Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00090/15.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/13/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:UNIÃO DE FACTO; ATESTADO DA JUNTA DE FREGUESIA; COMUNHÃO DE LEITO, MESA E HABITAÇÃO.
Sumário:1-O atestado emitido pelo Presidente de Junta de Freguesia consubstancia um documento autêntico (n.º 2 do art.º 363º do Cód. Civil), que nos termos do art.º 371.º, nº1 do Cód. Civil faz prova plena dos factos praticados pela entidade documentadora, de sorte que, tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade, e bem assim, tudo o que tenha sido percecionado pela mesma, tem de ser aceite como exato.

2- Os factos a que se reportam as declarações emitidas e que constam do atestado emitido pelo Presidente de Junta de Freguesia, a sua prova fica sujeita à livre apreciação do julgador, uma vez que o documento autêntico não fiabiliza a veracidade das declarações que os declarantes fazem perante a entidade documentadora, mas apenas garante que essas declarações foram feitas.

3- A união de facto é um estado de facto que corresponde a uma situação de comunhão de leito, mesa e habitação, podendo essa vivência ocorrer entre pessoas não casadas, ou, como demonstra abundantemente a realidade, entre pessoas que foram ou são ainda casadas (desde que estejam separadas judicialmente de pessoas e bens).

4- Uma relação de comunhão de mesa, leito e habitação implica uma evidência de vida em comum, que não se basta com a circunstância dos parceiros viverem sob o mesmo teto e fazerem compras juntos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P. e Outra
Recorrido 1:A. e Outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO


1.1. A. e I., ambos residentes na Rua (…), (…), instauraram a presente ação administrativa especial contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P., com sede na Avenida (…), (…), formulando os seguintes pedidos:
a) que seja decretada a anulabilidade do ato administrativo impugnado – a decisão da R. de 27/10/2014, que atribuiu a cada um dos AA. uma pensão de sobrevivência no valor de € 81,59 e de € 81,54 –, com fundamento em ilegalidade na aplicação dos pressupostos legais à situação de facto;
b) que a R. seja condenada à prática do ato legalmente devido, no sentido de atribuir aos AA. uma pensão de sobrevivência calculada com base em 60% do valor da pensão de velhice a que o falecido pai dos AA. tinha direito;
c) consequentemente, que a R. seja condenada a proceder à devolução aos AA. da diferença entre o valor da pensão de sobrevivência a que têm direito e o valor que lhes tem sido indevidamente pago, com efeitos à data do óbito e até que venha a ser alterado o valor da pensão nos termos ora peticionados.

Indicam, como contrainteressada, C., residente na Estrada (…), (…).

Alegaram, para tanto, em síntese, que são filhos de A. e R., os quais nunca foram casados entre si;
O pai de ambos era funcionário da Câmara Municipal de Coimbra, tendo passado a auferir, com efeitos a partir de junho de 2014, uma pensão de reforma da Caixa Geral de Aposentações, ora R.;
Em 31/07/2014, o pai veio a falecer, no estado de solteiro, tendo sido requerida, na qualidade de herdeiros, a atribuição aos AA., à data menores, de uma pensão de sobrevivência unificada;
Por despacho de 27/10/2014, foi atribuída a cada um dos AA. uma pensão de sobrevivência nos valores, respetivamente, de € 81,54 e de € 81,59, correspondente a uma percentagem de 16,66% e 16,67% do montante global da pensão a atribuir aos herdeiros, no valor de € 489,44, já que a R. considerou que os AA. concorriam com cônjuge ou ex-cônjuge de seu pai, razão pela qual lhes foi atribuída uma percentagem de 30% da pensão do contribuinte falecido;
Porém, o pai dos AA., sendo solteiro, não vivia em união de facto com quem quer que fosse, presumindo aqueles que a pessoa a quem foi atribuída uma percentagem de 60% da pensão de velhice do seu pai seja a contrainteressada, na medida em que, nos últimos tempos, ambos partilhavam a mesma residência;
O seu pai não vivia, à data da sua morte, em situação análoga à dos cônjuges com a contrainteressada, não vivia com ela como se de marido e mulher se tratasse, não viviam em comunhão de mesa nem de leito, faziam vidas separadas, dormindo cada um no seu quarto, e partilhavam única e exclusivamente as despesas com a habitação de que ambos usufruíam, mas sem qualquer grau de convivência e relacionamento análogo ao dos cônjuges;
Por isso, o despacho da R. de 27/10/2014 é ilegal, uma vez que aplicou, erradamente, os critérios legais à situação de facto apurada, porquanto os AA. cabem na previsão da alínea b) do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18/10, ou seja, têm direito a 60% da pensão de velhice de que o seu falecido pai beneficiava, ao invés dos 30% que lhes foram atribuídos, pois que não podia a R. ter considerado a existência de um unido de facto do falecido.
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1.2 Citada, a R. contestou, invocando, em síntese, que o despacho de 27/10/2014 teve por base os elementos de prova carreados para o processo administrativo, no que se refere à existência de uma união de facto entre a contrainteressada e o falecido A., bem como o regime legal em vigor que preside à atribuição das pensões de sobrevivência às pessoas que vivem em situação análoga à dos cônjuges, pugnando pelo julgamento da ação de acordo com a prova que vier a ser produzida.
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1.3. Citada, a contrainteressada também contestou, alegando, em síntese, que viveu em união de facto com o falecido A., desde 2004, situação da qual fez a devida prova junto da R., que, por isso, a considerou como pessoa que vivia com o beneficiário em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges, razão pela qual tem o direito legítimo e legal à pensão de sobrevivência que lhe foi atribuída. Pugna, assim, pela improcedência do peticionado.
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1.4. Proferiu-se despacho saneador.
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1.5. Realizou-se a audiência final, com observância de todas as formalidades legais (cfr. atas de fls. 275 a 277 e 290 do suporte físico do processo).
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1.6. Notificadas para alegarem por escrito, a R., os AA. e a contrainteressada apresentaram as alegações, respetivamente, de fls. 293-294, 299-300 e 303 do suporte físico do processo, reiterando e mantendo o que já fora alegado na petição inicial e nas contestações.
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1.7. Em 28 de fevereiro de 2020, o TAF de Coimbra proferiu sentença que julgou a ação procedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
«Em face do exposto, julga-se a presente ação administrativa especial procedente e, em consequência:
a) anula-se o ato administrativo impugnado, consubstanciado na decisão da R. de 27/10/2014, que atribuiu a cada um dos AA. uma pensão de sobrevivência no valor de € 81,59 e de € 81,54 e que atribuiu à contrainteressada uma pensão de sobrevivência no valor de € 326,31, por óbito do pai dos AA.;
b) condena-se a R. à prática do ato devido, em substituição do ato anulado, mediante a atribuição aos AA. de uma pensão de sobrevivência calculada com base em 60% do valor da pensão de velhice a que o seu falecido pai tinha direito;
c)condena-se a R. a proceder à devolução e pagamento aos AA. da diferença entre o valor da pensão de sobrevivência a que têm direito, calculada com base em 60%, e o valor que lhes tem sido indevidamente pago, com efeitos à data do óbito e até que venha a ser alterado o valor da pensão nos termos referidos.
Custas pela R.
Registe e notifique».
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1.8. Inconformada com o assim decidido, a Caixa Geral de Aposentações interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida, apresentando as seguintes conclusões:
«1.ª Aquando do seu pedido de atribuição da pensão de sobrevivência, a contrainteressada não só fez a prova exigida pelo n.º 4 do art.º 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, aditado pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto (cfr. 8 e 9 dos Factos Assentes), como ainda juntou os elementos identificativos dos Recorridos, então menores (e certificado de matricula de um deles), a certidão de nascimento do falecido (cfr. fls. 68 e seguintes do Processo Administrativo) e o comprovativo de ter pago as despesas de funeral do malogrado António Elói (cfr. 7 dos Factos Assentes).
2.ª Portanto, o ato administrativo praticado pela Direção da CGA em 2014-10-27 observou escrupulosamente o regime de prova da união de facto exigido no n.º 4 do art.º 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, e atribuiu a pensão de sobrevivência de acordo com as regras de repartição previstas no art.º 26.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro.
3.ª Nenhuma ilegalidade poderá ser apontada àquele ato administrativo, que repartiu a pensão de sobrevivência devida por óbito de A. entre a contrainteressada, na qualidade de companheira, e os filhos do falecido, ora Recorridos.
4.ª Repare-se que só nestes autos os Recorridos vieram colocar em causa a existência dessa união de facto, alegando que a contrainteressada e o seu falecido pai, embora vivessem juntos, não viviam como marido e mulher (cfr. por exemplo, o art.º 19.º da P.I.)

5.ª Pelo que só a eles competia a demonstração dos factos suscetíveis de fazer afastar a prova que a contrainteressada efetivamente fez no contexto do procedimento administrativo.

6.ª No entanto, decorre da Sentença recorrida que a prova da existência da união de facto competia à CGA e à contrainteressada (cfr. 3.º parágrafo de pág. 22 da Sentença), explicitando que “…os AA. não se encontram vinculados à demonstração de que esses pressupostos (a união de facto) não existem, bastando que possam pôr em dúvida a validade da posição substantiva adotada pela Administração e que foi favorável aos interesses da contrainteressada.” (cfr. mesmo trecho da Sentença).

7.ª É absolutamente indiferente para a CGA se paga a pensão de sobrevivência a uma ou a outra parte nestes autos, desde que a ela tenha efetivamente direito. Mas não pode a CGA ficar indiferente à Sentença proferida nos autos segundo a qual não compete aos Recorridos fazer a prova do direito que invocam.

8.ª Foram Recorridos que vieram colocar em causa a prova que a contrainteressada efetuou perante a CGA, sendo que, para tanto, alegaram factos que só a eles competia provar, como por exemplo, entre outros factos que invocaram na P.I., que a contrainteressada e o seu pai, embora vivessem juntos, não viviam como marido e mulher (cfr. art.º 19.º da P.I.), ou explicar porque foi a contrainteressada a pagar o funeral de seu pai e não eles (cfr. 7 dos Factos Assentes).

9.ª Cabia-lhes, portanto, o ónus da prova dos factos por si alegados, dado que constituem os fundamentos do direito de que se arrogam (auferir a pensão de sobrevivência sem a concorrência da contrainteressada), nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil.

10.ª Preceito legal que, a nosso ver, a Sentença recorrida violou.

11.ª No que concerne à prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, cremos que o Tribunal a quo não pesou o facto – mais que evidente e que resulta dos depoimentos prestados, os quais se encontram gravados – de as testemunhas arroladas pelos AA., ora Recorridos, demonstraram muito pouco conhecimento sobre a vida pessoal do falecido, tendo ficado claro na sua inquirição que não eram «visita de casa» (muitas nem sabiam onde morava) que lhes permitisse um depoimento fundamentado sobre se aquele vivia ou não com alguém em condições análogas às dos cônjuges.

12.ª Pelo que resta o relato dos Recorridos, o que, manifestamente, nos parece muito pouco para a prova da versão que vieram trazer ao Tribunal.

13.ª Da prova testemunhal produzida nos autos, parece-nos que quer a Sra. A. (proprietária do minimercado situado em frente à casa em que viviam o falecido e a contrainteressada) quer a Sra. M. (vizinha do mesmo prédio), cujos depoimentos se encontram gravados, revelaram grande proximidade com os factos relativos à vida pessoal do falecido e da contrainteressada, efetuaram um depoimento isento e credível que, segundo se nos afigura, deita por terra a tese defendida pelos Recorridos.

14.ª Ao que acresce o facto de os Recorridos não terem logrado explicar porque foi a contrainteressada a pagar o funeral do malogrado A.».

1.9. Inconformada com assim decidido, a Contrainteressada interpôs o presente recurso jurisdicional, apesentando as seguintes conclusões:
«1) A sentença recorrida considerou verificado, no ato invalidando, um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, dado entender não ter a R. (nem a recorrente) provado a união de facto subjacente à decisão colocada em causa, tudo em efetiva inversão do ónus da prova.
2) Foram os AA./recorridos que invocaram deter o direito a ser-lhes processada uma pensão de sobrevivência calculada com base em 60% do valor da pensão de velhice a que pai deles tinha direito, motivo pelo qual lhes competia a competente e cabal prova nesse sentido: que não fizeram.
3) Os AA./recorridos não provaram a inexistência dos pressupostos de facto e de direito consubstanciadores da união de facto entre a recorrente e o falecido A..
4) A sentença recorrida inverteu, ilegalmente, o ónus da prova, fazendo tábua rasa do art.º 342.º, n.º1 do Cód. Civil, no âmbito do qual, aquele que invocar um direito tem de fazer a prova dos factos constitutivos desse direito alegado.
5) O documento/atestado emitido pela Freguesia de (...), certificando a união de facto entre a recorrente e A. é documento que faz prova plena, só podendo ser contrariado “por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei” - art. 347.º do Cód. Civ.
6) O indicado documento/atestado emitido pela Freguesia de (...) é um documento autêntico, acarretando a prova plena dos factos indicados e atestados naquele e a sua força probatória só poderá ser ilidida tendo por base a sua falsidade, o que nem sequer foi invocado pelos recorridos, nem apreciado pelo tribunal, ou sequer dado como assente por este.
7) Em consequência, o documento/atestado emitido pela Freguesia de (...) não está sujeito à livre apreciação do Tribunal, nem a mera prova testemunhal se pode sobrepor à prova plena constante desse documento.
8) Ao não entender desse modo, ao não interpretar esse documento de forma divergente da lei, e ao considerar que existia inversão do ónus da prova, a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 342.º, n.º 1, 347.º, 369.º, n.º 1, 371.º, n.º 1, 372.º, n.º 1 e 393.º, n.º 2 Cód. Civil.
9) Entre outros, os factos dados como provados nos pontos 6, 7, 8, 9, 15, 17 e 18 da sentença recorrida, evidenciam a união de facto existente entre a recorrente e A..
10) Reportando ao teor do art.º 1577.º do Cód. Civil e ao caso concreto, a plena comunhão de vida é a comunhão de vida na qual os unidos de facto se apresentam mutuamente vinculados por deveres de respeito, de fidelidade, de coabitação, de cooperação e de assistência, não se extraindo nada em contrário pelo teor dos indicados factos tidos como provados.
11) A exteriorização de “um projeto de vida em comum” (pretendida pela sentença recorrida) é algo que sempre acarretaria uma prova impossível, atendendo a que existem casais, unidos de facto, que apenas lhes basta a vida do dia a dia, não necessitando de traçar algo para o futuro quanto à sua vivência como casal.
12) Tratar do companheiro doente, saída em conjunto para efetuar compras, para passeios, viverem na mesma casa, tudo consubstancia, no caso sub judice, união de facto entre o falecido e a recorrente.
13) Ao não entender deste indicado modo, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por não efetuar a devida interpretação dos factos provados, e subsunção destes à lei vigente, violando o vertido nos arts. 1.º, n.º 2 da Lei n.º 7/2001 de 11/05 e 8.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 322/90, de 18/10».
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1.10. Os Autores contra-alegaram, mas não formularam conclusões.
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1.11. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
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1.12. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem são as de saber se a sentença recorrida enferma:
a) De erro de julgamento sobre a matéria de facto:
(i) decorrente da errada ponderação da prova testemunhal, ao concluir pela inexistência de união de facto entre a contrainteressada e o falecido pai dos autores;
(ii) decorrente de violação de regras de direito probatório material que no caso impunham que ao atestado emitido pela junta de freguesia fosse atribuída força probatória plena quanto à existência de união de facto entre a contrainteressada e o falecido pai dos autores;
(iii) decorrente da inversão do ónus da prova;
b) De erro de julgamento sobre a matéria de direito por ter considerado que a decisão impugnada enferma de erro nos pressupostos de facto em que assentou.
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III.FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO.
3.1. Com interesse para a apreciação da causa, o Tribunal a quo considerou assente a seguinte matéria de facto:
1) Os AA. I. e A. nasceram, respetivamente, em 12/04/1XXX e em 11/02/1XXX, sendo ambos filhos de A. e R. (cfr. docs. de fls. 12 a 17 do suporte físico do processo).
2) Os pais dos AA. nunca foram casados entre si (acordo).
3) Nos termos do acordo alcançado para efeitos de alteração da regulação das responsabilidades parentais, homologado por sentença de 15/05/2012, o pai dos AA., A., ficou constituído na obrigação de lhes pagar, a título de alimentos, a quantia de € 325,00 mensais, na proporção de metade para cada um dos AA. (cfr. doc. de fls. 18 a 20 do suporte físico do processo).
4) O pai dos AA. foi funcionário da Câmara Municipal de Coimbra, tendo exercido funções na categoria de Bombeiro Sapador (cfr. doc. de fls. 13 e 14 do processo administrativo).
5) Por despacho de 10/04/2014 da Direção da R., foi reconhecido o direito à aposentação do pai dos AA., tendo-lhe sido fixada, para o ano de 2014, uma pensão mensal no valor ilíquido de € 783,50 (cfr. docs. de fls. 44 a 48 do processo administrativo).
6) O pai dos AA. faleceu no dia 31/07/2014 (cfr. doc. de fls. 22 do suporte físico do processo).
7) Foi a contrainteressada que suportou as despesas com o funeral do pai dos AA. (cfr. docs. de fls. 72 e 73 do processo administrativo).
8) A contrainteressada apresentou, junto da R., um requerimento de pensão de sobrevivência, reembolso das despesas de funeral e subsídio por morte na sequência do falecimento do pai dos AA., A., tendo indicado no aludido requerimento que era “companheira” do falecido e que com o mesmo vivia em comunhão de mesa e habitação (cfr. doc. de fls. 68 a 71 do processo administrativo).
9) Na sequência de notificação para o efeito, através dos ofícios com as referências n.º UAC242CP1188348, de 05/09/2014 e de 01/10/2014, a contrainteressada instruiu o pedido que antecede com uma declaração, sob compromisso de honra e com data de 25/09/2014, de que “viveu maritalmente em comunhão económica e de teto desde o ano de 2002 com A.”, com a sua certidão de nascimento e, ainda, com um documento intitulado “Comprovativo de União de Facto”, assinado pelo Presidente da União de Freguesias de (...) e com data de 24/09/2014, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…) Mais se atesta e segundo declarações do(a) próprio(a) e de duas testemunhas abaixo mencionadas que o(a) mesmo(a) residia há mais de dois anos com o falecido A. seu companheiro(a) até à data de óbito 31-07-2014, conforme as testemunhas:
A., (…) L.” (cfr. docs. de fls. 120 a 127, 143 e 144 do processo administrativo).
10) Cada um dos AA. também apresentou, junto da R., um requerimento de pensão de sobrevivência e subsídio por morte na sequência do falecimento do seu pai (cfr. docs. de fls. 146 a 168 do processo administrativo).
11) Por despacho da Direção da R. de 27/10/2014, foi fixado em € 489,44 o valor global da pensão de sobrevivência por óbito do pai dos AA., bem como foram determinados os respetivos beneficiários e a percentagem do valor da pensão a atribuir a cada um, com menção expressa de que a pensão seria devida a partir de 01/08/2014, dia 1 do mês seguinte àquele em que se verificou o óbito, nos seguintes termos:
- à contrainteressada, na qualidade de unida de facto, foi atribuído o valor de € 326,31, correspondente a 66,67% do valor global da pensão;
- à A. I., na qualidade de descendente, foi atribuído o valor de € 81,59, correspondente a 16,67% do valor global da pensão;
- ao A. A., na qualidade de descendente, foi atribuído o valor de € 81,54, correspondente a 16,66% do valor global da pensão (cfr. doc. de fls. 173 e 174 do processo administrativo).
12) Os AA. foram notificados do despacho que antecede e dos valores da pensão de sobrevivência que a cada um foram atribuídos, por óbito do seu pai, através de ofícios da R. de 27/10/2014 (cfr. docs. de fls. 23 a 32 do suporte físico do processo).
13) Uns anos após a separação da mãe dos AA., que ocorreu por volta do ano de 2003, o pai dos AA. e a contrainteressada partilharam a mesma residência na zona da (...), em (...).
14) Posteriormente, cerca de 2 ou 3 anos antes do seu falecimento, o pai dos AA. tinha um quarto arrendado na zona da baixa de (...), perto de um estabelecimento comercial “P.”.
15) À data do falecimento, e antes de ter sido internado no hospital por motivo de doença, o pai dos AA. e a contrainteressada partilhavam residência na Rua dos (...), (...), (...).
16) Foi a contrainteressada que cuidou do pai dos AA. durante a sua doença.
17) Na casa de (...), a divisão do escritório foi, a dado momento, utilizada para servir de quarto para o pai dos AA.
18) Quando moravam em (...), o pai dos AA. e a contrainteressada eram frequentemente vistos juntos pelos vizinhos e faziam juntos as compras no minimercado que existia na vizinhança.
19) Quando os AA. iam visitar o pai na casa de (...), o que acontecia cerca de uma vez por mês e durante as férias escolares, era o pai que normalmente lhes preparava as refeições.
20) O pai dos AA. nunca apresentou a contrainteressada como sua companheira, mulher e/ou namorada junto dos filhos, dos colegas de trabalho e dos amigos próximos, incluindo os que tinha em comum com a mãe dos AA.;
21) A contrainteressada nunca acompanhou o pai dos AA. nos eventos, convívios e festas promovidos pelos Bombeiros Sapadores de Coimbra.
22) Desde que se separou da mãe dos AA., o pai destes teve vários relacionamentos.
23) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 27/01/2015 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).
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Factos não provados:
a) O pai dos AA. e a contrainteressada partilharam residência, ininterruptamente, desde 2004 até ao falecimento daquele, em 2014.
b) Desde que decidiram partilhar a mesma residência, o pai dos AA. e a contrainteressada destinaram sempre os seus vencimentos para custear despesas comuns, como alimentação, vestuário e saúde.
c) Quer o rendimento do salário e, depois, da pensão de reforma do pai dos AA., quer o rendimento da pensão da contrainteressada eram juntos por ambos e utilizados para pagar as contas de consumos de eletricidade, de água e de gás, bem como a renda da casa que ambos partilhavam e as despesas com compras de produtos alimentares, de higiene e de limpeza.
d) O pai dos AA. e a contrainteressada sempre se comportaram, à vista de todos, como um casal, isto é, como se de marido e mulher se tratasse.»
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III.B.DE DIREITO.

b.1.Do erro de julgamento sobre a matéria de facto.
3.2. Do recurso interposto pela apelante Caixa Geral de Aposentações.
3.2.1.A apelante Caixa Geral de Aposentações (CGA) assaca à sentença recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto ( vide conclusões 11.ª a 14.ª), uma vez que, em relação à prova testemunhal, o Tribunal a quo não pesou o facto, mais que evidente e que resulta dos depoimentos prestados, de as testemunhas arroladas pelos ora Recorridos, terem demonstrado muito pouco conhecimento sobre a vida pessoal do falecido, tendo ficado claro na sua inquirição que não eram «visita de casa» (muitas nem sabiam onde morava) que lhes permitisse um depoimento fundamentado sobre se aquele vivia ou não com alguém em condições análogas às dos cônjuges. Assim, a seu ver, apenas resta o relato dos Recorridos, o que, manifestamente, parece muito pouco para a prova da versão que vieram trazer ao Tribunal.
Acrescenta que da prova testemunhal produzida nos autos, se lhe afigura que quer a Sra. A. (proprietária do minimercado situado em frente à casa em que viviam o falecido e a contrainteressada) quer a Sra. M. (vizinha do mesmo prédio), cujos depoimentos se encontram gravados, revelaram grande proximidade com os factos relativos à vida pessoal do falecido e da contrainteressada, efetuaram um depoimento isento e credível que , deita por terra a tese defendida pelos Recorridos, ao que acresce o facto de os Recorridos não terem logrado explicar porque foi a contrainteressada a pagar o funeral do malogrado A..
Enuncie-se que da conjugação do regime jurídico estabelecido nos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC ex vi art. 1º do CPTA, tendo o recurso por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto, o tribunal ad quem tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelo recorrente, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade Acs. STJ de 17/12/2019, Proc. 603/17.4T8LSB,L1.S1; de14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; e RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI..
Acresce que não foi propósito do julgador permitir recursos genéricos, sequer transformar o recurso da matéria de facto na repetição do julgamento realizado na 1ª Instância e daí que tenha imposto ao recorrente o cumprimento de determinados ónus que enuncia no art.º 640º.
De acordo com esses critérios, para além do recurso da matéria de facto se restringir à matéria de facto impugnada António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153., estando subtraída ao campo de cognição do Tribunal ad quem a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios da auto responsabilidade, cooperação, lealdade e boa-fé processuais, mas também, com vista a conferir efetividade ao uso do contraditório que assiste ao recorrido, que apenas poderá, com propriedade, exercer esse seu direito ao contraditório quando lhe for dada a conhecer a lógica de raciocínio seguida pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova e, assim ficar cabalmente habilitado a poder contrariá-lo, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu a 1ª Instância ao decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a concreta matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento de facto diverso que impugna, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada provada ou não provada pelo tribunal a quo (art. 640º, n.º 1, al. a)).
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º).
Acresce que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso (art. 635º, n.º 4 do CPC), fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem Acs. STJ. de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 27/10/2016, Proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1; RG. de 2/11/2017, Proc. 212/16.5T8MNC.G1, in base de dados da DGSI., daqui deriva que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada a essa facticidade.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Deste modo, sintetizando, sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; e e) o recorrente deixará expressa, nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Assente nestas premissas, analisadas as alegações de recurso apresentadas pela apelante, cumpre referir que esta não cumpriu com nenhum dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância que impugna e que se acabam de elencar, na medida em que não indica, nas conclusões do recurso, a concreta facticidade que impugna, a concreta decisão que deve recair sobre essa matéria, e não indica, na motivação do recurso, os meios de prova que, na sua perspetiva, impõem esse julgamento de facto diverso que propugna, fazendo uma análise crítica desses meios de prova de molde a demonstrar o porquê de, perante eles, se impor esse julgamento diverso que propugna e, quanto à prova gravada, não indica o início e o termo dos excertos que suportarão esse julgamento de facto diverso que postula, não procedendo, inclusivamente, à respetiva transcrição.
Tal significa que, no caso, é manifesta a existência de óbice processual que impede a reapreciação da prova produzida.
Assente nessas premissas, cumpre rejeitar a apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto operado pela apelante.
*
b.2. Da violação de regras de direito probatório material que no caso impunham que ao atestado emitido pela junta de freguesia fosse atribuída força probatória plena quanto à existência de união de facto entre a contrainteressada e o falecido pai dos autores- (recurso interposto pela contrainteressada)
A contrainteressada insurge-se contra o julgamento efetuado pelo Tribunal a quo sustentando que o documento/atestado emitido pela Freguesia de (...), certificando a união de facto entre a recorrente e A. é um documento que faz prova plena, só podendo ser contrariado “por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei” - art. 347.º do Cód.Civ.
Sendo o atestado emitido pela Freguesia de (...), um documento autêntico, o mesmo acarreta a prova plena dos factos indicados e atestados naquele e a sua força probatória só poderá ser ilidida tendo por base a sua falsidade, o que nem sequer foi invocado pelos recorridos, nem apreciado pelo tribunal, ou sequer dado como assente por este. Em consequência, o documento emitido pela Freguesia de (...) não está sujeito à livre apreciação do Tribunal, nem a mera prova testemunhal se pode sobrepor à prova plena constante desse documento.
Pelo que, ao não entender desse modo, ao não interpretar esse documento de forma divergente da lei, e ao considerar que existia inversão do ónus da prova, a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 342.º, n.º 1, 347.º, 369.º, n.º 1, 371.º, n.º 1, 372.º, n.º 1 e 393.º, n.º 2 Cód. Civil (Cfr. conclusões 5.ª a 8.ª ).
Mas sem razão.
Vejamos.
Sob a epígrafe” Atestados emitidos pelas juntas de freguesia” dispõe o artigo 34.º do D.L. n.º 135/99, de 22 de abril, na redação vigente ao tempo, conferida pelo D.L. n.º 73/2014, de 13/05, que não sofreu qualquer alteração em face da redação atual aprovada pelo D.L. 74/2017, de 21/06, o seguinte:
« 1 - Os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos, bem como os termos de identidade e justificação administrativa, passados pelas juntas de freguesia, nos termos das alíneas qq) e rr) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, devem ser emitidos desde que qualquer dos membros do respetivo executivo ou da assembleia de freguesia tenha conhecimento direto dos factos a atestar, ou quando a sua prova seja feita por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia ou ainda por outro meio legalmente admissível.
2 - Nos casos de urgência, o presidente da junta de freguesia pode passar os atestados a que se refere este diploma, independentemente de prévia deliberação da junta.
3 - Não está sujeita a forma especial a produção de qualquer das provas referidas, devendo, quando orais, ser reduzidas a escrito pelo funcionário que as receber e confirmadas mediante assinatura de quem as apresentar.
4 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.

5 - A certidão, relativa à situação económica do cidadão, que contenha referência à sua residência faz prova plena desse facto e dispensa a junção no mesmo processo de atestado de residência ou cartão de eleitor.
6 - As certidões referidas no número anterior podem ser substituídas por atestados passados pelo presidente da junta.»

No ponto 9) dos factos assentes na sentença deu-se como provado que: «Na sequência de notificação para o efeito, através dos ofícios com as referências n.º UAC242CP1188348, de 05/09/2014 e de 01/10/2014, a contrainteressada instruiu o pedido que antecede com uma declaração, sob compromisso de honra e com data de 25/09/2014, de que “viveu maritalmente em comunhão económica e de teto desde o ano de 2002 com A.”, com a sua certidão de nascimento e, ainda, com um documento intitulado “Comprovativo de União de Facto”, assinado pelo Presidente da União de Freguesias de (...) e com data de 24/09/2014, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…) Mais se atesta e segundo declarações do(a) próprio(a) e de duas testemunhas abaixo mencionadas que o(a) mesmo(a) residia há mais de dois anos com o falecido A. seu companheiro(a) até à data de óbito 31-07-2014, conforme as testemunhas:
A., (…) L.” (cfr. docs. de fls. 120 a 127, 143 e 144 do processo administrativo)».
Precise-se, desde já, que considerando o teor do referido atestado emitido pelo Presidente da Junta de Freguesia dele extrai-se que a sua fonte de ciência foram as declarações prestadas pela própria requerente e pelas duas testemunhas que indicou, não se referindo que aquilo que o mesmo atesta decorre do conhecimento direto do presidente da junta ou de qualquer membro do respetivo executivo ou da assembleia de freguesia.
É indiscutível que um atestado emitido por uma Junta de Freguesia consubstancia um documento autêntico (n.º 2 do art.º 363º do Cód. Civil). A sua força probatória é a estabelecida no art.º 371.º, nº1 do Cód. Civil nos termos do qual «os documentos autênticos só fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador que só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador».
Não oferece qualquer controvérsia, quer em sede doutrinal, quer jurisprudencial, que não sendo arguida a falsidade do documento autêntico, este faz prova plena dos factos praticados pela entidade documentadora, de sorte que, tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, e bem assim, tudo o que tenha sido percecionado pelo mesmo, tem de ser aceite como exato.
Assim, as declarações que constam no documento como tendo sido feitas perante a entidade documentadora, ou seja, o declarado perante a última e que essa entidade ouviu através dos seus sentidos, em consonância com a parte final do n.º 1 do art. 371º do CC., beneficiam da prova plena inerente à força probatória conferida pelo oficial público.
Deste modo, se o presidente de junta consigna no texto do atestado que a requerente e as referidas testemunhas declararam que “(a) mesmo(a) residia há mais de dois anos com o falecido A. seu companheiro(a) até à data de óbito 31-07-2014” tem-se como plenamente provado que essa declaração foi efetivamente feita perante o presidente de junta de freguesia. Mas tão só. É que daí não decorre que a força probatória desse atestado respeite a tudo o que nele se contém.
A verdade dos factos a que se reportam as declarações emitidas e que constam desse documento autêntico- no caso, o atestado emitido pelo presidente de junta de freguesia- ficam sujeitas à livre apreciação do julgador.
Precise-se que a lei, de acordo com o grau de destrutibilidade do resultado probatório alcançado com os meios de prova legal, distingue entre: prova pleníssima, prova plena e prova bastante.
Na “prova pleníssima”, o valor legal dessa prova é insuscetível de ser destruído, o que significa que a lei não permite que se produza qualquer prova em sentido contrário ao facto assim provado.
Como escreve Lebre de Freitas “uma vez verificado o facto que serve de base à presunção (no sentido lato em que a entendemos), não é admissível a prova de que o facto presumido não se verificou (art. 350º-2 in fine), sem prejuízo de o primeiro ser atacável, mediante a demonstração de que afinal não ocorreu. Prova pleníssima e presunção (naquele sentido lato) são conceitos sinónimos” e aponta como exemplos de presunções legais que gozam de prova pleníssima os arts. 243º, n.º 3, 579º, n.º 2 e 2198º, n.º 2 do CC.
Já na “prova plena”, que constitui a regra, é admissível a demonstração, através de outros meios de prova, de que o facto presumido não ocorreu, ainda que, em determinados casos, essa prova contrária apenas seja admissível quando se verifiquem determinados requisitos legais (art. 350º, n.º 2, 347º, n.º 2, 372º, 376º, n.º 1 e 393º, n.º 2 do CC), constitutivos duma prova plena qualificada e se restrinja essa prova contrária a determinados meios de prova ou se admita estes apenas verificadas que sejam determinadas premissas. “Prova plena e presunção (em sentido lato) ilidível (art. 350º, n.º 2 do CC, 1ª parte) são conceitos sinónimos, sendo a essa presunção que se refere o art.º 344º, n.º 1 ao estabelecer a inversão do ónus da prova”.
Finalmente, “a prova bastante cede perante a simples dúvida que o julgador, confrontado com outros elementos de prova, tenha sobre a realidade do facto por ela em princípio provado (art. 346º do CC). Trata-se de presunção legal que não inverte o ónus da prova”, como acontece nos casos a que se reportam os arts. 1816º, n.º 3 e 1871º, n.º 2 do CC.
Como referido, os documentos autênticos, como é o caso de um atestado emitido por uma junta de freguesia, fazem prova plena dos factos que referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções desta (artº. 371º, n.º 2 do CC.).
A prova plena feita pelo documento autêntico é uma prova plena qualificada, dado que só cede pela prova do contrário, mas uma tal prova em contrário tem na lei um regime especial: o da falsidade (arts. 347º e 372º, n.º 1 do CC).
Assim é que o n.º 1 do citado artº. 372º se estabelece que “a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade”.
Em síntese, reitera-se que no que tange às declarações feitas perante a entidade documentadora e que esta verte no texto do documento, têm-se como definitivamente assentes que essas declarações foram prestadas, uma vez que tratando-se de factos que foram percecionados pela entidade documentadora esses factos gozam da força probatória plena inerente ao documento autêntico, pelo que os declarantes ou os terceiros interessados apenas podem colocar em crise que aquelas declarações foram efetivamente feitas, mediante a invocação da falsidade material e/ou intelectual do documento. Daqui não decorre, contudo, que o teor dessas declarações feitas perante a entidade documentadora sejam efetivamente, sinceras e verdadeiras.
Neste sentido, pronunciam-se Pires de Lima e Antunes Varela, ao escreverem “o valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contêm no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo (ex: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que o ato não seja simulado (…). Um exemplo: numa escritura de compra e venda de imóveis o vendedor declara que recebeu o preço convencionado; o documento só faz prova plena de que esta declaração foi proferida perante o notário, nada impedindo que mais tarde se prove que ela foi simulada e que o preço ainda não foi pago”. Cfr. Código Civil Anotado, Vol. I , 48 edição, pág. 327;
No mesmo sentido se pronuncia Manuel de Andrade, ao ponderar: “O documento constitui prova plena, só ilidível mediante arguição e prova de falsidade (prova do contrário) – quanto à veracidade das atestações do funcionário documentador (nos limites da sua competência), até onde versem sobre atos praticados por ele próprio, ou praticados na sua presença (declarações emitidas, entregas de dinheiro, etc.) – isto é, sobre ações ou perceções suas (quórum notitiam et scientiam habet propriis sensibus, visus et auditus). Os factos e declarações que o funcionário atesta como praticados, emitidas ou prestadas perante ele terão o valor jurídico que lhes competir, podendo ser impugnados pelos interessados, nos termos gerais de direito (erro na declaração ou erro-vício, coação, simulação, etc.) não importando isso arguição de falsidade. O documento faz assim prova plena quanto à materialização (prática, efectivação) de tais atos e declarações; mas não quanto à sua sinceridade, à sua veracidade ou à falta de qualquer outro vício ou anomalia”.
No direito nacional, é pacifico, que o documento autêntico não fiabiliza a veracidade das declarações que os declarantes fazem perante a entidade documentadora, mas apenas garante que essas declarações foram feitas. Neste conspecto, é inquestionável que o atestado de residência em causa nos autos não prova a união de facto entre a contrainteressada e o falecido pai dos autores, provando apenas que a junta de freguesia, com base nas declarações prestadas pela própria e pelas duas testemunhas que indicou, fez do constar do atestado que a contrainteressada “residia há mais de dois anos com o falecido A. seu companheiro(a) até à data de óbito 31-07-2014”.
Com acutilância para o caso em análise, afirma-se no aresto do STJ, de 21/03/2019, processo n.º 559/18.6YRLSB.S1, citado pelo Ministério Público no seu parecer, o seguinte: «Como escrevem os Professores Francisco Manuel Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “A prova da união de facto é normalmente testemunhal; mas a possibilidade de prova documental não deve excluir-se. Interpretando com largueza o termo vida no artº 34º nº 1, do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril, que regula o modo como “os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos” devem ser passados pelas juntas de freguesia, pode admitir-se que a junta de freguesia da residência dos interessados passe atestado comprovativo de que uma pessoa vive ou vivia em união de facto com outra. […]
Não se tratando, porém, normalmente, de facto atestado “com base nas percepções da entidade documentadora” (artº 371º nº 1, C. Civ), o documento não faz prova plena, podendo provar-se que o facto não é verdadeiro, pois a união de facto não existiu ou não existiu durante determinado período. O documento prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação”.
Entre a força probatória da declaração emitida pela junta de freguesia e da escritura pública há uma relação de semelhança — como a declaração emitida pela junta de freguesia, a escritura “prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação”.
Aplicando estas diretrizes ao caso em juízo, a existência do referido atestado emitido pela junta de freguesia, contrariamente ao sustentado pela apelante, não constituía nenhum obstáculo a que o Tribunal a quo considerasse não provada a existência da união de facto entre a contrainteressada e o falecido pai dos autores, bastando para tal que em função da prova testemunhal produzida e da valoração efetuada dos meios de prova, segundo o princípio da livre convicção do julgador, concluísse, como veio a concluir, que a invocada situação de união de facto não se verificava. Conforme já se enunciou e resulta de firme jurisprudência "I- O documento autêntico só faz prova plena dos factos praticados pelo documentador (v.g., o notário), dos que se passam na sua presença e dos que ele atesta com base nas suas próprias percepções - artigo 371º do Código Civil. II- Assim, o documento autêntico, no qual se ateste ter sido redigida e assinada, na presença do notário, uma declaração referindo determinados factos e a reafirmação de que a mesma exprime a vontade do declarante, não constitui prova plena da sinceridade desta, nem da veracidade daqueles factos, dado que disso não podia o documentador certificar-se com os seus sentidos" – cfr. Ac. do STJ, 5-2-1987.
O Tribunal a quo não estava impedido de, em face da produção de prova testemunhal, concluir pela inexistência da invocada união de facto. Como bem refere o Ministério Publico no seu douto parecer: «(…) sem prejuízo da autenticidade (e força probatória plena) quanto ao que foi exarado pelo “Presidente da Junta” no respetivo “Atestado” – o documento faz prova plena quanto à autoria e teor do ali declarado –, tem que ser permitido à A./Apelada o acesso ao direito e aos Tribunais para defender o seu invocado direito e regular/dirimir o conflito de interesses assim suscitado.
Doutro modo, estaria aberta a porta para uma regulação definitiva desse conflito de interesses, nos termos em que ora conformado, fora da sede própria, a sede judicial, visto que uma tomada de posição (declaração ou decisão) administrativa (no caso, de órgão da Administração Local) encerraria, em si, a decisão definitiva do conflito, através da emissão de um documento, sem, obviamente, qualquer contraditório prévio.
Quer dizer, sem que a aqui A. pudesse defender-se (ou exercer qualquer contraditório), uma entidade administrativa, através de um documento por si emitido, por dotado de força probatória plena, deixaria regulada ex ante a relação jurídica e os interesses em conflito (em termos definitivos), posto que a CGA ficaria impossibilitada de questionar a existência da dita “ comunhão de mesa e habitação” até à morte do beneficiário, visto que nem prova testemunhal em contrário poderia apresentar/produzir em juízo – tal como não o pudera fazer na antecedente esfera administrativa – quanto ao cerne fáctico da questão (cfr. o citado n.º 2 do art.º 393.º do CCiv.).
Tal perspetiva colidiria, a nosso ver, não só com o referido exercício da reserva da função jurisdicional que compete ao juiz, como até, na relação inter partes, com o direito (da A./Apelada) de acesso ao direito e aos Tribunais, constitucionalmente consagrado, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e com os princípios da proporcionalidade e adequação inerentes ao Estado de Direito.
Na verdade, seria também desproporcionado e inadequado, à luz dos valores e princípios do sistema (designadamente, com referência à imposição constitucional de um processo justo e equitativo), que a aqui A./Recorrida não pudesse, em juízo (Tribunais cíveis), socorrer-se da prova testemunhal para demonstrar uma realidade fáctica, do âmbito privado, oposta ao conteúdo do dito atestado, o que equivaleria a não poder contradizer, defendendo-se, por ficar amarrada perante um documento administrativo que, sem contraditório, deixaria regulada no essencial, pela sua força probatória plena, uma relação jurídica conflitual entre interesses de partes opostas.
Donde que, cabendo, obviamente, aos Tribunais dirimir o conflito entre as partes, o dito documento não possa, nesta esfera jurisdicional, assumir força probatória plena quanto aos factos aqui discutidos (sua realidade/veracidade), que se prendem com saber se existiu, ou não, a dita comunhão de mesa e habitação, tendente a ilustrar a união de facto entre a R. e R (…) até à morte deste.
Diversamente, esse documento, nesta sua vertente, tem de ser visto em juízo como estando sujeito à livre apreciação do Tribunal, tal como o estão as provas oralmente produzidas (por depoimentos testemunhais e declarações de parte)».

Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
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b.3. Do erro de julgamento decorrente da inversão do ónus da prova contra os apelantes

As apelantes, ambas, assacam erro de julgamento à sentença recorrida por a mesma ter invertido ilegalmente o ónus da prova, fazendo tábua rasa do artigo 342.º, n.º1 do C.C.
A CGA, afirma que pese embora lhe seja indiferente se paga a pensão de sobrevivência a uma ou a outra parte nestes autos, desde que a ela tenha efetivamente direito, não é indiferente à sentença proferida nos autos quando nela se sustenta não competir aos Recorridos fazer a prova do direito que invocam, conquanto, na sua perspetiva, tendo sido os mesmos que vieram colocar em causa a prova que a contrainteressada efetuou perante a CGA, sendo que, para tanto, alegaram factos, só a eles competia provar tais factos, tais como que a contrainteressada e o seu pai, embora vivessem juntos, não viviam como marido e mulher (cfr. art.º 19.º da P.I.), ou explicar porque foi a contrainteressada a pagar o funeral de seu pai e não eles (cfr. 7 dos Factos Assentes), entendendo que sobre eles impendia o ónus da prova dos factos por si alegados, dado que constituem os fundamentos do direito de que se arrogam (auferir a pensão de sobrevivência sem a concorrência da contrainteressada), nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Cód. Civil, normativo que foi violado pela sentença..
Mas sem razão.
Na sentença recorrida a senhora juiz a quo, a dado passo, afirma que « Nesta sede, incumbindo o ónus da prova dos pressupostos (fácticos e jurídicos) do ato impugnado (a existência da união de facto) à autoridade administrativa, ora R., os AA. não se encontram vinculados à demonstração de que esses pressupostos (a união de facto) não existem, bastando que possam pôr em dúvida a validade da posição substantiva adotada pela Administração e que foi favorável aos interesses da contrainteressada. Ao invés, é sobre a R. que recai o ónus da prova dos pressupostos da sua atuação e é sobre a contrainteressada que impende o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga (o direito à pensão de sobrevivência enquanto unida de facto do falecido), os quais passam, pois, pelo dever ou ónus de demonstrar/provar que, à data do óbito do pai dos AA., a contrainteressada vivia com ele em situação de união de facto, isto é, que, nessa altura, ambos viviam em condições análogas às dos cônjuges. Por conseguinte, atenta esta repartição do ónus da prova, são a R. e a contrainteressada que sofrem as consequências desvantajosas de não terem logrado convencer o Tribunal, para além de toda a dúvida razoável, da materialidade dos factos considerados, isto é, da existência de uma união de facto entre aquela e o pai dos AA.
Considerando, assim, o que acima ficou referido, é de concluir que o ato impugnado padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito (no dizer dos AA., por ilegalidade na aplicação dos pressupostos legais à situação de facto), porquanto determinou a atribuição à contrainteressada de uma percentagem da pensão de sobrevivência por óbito do pai dos AA. no pressuposto, errado, de que ambos viviam, à data do falecimento e por um período mínimo de dois anos, em situação de união de facto.».

Na ação que os autores moveram contra as Rés, ora apelantes, estava em causa decidir se o ato administrativo impugnado, proferido pela Ré CGA a 27/10/2014, por via do qual atribuiu aos autores uma pensão de sobrevivência correspondente a 30% do valor da pensão global a distribuir pelos herdeiros, enfermava do vício de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, na medida em que considerou que os AA. concorriam com cônjuge ou ex-cônjuge de seu pai, quando não é verdade que a mesma tivesse vivido em união de facto com o pai daqueles e, bem assim, a condenação da Ré à prática do ato legalmente devido, no sentido de lhes atribuir uma pensão de sobrevivência calculada com base em 60% do valor da pensão de velhice a que o falecido pai tinha direito e, consequentemente, que a R. seja condenada a proceder à devolução aos AA. da diferença entre o valor da pensão de sobrevivência a que têm direito e o valor que lhes tem sido indevidamente pago, com efeitos à data do óbito e até que venha a ser alterado o valor da pensão nos termos ora peticionados.

Conforme salienta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA In “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010, fls. 85 e segts; « o reconhecimento pelo juiz do bem fundado da pretensão anulatória dirigida contra um ato administrativo é o resultado de um processo…que só julgado procedente se e na medida em que for negado o poder da Administração, enquanto autora do ato atacado. Por este motivo, há, neste domínio uma inversão das posições processuais das partes, por comparação com as posições que lhes correspondem no quadro da relação jurídica substantiva. Com efeito, embora, na relação processual, seja o impugnante quem surge como autor e a Administração figure como parte demandada, a verdade é que, no plano substantivo, é a Administração quem é titular da pretensão, que ela assumiu, pela positiva, com o ato que praticou, pelo que lhe corresponde a posição substantiva de autora, enquanto ao interessado na anulação corresponde a posição substantiva de demandado, que se vê forçado a contestar em juízo a posição assumida pela Administração, através da impugnação do ato que por ela foi praticado».
Prossegue o autor, sustentando que, sendo assim « também se devem inverter, na análise do processo impugnatório, os termos que presidem à analise dos processos de outro tipo, o que se reveste de especial importância no que diz respeito à definição das regras de repartição do ónus da prova no processo impugnatório. Como estas regras, devem, com efeito, atender às posições substantivas que correspondem às partes na relação material que se encontra subjacente ao processo impugnatório, uma das mais importantes consequências que decorrem do reconhecimento de que o objeto do processo impugnatório se concretiza na negação do poder exercido com a emissão do ato impugnado, pelo que a averiguação do seu fundamento depende da apreciação dessa questão segundo as regras próprias que lhe devem corresponder, é a de que o ato impugnado deve ser anulado sempre que não se demonstre em juízo que os respetivos pressupostos se encontravam preenchidos e é sobre a Administração que recai o ónus de demonstrar o preenchimento desses pressupostos».
Com interesse, tome-se em consideração o Acórdão do TCAS, de 15.02.2018, proferido no processo n.º 639/12.1 BELRS no qual se adverte que « em sede do chamado ónus da prova (cf. precisamente ANSELMO DE CASTRO, DPCD, III, p. 350 ss; LEBRE DE FREITAS, Introdução…, 4ª ed., p. 41 ss; e, menos precisamente, CASTRO MENDES, DPC, II, p. 669; A. VARELA et al., Manual…, p. 450-451 e 455-457), (…):
a) não se trata de um dever ou de uma obrigação processuais;
b) o chamado ónus da prova deveria modernamente chamar-se “encargo conveniente da prova”, podendo definir-se como a indicação pelo direito objetivo de qual será a parte que, normalmente, suportará as consequências desfavoráveis decorrentes de não se provar no processo uma factualidade que, segundo as normas de direito substantivo, é favorável aos interesses dessa parte (cf. artigos 411º, 413º e 414º do CPC e artigos 342º e 343º do CC);
c) equivale, pois, à conveniência de ter a iniciativa da prova dos factos-fundamento sujeitos ao ónus da alegação fáctica, num contexto em que dominam os artigos 411º, 413º e 414º do CPC;
d) trata-se, assim, de um ónus muito imperfeito, que condiciona o inquisitório e um ónus predominante de iniciativa da prova;
e) mais importante do que tal ónus imperfeito, é saber quais os factos concretos que importa provar, tendo por bússola as normas de direito substantivo aplicáveis ao litígio;
f) as regras legais (e, nalguns raros países, pretorianas) sobre a repartição geral do ónus objetivo da prova resultam de imperativos de lógica, racionalidade, normalidade, proporcionalidade e tutela jurisdicional efetiva, tendo presente as funções criadora, extintiva, modificativa ou bloqueadora das normas de direito substantivo presentes no litígio concreto; é o caso da conjunção normativa, dominante no mundo moderno democrático, que resulta do disposto nos artigos 342º/1/2 e 343º/1 do CC português, sem prejuízo de regras especiais ou específicas, ou mesmo sem prejuízo de uma repartição flexível ou dinâmica e excecional do risco da não prova dos factos-fundamento convenientes a cada interesse em jogo na lide.
(…) nas ações impugnatórias de ato administrativo, para efeitos dos artigos 342º e 343º do CC, “autor” deve ser entendido, nos casos normais, como “réu” e vice-versa. Só poderia ser assim, hoje (e antes), na perspetiva normativa-substantiva do CC, cujos artigos 342º e 343º não podem ser substituídos pela vontade do tribunal ou da doutrina. - Cf. assim: Ac. do TCA Sul de 19-05-2016, p. nº 12987/16; LEO ROSENBERG, Die Beweislast auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und der Zivilprozeßordnung (2); La Carga de la Prueba, trad., 2ª ed., Editorial B de F, Montevideo, 2002; ROSENBERG/SCHWAB/GOTTWALD, Zivilprozeßrecht, 15.ª ed., Beck, Munique, 1993; ANSELMO DE CASTRO, ob. e pp. cits.; LEBRE DE FREITAS, ob. e pp. cits.; e ainda MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre as regras…, in CJA, nº 20, pp. 38 ss; CARLOS CADILHA, A prova…, in CJA, nº 69, p. 49, e Dicionário do Contencioso Adm., pp. 427-428.».
Também o STA, em acórdão de 24.11.1999, proferido no processo n.º 032434 sumariou a seguinte jurisprudência: « III - No recurso contencioso, deve entender-se que em regra, cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos».
Em face das considerações que antecedem, não subsiste nenhuma dúvida em como competia às Rés alegar e provar que a contrainteressada vivia em união de facto com o falecido pai dos autores há mais de dois anos à data do seu falecimento.
Aos autores, como bem sustentado pela sentença recorrida, cabia apenas abalar a verificação desse pressuposto de facto em que assentou a decisão recorrida, sendo à CGA , enquanto Administração que praticou o ato impugnado e à contrainteressada, que se arroga ao direito de beneficiar de uma pensão por ter vivido em união de facto com o falecido pai dos autores, que impendia a obrigação de provar que esse pressuposto se verificava, pelo que, as consequências da falta de prova da existência de uma situação de união de facto entre a contrainteressada e o falecido pai dos autores, só oneram a CGA e a contrainteressada.
Quanto aos autores, apenas lhe incumbia o ónus de alegarem os pressupostos do seu direito às pretensões em que pretendem ver condenada a CGA, e de demonstrarem o bem fundado da sua pretensão, ou seja, o preenchimento dos respetivos elementos constitutivos.
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
*
b.4. Do erro de julgamento sobre o mérito da decisão.

Por fim, a Contrainteressada nas conclusões 9.ª a 13.ª imputa à sentença recorrida erro de julgamento sobre a matéria de direito, decorrente da violação dos artigos 1.º, n.º2 da Lei 7/2001, de 11/05 e art.º 8.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 322/90, de 18/10, alegando, para tanto, que entre outros, os factos dados como provados nos pontos 6, 7, 8, 9, 15, 17 e 18 da sentença recorrida, evidenciam a união de facto existente entre a recorrente e A..
A apelante sustenta que, reportando ao teor do art.º 1577.º do Cód. Civil e ao caso concreto, a plena comunhão de vida é a comunhão de vida na qual os unidos de facto se apresentam mutuamente vinculados por deveres de respeito, de fidelidade, de coabitação, de cooperação e de assistência, e que no caso não se extrai nada em contrário do teor dos indicados factos tidos como provados. Ademais, invoca que a exteriorização de “um projeto de vida em comum” (pretendida pela sentença recorrida) é algo que sempre acarretaria uma prova impossível, atendendo a que existem casais, unidos de facto, que apenas lhes basta a vida do dia a dia, não necessitando de traçar algo para o futuro quanto à sua vivência como casal.
Considera que tratar do companheiro doente, saída em conjunto para efetuar compras, para passeios, viverem na mesma casa, tudo consubstancia, no caso sub judice, união de facto entre o falecido e a recorrente.
Cremos que sem razão.
Vejamos.
Na Lei 7/2001, de 11/05, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 23/2010, que «
adota medidas de proteção das uniões de facto» (art.º1/1), o legislador define a união de facto como “a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos
Por seu turno, no artigo 2.º, sob a epígrafe “Exceções”, determina-se que:
«Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto:
a) Idade inferior a 18 anos à data da do reconhecimento da união de facto;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto;
c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens;
d) Parentesco na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral ou afinidade na linha recta;
e) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro».
Quanto à prova da união de facto, dispõe o artigo 2.º-A que:
«1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.
2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular.
4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.
5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal».
No artigo 3.º, sob a epígrafe “Efeitos”, estabelece-se que:
«1 - As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a:
a) Proteção da casa de morada da família, nos termos da presente lei;
b) Beneficiar do regime jurídico aplicável a pessoas casadas em matéria de férias, feriados, faltas, licenças e de preferência na colocação dos trabalhadores da Administração Pública;
c) Beneficiar de regime jurídico equiparado ao aplicável a pessoas casadas vinculadas por contrato de trabalho, em matéria de férias, feriados, faltas e licenças;
d) Aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens;
e) Protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei;
f) Prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei;
g) Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei.
2 - Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à proteção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum.
3 - Ressalvado o disposto no artigo 7.º da presente lei, e no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, qualquer disposição em vigor tendente à atribuição de direitos ou benefícios fundados na união de facto é aplicável independentemente do sexo dos seus membros.».
Por seu turno, no n.º 1 do artigo 6.º, sob a epígrafe “Regime de acesso às prestações por morte” dispõe-se que “O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, independentemente da necessidade de alimentos» e no n.º 2 da citada norma, que «- A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação».
Resulta destes normativos que as prestações sociais a que o cônjuge sobrevivo tenha direito são devidas independentemente da necessidade de alimentos, não sendo de exigir a prova de que não podem ser obtidas, quer dos familiares referidos no artº. 2009º do Cód. Civil, quer da herança do falecido beneficiário.
Quanto à prova da situação de união de facto, estabelece o artigo 2.º, n.º 1 da referida Lei que « Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.»
E de acordo com o n.º4 dessa disposição « No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.», determinando-se no n.º5 que « As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal».
Por sua vez, no artigo 8.º encontram-se enumerados as causas de dissolução da união de facto a saber:
«1 - A união de facto dissolve-se:
a) Com o falecimento de um dos membros;
b) Por vontade de um dos seus membros;
c) Com o casamento de um dos membros.»
Como refere Pereira Coelho, a união de facto é um estado de facto (entre duas pessoas) que corresponde a uma situação de comunhão de leito, mesa e habitação. Cfr. Direito da Família, Vol. I, 4ª ed., pág. 52.;

A união de facto é, assim, um estado de facto que corresponde a uma situação de comunhão de leito, mesa e habitação, podendo essa vivência ocorrer entre pessoas não casadas, ou, como demonstra abundantemente a realidade, entre pessoas que foram ou são ainda casadas (desde que estejam separadas judicialmente de pessoas e bens).
As razões assistenciais que presidem à atribuição do direito à pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo que viveu em união de facto são as mesmas que justificam a atribuição do mesmo direito aos que foram casados, os unidos de facto que mantêm entre si um vínculo conjugal não dissolvido prestam-se reciprocamente assistência e apoio, ficando numa situação de desproteção merecedora de tutela de direito em caso de morte de um deles.

O DL n.º 322/90, de 18/10, com as suas sucessivas alterações, é o diploma que define e regulamenta a proteção na eventualidade morte dos beneficiários do regime geral de segurança social (art.º 1.º, n.º 1).
No artigo 4.º, n.º1 e 5.º do mesmo diploma, estabelece-se que as pensões de sobrevivência, são “prestações pecuniárias que têm por objetivo compensar os familiares de beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste”, sendo de concessão continuada “ e a sua titularidade é reconhecida aos cônjuges e ex-cônjuges, aos descendentes, ainda que nascituros, incluindo os adotados plenamente, e aos ascendentes”(art.º 7.º, n.º 1).
Por outro lado, “o direito às prestações previstas neste diploma e o respetivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que vivam em união de facto”, cuja prova “é efetuada nos termos definidos na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que adota medidas de proteção das uniões de facto” (art.º 8.º, n.os 1 e 2) (sublinhado nosso).
No caso específico dos descendentes, a atribuição das prestações depende de estes terem idade inferior a 18 anos. No caso de terem idade igual ou superior a 18 anos, “as prestações apenas são concedidas se os mesmos não exercerem atividade determinante de enquadramento nos regimes de proteção social de inscrição obrigatória e satisfizerem as seguintes condições: a)dos 18 aos 25 anos, desde que estejam matriculados e frequentem qualquer curso de nível secundário, complementar ou médio e superior; b) até aos 27 anos, se estiverem a frequentar curso de mestrado ou curso de pós-graduação, a preparar tese de licenciatura ou de doutoramento ou a realizar estágio de fim de curso indispensável à obtenção de diploma; c) sem limite de idade, tratando-se de deficiente que nessa qualidade seja destinatário de prestações familiares” (art.º 12.º, na redação originária em vigor à data dos factos).
Em todo e qualquer caso, “as condições de atribuição das prestações são definidas à data da morte do beneficiário” (art.º 15.º).
Quanto ao montante das pensões de sobrevivência a atribuir aos respetivos titulares, o mesmo “é determinado pela aplicação das percentagens estabelecidas nos artigos seguintes ao valor da pensão de invalidez ou de velhice que o beneficiário recebia ou que lhe seria calculada à data do seu falecimento, de acordo com as regras fixadas para a determinação do montante das pensões” (art.º 24.º, n.º 1).
Assim, as percentagens a considerar para a determinação do valor das pensões de sobrevivência atribuídas aos cônjuges ou ex-cônjuges (e, bem assim, aos unidos de facto) são de 60% ou 70%, consoante forem um ou mais do que um; e são de a) de 20%, 30% ou 40%, consoante forem um, dois ou mais de dois, se houver cônjuge ou ex-cônjuge com direito a pensão; b) de 40%, 60% ou 80%, consoante forem um, dois ou mais de dois, se não houver cônjuge ou ex-cônjuge com direito a pensão (art.os 25.º e 26.º).
Os montantes obtidos pela aplicação das percentagens assim estabelecidas são repartidos por igual entre os titulares do direito à pensão incluídos em cada um dos grupos acima referidos (art.º 28.º, n.º 1).

Feito este enquadramento e regressando à análise do erro de julgamento quanto à subsunção jurídica que a apelante assaca à sentença recorrida, não podemos deixar de subscrever a decisão recorrida quando considera que os apelantes não provaram que a contrainteressada tivesse vivido com o falecido pai dos autores em união de facto.
Coligida a matéria de facto apurada na sentença, a sua consideração não permite que possa conscienciosamente dar-se como verificado que tivesse havido uma união de facto entre a contrainteressada e o falecido pai dos autores, por não poder extrair-se dos factos assentes que entre eles se tivesse estabelecido uma relação de comunhão de mesa, leito e habitação, que é requisito necessário à sua existência.
Na sentença recorrida pode ler-se a este respeito, que «(…) o cerne do conceito jurídico de união de facto reside, como se viu, na vivência em condições análogas às dos cônjuges (há mais de dois anos).
A doutrina e jurisprudência têm entendido, de modo pacífico e unânime, que os membros de uma união de facto vivem em comunhão de leito, mesa e habitação, como se fossem casados, assim criando uma aparência de vida matrimonial. Por outras palavras, a união de facto implica, na sua própria natureza essencial, a existência e a constituição de uma comunhão plena de vida entre duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em condições análogas às dos cônjuges, por mais de dois anos.
Assim, podemos afirmar que a vivência em união de facto exige e pressupõe a existência de um projeto de vida em comum, análogo à vivência marital, ou seja, aos cônjuges, sendo que esse projeto de vida em comum deve ser concretizado por uma comunhão plena de vida, nomeadamente por uma comunhão de mesa, leito e habitação, que deve perdurar, em termos de estabilidade, por um período temporal superior a dois anos, tudo se passando, no fundo, como se efetivamente de marido e mulher se tratassem (cfr., entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/12/2017, proc. n.º 2292/16.4T8CTB.C1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/05/2018, proc. n.º 1089/16.6T8TMR.E1, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Aqui chegados, considerando a factualidade dada como provada e não provada nos autos, afigura-se-nos que não existem elementos suficientes para se poder concluir, com a certeza e segurança necessárias para esse efeito, que o pai dos AA. e a contrainteressada viviam efetivamente em união de facto à data do falecimento daquele e por um período mínimo de dois anos.
Na verdade, calcorreando a matéria de facto apurada, não é possível daí concluir que entre ambos existia um projeto de vida em comunhão, uma comunhão plena de vida.
A este respeito, sabe-se apenas que (cfr. pontos 7 e 13 a 18 dos factos provados):
- uns anos após a separação da mãe dos AA., que ocorreu por volta do ano de 2003, o pai dos AA. e a contrainteressada partilharam a mesma residência na zona da (...), em (...);
- posteriormente, cerca de 2 ou 3 anos antes do seu falecimento, o pai dos AA. tinha um quarto arrendado na zona da baixa de (...), perto de um estabelecimento comercial “P.”;
- à data do falecimento, e antes de ter sido internado no hospital por motivo de doença, o pai dos AA. e a contrainteressada partilhavam residência na Rua dos (...), (...), (...);
- foi a contrainteressada que cuidou do pai dos AA. durante a sua doença;
- quando moravam em (...), o pai dos AA. e a contrainteressada eram frequentemente vistos juntos pelos vizinhos e faziam juntos as compras no minimercado que existia na vizinhança;
- foi a contrainteressada que suportou as despesas com o funeral do pai dos AA.
Ou seja, sabe-se que houve, durante determinados períodos temporais, pese embora não concretamente apurados, comunhão de habitação ou residência entre o pai dos AA. e a contrainteressada, sendo que os mesmos eram frequentemente vistos juntos pela vizinhança quando residiam em (...). Também se sabe que foi a contrainteressada quem cuidou e acompanhou o pai dos AA. na fase terminal da sua doença e quem suportou as despesas com o respetivo funeral.
Esta factualidade, porém, revela-se, quanto a nós, manifestamente insuficiente para se poder concluir no sentido de uma vivência em união de facto entre a contrainteressada e o pai dos AA., nas três dimensões, cumulativas, de comunhão de mesa, leito e habitação (apenas esta última resultou demonstrada).
Tanto para mais quando também decorre da factualidade provada o seguinte (cfr. pontos 19 a 22 dos factos provados):
- quando os AA. iam visitar o pai na casa de (...), o que acontecia cerca de uma vez por mês e durante as férias escolares, era o pai que normalmente lhes preparava as refeições;
- o pai dos AA. nunca apresentou a contrainteressada como sua companheira, mulher e/ou namorada junto dos filhos, dos colegas de trabalho e dos amigos próximos, incluindo os que tinha em comum com a mãe dos AA.;
- a contrainteressada nunca acompanhou o pai dos AA. nos eventos, convívios e festas promovidos pelos Bombeiros Sapadores de Coimbra;
- desde que se separou da mãe dos AA., o pai destes teve vários relacionamentos.
Ademais, não resultou provado (i) que o pai dos AA. e a contrainteressada partilhassem residência, ininterruptamente, desde 2004 até ao falecimento daquele, em 2014;
(ii) que, desde que decidiram partilhar a mesma residência, o pai dos AA. e a contrainteressada
destinaram sempre os seus vencimentos para custear despesas comuns, como alimentação, vestuário e saúde; (iii) que, quer o rendimento do salário e, depois, da pensão de reforma do pai dos AA., quer o rendimento da pensão da contrainteressada eram juntos por ambos e utilizados para pagar as contas de consumos de eletricidade, de água e de gás, bem como a renda da casa que ambos partilhavam e as despesas com compras de produtos alimentares, de higiene e de limpeza; (i) que o pai dos AA. e a contrainteressada sempre se comportaram, à vista de todos, como um casal, isto é, como se de marido e mulher se tratasse.
Ante o exposto, (…) somos levados a concluir que não havia entre eles um projeto de vida em comum, uma comunhão plena de vida, como é próprio dos cônjuges e é essencial para o preenchimento do conceito de união de facto.
(…)
Assim, ante todo o exposto, impera concluir que não foi feita prova de que o pai dos AA. e a contrainteressada viviam em união de facto à data do falecimento daquele e por um período mínimo de dois anos. Aliás, dos autos resultam elementos que apontam mesmo para a inexistência dessa vivência em comum e em condições análogas às dos cônjuges.
(…)
Considerando, assim, o que acima ficou referido, é de concluir que o ato impugnado padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito (no dizer dos AA., por ilegalidade na aplicação dos pressupostos legais à situação de facto), porquanto determinou a atribuição à contrainteressada de uma percentagem da pensão de sobrevivência por óbito do pai dos AA. no pressuposto, errado, de que ambos viviam, à data do falecimento e por um período mínimo de dois anos, em situação de união de facto. Tal vício conduz, nos termos gerais, ao desvalor de anulabilidade do ato impugnado (art.º 135.º do velho CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15/11).
Não tendo sido demonstrada, nos presentes autos, essa vivência em união de facto, não tem a contrainteressada o direito a auferir qualquer percentagem do valor da pensão de sobrevivência decorrente do falecimento do pai dos AA., por não se enquadrar na alínea a) do n.º 1 do art.º 7.º nem no art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18/10.
Daqui decorre que a percentagem do valor da pensão de sobrevivência a atribuir aos AA., na qualidade de descendentes do falecido, não deveria ter sido de 30%, nos termos da alínea a) do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18/10, mas antes de 60%, repartidos entre ambos por igual, uma vez que a sua situação se enquadra na alínea b) do mesmo preceito legal – alínea que, como vimos, fixa em 60% a percentagem a considerar para a determinação do valor das pensões dos descendentes caso estes sejam dois e não haja cônjuge ou ex-cônjuge (ou unido de facto) com direito a pensão. Deve, pois, a R., conforme peticionado, ser condenada à prática do ato devido, com o aludido conteúdo, em substituição da decisão aqui impugnada e objeto de anulação.
Nesta sequência, têm também os AA. o direito ao pagamento retroativo, pela R., das diferenças entre os valores das pensões que ab initio lhes deveriam ter sido processadas, com base numa percentagem de 60%, repartida por igual entre ambos, nos termos da alínea b) do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18/10, e os valores que lhes têm sido pagos desde a prolação do ato impugnado, baseados na percentagem inferior e indevida de 30%.».

Como bem se fundamentou na sentença sob sindicância os factos que constam do probatório não são suficientes para demonstrar a existência da referida comunhão de mesa, leito e habitação.
O facto de ser ter demonstrado que o falecido pai dos autores viveu na mesma casa com a Contrainteressada e que por vezes eram vistos a fazer compras juntos, não prova que vivessem em comunhão de mesa, cama e habitação, ou seja, como se de marido e mulher se tratasse.
Uma relação de comunhão de mesa, leito e habitação é muito mais do que provar que ambos viviam debaixo do mesmo teto e que eram vistos a fazer compras juntos. Importava que tivesse sido alegado e provado que a contrainteressada tinha uma relação amorosa com o falecido, que partilhavam a mesma cama como se fossem marido e mulher, que viviam na mesma habitação em comunhão de vida. No acervo dos factos provados não identificamos factos demonstrativos duma união de facto entre a contrainteressada e o falecido. Note-se que nada se provou sobre a partilha de vida entre ambos, se passavam os dias festivos juntos, se dormiam na mesma cama, se faziam as refeições juntos, se partilhavam as despesas, sequer se provou que viviam regularmente juntos. Estar unido de facto não é apenas dormir sob o mesmo teto e realizar compras juntos. É viver maritalmente, partilhando bons e maus momentos, numa relação de cumplicidade e movidos por um projeto de vida em comum.
Em face do exposto, não se pode extrair dos factos provados uma evidência de vida em comum que era necessária para que a contrainteressada mantivesse o direito a usufruir da pensão que lhe foi atribuída por morte daquele.
Conforme se sumariou no Acórdão do TRE, de 10.05.2018 « A união de facto, nomeadamente para efeitos de atribuição de prestação de morte ao membro sobrevivo da união, pressupõe a existência entre os membros da união de um projeto de vida em comum, análogos à vivência marital, que deve ser concretizado por uma comunhão plena de vida, nomeadamente por uma comunhão de mesa, leito e habitação que deve perdurar, em termos de estabilidade, por um período temporal superior a dois anos, comportando-se os membros dessa união, no fundo, como se de marido e mulher se tratassem.
Termos em que se impõe julgar improcedente os recursos jurisdicionais interpostos pelas apelantes e confirmar a sentença recorrida.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, confirmam a decisão recorrida.

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Custas pelas Apelantes, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 13 de novembro de 2020.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro