Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02203/18.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/17/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA – PRAZO – INTEMPESTIVIDADE – EXCEÇÃO DILATÓRIA – CONHECIMENTO OFICIOSO – CONTRADITÓRIO
Sumário:I – Nos termos do disposto no artigo 89º nºs 2 e 4 alínea k) do CPTA (na versão do DL. nº 214-G/2015) a intempestividade da instauração da ação administrativa, atualmente nominada de intempestividade da prática do ato processual consubstancia uma exceção dilatória, e como tal, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

II – Por a intempestividade da instauração da ação consubstanciar uma exceção dilatória, o seu conhecimento é oficioso (cfr. artigo 89º nº 2, 1ª parte do CPTA), não estando esse conhecimento dependente de invocação pela parte contrária.

III – O conhecimento das exceções dilatórias deve ser efetuado em sede de despacho-saneador (cfr. artigo 88º nº 1 alínea a) do CPTA) e este deve ser proferido no âmbito de audiência prévia (cfr. artigo 87º-A nº 1 alínea d) do CPTA), a não ser que seja claro que o processo deva findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, caso em que a audiência prévia não se realiza, sendo o despacho-saneador proferido por escrito, e notificado às partes (cfr. artigo 87º-B nº 1 a línea c) do CPTA).

IV - Mas, num ou noutro caso, sempre haverá que garantir o direito de contraditório, enquanto princípio estruturante do processo, tal como previsto no artigo 3º nº 3 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, nos termos do qual “…o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

V - No caso de a notificação ter sido efetuada por carta registada, ela “…presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil” (cfr. artigo 113º nº 1 do CPA).

VI – O disposto no artigo 59º nº 2 do CPTA, de acordo com o qual “…o prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário”, deve ser conjugado com o disposto na alínea b) do artigo 279º do Código Civil, nos termos do qual “…na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr” e na alínea c) do mesmo artigo 279º, que dispõe que “…o prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.A.C.L.
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

M.A.C.L. (devidamente identificada nos autos) instaurou em 02/10/2018 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ação administrativa em que é réu o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP., na qual peticionou a condenação do réu: a) a reconhecer que as decisões constantes dos Doc.s nºs 5 e 6 juntos com a PI são inválidas; b) a pagar mensalmente à autora o complemento por dependência, bem como todos aqueles que deveria ter pago a esse título desde a data em que o requereu (Maio de 2017) até então, acrescidos de juros de mora legais a contar do vencimento de cada um deles até ao seu integral pagamento, a liquidar oportunamente; c) a reconhecer que não detém qualquer direito de sub-rogação sobre direito da identificada indemnização, no montante de 148.878,00€; d) a reconhecer que o autor, à data da apresentação do seu pedido de reforma reunia os requisitos legais necessários para a sua atribuição (pensão de velhice por antecipação).
A Mmª Juíza do Tribunal a quo absolveu o réu da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual prevista no artigo 89º nº 4 alínea k) do CPTA.
Inconformada a autora interpôs o pressente recurso de apelação, pugnando pela revogação daquela decisão, com prosseguimento dos autos para conhecimento do mérito da ação, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
A. Segundo o art.° 333° CC a caducidade apenas é do conhecimento oficioso em sede de direitos indisponíveis, ou se for invocada pela parte que dela aproveita.
B. Não é este o caso, visivelmente, em que apenas estão em causa determinados direitos de crédito, de origem indemnizatória, depois de constituídos, não existindo nenhuma norma que impeça a sua renúncia ou a sua disposição - cfr. noção de "indisponível" em Ana Prata, Dicionário Jurídico, pagina 541
C. Mesmo que se considerasse que a matéria em causa versa sobre direitos indisponíveis, o tribunal só podia conhecer a caducidade, se ela fosse invocada; o que não sucedeu.
D. Acresce que, para apreciar a caducidade cumpria ao tribunal a quo, decidir antecipadamente se se verifica, em abstracto e nos termos em que foi invocada pela recorrente, o vício apontado, pois se concluísse pela nulidade do acto administrativo, nos termos das ai. a), d) g), i), k, e I) do artigo 161 do CPA, a acção seria tempestiva - artigo 58° n° 1 CPA.
E. O tribunal não dispunha de elementos suficientes para fixar a matéria de facto correspondente ao ponto 2, que até é contraditória pois ora admite a que a recorrente terá recebido a notificação a 28/06/2018, ora refere que a mesma confessou tal matéria no ponto 19° da sua pi.
F. Segundo o art.° 640° do CPC, importa desde já consignar que a resposta constante da matéria de facto dada como provada/fixada no ponto 2 deve ser alterada para "Não Provada" ou, no mínimo deve passar a ter o seguinte teor: "A recorrente desconhece em que dia recebeu a notificação referida no anterior ponto 1 da matéria fixada."
G. Com efeito, na sua pi, concretamente nos artigos 18° a 22°, foi alegado o seguinte (sublinhado nosso):
20. A recorrente não se recorda da data em que recebeu o doc. n.° 2 infra, objecto dos presentes autos. 21 Ora, do doc. 2 consta a data de 27/06/18, pelo que, no máximo, a recorrente poderia tê-la recebido no dia seguinte, ou seja 28/06/18.
24. À partida, segundo o art.° 58° n.° 1 al. b) CPTA, esta acção teria de ser proposta no prazo de 3 meses.
25. Consequentemente, a acção teria de ser proposta até 28 de Setembro, pelo que, no limite, o dia de hoje consubstancia o 2° dia útil com multa, para a propor.
26. Assim e a fim de não correr riscos, a recorrente junta o comprovativo do pagamento da multa correspondente ao 2° dia útil, embora, como acima se referiu, desconheça se a tal estará obrigada ou não.
H. Segundo o art.° 352° do CC "Confissão é o reconhecimento de que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária".
I. Em lado algum da pi a recorrente confessa ou reconhece que recebeu a carta a 28/06/18; muito pelo contrário, a recorrente alega que não sabe em que dia a recebeu e que só liquida a multa à cautela, justamente porque desconhece a data da sua recepção e consequentemente se o prazo terminava ou não a 28/09/18.
J. Aliás, o ónus de provar a caducidade da acção nem sequer pertence à recorrente, pelo que, no mínimo, antes de decidir, o tribunal devia (ao abrigo dos artigos 6° e 7° CPC) notificar a recorrido para comprovar o dia a recorrente recebeu a carta - art.° 342° n.° 2 e 343° n.° 2 CC ­pois se não se provar o momento em que esta tomou conhecimento da carta, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, a acção terá de se considerar tempestiva.
K. O tribunal recorrido também se devia ter pronunciado acerca da consequência da omissão da audiência prévia, admitida pelo recorrido pois, em função do seu entendimento, a acção até poderia ser considerada prematura.
L. Com efeito, o art.° 163° n.° 5, al. c) CPA não se enquadra na situação dos autos porquanto, destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito, contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à nulidade da decisão, salvo se esta só pudesse, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso se impunha, o seu aproveitamento pela aplicação daquele preceito legal; aproveitamento esse que terá sempre de ser efectuado por um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela audição da requerente.
M. No caso, lendo a contestação, é absolutamente notório que a recorrido ainda não compreendeu o cerne da questão, pelo que a audição da recorrente mostrava-se imprescindível e iria concerteza influenciar a tomada de decisão por parte da recorrido, pois daria oportunidade à recorrente de alegar, entre outras coisas que:
· A pi é clara: ao contrário do que refere o recorrido, à recorrente foi-lhe reconhecido o direito a receber a quantia de 171.941,00€, e não 148.878,00€, como aquele refere - cfr. acórdão cio STJ junto à pi sob o n.° 1.
· Como refere esse acórdão, há "um outro valor que esta tem direito a receber e que é o complemento de dependência de 1° grau atribuído a pensionistas de invalidez básica da vida quotidiana nomeadamente realização de serviços domésticos, apoio na alimentação, apoio à locomoção ou apoio nas necessidades de higiene. Considerando o seu valor mensal actual, de 101,68 e reportando ás dimensões temporais já ponderadas, ou seja os sobreditos 23 anos vezes 12 meses alcança-se um valor de € 28.063,00. Abatendo ao valor de € 171.941,00 encontra-se o de € 148.878,00." - cit. doc. 1
· Ao recorrido não assiste qualquer direito de subrogação sobre a quantia de 148.878,00€, visto que não foi apenas esta a quantia que lhe foi atribuída, mas antes 171.941,00€.
· O recorrido inculca em erro quando diz que a recorrente pretende receber duas vezes o mesmo direito, pois como se vê, o que esta reclama daquele são os 28.063,00€, acima referidos, ou seja a diferença entre aquilo que tem direito a receber e aquilo que recebeu.
· A recorrente só pretende receber a pensão ordenada pelo STJ, na sua decisão, transitada em julgado, pelo que se a recorrido entender que lhe assiste algum direito de subrogação terá de o fazer junto da companhia de seguros responsável, mas nunca sobre a recorrente.
· Só desta forma é que se respeita o principio geral do não locupletamento à custa alheia e do enriquecimento sem causa, pois de outro modo ocorreria uma grave distorção da unidade jurídica do sistema jurídico, se ao recorrido coubesse o direito de negar (a pensão referida) e retirar (aos 148.878,00€) à recorrente os direitos que lhe foram pessoal e judicialmente reconhecidos por acórdão, transitado em julgado.
N. A violação deste direito ofendeu gravemente o conteúdo essencial de direitos fundamentais nomeadamente os referidos nos artigos 63° n.° 3, 64°, 71°, 202° e 205° n.° 2 CRP) devendo, pois, ser sancionada com a nulidade, que é invocável a todo o tempo (artigo 161° n.° 1, al. a), d), g), i), k, e I) d e n.° 2 do CPA), sob pena de inadmissível denegação da justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, nos seguintes termos:

«I- Inconformada com a sentença do TAF de Braga que julgou improcedente a impugnação administrativa intentada por M.A.C.L. contra “Instituto da Segurança Social ,IP_ Centro Nacional de Pensões”, que absolveu o Réu da instância por entender que a acção de impugnação era intempestiva, a Autora veio interpor recurso para este TCA com os fundamentos indicados nas conclusões das suas alegações, que aqui se dão por reproduzidas.
II - Compulsados os autos, afiguram-se-nos que são 3 as questões a dirimir:
1ª - Saber se houve erro da sentença ao fixar como facto provado que a Autora recebeu a carta para notificação do despacho administrativo no dia 28.06.2018.
2ª - Saber se, findos os articulados, o tribunal tinha elementos suficientes para concluir que à data da entrada em juízo da P.I 02.10.2081, o direito à impugnação estava já caducado.
3ª - Saber se a caducidade do direito à acção pode ser do conhecimento oficioso do tribunal, mesmo que o Réu a não tenha invocado, como sucedeu no caso em apreço.
III - Salvo melhor opinião, o recurso não merece provimento, pelos motivos que se passam a expor.
Quanto à primeira questão.
É certo que a Autora começa por dizer na P.I que não sabe em que dia recebeu a carta para notificação do despacho administrativo, porém, não é menos o certo que acaba por admitir no mesmo articulado que a recebeu em 28.06.2018.
Assim sendo, e não tendo nenhuma das partes contrariando aquele facto, afigura-se-nos que não podia deixar de se ter dado por assente aquela factualidade.
Quando muito, a assim não ser entendido, considerando que a carta foi expedida a 27.06.2018, a notificação sempre teria de ser dada como efectuada pelo menos a 30.06.20128 (6ª feira, dia útil), de acordo com o disposto no art. 113º, nº 1 e 2 do CPA.

Quanto à segunda questão.
Considerando o que acima foi dito, é evidente que o tribunal, conhecendo as datas da notificação e a data da entrada em juízo da impugnação, estava apto a determinar, segundo as normas legais aplicáveis, se o direito à acção estava caduco.
Assim sendo e tendo em atenção que o prazo de 3 meses fixado no art. 58º, n º 1, a.b) do CPTA é um prazo substantivo, ao qual não se aplica o art. 139, nº 5 e 6 do CPC, aplicável apenas aos prazos processuais, no dia 02.10.2018 estava já caduco o direito à impugnação, quer se tenha em consideração como data da notificação o dia 28.06 ou 30.06.2018.

Quanto à terceira questão.
Dispõe o art. 89ª, nº 4, al. k) do CPTA:
Exceções
1 - As exceções são dilatórias ou perentórias.
2 - As exceções dilatórias são de conhecimento oficioso e obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3 - As exceções perentórias consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, são de conhecimento oficioso quando a lei não faz depender a sua invocação da vontade do interessado e importam a absolvição total ou parcial do pedido.
4 - São dilatórias, entre outras, as exceções seguintes:
a) Incompetência do tribunal;
b) Nulidade de todo o processo;
c) Falta de personalidade ou de capacidade judiciária de alguma das partes;
d) Falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter;
e) Ilegitimidade de alguma das partes, designadamente por falta da identificação dos contrainteressados;
f) Coligação de autores ou demandados, quando entre os pedidos não exista a conexão exigida no artigo 12.º
g) Pluralidade subjetiva subsidiária, salvo caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida;
h) Falta de constituição de advogado ou de representante legal por parte do autor e a falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a ação;
i) Inimpugnabilidade do ato impugnado;
j) Ilegalidade da cumulação de pretensões;
k) Intempestividade da prática do ato processual;
l) Litispendência e caso julgado.

Do teor desta norma resulta que, em sede de direito processual administrativo, o juíz não só pode, como deve, conhecer da excepção de intempestividade da impugnação, oficiosamente, mesmo que tal não tenha sido invocado pelas partes.
***
Face ao exposto, o recurso deve improceder, mantendo-se a sentença recorrida.»


Sendo que dele notificadas as partes, apresentou-se a recorrente a responder, pugnando pela procedência do recurso, pelos fundamentos que renovou.
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Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se deve ou não ser mantida a decisão de absolvição do réu da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória da intempestividade da prática do ato processual (intempestividade da instauração da ação), prevista no artigo n.º 4 alínea k) do CPTA.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

A Mmª Juíza do Tribunal a quo fixou no despacho-saneador objeto do presente recurso como factualidade relevante a seguinte, assim ali vertida expressis verbis:

1. Foi remetida à Autora notificação com data de 27.06.2018 – cfr. fls. 24 dos autos em suporte físico;
2. A Autora terá recebido a notificação em 28.06.2018 – confissão da Autora no ponto 19 da petição inicial;
3. A petição inicial, que motiva os presentes autos, foi remetida a este Tribunal, via SITAF, em 02.10.2018 – cfr. registo SITAF.
**
B – De direito

1. Da decisão recorrida
Pela decisão recorrida o Tribunal a quo julgando verificada a exceção dilatória da intempestividade da prática do ato processual, prevista na alínea k) do n.º 4 do artigo 89º do CPTA (na versão decorrente da revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015), absolveu o réu da instância, decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«A intempestividade da prática de ato processual é uma exceção dilatória expressamente prevista no artigo 89º, n.º 4, alínea k) do C.P.T.A. vigente à data de entrada do presente processo, que, a ser procedente, determinará a absolvição da instância do réu, isto é, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.
O prazo de impugnação contenciosa, para atos anuláveis, encontra-se previsto no artigo 58º, n.º 1, alínea b) do C.P.T.A. e é de três meses desde a notificação do ato, o qual se suspende com a utilização de meios de impugnação graciosa, retomando-se ou com a notificação da decisão quanto à impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal de decisão, consoante o que ocorra em primeiro lugar (artigo 59º, n.º 4 do C.P.T.A.). Este prazo conta-se nos termos previstos no artigo 279º do C.C. – artigo 58º, n.º 2 do C.P.T.A..
Sendo este prazo de caducidade, a mesma determina que o direito em causa (concretamente de impugnar o ato administrativo) morre se não for exercido em tempo, sendo que o benefício do artigo 139º, n.ºs 5 e 6 do C.P.C. não tem a virtualidade de impedir tal morte. Ou seja, o benefício do artigo 139º, n.ºs 5 e 6 do C.P.C. só se aplica a prazos processuais e já não a prazos substantivos (como é este caso).
Corroborando o que se refere, pode ver-se o acórdão do TCA Sul de 16.06.2016, proferido no processo 13349/16, quanto a situação semelhante mas referente a processo de contencioso pré-contratual: “I – O prazo para intentar processo de contencioso pré-contratual, previsto no artigo 101º do CPTA, na versão actualmente vigente, é um prazo de caducidade – substantivo – e não processual – adjectivo. […] Assim, porque estamos perante um prazo de caducidade, cujo decurso faz extinguir o direito a demandar, e não perante um prazo estabelecido para a prática de um acto inserido num processo judicial pendente, temos então de concluir que, relativamente ao prazo para intentar processo de contencioso pré-contratual, não tem aplicação o disposto nos nºs. 5 e 6 do art. 139º do CPC, dado este regime apenas se reporta aos prazos judiciais.”.
Aplicando o que se expôs ao presente processo, não se podendo aplicar o benefício dos três dias de multa (artigo 139º, nºs 5 e 6 do C.P.C.), para que a ação fosse tempestiva (com data de entrada a 02.10.2018), a Autora teria que ter sido notificada em 04.07.2018. Ora, tal não vem alegado pela Autora (que admite mesmo que terá sido notificada a 28.06.2018), não vem demonstrado, nem tampouco resulta da aplicação da presunção do artigo 113º, n.º 1 do C.P.A..
Por ser assim, verifica-se a exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual e absolve-se o Réu da instância (artigo 89º, n.º 4, al. k) do C.P.T.A.).
Devolva-se o valor pago a título de multa, por não ser devido.»

2. Da análise e apreciação do recurso
2.1 A primeira questão a conhecer é a de saber se era lícito à Mmª Juíza conhecer oficiosamente, como fez, sem que fosse suscitada pelo réu, e sem que tenha sido processualmente discutida, a caducidade do direito de ação.
2.2 Comecemos por constatar que a ação foi instaurada em 02/10/2018 e a decisão recorrida prolatada em 22/11/2018, por conseguinte uma e outra no âmbito da vigência do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) na versão decorrente da revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro (cfr. artigo 15º nºs 1 e 2), e anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, que procedeu à quinta alteração àquele código (cfr. artigo 14º).
Pelo que todas as referencias aos normativos daquele Código devem considerar-se feitas para a versão então em vigor, que era a decorrente das alterações introduzidas pelo DL. n.º 214-G/2015, mas anterior à dada pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro.
2.3 A respeito dos prazos de impugnação de atos administrativos dispõem o seguinte os artigos 58º e 59 do CPTA (na versão da revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015):
“Artigo 58º
Prazos
1 - Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.
3 - A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do n.º 1:
a) Nas situações em que ocorra justo impedimento, nos termos previstos na lei processual civil;
b) No prazo de três meses, contado da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; ou
c) Quando, não tendo ainda decorrido um ano sobre a data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma.
4 - [Revogado].”

“Artigo 59.º
Início dos prazos de impugnação
1 - Sem prejuízo da faculdade de impugnação em momento anterior, dentro dos condicionalismos do artigo 54.º, os prazos de impugnação só começam a correr na data da ocorrência dos factos previstos nos números seguintes se, nesse momento, o ato a impugnar já for eficaz, contando-se tais prazos, na hipótese contrária, desde o início da produção de efeitos do ato.
2 - O prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento, ou da data da notificação efetuada em último lugar caso ambos tenham sido notificados, ainda que o ato tenha sido objeto de publicação, mesmo que obrigatória.
3 - O prazo para a impugnação por quaisquer outros interessados começa a correr a partir de um dos seguintes factos:
a) Quando os atos tenham de ser publicados, da data em que o ato publicado deva produzir efeitos;
b) Quando os atos não tenham de ser publicados, da data da notificação, da publicação, ou do conhecimento do ato ou da sua execução, consoante o que ocorra em primeiro lugar.
4 - A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar.
5 - A suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adoção de providências cautelares.
6 - O prazo para a impugnação pelo Ministério Público conta-se a partir da data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória.
7 - O Ministério Público pode impugnar o ato em momento anterior ao da publicação obrigatória, caso tenha sido entretanto desencadeada a sua execução.
8 - A retificação do ato administrativo ou da sua notificação ou publicação não determina o início de novo prazo, salvo quando diga respeito à indicação do autor, do sentido ou dos fundamentos da decisão.

2.4 Resulta do artigo 58º nº 1 alínea b) do CPTA que o prazo (geral) de que os interessados dispõem para a propositura da ação administrativa visando a impugnação de atos administrativos anuláveis é de 3 meses, só não estando sujeitos a prazo de impugnação os atos nulos, sendo a nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado e podendo ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal (cfr. artigo 58º nº 1, 1ª parte do CPTA artigo 162º nº 2 do CPA novo – DL. nº 4/2015).
2.5 Nos termos do disposto no artigo 89º nºs 2 e 4 alínea k) do CPTA a extemporaneidade da instauração da ação administrativa, atualmente nominada de intempestividade da prática do ato processual (e que o CPTA na sua versão original designava por caducidade do direito de ação - cfr. artigo 89º nº 1 alínea h) do CPTA na sua versão original) consubstancia uma exceção dilatória, e como tal, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.
Nessa medida, e por se tratar de exceção dilatória, o seu conhecimento é oficioso, tal como expressamente previsto na primeira parte do nº 2 do artigo 89º do CPTA, na versão decorrente da revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, que dispõe o seguinte: “As exceções dilatórias são de conhecimento oficioso e obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal”.
2.6 Isso significa que o juiz da causa, no âmbito da ação administrativa, como é o caso, não só pode, como deve, aferir da tempestividade (ou não) da instauração da ação, não estando esse conhecimento dependente de invocação pela parte contrária.
2.7 No caso aquela exceção não foi suscitada pelo réu INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL I.P. na contestação que apresentou (fls. 57 SITAF).
Com efeito, compulsado aquele articulado constata-se que ali o réu se defendeu apenas por impugnação, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados na ação, pelas razões e fundamentos que ali expôs, não tendo em momento algum suscitado a extemporaneidade da respetiva instauração.
2.8 Foi a constatação de que com a Petição Inicial da ação a autora procedeu ao pagamento de multa prevista no artigo 139º nº 2 alínea c) do CPC, pela dita apresentação tardia da petição inicial (a que a autora também aludiu nos artigos 18º a 22º daquele seu articulado inicial) que motivou a Mmª Juíza a quo a debruçar-se sobre a questão da tempestividade (ou não) da instauração da ação, como desde logo explicitou na decisão recorrida, onde começou por referenciar o seguinte: «Antes de mais, porque a Autora procedeu ao pagamento de multa pela apresentação tardia da petição inicial, cabe analisar tal questão de imediato».
2.9 Mas por a intempestividade da instauração da ação consubstanciar uma exceção dilatória, o seu conhecimento é oficioso, nos termos do artigo 89º nº 2, 1ª parte do CPTA, não estando esse conhecimento dependente de invocação pela parte contrária.
2.10 E se assim é não colhe a tese da recorrente no sentido de que a Mmª Juíza a quo não podia proceder ao conhecimento ex oficio da exceção da caducidade do direito de ação.
2.11 A questão está em que a Mmª Juíza a quo avançou na apreciação oficiosa daquela exceção, que veio a julgar verificada, sem garantir o exercício do direito de contraditório.
2.12 Lembre-se que nos termos do disposto no artigo 88º nº 1 alínea a) do CPTA, o conhecimento das exceções dilatórias deve ser efetuado em sede de despacho-saneador. E que este deve ser proferido no âmbito de audiência prévia, nos termos do artigo 87º-A nº 1 alínea d) do CPTA (na versão do DL. nº 214-G/2015). A não ser que seja claro que o processo deva findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, caso em que, nos termos do artigo 87º-B nº 1 a línea c) a audiência prévia não se realiza, sendo o despacho-saneador proferido por escrito, e notificado às partes.
2.13 Mas, num ou noutro caso, sempre haverá que garantir o direito de contraditório, tal como previsto no artigo 3º nº 3 do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, nos termos do qual “…o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
2.14 Como é sabido o princípio do contraditório é um princípio estruturante do processo, decorrendo expressamente do disposto no artigo 3º nº 3 do CPC novo, aplicável aos processo nos tribunais administrativos ex vi do artigo 1º do CPTA, que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Norma já colhida, em idêntico dispositivo, no anterior CPC.
A tal respeito José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in, “Código de Processo Civil, Anotado”, Volume 1º, 1999, págs. 7 a 9, referem, ainda no âmbito do anterior do CPC, mas que mantém plena validade, o seguinte:
«Os n.ºs 3 e 4, ambos introduzidos pelo DL 329-A/95 e aperfeiçoados pelo DL 120/96, consagram o princípio do contraditório, o primeiro em geral e na vertente proibitiva da decisão-surpresa e o segundo no aspeto da alegação dos factos da causa.
Resultam estes preceitos duma conceção moderna do princípio do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior. Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.(…)
No plano das questões de direito, veio a revisão proibir a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes. Esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objeto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade. Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)».
2.15 No sentido que vimos assumindo, veja-se também Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 4ª edição, 2017, pág. 701, em anotação ao artigo 88º do Código, que ali dizem o seguinte:
«(…)As exceções dilatórias são de conhecimento oficioso, devendo ser apreciadas independentemente de terem sido suscitadas pelas partes nos articulados (a1tigo 89.º, n.º 2, em correspondência com o artigo 578.º do CPC), e, por outro lado, tais questões têm de ser necessariamente analisadas e decididas no despacho saneador, por força da proibição que decorre do n.º 2 deste artigo 88.º (cfr. infra, nota 3). Ao autor cabe responder às exceções deduzidas na contestação através da réplica, assim como o demandado pode responder na tréplica às exceções deduzidas na réplica sobre a matéria da reconvenção (artigo 85.º-A, n.ºs l e 6), assim se assegurando o princípio do contraditório. Fora dessa situação, quando o juiz pretenda conhecer oficiosamente de qualquer questão prévia que obste ao conhecimento do objeto do processo, deve ouvir previamente o autor, devendo, para esse efeito, ordenar a sua notificação para responder em dez dias. A não audição do autor constitui nulidade processual, visto que a omissão é suscetível de influir na decisão da causa (acórdão do TCA Sul de 27 de outubro de 2011, Processo n.º 7759/11), não bastando o cumprimento da formalidade com a mera notificação da contestação sem que da mesma resulte que o autor tem dez dias para responder às questões prévias suscitadas (acórdão do TCA Norte de 27 de janeiro de 2012, Processo n.º 408/09).”
2.16 A circunstância de a Mmª Juíza a quo ter procedido oficiosamente à apreciação da intempestividade da propositura da ação sem que tenha previamente procedido à audição das partes, máxime à audição da autora, constitui nulidade processual que afeta a decisão que a veio a dar como verificada, nos termos do artigo 195º nº 1 do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA.
Aliás, os termos em que foi prolatada a decisão e respetivos fundamentos, contrapostos com as invocações feitas pela recorrente no recurso, em especial as que respeitam aos apontados erros de julgamento, seja quanto aos factos seja quanto ao direito, refletem e evidenciam essa influência. O que desde logo conduz e impele à necessária anulação da decisão recorrida (cfr. artigo 195º nº 1 do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA).
2.17 É certo que nada há a apontar ao entendimento feito pela Mmª Juíza a quo, que se mostra correto, no sentido de afastar a aplicação do regime contido no artigo 139º n.ºs 5 e 6 do CPC, por entender, com apoio na jurisprudência que citou, que este só se aplica a prazos processuais e já não a prazos substantivos como é o caso do prazo para a instauração da ação. Pelo que, também corretamente, determinou a devolução à autora do valor por ela pago a título de multa.
2.18 Mas não se vê como possa ser mantida a decisão de absolvição do réu da instância com fundamento na intempestividade da instauração da ação (por a respetiva petição inicial ter sido apresentada para além do prazo legal de três meses contado da notificação datada de 27/06/2018), assente na ideia de que a autora «terá recebido» aquela notificação em 28/06/2018, como foi vertido no ponto 2. do probatório.
2.19 É que no caso de a notificação ter sido efetuada por carta registada, ela “…presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”, nos termos do artigo 113º nº 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo DL. nº 4/2015, de 7 de janeiro, aqui temporalmente aplicável.
2.20 Trata-se, como é bom de ver, se uma presunção ilidível, como, aliás, também decorre do nº 2 daquele mesmo artigo 133º do CPA.
Mas a afirmação, como circunstância meramente eventual e incerta, de que que a autora «terá recebido» essa notificação logo no dia seguinte, isto é, em 28/06/2018, carece da firmeza e certeza necessárias, que o julgamento factual impunha, para que pudesse ter-se feito operar a partir daquela data a contagem do prazo legal para instaurar a ação.
2.21 Por outro lado a autora não confessou na Petição Inicial da ação, que recebeu a referida notificação em 28/06/2018. O que a Autora ali referiu foi que não se recordava da data em que o recebeu e que constando dele a data de saída de 27/06/2018 poderia tê-la recebido, no máximo, no dia seguinte, isto é, em 28/06/2018 (vide artigos 18º e 19 da PI).
Pelo que também não pode ter-se a notificação como feita nesse dia, se tal facto não se mostra confessado, como bem sustenta a recorrente no presente recurso.
2.22 Tudo isto fortalece e reforça a conclusão de que o Tribunal não podia ter decidido pela verificação da exceção dilatória da intempestividade da ação, sem proceder à audição das partes, máxima da autora, garantindo o exercício do respetivo direito de contraditório.
2.23 Acrescendo ainda dizer que a circunstância de a própria autora ter antecipadamente assumido que a ação devia ser instaurada até 28/09/2018, essa assunção, em provável erro, não condiciona nem limita o julgamento quanto à tempestividade (ou não) da ação. O prazo para a sua instauração haverá de ser contado em aplicação das normas legais, por referência à factualidade para tando relevante, tal como seja apurada nos autos, designadamente e desde logo, daquela que seja decorrente dos elementos probatórios nela patenteados, mas igualmente sem prejuízo das averiguações que se revelem necessárias, tal como a solicitação da competente informação junto dos serviços postais.
2.24 Com efeito, o disposto no artigo 59º nº 2 do CPTA, de acordo com o qual “…o prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário”, deve ser conjugado com o disposto na alínea b) do artigo 279º do Código Civil, nos termos do qual “…na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr” e na alínea c) do mesmo artigo 279º , que dispõe que “…o prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”.
Pelo que o prazo de três meses para a instauração da ação começará a contar do dia seguinte àquele em que a decisão impugnada foi notificada, e terminará às 24 horas do dia que lhe corresponda no terceiro mês subsequente.
Prazo que se conta de modo contínuo, sem suspensão durante os períodos de férias judiciais, por efeito no nº 1 daquele artigo 58º do CPTA (na versão do DL. nº 214-G/2015) – (vide, neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Sul de 01/06/2017, Proc. nº 1642/16.8BELSB; de 19/04/2018, Proc. nº 1549/17.1BELSB; de 05/04/2018, Proc. nº 1114/16.0BELSB e de 04/10/2018, Proc. nº 239/18.2BESNT, disponíveis, in, www.dgsi.pt/jtca e os acórdãos deste TCA Norte de 09/06/2017, Proc. nº 00936/16.7BEPRT; de 06/04/2018, Proc. nº 00125/16.0BEMDL e de 12/04/2019, Proc. n.º 465/17.1BEPRT, este último de que fomos relatores, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcn).
2.25 Razão pela qual também não pode subscrever-se o entendimento feito pelo Tribunal a quo de que para que a ação fosse tempestiva a autora teria que ter sido notificada em 04/07/2018.
Na verdade, se for de considerar que a notificação do ato impugnado se operou através do ofício de notificação expedido em 27/06/2018 (uma quarta-feira), e não for de afastar a presunção estabelecida no artigo 113º nº 1 do CPA, deve ter-se a autora por notificada em 02/07/2018 (segunda-feira seguinte) por ser o terceiro dia útil posterior ao registo.
O que conduzirá a que deva, em tal caso, considerar-se como primeiro dia do prazo de três meses para a instauração da ação o de 03/07/2018 (dia seguinte) e o último dia do prazo o de 03/10/2018 (cfr. artigo 279º alíneas b) e c) do Código Civil). Do que resultará a tempestividade da ação, que foi instaurada em 02/10/2018, data em que foi apresentada em juízo a respetiva petição inicial.
2.26 Mas não pode firmar-se desde já essa conclusão, não sem antes assegurar-se às partes o respetivo direito de contraditório, nos termos e fundamentos supra vistos, e sem se aferir adequadamente, tendo presente o objeto da ação, se o prazo para a sua instauração deve, ou não, ser contado por referência à identificada notificação.
2.27 Razão pela qual se impõe a necessária anulação da decisão recorrida por ter sido prolatada sem que tenha sido precedida de audição das partes, máxime da autora, omissão que por ter influência sobre a decisão, consubstancia nulidade processual nos termos do artigo 195º nº 1 do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA.
Devendo, em consequência, os autos baixar à 1ª instância para que aí seja assegurado o direito de contraditório omitido, bem como, caso se venha a revelar imprescindível, se proceda às averiguações necessárias atinentes ao ato de notificação, antes do conhecimento oficioso, a efetuar em sede de despacho-saneador, quanto à exceção dilatória da intempestividade da ação.
O que se decide.
Com o que fica, concomitantemente, prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, anulando-se a decisão recorrida, e ordenando-se a baixa dos autos para os efeitos supra consignados, se a tanto nada vier a obstar.

Sem custas nesta instância, em face do provimento concedido ao recurso e à circunstância de o recorrido não ter contra-alegado - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Porto, 17 de janeiro de 2020


M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato