Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01952/20.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/07/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO INFORMAÇÕES; NOMEAÇÃO DE PATRONO - NP: ORDEM DOS ADVOGADOS – OA; ESCUSA;
Sumário:1 – A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões dá concretização, no plano da lei processual, ao imperativo constitucional decorrente do artigo 268.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

2 – O pedido de escusa apresentado por advogado nomeado no âmbito do patrocínio judiciário, constitui um incidente enxertado no procedimento de proteção jurídica, a cuja documentação trocada entre o advogado nomeado e a Ordem dos Advogados, o beneficiário do apoio judiciário tem direito a aceder, não se tratando de matérias abrangidas por segredo profissional, podendo, quando muito, serem expurgados os dados pessoais, de acordo com um juízo de proporcionalidade.

3 - Tendo em conta que no pedido de escusa os patronos nomeados tem de alegar os «motivos» do mesmo [artigo 34º, nº1, do «Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais»], é compreensível que o beneficiário dessa nomeação, posta em causa com o pedido de escusa, tenha interesse pessoal, e direto, em saber os motivos subjacentes a esse pedido, o que não poderá ir para além do juridicamente admissível.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:Ordem dos Advogados
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

J., tendo vindo a requerer a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra a Ordem dos Advogados, tendente à intimação desta “a facultar ao Requerente a consulta integral dos processos de nomeação de patrono (“N.P.”) 16223/2020, N.P. 99933/2020, N.P. 34859/2020, N.P. 99928/2020, N.P. 34878/2020, N.P. 100978/2020, N.P. 101548/2020, N.P. 104661/2020, N.P. 101667/2020, N.P. 134582/2019, N.P. 140429/2019, N.P. 156557/2017 e N.P. 90353/2019, (...)”, inconformado com a decisão proferida no TAF do Porto, em 18 de janeiro de 2021, através da qual se julgou, designadamente, “(...) a presente intimação parcialmente procedente (...) e, em consequência, intimo a Ordem dos Advogados a (...) facultar ao ora Requerente a consulta dos processos administrativos de nomeação de patrono N.P. 16223/2020, N.P. 34859/2020, N.P. 34878/2020, N.P. 101548/2020, N.P. 104661/2020, N.P. 101667/2020, N.P. 134582/2019 e N.P. 156557/2017, excluindo dessa consulta e emissão de certidão, todavia, todos os documentos em que constem dados de cariz pessoal dos Patronos/Advogados, e que colidam com a reserva da sua vida privada, nos termos supra elencados”, veio Recorrer para esta Instância em 8 de fevereiro de 2021, aí tendo concluído:

“A. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, ao objeto dos presentes autos - pedido de consulta integral dos processos administrativos de nomeação de patrono no âmbito do SADT, com inclusão aos pedidos de escusa formulados por advogados nomeados - não são, em princípio, aplicáveis as restrições previstas aos documentos nominativos da LADA.
B. Por princípio, nos referidos pedidos não constarão dados pessoais dos patronos que tenham de ser protegidos ou até dados de saúde ou outros dados que se relacionem com a vida privada dos ilustres patronos – cfr. fls. 40 da sentença.
C. É difícil conceber uma situação em que, qualquer advogado nomeado no âmbito do SADT, faça incluir num pedido de escusa dados pessoais que não sejam de acesso público; relembre-se, a este propósito, que os dados profissionais dos advogados constam do site https://portal.oa.pt/advogados/pesquisa-de-advogados/ e que são os seguintes: nome profissional, morada profissional, número cédula profissional, telefone do escritório ou telemóvel, fax e e-mail, data inscrição, conselho regional e localidade; todos estes dados são de acesso livre, por qualquer cidadão com internet e são os bastantes para formular um pedido de escusa.
D. É difícil conceber uma situação em que, qualquer advogado nomeado no âmbito do SADT, faça incluir num pedido de escusa, elementos relativos à sua intimidade, sexualidade, saúde, vida particular ou familiar, orientação política ou convicções filosóficas.
E. A este propósito, qualquer pedido de escusa, fundando em motivos de saúde, não tem que especificar nem a condição de saúde, nem os tratamentos específicos ou intervenções a que terá que se submeter, bastando fazer uma simples referência genérica para motivar essa escusa.
F. Ora, a simples referência genérica não configura, salvo devido respeito por melhor opinião, qualquer dado relativo à intimidade da vida privada que determine a proibição de acesso pelo beneficiário que tem todo o direito a saber que por motivos pessoais e de saúde (sem se dizer exatamente quais são esses motivos) os ilustres patronos formulam um pedido de escusa.
G. Qualquer especificação relativa a esses dados redunda numa livre escolha do profissional que submete o referido pedido que sabe que, à partida, o seu requerimento será do conhecimento das diferentes pessoas – desde os administrativos, assessores e o próprio decisor do pedido de escusa -, assim como do próprio beneficiário.
H. Admitindo, contudo, que estranhamente haja uma especificação de tal sorte pormenorizada que contenda com dados pessoais e relativos a intimidada da vida privada do patrono nomeado e ainda que se entenda que tal especificação não resulte de uma escolha do patrono subscritor de tal pedido, esta análise tem que ser casuística e dirigida ao caso concreto.
I. Não cabendo ao Ilustre Julgador de 1.ª Instância, determinar, em abstrato, a exclusão de todos os documentos em que constem dados de cariz pessoal dos Patronos/advogados e que colidam com a reserva da sua vida privada.
J. Tanto mais que tais referências podem simplesmente ser ocultadas, como seja a referência a uma específica doença/maleita/diagnóstico ou a um concreto tratamento/cirurgia, sem que seja negado o concreto acesso ao pedido de escusa.
K. Em bom rigor, o acesso a tais documentos nominativos não tem que ser simplesmente negado – retirando-se ou excluindo tais documentos do processo –, porquanto a lei encontra uma solução mais consentânea com o princípio da proporcionalidade: os documentos administrativos são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada — cfr. art. 7°, n° 6 da LADA.
L. Contendo os documentos qualquer elemento que contendam com a reserva da intimidade da vida privada dos advogados subscritores basta expurgar tal informação dos mesmos, expurgação que é perfeitamente possível por simples rasura da doença em concreto ou do tratamento/procedimento cirúrgico a que terá submetido.
M. Um advogado que recuse assumir o mandato para que foi nomeado, pode e deve, por princípio, informar o beneficiário de proteção jurídica de que vai pedir escusa do patrocínio e quais os fundamentos pelos quais efetua tal pedido, não fazendo qualquer sentido que, depois de deferida a escusa, o mesmo beneficiário não pode ter acesso a esses mesmos fundamentos.
N. De resto, caso sejam retirados os pedidos de escusa – onde poderão constar tais dados de cariz pessoal e que colidam com a reserva da vida privada –, com esse mesmo fundamento, como defende o Tribunal a quo, será impossível escrutinar se os referidos pedidos de escusa têm por base essas mesmas razões.
O. Diferentemente, apenas o acesso ao pedido de escusa com rasura da informação que, eventualmente, possa contender com dados pessoais ou reserva da vida privada, permitirá ao beneficiário escrutinar se as razões indicadas são ou não reais.
P. Tanto mais, que os atos de deferimento ou indeferimento do pedido de escusa, são suscetíveis de recurso hierárquico e de impugnação através de recurso contencioso para os tribunais administrativos – cfr. art. 6.º, n.º 1 e 3 do EOA.
Q. E para que tais direitos tenham expressão e concretização prática, o mínimo que se exige é que os beneficiários tenham acesso aos fundamentos do pedido de escusa, mesmo que esses pedidos sejam objeto de rasura/ocultação na parte respeitante a eventuais dados pessoais ou informações conexas com a reserva da vida privada – cfr. art. 6.º, n.º 8 da LADA — o que manifestamente é possível de, neste caso, ser feito - cfr. pareceres da CADA n° 89/2020, 208/2019 e 316/2017 disponível em https://www.cada.pt/pareceres e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-02-2017, disponível em www.dgsi.pt.
R. O Tribunal a quo não poderia intimar a Recorrida a facultar a consulta ao requerente, excluindo da referida consulta e emissão de certidão, todos os documentos em que constam dados de cariz pessoal dos patronos/advogados e que colidam com a reserva da vida privada.
S. Em primeiro lugar, esta prescrição de exclusão de documentos generalista não é permitida pela lei que determina, como resulta de tudo quanto alegado, uma avaliação casuística dos pedidos de escusa em causa, com conhecimento do seu concreto teor.
T. Em segundo lugar, a referida exclusão de documentos vai contra a previsão normativa que privilegia sempre o acesso aos documentos – ainda que parcial, com rasura ou omissão de informação conexa com dados pessoais e a reserva da vida privada -, nos termos do art. 6.º, n.º 8 da LADA.
U. A decisão recorrida ao decidir de tal sorte violou por manifesto erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 3.º, n.º 1, al. b), 5.º, 6.º, n.º 5, 8 e 9, todos da LADA, devendo ser revogada e substituída por outra que determine a procedência da intimação requerida, ordenando a consulta integral dos processos de nomeação em causa, sem qualquer limitação abstrata e, no caso da sentença do Tribunal a quo, sem a limitação referente à exclusão de todos os documentos em que constam dados de cariz pessoal dos patronos/advogados e que colidam com a reserva da vida privada. Sem prescindir,
V. A decisão recorrida ao interpretar o n.º 2 do art. 83.º do CPA, no sentido de poder limitar, em abstrato, o acesso à consulta integral dos procedimentos de nomeação de patrono e posterior emissão de certidão, determinando a exclusão de todos os documentos – de onde constem dados de cariz pessoal ou que colidam com a sua vida privada -, quando o acesso a esses documentos possa existir de forma parcial e por simples, rasura/expurgação de tal conteúdo, acolheu uma interpretação violadora do disposto direito à obtenção de informação, do princípio da proporcionalidade (em todos os seus subprincípios) e o princípio da separação de poderes, consagrados nos arts. 268.º, 18.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa, sendo, assim, tal interpretação materialmente inconstitucional
W. Ao Tribunal caberia determinar o acesso aos referidos processos de nomeação, sem qualquer restrição, e à entidade administrativa caberá apurar se existem alguma razão para limitar esse acesso – dados pessoais ou conexos com a reserva da vida privada – e qual a forma de os salvaguardar, se simplesmente excluindo os referidos documentos ou concedendo o acesso parcial a esses documentos com expurgação da informação em causa, designadamente através da competente rasura.
X. O Tribunal não pode substituir-se à administração e muito menos pode determinar em abstrato qual a forma de proteger os dados pessoais/informação sobre reserva da vida privada, podendo, quanto muito, apreciar as decisões tomadas a esse propósito pela administrativo a pedido do requerente/interessados no acesso à informação em causa.
Termos em que, nos melhores de direito que V. Exa. superiormente decidirá, deve o recurso ser julgado totalmente procedente por provado, Assim se fazendo a habitual Justiça!”

Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 12 de abril de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, impondo-se verificar se ocorrerá a suscitada ilegalidade “do acórdão recorrida (...) por violação do disposto nos arts. 3.º, n.º 1, al. b), 5.º, 6.º, n.º 5, 8 e 9, todos da LADA e do direito de informação procedimental, do princípio da proporcionalidade e do princípio da separação de poderes, consagrado nos arts. 268.º, 18.º, n.º 3, 2.º da CRP”.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
1. Em 14/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 16223/2020 – cf. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial;
2. Por ofício datado de 31/08/2020, o Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, informou o Requerente que poderia consultar o processo de nomeação de patrono referenciado no ponto antecedente, no dia 8 de Setembro de 2020, a partir das 14h:00, de acordo com os termos fixados por despacho do Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, incorporado naquela comunicação, e do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
«Conceda-se ao Beneficiário a consulta do processo de nomeação, com as restrições do número seguinte.
No momento da consulta do processo os pedidos de escusa de patrocínio (com exceção daqueles que tenham como fundamento da inexistência de fundamento legal ou inviabilidade da pretensão) apresentados pelos senhores Advogados devem ser retirados do processo - ainda que o nºs de folhas e a razão da não inclusão deva constar do lugar anteriormente ocupado pelo documento referido.
Deverá a Secção providenciar pelo agendamento da referida consulta e cumprimento das regras de afastamento e higienização.
Informe-se todos os advogados nomeados que será facultada a consulta ao Beneficiário de todo o processo de nomeação, com exceção dos pedidos de escusa cujo fundamento não seja a inviabilidade ou inexistência da pretensão.
(…)» – cf. documento junto pelo requerente a fls. 264 do SITAF;
3. Em 08/09/2020, o Requerente compareceu nas instalações do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, e procedeu à consulta do processo de nomeação de patrono N.P. 16223/2020, referenciado nos pontos 1) e 2) que antecedem, tendo, subsequentemente, em 9/09/2020, solicitado a extração de cópia das respectivas fls. 7, 8, 63 e 64 do processo administrativo, o que lhe foi facultado pela Entidade Requerida –
cf. documento n.º 9 junto com a resposta da Entidade Requerida e constante a fls. 207 a 210 do SITAF;
4. Em 14/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 99933/2020 – cf. documento n.º 2 junto com o requerimento inicial;
5. Em 17/08/2020, o Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, informou o Requerente, via correio eletrónico, por este rececionado, que, poderia consultar o processo de nomeação de patrono referenciado no ponto antecedente, no dia 4 de Setembro de 2020, a partir das 14h:00, de acordo com os termos fixados por Despacho do Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, incorporado naquela comunicação eletrónica, e do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
«1- Conceda-se ao Beneficiário a consulta do processo de nomeação, com as restrições do número seguinte.
2.- No momento da consulta do processo os pedidos de escusa de patrocínio (com exceção daqueles que tenham como fundamento da inexistência de fundamento legal ou inviabilidade da pretensão) devem ser retirados do processo - ainda que o nºs de folhas e a razão da não inclusão deva constar do lugar anteriormente ocupado pelo documento referido.
3. – Deverá a Secção providenciar pelo agendamento da referida consulta e cumprimento das regras de afastamento e higienização.
4. – Informe-se todos os advogados nomeados que será facultada a consulta ao Beneficiário de todo o processo de nomeação, com exceção dos pedidos de escusa cujo fundamento não seja a inviabilidade ou inexistência da pretensão.
(…)» – cf. documento n.º 14 junto aos autos com o requerimento inicial.
6. Em 14/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 156557/2017 – cf. documento n.º 12 junto com o requerimento inicial;
7. Em 27/08/2020, foi facultado o acesso parcial ao processo administrativo N.P. referenciado no ponto antecedente, com restrições de consulta – cf. documento n.º 15 junto com a resposta da Entidade Requerida e constante a fls. 237-238 do SITAF;
8. Em 14/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 34878/2020 – cf. documento junto pelo Requerente a fls. 265 do SITAF;
9. Em data anterior, e não concretamente apurada, o Requerente solicitou, junto dos serviços da Entidade Requerida, a consulta integral do processo de nomeação de patrono N.P. 34878/2020, referenciado no ponto antecedente, o que veio a ser objeto de resposta, através de comunicação eletrónica do Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, de 27/07/2020, da qual se extrai que foi autorizado o acesso aos documentos constantes no processo administrativo, mas declinada a consulta dos pedidos de escusa que não tivessem por fundamento a inviabilidade da pretensão, bem como, de requerimentos apresentados pelos Advogados designados no âmbito do apoio judiciário – cf. documento n.º 11 junto com a Resposta da Entidade Requerida e constante a fls. 213 a 215 do SITAF;
10. Em 05/08/2020, no seguimento da comunicação referenciada no ponto antecedente, o Requerente dirigiu uma comunicação eletrónica aos serviços da Requerida, afirmando que “No seguimento das últimas comunicações (a partir de 25.07.2020) a marcar as datas de consulta de processos administrativos, comunica-se o seguinte (…) 34878/2020 para 16 setembro 2020 (com retirada de folhas não irá ser consultado face à recusa de consulta integral e seguirá, consequentemente, nova Intimação” – cf. documento n.º 11 junto com a Resposta da Entidade Requerida e constante a fls. 213 a 215 do SITAF;
11. Em 19/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 34859/2020 – cf. documento n.º 3 junto com o Requerimento Inicial;
12. Em data anterior, e não concretamente apurada, o Requerente solicitou, junto dos serviços da Entidade Requerida, a consulta integral do processo de nomeação de patrono N.P. 34859/2020, referenciado no ponto antecedente, a qual veio a ser objeto de resposta através do Ofício do Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, de 23/07/2020, da qual se extrai que foi autorizado o acesso aos documentos constantes no processo administrativo, mas declinada a consulta dos pedidos de escusa que não tivessem por fundamento a inviabilidade da pretensão, bem como, de requerimentos apresentados pelos Advogados designados no âmbito do apoio judiciário – cf. documento n.º 10 junto com a Resposta da Entidade Requerida e constante a fls. 211 e 212 do SITAF;
13. Em 24/07/2020, no seguimento da comunicação referenciada no ponto antecedente, o Requerente dirigiu uma comunicação eletrónica aos serviços da Requerida, dizendo que “À data de hoje foi recebida várias notificações em registo simples a marcar as datas de consulta de processos administrativos. No seguimento do email com as datas disponíveis, pede-se novo agendamento nomeadamente (…) 34859/2020 para 17 setembro 2020 (com retirada de folhas não irá ser consultado face à recusa de consulta integral e seguirá, consequentemente, nova Intimação” – cf. documento n.º 10 junto com a Resposta da Entidade Requerida e constante a fls 211 e 212 do SITAF;
14. Em 19/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 99928/2020 – cf. documento n.º 4 junto com o Requerimento Inicial;
15. Em 20/08/2020, o Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, informou o Requerente, através de correio eletrónico, por este rececionado, que sobre o pedido referenciado no ponto anterior recaiu o despacho do Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
«Conceda-se ao Beneficiário a consulta integral do processo de nomeação, com exceção da escusa apresentada pelo Dr. A..
Além disso, se entre a data do presente despacho e o momento da consulta do presente processo de nomeação por parte do Beneficiário existir qualquer outro pedido de escusa de patrocínio, cujo fundamento não seja a inexistência de fundamento legal ou inviabilidade da pretensão, o mesmo deve ser retirado do processo - ainda que o nºs de folhas e a razão da não inclusão deva constar do lugar anteriormente ocupado pelo documento referido.
Deverá a Secção providencia pelo agendamento da referida consulta e cumprimento das regras de afastamento e higienização.
(…)» – cf. documento n.º 16 junto aos autos com o requerimento inicial;
16. Em 19/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 100978/2020 – cf. documento n.º 6 junto com o Requerimento Inicial;
17. Em 20/08/2020, o Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, informou o Requerente, via correio eletrónico, por este rececionado, que, poderia consultar o processo de nomeação de patrono referenciado no ponto antecedente, no dia 4 de Setembro de 2020, a partir das 14h00, de acordo com os termos fixados por despacho do Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, incorporado naquela comunicação eletrónica, e do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
«Conceda-se ao Beneficiário a consulta integral do processo de nomeação, com exceção da escusa apresentada pelo Dr. Pedro Freitas por conter apenas factos relacionados com a reserva da vida privada daquele advogado.
Além disso, se entre a data do presente despacho e o momento da consulta do presente processo de nomeação por parte do Beneficiário existir qualquer outro pedido de escusa de patrocínio, cujo fundamento não seja a inexistência de fundamento legal ou inviabilidade da pretensão, o mesmo deve ser retirado do processo - ainda que o nºs de folhas e a razão da não inclusão deva constar do lugar anteriormente ocupado pelo documento referido» – cf. documento n.º 15 junto com o Requerimento Inicial;
18. Em 27/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 101548/2020, mais referindo que “caso não seja autorizada a consulta integral, desde já se comunica que não o consultará o processo e não será necessário marcar data e notificar igualmente advogado(s)” – cf. documento n.º 7 junto com o Requerimento Inicial;
19. Por ofício datado de 08/09/2020, o Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, informou o Requerente que sobre o pedido referenciado no ponto anterior recaiu o despacho do Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, do qual se extrai o seguinte:
«Defere-se a requerida consulta do processo de nomeação, com exceção do pedido de escusa apresentado pelo Dr. J.» – cf. documento n.º 17 junto aos autos com o requerimento inicial;
20. Em 27/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 104661/2020, mais referindo que “caso não seja autorizada a consulta integral, desde já se comunica que não o consultará o processo e não será necessário marcar data e notificar igualmente advogado(s)” – cf. documento n.º 8 junto com o Requerimento Inicial;
21. Em 18/09/2020, o Requerente compareceu nas instalações do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, e procedeu à consulta do processo de nomeação de patrono N.P. 104661/2020, referenciado no ponto antecedente, tendo, subsequentemente, em 19/09/2020, solicitado a extração de cópia das respectivas fls. 38, 40, 43, 59, 61, 62 e 108, mais referindo que lhe foi vedado o acesso a fls. 31 a 33, 83 a 85, 95 e 96, 112 a 116 – cf. documento n.º 12 junto com a resposta da Entidade Requerida e constante a fls. 216 a 218 do SITAF;
22. A Entidade Requerida procedeu à emissão de cópias das fls. 38, 40, 43, 59, 61, 62 e 108 do processo administrativo N.P. 104661/2020, referenciado nos pontos 20) e 21) que antecedem – cf. documento n.º 12 junto com a resposta da Entidade Requerida e constante a fls. 216 a 218 do SITAF;
23. Em 20/08/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 134582/2019 – cf. documento n.º 10 junto com o Requerimento Inicial;
24. Por ofício datado de 30/09/2020, o Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, informou o Requerente que sobre o pedido referenciado no ponto anterior recaiu o despacho do Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
«(…) Conceda-se a consulta do processo de nomeação, com exceção dos pedidos de escusa apresentados pelos Advogados nomeados que não tenham como fundamento a inviabilidade da pretensão ou inexistência de fundamento, que deverão ser retirados
(…)» – cf. documento n.º 18 junto com o Requerimento Inicial;
25. Em 21/09/2020, o Requerente, solicitou, através de correio eletrónico, dirigido ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a consulta integral, e posterior extração de cópias ou certidão, do processo de nomeação de patrono N.P. 101667/2020 – cf. documento n.º 9 junto com o Requerimento Inicial;
26. Por ofício datado de 29/09/2020, o Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, informou o Requerente que poderia consultar o processo de nomeação de patrono referenciado no ponto antecedente, no dia 29 de Setembro de 2020, de acordo com os termos fixados por despacho do Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, incorporado naquela comunicação, e do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
«(…) Conceda-se ao Beneficiário a consulta do processo de nomeação, excluindo-se os pedidos de escusa que não tenham como fundamente a inexistência ou inviabilidade da pretensão.
(…)» – cf. documento n.º 13 junto com a resposta da Entidade Requerida constante a fls 219 a 233 do SITAF;
27. Até à presente data, a Entidade Requerida não respondeu aos pedidos que lhe foram dirigidos através dos requerimentos referenciados nos pontos 8 e 11) antecedentes;
28. Em 16/09/2020, o Requerente deu entrada, por correio eletrónico, dirigido ao Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social, I.P., de um requerimento de proteção jurídica, na modalidade de nomeação, pagamento de compensação de patrono e dispensa de taxa justiça e demais encargos com o processo – cf. documento n.º 20 junto com o requerimento inicial;
29. Em 28/09/2020, o pedido de proteção jurídica referenciado no ponto antecedente foi objeto de despacho de deferimento. – cf. documento n.º 21 junto com o requerimento inicial;
30. O presente processo de intimação deu entrada neste Tribunal, via SITAF, em 16/10/2020 – cf. fls. 1 do SITAF.

IV – Do Direito

No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“Como se deixou previamente consignado, o Requerente, alegando a qualidade de beneficiário de proteção jurídica, vem peticionar que a Entidade Demandada seja intimada a facultar o acesso à integralidade dos processos administrativos de nomeação de patrono oficioso N.P. 16223/2020, N.P. 34859/2020, N.P. 34878/2020, N.P. 101548/2020, N.P. 104661/2020, N.P. 101667/2020, N.P. 134582/2019 e N.P. 156557/2017 e a extrair cópias e/ou certidão dos documentos desses processos que o Requerente selecionar para esse fim.
Compulsado o probatório que se deu por assente, resulta à evidência que o Requerente curou de apresentar, junto dos serviços da Entidade Requerida, os competentes requerimentos a solicitar a consulta, e reprodução de cópias, dos aludidos processos de nomeação de patrono [cf. pontos 1), 6), 8), 11), 18), 20), 23) e 25) do probatório].
Da matéria de facto dada por provada, decorre ainda que, nos processos de nomeação de patrono N.P. 16223/2020, N.P. 101548/2020, N.P. 101667/2020, N.P. 134582/2019 e N.P. 156557/2017, a Entidade Requerida apenas permitiu a consulta parcial dos mesmos, dando instruções aos serviços para que fossem retirados do processo os pedidos de escusa de patrocínio dos Advogados nomeados, com exceção dos que se fundem na inviabilidade da pretensão [cf. pontos 2), 3), 19), 26), 24 e 7) do probatório assente].
Já no que concerne ao processo de nomeação N.P. 104661/2020, é possível extrair do probatório que, contrariamente ao alegado pelo Requerente, a Entidade Requerida veio efetivamente a conceder resposta ao solicitado, permitindo o acesso ao referido processo administrativo, que o Requerente consultou presencialmente, embora com o acesso vedado a alguns dos documentos dele integrantes [cf. pontos 21) e 22) do probatório].
Relativamente aos processos de nomeação N.P. 34859/2020 e N.P. 34878/2020, ressalta à evidência da matéria dada por assente, que, não obstante os respetivos antecedentes históricos [cf. pontos 12, 13, 9 e 10 do probatório], o Requerente, após ter submetido novo requerimento a renovar os pedidos de consulta que dirigiu a esses processos, não logrou resposta por banda da Entidade Requerida [cf. ponto 27, do probatório]. Vejamos,
A questão decidenda tem sido sobejamente apreciada pelos Tribunais Administrativos.
Com efeito, é atualmente unânime, e diríamos, tendencialmente pacífico, o entendimento jurisprudencial no sentido de que ao requerer a certidão do pedido de escusa formulado pelo patrono judiciário que lhe havia sido nomeado, o Requerente exerce o seu direito à informação procedimental, e tem, por ser parte interessada desse processo de nomeação, o direito de aceder aos elementos procedimentais referentes ao pedido de escusa, sem que, para tanto, tenha que demonstrar qual o concreto interesse para a sua pretensão [neste sentido, vd. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 29.05.2020, proferido no processo n.º 03341/19.0BEPRT e de 11.01.2019, proferido no âmbito do processo n.º 2167/18.2BEEPRT; os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 21.04.2015, proferido no processo n.º 12723/15, de 22.06.2017, proferido no processo n.º 13352/16 e de 23.11.2017, proferido processo n.º 1769/17.9BELSB; todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Não se revela, aliás, despiciendo recordar o acurado entendimento do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2017, proferido no âmbito do processo n.º 0991/16, que, por comportar cabal aplicação ao caso vertente, se demanda à colação, e no qual se sumariou o seguinte entendimento:
“(…).
II - O pedido de escusa formulado por advogado, no âmbito do patrocínio judiciário, constitui um incidente enxertado no procedimento de proteção jurídica, que tem como partes o requerente do apoio judiciário e o respetivo serviço de segurança social;
III - Ao requerer à Ordem dos Advogados certidão do pedido de escusa formulado pelo patrono judiciário que lhe havia sido nomeado, o requerente exerce o seu direito à informação procedimental;
IV - O dever-direito do segredo profissional é consagrado essencialmente como correlativo deontológico da relação de confiança estabelecida entre o advogado e o seu cliente, sendo verdade, porém, que a confiança que o advogado merece no exercício da sua profissão conduz a que esse dever de sigilo seja extensivo às suas relações profissionais com outrem que não o cliente;
V - Objetivamente, o pedido de escusa de patrono oficioso, dirigido à Ordem dos Advogados, não cai sob a alçada do sigilo profissional do advogado, antes se configura como documento eventualmente portador de «dados pessoais» que deverão ser protegidos numa linha de proporcionalidade”.
No mesmo sentido pronunciou-se o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, no já citado acórdão datado de 29/05/2020, proferido no processo n.º 03341/19.0BEPRT (disponível em www.dgsi.pt):
“I - O pedido de escusa apresentado por advogado nomeado no âmbito do patrocínio judiciário, constitui um incidente enxertado no procedimento de proteção jurídica, a cuja documentação trocada entre ao advogado nomeado e a Ordem dos Advogados (OA), o beneficiário do apoio judiciário tem direito a aceder, não se tratando de matérias abrangidas por segredo profissional, podendo quanto muito tais documentos conterem «dados pessoais», situação em que se impõe que tais dados sejam expurgados de acordo com um juízo de proporcionalidade.
II - O beneficiário do apoio judiciário não pode ser visto como alguém à margem do processo de apoio judiciário, quer na fase em que o processo corre na Segurança Social, quer na fase em que corre pela Ordem Advogados, pelo que qualquer incidente que venha a ser deduzido, como é o caso de pedido de escusa, diz-lhe respeito, tratando-se de um processo que tem como partes quem nomeia, o nomeado e o beneficiário.
III - O segredo profissional é fixado essencialmente como correlativo deontológico da relação de confiança que se estabelece entre o advogado e respetivo cliente pelo que os pedidos de escusa, dirigidos à OA, não caiem sob a alçada do sigilo profissional”.
Tendo presente o entendimento sufragado maioritariamente pelos Tribunais Superiores da Jurisdição Administrativa, ao qual se adere sem reservas, e atenta a factualidade dada como provada nos autos, conclui-se, por um lado, que os pedidos formulados pelo Requerente subsumem-se ao direito de acesso à informação procedimental, na medida em que a documentação em causa integra um procedimento em que o mesmo é diretamente interessado, a que acresce a circunstância de a documentação em causa não decorrer de uma relação bilateral entre o profissional forense e a respetiva Ordem Profissional, nem se situar no âmbito das relações internas desta entidade. Diversamente, e tal como asseverado por este Tribunal por sentença proferida no âmbito do processo n.º 1228/20.2BEPRT, com plena aplicabilidade ao caso vertente, “tal documentação dá corpo às vicissitudes de um procedimento que diz respeito essencialmente ao Requerente e do qual o mesmo é parte diretamente interessada, razão pela qual tem direito à sua consulta”.
Aí se diz, e nesta sede se reitera, “Efetivamente, o beneficiário do apoio judiciário é interessado na aludida informação, concretamente, quanto aos motivos que determinaram os pedidos de escusa dos advogados, até porque tais pedidos, e respetivos motivos, têm uma interferência direta na sua esfera jurídica, inclusivamente interrompendo o prazo que esteja em curso, e podendo até, no limite, impedir que a Ordem dos Advogados nomeie outro patrono, caso o fundamento do pedido de escusa seja, porventura, a inexistência de fundamento legal da pretensão”.
Ademais, no que respeita ao segredo profissional invocado pela Entidade Requerida, importa evidenciar que o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos que lhe advenham do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, «designadamente: a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados; c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração; d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante; e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.», conforme preceitua o n.º 1 do artigo 92.º do EOA, acrescentando o correspetivo n.º 2 que “O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo”.
Porém, no caso dos autos, não está em causa a relação de confiança entre o beneficiário do apoio judiciário, e do patrono nomeado e que pediu escusa, mas, diversamente, uma pretensa proteção dos motivos invocados para fundamentar o pedido de escusa, pelo que, objetivamente, o pedido de escusa do patrono oficioso, dirigidos à Ordem dos Advogados, não cai sob a alçada do sigilo profissional, nem contende com os princípios constitucionais de igualdade e de proteção do mandato e patrocínio forense, pois que orbitam em realidades distintas.
Não se olvida, porém, que o direito fundamental à informação deve ser ponderado com o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, ponderação que deverá ser concretizada à luz do princípio da proporcionalidade, patenteado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
E, por esse motivo, o legislador ordinário consagrou no artigo 83.º, n.º 2, do CPA, que o direito à informação não prejudica a necessidade de proteção dos dados pessoais de terceiros.
Desse modo, impõe-se concluir que se encontram reunidos os requisitos para que a presente intimação tenha que proceder quanto aos pedidos ora sob apreço, ainda que, na salvaguarda do consignado no artigo 83.º, n.º 2, do CPA.
Quer isto significar que o direito à consulta do processo pelo interessado, o aqui Requerente, deve ser restringido caso existam dados pessoais dos Patronos que tenham de ser protegidos, designadamente, dados de saúde ou outros dados que se relacionem com a intimidade da vida privada dos mesmos causídicos, impondo-se, nesse caso, à Entidade Demandada proceder à necessária expurgação.
(...)”

Correspondentemente, e no que aqui releva, decidiu-se:
Julgo a presente intimação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, e, em consequência, intimo a Ordem dos Advogados a, no prazo de 10 dias, facultar ao ora Requerente a consulta dos processos administrativos de nomeação de patrono N.P. 16223/2020, N.P. 34859/2020, N.P. 34878/2020, N.P. 101548/2020, N.P. 104661/2020, N.P. 101667/2020, N.P. 134582/2019 e N.P. 156557/2017, excluindo dessa consulta e emissão de certidão, todavia, todos os documentos em que constem dados de cariz pessoal dos Patronos/Advogados, e que colidam com a reserva da sua vida privada, nos termos supra elencados. “

Vejamos:
Em bom rigor, estamos em presença de um recurso resultante de questões meramente semânticas.

A pretensão do Autor, aqui Recorrente foi julgada procedente em 1ª instância, ainda que com as limitações decorrentes da Lei, mormente no que concerne à certificação de dados pessoais, pois que mal se compreenderia que estes pudessem ser certificados, mormente, com pretende o Recorrente, todos os documentos em que constam dados de cariz pessoal dos patronos/advogados, mesmo que integrando elementos de reserva da vida privada, a pretexto de, só assim ser possível “escrutinar se os referidos pedidos de escusa têm por base essas mesmas razões.”

Com efeito, a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões dá concretização, no plano da lei processual, ao imperativo constitucional decorrente do artigo 268.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa:

“1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.”

Destina-se esta forma de processo declarativo urgente a “efetivar jurisdicionalmente, quer o direito à informação sobre o andamento dos procedimentos e o conhecimento das decisões, que integra o direito à informação procedimental, quer o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, que corresponde ao direito à informação não procedimental” (MÁRIO AROSO DEALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 855).

A presente forma processual tem em vista a efetivação jurisdicional do direito à informação, procedimental e não procedimental, consagrado nos artigos 82.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07.01) e na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (que aprovou o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos).

Assim, o direito à informação procedimental pressupõe a prévia existência de um determinado procedimento em tramitação, na medida em que a informação pretendida está inserida nesse mesmo procedimento, bem como a verificação de um interesse direto ou interesse legítimo do requerente.

Por sua vez, o direito à informação não procedimental consubstancia-se no direito de acesso a documentos administrativos integrantes de procedimentos já finalizados ou a arquivos ou registos administrativos, sendo, em princípio, conferido a todos os cidadãos.

Estas duas modalidades do direito à informação assentam em distintas razões de ser, pois enquanto o direito à informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjetivas diretas daqueles que participam, ou podem vir a participar, num procedimento administrativo, o direito à informação não procedimental tem em vista proteger o interesse, de carácter essencialmente objetivo, da transparência administrativa.

No âmbito do acesso à informação procedimental, o direito à consulta de processos e o direito a obter certidões do seu teor são especificamente enquadrados pelas disposições constantes do referido artigo 83.º do Código do Procedimento Administrativo que dispõe:
“1 - Os interessados têm o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica.
2 - O direito referido no número anterior abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da proteção dos dados pessoais nos termos da lei.
3 - Os interessados têm o direito, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, de obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso.”

Concretamente, as normas contidas no Código do Procedimento Administrativo dirigem-se à consagração do direito de acesso a “factos, atos ou documentos que integram ou resultam de um concreto procedimento administrativo que se encontre ainda em curso” (autores e obra citados, p. 855).

Diversamente, as disposições constantes da Lei n.º 26/2016 versam sobre o acesso a documentos que se encontrem em arquivos ou registos administrativos, concretizando o princípio constitucional da administração aberta (artigo 268.º n.º 2 da Constituição).

Nesta última vertente, não é condição do exercício do direito à informação a detenção de qualquer qualidade ou a demonstração de legitimidade, pela titularidade de um interesse direto, conforme resulta do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 26/2016:
“Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.”

O dever de prestar estas informações resulta, assim, enquadrado pelas disposições da Lei n.º 26/2016, sem que as restrições ao direito de acesso previstas no seu artigo 6.º, relativas, no essencial, a matérias sigilosas ou a documentos nominativos, tenham aplicação ao caso em apreço.

A decisão aqui controvertida, em bom rigor, limitou-se a seguir a jurisprudência que pacificamente tem vindo a ser adotada pelos Tribunais Superiores desta Jurisdição, os quais têm vindo a considerar, em múltiplos arestos, que o pedido de escusa apresentado por advogado nomeado no âmbito do patrocínio judiciário, constitui um incidente enxertado no procedimento de proteção jurídica, a cuja documentação trocada entre o advogado nomeado e a Ordem dos Advogados, o beneficiário do apoio judiciário tem direito a aceder, não se tratando de matérias abrangidas por segredo profissional, podendo, quando muito, serem expurgados os dados pessoais, de acordo com um juízo de proporcionalidade.

Neste sentido, entre muitos outros, Acórdão do TCAN de 27/09/2019, proferido no processo n.º 1603/19.5BEPRT, Acórdão do STA, de 01/02/2017, proferido no processo n.º 0991/16, Acórdão do TCAN de 11.01.2019, processo nº. 2167/18.2BEEPRT e Acórdão do TCAN de 29-05-2020, proferido no Processo nº 03341/19.0BEPRT

O ordenamento jurídico português garante o direito à informação procedimental de forma clara, assegurando a quem tiver interesse legítimo o direito a consultar ou a obter certidão de documentos do processo, ressalvando-se os documentos classificados, ou que revelem segredo comercial ou industrial, e ainda segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica (vide Ac. do TCAS, de 23.11.2017, processo n.º 1769/17.9BELSB).

Na situação vertente, está em causa o acesso por parte do Recorrente aos processos e certidões dos documentos, relativos ao incidente de escusa apresentados por sucessivos patronos nomeados, “excluindo dessa consulta e emissão de certidão (...) todos os documentos em que constem dados de cariz pessoal dos Patronos/Advogados, e que colidam com a reserva da sua vida privada”

Estando em causa um direito a consultar os processos administrativos e a obter certidões de documentos relativos ao pedido de apoio judiciário formulado pelo aqui Recorrente, mal se compreenderia que à luz do direito constitucional à informação lhe fosse negado, enquanto beneficiário do patrocínio oficioso, tal direito á informação, ainda que com as limitações que reiterada e pacificamente têm vindo a ser impostas.

Considerando que o Recorrente é requerente do pedido de apoio judiciário no âmbito do qual, diversos advogados nomeados pela Ordem dos Advogados pediram escusa, o mesmo tem interesse legítimo na consulta integral dos processos relativos a essa pretensão que correram termos na Ordem dos Advogados, salvo quanto aos dados pessoais destes, nomeadamente os “que colidam com a reserva da sua vida privada”.

É incontornável que qualquer incidente que venha a ser deduzido, como é o caso de pedido de escusa diz necessariamente respeito ao seu requerente, porquanto qualquer limitação injustificada ao seu direito à informação, é desde logo limitativa do seu direito à informação.

Tendo em conta que no pedido de escusa os patronos nomeados tem de alegar os «motivos» do mesmo [artigo 34º, nº1, do «Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais»], é compreensível que o beneficiário dessa nomeação, posta em causa com o pedido de escusa, tenha interesse pessoal, e direto, em saber os motivos subjacentes a esse pedido, o que não poderá ir para além do juridicamente admissível.

Se é certo que o pedido de escusa formulado pelos advogados nomeados ao Recorrente não se encontrará a coberto do segredo profissional, não menos certo é que à informação a prestar ao beneficiário deverão ser excluídos os dados pessoais que não sejam públicos [artigo 62º, nº2, do CPA].

O direito fundamental à «reserva da intimidade da vida privada», por aplicação direta do artigo 26º, nº1, da CRP, sempre terá de ser ponderado articuladamente com o princípio da proporcionalidade e com o direito fundamental à informação [Cfr. artigo 18º da CRP].
Aqui chegados, não merece censura o entendimento adotado em 1ª instância, de acordo com o qual “(...) o direito à consulta do processo pelo interessado, o aqui Requerente, deve ser restringido caso existam dados pessoais dos Patronos que tenham de ser protegidos, designadamente, dados de saúde ou outros dados que se relacionem com a intimidade da vida privada dos mesmos causídicos, impondo-se, nesse caso, à Entidade Demandada proceder à necessária expurgação.”

Assim, não se reconhece, como preconizado pelo Recorrente, que “A decisão recorrida ao decidir de tal sorte violou por manifesto erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 3.º, n.º 1, al. b), 5.º, 6.º, n.º 5, 8 e 9, todos da LADA, devendo ser revogada e substituída por outra que determine a procedência da intimação requerida, ordenando a consulta integral dos processos de nomeação em causa, sem qualquer limitação abstrata e, no caso da sentença do Tribunal a quo, sem a limitação referente à exclusão de todos os documentos em que constam dados de cariz pessoal dos patronos/advogados e que colidam com a reserva da vida privada. “

Aliás, não se alcança por que razão a decisão restritiva da prestação de informação de natureza privada, constituiria a violação dos conclusivamente invocados artigos da LADA.

Recorda-se que o segmento decisório predominantemente em causa no presente Recurso, refere o seguinte:
“Julgo a presente intimação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, e, em consequência, intimo a Ordem dos Advogados a, no prazo de 10 dias, facultar ao ora Requerente a consulta dos processos administrativos de nomeação de patrono N.P. 16223/2020, N.P. 34859/2020, N.P. 34878/2020, N.P. 101548/2020, N.P. 104661/2020, N.P. 101667/2020, N.P. 134582/2019 e N.P. 156557/2017, excluindo dessa consulta e emissão de certidão, todavia, todos os documentos em que constem dados de cariz pessoal dos Patronos/Advogados, e que colidam com a reserva da sua vida privada, nos termos supra elencados. “
*
Em função de tudo quanto se discorreu, entende-se que a única divergência do Recorrente relativamente ao referido segmente decisório se reconduz a uma questão meramente semântica, entendendo aquele que não deveria ser excluída da prestação de informação e da certidão a facultar, qualquer informação, mas, sendo caso disso, ser meramente expurgada a informação reservada, o que se reconduz, a final, ao mesmo.

Assim, de modo a harmonizar a referida divergência semântica, admite-se clarificar o referido segmento decisório, sem alterar a sua essência impeditiva da prestação de informação de natureza privada.
* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao Recurso, passando o segmento decisório recorrido a ter a seguinte redação:
“Julgo a presente intimação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, e, em consequência, intimo a Ordem dos Advogados a, no prazo de 10 dias, facultar ao ora Requerente a consulta dos processos administrativos de nomeação de patrono N.P. 16223/2020, N.P. 34859/2020, N.P. 34878/2020, N.P. 101548/2020, N.P. 104661/2020, N.P. 101667/2020, N.P. 134582/2019 e N.P. 156557/2017, expurgando dessa consulta e emissão de certidão os dados de cariz pessoal dos Patronos/Advogados, que colidam com a reserva da sua vida privada, nos termos supra elencados.“
*
Sem Custas, por o Recorrente beneficiar de apoio judiciário e não terem sido apresentadas contra-alegações pela Recorrida.
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Porto, 7 de maio de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa