possa dizer que foram alcançados os objetivos tidos em vista pelo legislador ao prever aquela formalidade legal [vd. neste sentido aresto do STA, de 20.02.2020, tirado no processo nº.0894/08.1BESNT].
Porém, no caso em apreço, não é possível assegurar que o objetivo legal da formalidade essencial foi alcançado por qualquer outra forma, nem as razões avançadas na decisão judicial nos convencem de tal.
E se assim é, então não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, não conferir eficácia invalidante à preterição da formalidade em análise.
Atinge-se, deste modo, a conclusão de que o ato impugnado não pode ser salvo com base no princípio do aproveitamento dos atos administrativos.
Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir pela procedência do erro de julgamento de direito ora em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e julgada procedente a presente ação administrativa.
Assim se decidirá.
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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, revogar a decisão judicial recorrida e julgar procedente a presente ação administrativa.

Custas a cargo do Recorrido.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 28 de janeiro de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia