Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02949/15.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/24/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ALÍNEA F) DO Nº 1 DO ARTIGO 87º DA LGT
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
ÓNUS DA PROVA-Nº 3 DO ARTIGO 89ºA
CONSTITUCIONALIDADE DO Nº 2 DO ARTIGO 146ºB DO CPPT
Sumário:I. No âmbito das manifestações de fortuna, o legislador confere à AT a faculdade de decidir directamente pela tributação por métodos indirectos, demonstrados que estejam os indícios que descredibilizem (no caso) a declaração apresentada pelo contribuinte. A AT não terá assim que demonstrar a falta de veracidade da declaração do contribuinte, bastando-lhe demonstrar o facto que o legislador considera constituir uma manifestação de fortuna ou o acréscimo de património relevante.
II. Ao invés, ao sujeito passivo é instituído um ónus bastante proeminente, pois tem de comprovar a realidade dos rendimentos declarados, demonstrar que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada.
III. Só ocorrerá um vício procedimental por não realização de diligências (incumprimento do princípio do inquisitório), se se demonstrar que a administração, não tendo formado a sua convicção em sentido positivo ou negativo sobre a ocorrência de determinados factos que podem relevar para a decisão, não realizou diligências que poderia realizar para os apurar.
IV. O ónus de instrução que recai sobre a administração tributária é distinto do ónus de prova e situa-se a montante deste.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A... e I...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A... e I..., Com os NIF 1…e 2…, respectivamente, residentes na Rua…, no Porto, vieram recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente o recurso interposto ao abrigo do artigo 146º-B do CPPT, ex vi, art.º 89.ºA da LGT, da decisão do Diretor de Finanças do Porto de aplicação da avaliação indireta da matéria coletável, tendo por fundamento a correção dos rendimentos declarados nas declarações de IRS relativa aos exercícios dos anos de 2009 a 2012, que determinou a fixação do rendimento coletável em sede da categoria G do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares respeitante aqueles anos, por avaliação indirecta, no montante global de 4 675 814,36 euros.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

I – Vem o presente recurso interposto contra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 11 de Julho de 2016, que concede provimento parcial ao Recurso e, em consequência, anula a decisão recorrida apenas na parte que excede o montante de €4.675.137,17;
Na verdade,
II – Entendem os Recorrentes, salvo o devido respeito por diversa opinião, que deveria constar dos factos provados, por ter interesse para a boa decisão da causa, a conclusão a que chegou a AT, nos diversos relatórios, quer das ações inspetivas às sociedades quer da ação inspetiva ao Recorrentes, dos quais consta a envolvência das contas pessoais do Recorrente na gestão das sociedades, aliás, conforme transcrição na douta sentença a fls… 35 a 37/70;
III - Do supra referido, bem como do depoimento da testemunha C…, sócio e gerente da “Sociedade…, Lda.”, que afirma que não lhe conhece outra profissão ou outra fonte de rendimentos, para além de empresário de restauração, aliás, o próprio relatório da Autoridade Tributária refere e cita-se: “Nenhum dos elementos do agregado familiar se encontra registado, nos anos em causa, para o exercício de uma atividade de categoria B (rendimentos empresariais e profissionais), resultando assim, segundo as regras da experiência, admitir-se que os rendimentos pessoais tiveram origem nas sociedades detidas;
IV – Quanto ao ponto 1. dos factos não provados, de que “Resulta como não provado na douta sentença a alegada duplicação de movimentos de entrada, decorrente da movimentação de valores em numerário, em particular, a existência de levantamentos efetuados em determinada conta para cobrir saldos noutra conta.", salvo o devido respeito, resulta do depoimento da testemunha C… que, quando alguma conta apresentava um saldo menos positivo, era frequente, o Recorrente utilizar dinheiro de outras contas para cobrir esses saldos, confirmando um comportamento que arrasta a possibilidade de duplicação de movimentos;
V - De facto, não pode ser ignorado o testemunho referido nem as normais condicionantes de qualquer gestão financeira que se vê, frequentemente, confrontada com a necessidade de transferir verbas de umas contas para as outras em função da necessidade de satisfazer compromissos assumidos;
VI - Quanto ao ponto 2. dos factos não provados, (Pág. 50/70 da douta sentença), considera, a Mmª Juíza do Tribunal a quo, por não provada a existência de movimentos de entrada nas contas do Recorrente provenientes das empresas “S…, Lda.” e “Sociedade…, Lda.” no valor de €1.894.132,65;
VII - A verdade é que a sentença enferma de erro de interpretação e enquadramento do facto alegado de terem existido €1.894.132,65, respeitantes a receitas provenientes dos serviços prestados pelas empresas, que não foram objeto de depósito nas contas bancárias das mesmas;
VIII – De facto, a sentença, contrariando a alegação de que essa importância, não tendo sido depositada nas contas das empresas, estaria disponível para depósito nas contas bancárias dos Recorrentes, vem afirmar que a AT já tinha retirado em benefício dos Recorrentes uma verba muito superior (€2.706.332,33);
IX - Os Recorrentes alegaram, com base nas tarefas de discriminação dos movimentos constantes de tais contas bancárias, que apenas existiram, no conjunto dos anos em análise, movimentos de entrada que totalizam €2.900.750,21 (€1.731.049,94, na sociedade “S…, Lda.”, e €1.169.700,27, na sociedade “Sociedade…, Lda.”;
X - Tais valores, por comparação com os totais das receitas auferidas nos mesmos anos, conduz à conclusão de que €1.894.132,65 não foi objeto de depósito nas contas bancárias das empresas;
XI – Ora, ficou provado que estas duas importâncias não correspondem à mesma realidade e, portanto, não se pode negar o facto invocado de depósito de €1.894.132,65, nas contas dos Recorrentes com base no argumento de que essa verba está contida nos referidos €2.706.332,33;
XII - Deve, pois, entender-se que as sociedades concretizaram saídas das suas contas bancárias em benefício das contas pessoais dos recorrentes no montante global de €2.706.332,33;
XIII - E que existiram receitas das sociedades que não foram objeto de depósito nas contas bancárias das mesmas no total de €1.894.132,65;
XIV - Sendo que estas receitas, não depositadas nas contas das empresas, correspondem a recebimentos em numerário e, assim, torna-se impossível apresentar prova inequívoca do destino que lhes foi conferido;
XV - Sem prejuízo ainda, de se dever considerar a existência de movimentos, com efeito duplicador, provenientes de carências pontuais entre contas das empresas e contas pessoais, os quais, naturalmente justificarão a diferença de €550.842,75;
XVI – A sentença estabeleceu ainda, para enquadramento dos factos, uma interpretação redutora das normas que regulam a aplicação do regime estabelecido pela alínea f), do nº1, do art. 87º da LGT, porquanto, considera que a AT, aproveitando livremente da inversão do ónus da prova e provada que seja a existência de uma discrepância entre qualquer acréscimo patrimonial e os rendimentos declarados, está dispensada de: i) proceder à total e efetiva investigação das contas bancárias, a que está obrigada pelo nº 11 do art. 89º-A da LGT; ii) fundamentar a quantificação e a sua adequação para traduzir a capacidade contributiva dos Recorrentes; iii) justificar a escolha do critério de “acréscimo de património”, e o implícito desprezo pelo critério da “despesa”, bem como, precisar o conceito de “acréscimo de património”, atentos os desígnios das normas legais e, fundamentalmente, em função de permitir aos Recorrentes a efetiva possibilidade de apresentar prova, ainda que parcial, da origem das apelidadas manifestações de fortuna;
XVII – Na verdade, não podem os Recorrentes concordar com tal interpretação, a qual contraria os direitos dos sujeitos passivos que decorrem dos mais elementares princípios tributários;
XVIII – Desde logo porque, o ónus da prova que recai sobre os Recorrentes limita-se à possibilidade de afastar a aplicação do método indireto de tributação, situação em que terá que ser apresentada prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a origem das manifestações de fortuna;
XIX – Não sendo afastada a possibilidade de recurso ao método indireto, por falta daquela prova, há que encontrar, dentro dos elementos de avaliação disponíveis e de acordo com cada situação em concreto, os parâmetros adequados a uma quantificação que, por um lado, vá ao encontro da capacidade contributiva possível e verosímil e, por outro, permita aos Recorrentes a justificação dos movimentos financeiros havidos a priori como acréscimos patrimoniais;
XX - Por isso mesmo, é imposto à AT que investigue as contas bancárias dos Recorrentes, como forma de possibilitar o conhecimento de toda a realidade que envolve os Recorrentes e, assim, identificar o seu efetivo enriquecimento;
XXI - Aliás, contrariando a interpretação da douta sentença, a AT procedeu a alguma investigação das contas bancárias e, tendo enveredado pelo critério do acréscimo de património e pela sua quantificação através dos movimentos de entrada nas contas bancárias, achou por bem excluir o óbvio, ou seja, os movimentos de transferência entre as diversas contas dos Recorrentes, bem como, os movimentos por cheque e transferências com origem nas contas bancárias das empresas, assim reduzindo o total de entradas de €13.252.253,70 para €4.675.814,36;
XXII - Todavia, abrindo a lei a possibilidade de encontrar a divergência para os rendimentos declarados em função do acréscimo de património ou em função da despesa, não cuidou a AT, como consideramos estar obrigada, a fundamentar a opção pelo acréscimo patrimonial;
XXIII - Sendo que o conceito legal de acréscimo patrimonial resulta vago quando estamos em presença de meros movimentos financeiros e não perante uma realidade patrimonial objetiva e estável, designadamente, quando esse acréscimo patrimonial é efetuado à custa de uma aquisição, logo de uma despesa;
XXIV - Estando demonstrado o envolvimento das contas pessoais dos Recorrentes na gestão das empresas, a aferição do acréscimo patrimonial por via dos movimentos de entrada e sem investigação complementar e exaustiva desses movimentos e das correspondentes saídas em favor das empresas, mostra-se um meio absolutamente inadequado para traduzir o enriquecimento dos Recorrentes;
XXV - Tanto mais que aos Recorrentes se mostrava impossível obter prova que fosse suscetível de ser aceite pela AT, porquanto €2.444.975,40 foram depósitos realizados em numerário e os restantes €2.230.838,96 constituíram depósito de cheques de terceiros cuja cópia não se mostra possível obter pelo depositante, mas, tão só, pelo respetivo emitente;
XXVI - Desta forma, ao contrário do que surge apelidado na douta sentença, a atitude dos Recorrentes não se reduz à invocada inércia, mas, antes, ao desalento de ver a AT enveredar pelo critério, possível dentro das alternativas legais previstas, que lhe vai cercear, logo à partida, a possibilidade de convencer a AT da origem de mais de metade dos movimentos financeiros em causa;
XXVII - De acordo com o Ac. do TCAS de 03/02/2004, tirado no Recurso nº 785/03, a utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AT, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que servem se suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma;
XXVIII - Conforme as palavras de Génova Galván, in La estimación indirecta, Tecnos, Madrid, 1985, «alcançar senão aquela certeza que o método directo atinge pelo menos atingir a máxima verosimilhança que seja possível alcançar no caso concreto através da utilização de interferências probabilísticas»;
XXIX - Saliente-se que o que é importante é fazer o apuramento por métodos claros e objetivos, bem como seguros;
XXX - Não se pode considerar o conceito de manifestações de fortuna a que se reporta o art. 87.°, n.° 1, alínea f), da LGT, como um conceito amplo, ao ponto de se conceder a possibilidade de tributação desprovida da própria realidade dos contribuintes, isto é, sem aderência à situação efetivamente existente na prática;
XXXI - A aplicação do art. 87.°, n.° 1, alínea f), da LGT, não pode ser efetuada de uma forma cega e afastada da possível (e verosímil) capacidade contributiva, na medida em que diz respeito a um método indireto, pelo que a sua aplicação não pode deixar de procurar atingir, ainda que por estimativa, os rendimentos realmente suscetíveis de ser obtidos;
XXXII - Sem prejuízo do entendimento preconizado pelos Tribunais portugueses sobre a consideração dos depósitos bancários como acréscimos patrimoniais, o acréscimo patrimonial em causa não pode ser alheio à verdadeira capacidade contributiva dos contribuintes, razão pela qual se referiu os movimentos de saída da conta bancária, os quais deveriam ter sido atendidos face à provada utilização das contas particulares nos negócios das sociedades, assim se demonstrando o exagero da tributação;
XXXIII - O princípio do inquisitório resultou violado, na medida em que a Autoridade Tributária furtou-se a cuidar de investigar os gastos denunciados pelos movimentos de saída (levantamentos) da conta bancária, e que, como supra se expôs, deveriam, igualmente, ser computados, para o efeito de aferir das manifestações de fortuna, mas, fundamentalmente, porque não solicitou às entidades bancárias informação sobre movimentos de entrada nas contas bancárias dos Recorrentes no total de €1893.704,46, que, por falta dessa diligência, veio a concluir, presumidamente, que corresponderiam a seu enriquecimento;
XXXIV - A exigência da prova estrita da origem dos depósitos em dinheiro referidos nos autos constitui uma probatio diabólica, contrariamente ao que sustenta o Tribunal «a quo», porquanto ao exigir que os Recorrentes provem a origem dos depósitos em dinheiro, a Autoridade Tributária está a exigir que os mesmos provem o impossível, já que qualquer explicação que poderia ser dada nunca poderia, por razões inerentes à lógica, ter apoio em documentos inequívocos;
XXXV – A AT, apesar de ter solicitado às entidades bancárias, conforme sugerido pelos Recorrentes, a informação que lhes havia solicitado, contudo, numa posição de economia de economia de esforços, não solicitou a totalidade dos documentos relativos à informação pretendida, não obstante, não se coibiu de realizar correções relativamente a todos os movimentos de entrada, mesmo para os quais não solicitou a respetiva informação às entidades bancárias, sendo que estas correções baseadas no desconhecimento da sua natureza, totalizam €1.893.704,46, no conjunto dos quatro anos;
XXXVI - Para uma análise concreta do alegado, será de atentar no próprio RIT transcrito na douta sentença recorrida, designadamente nas suas páginas 19/70 a 29/70, nas quais, para além de se relatarem os factos relativos à resposta dos Recorrentes e ao subsequente procedimento da AT, se dá conta, através de quadros apropriados da discriminação dos valores em função da informação obtida das entidades bancárias ou da sua ausência por falta de solicitação da AT;
XXXVII - Ora, do disposto no nº 11 do art. 89º-A da LGT, resulta que a avaliação indirecta, no caso da alínea f) do nº 1 do artigo 87º, deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, pelo que, salvo o devido respeito por diversa opinião, investigação das contas bancárias pressupõe a análise a tudo, i.e., AT tem o ónus de analisar as contas bancárias a fim de apurar a fixação, ainda que presuntiva, do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto;
XXXVIII - Se assim não fosse, estaria desprovida de qualquer significado esta norma, já que, a legitimidade para aceder a informações e documentos bancários sempre estaria assegurada pelo disposto na alínea c) do nº 1 do art. 63º-B;
XXXIX - Refira-se que esta obrigação da AT de investigar os movimentos das contas bancárias vai de encontro ao princípio tributário da verdade material e do inquisitório, bem como, do enquadramento que terá de ser conferido à possibilidade de tributação conferido por este regime de manifestação de fortuna, enquanto meio alternativo e de recurso ao modo privilegiado por lei;
XL - Referem os AC. TCAS 419/04 de 18/01/2005 e AC. TCAN 636/06 de 25/01/2007 que, “o ónus da prova que impende sobre o contribuinte relativo à prova tendente a afastar a manifestação de fortuna evidenciada, no mesmo nº 3 do citado art. 89ºA, deve ser concatenado com aquele outro princípio acima enunciado do inquisitório, com o carear para os autos pela AT de todas as provas tendentes a demonstrar a realidade dos factos, de molde a operar apenas quando perante um caso em que afinal ficamos numa situação de non liquet, a decisão ser desfavorável ao contribuinte que não à mesma AT.”;
XLI - Assim, o princípio do inquisitório é um dos princípios estruturais em sede de processo e procedimento tributário (art. 58º, 72º e 99º LGT e art. 50º e 114º CPPT) defendido pela jurisprudência como basilar para a prossecução do interesse público e descoberta da verdade material;
XLII – Por isso mesmo, abrindo a legislação aplicável a possibilidade da AT escolher o critério de acréscimo de património, a medir pelos movimentos de entrada nas contas bancárias dos recorrentes, ou o critério da despesa efetuada, quantificação possível pelos movimentos de saída das mesmas, não podem os recorrentes aceitar que a AT tenha eleito o critério que, por envolver elevado valor de movimentos em numerário, menos possibilidade concede de justificação inequívoca;
XLIII - Veja-se que o levantamento da natureza dos movimentos de saída das contas bancárias dos Recorrentes revela que apenas 1,3% dos mesmos foram realizados em numerário, pelo que, caso a AT tivesse enveredado por esse critério, sempre lhes assistiria a possibilidade de comprovação da natureza dessas saídas, designadamente para comprovar que não respeitavam a despesas, mas, sim, a introdução de meios financeiros na gestão das empresas;
XLIV - Face à divergência de interpretação das normas legais, designadamente em função da necessidade da AT fundamentar a opção pelo critério do acréscimo de património e estabelecer uma correta medida para esse acréscimo de património, entendem os Recorrentes que deverá ser concluído que a sentença incorreu em erro na apreciação dos factos que influenciam a conclusão final do enriquecimento no valor de €4.675.137,17;
XLV - Mais, entendem os Recorrentes, salvo melhor opinião, que resultam demonstrados factos concretos de que o critério utilizado pela AT, se mostra fora dos limites da razoabilidade, vislumbrando-se assim que a atuação da AT padece de ilegalidade, bem como de violação do princípio constitucional da proporcionalidade e do princípio da investigação material, que invalida a liquidação em causa;
XLVI – Consideram ainda os Recorrentes, por tudo o exposto, materialmente inconstitucional, à luz dos art. 20º e nº4 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do art. 146º-B, nº 2 do CPPT, na parte em que estatui o prazo de 10 dias para interposição, pelo contribuinte, do recurso contencioso da decisão de avaliação indireta da matéria coletável, o que aqui se invoca expressamente e para todos os efeitos legais.
***
TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V.ªs EX.ªs, deve o presente Recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a Sentença recorrida, em conformidade com o exposto. ASSIM SE FAZENDO INTEIRA e SÃ JUSTIÇA!

A Recorrida contra-alegou tendo produzido as seguintes conclusões:
”(…) a) A AT pugna pela manutenção na ordem jurídica da sentença sob recurso, a qual entende que não está ferida de qualquer erro de julgamento, quer quanto aos factos quer quanto ao direito.
b) quanto aos alegados levantamentos efectuados em determinadas contas para cobrir saldos noutras contas, no montante de € 2.454,975,40, trata-se não de factos mas antes de conclusões a partir de factos que não foram alegados, “pelo que a convicção do Tribunal sobre tais conclusões resultou, desde logo, da total ausência de consubstanciação e, concomitantemente de prova”, não se lendo apurado a proveniência das entradas em numerário nas contas bancárias dos Recorrentes no valor de € 2.454.975,40;
c) Quanto à alegada proveniência do montante de € 1.894.132.65 creditado nas contas do Recorrente marido em movimentos das sociedades em causa nos autos, não foi comprovado qualquer nexo causal que ateste essa proveniência, cumprindo, a este propósito, destacar os seguintes aspectos que fundamentam tal conclusão:
a. Desde logo, são os próprios recorrentes que alegam ser apenas “possível e quase certa” essa origem, gerando a mera dúvida sobre o facto tributário;
b. Os recorrentes não estabeleceram qualquer correspondência directa, alicerçada em datas e quantias, entre os depósitos a crédito na sua conta bancária e os valores das vendas e prestações de serviços das sociedades em causa;
c. Que a AT já havia expurgado o valor de € 2.706332,33 como respeitando a transferências e cheques emitidos pelas sociedades, valor muito superior ao montante invocado pelos Recorrentes como sendo proveniente das referidas sociedades;
d. Que o facto de as contas das sociedades não reflectirem a totalidade dos ganhos não decorre que os mesmos estejam necessariamente reflectidos nas contas dos Recorrentes.
d) Em suma, quanto aos alegados levantamentos em numerário de umas contas para crédito noutras contas e o envolvimento das contas pessoais do Recorrente na gestão das aludidas sociedades, cumpre realçar que a proveniência dos fluxos financeiros efectuados em numerário, dada a natureza fungível dos mesmos, escapa à análise de um terceiro, carecendo da colaboração efectiva dos Recorrentes para o seu esclarecimento, colaboração esta que não foi minimamente prestada.
e) Assim, se a investigação que importava fazer para esclarecimento daqueles factos envolvia elevados custos para os Recorrentes, essa é uma circunstância em que os Recorrentes se colocaram voluntariamente e da qual só a si próprios se podem queixar.
f) Quanto ao direito, está em causa a aplicação da alínea f) do art. 87° e o disposto no n° 3 e nº 5 do art. 89°-A da LGT, tendo o Tribunal “a quo” concluído pela verificação dos pressupostos legais que determinam a inversão do ónus da prova e a exclusão da presunção de veracidade das declarações prevista na alínea d) do n° 2 do art. 75° da LGT.
g) De acordo com o entendimento do Tribunal “a quo”, o qual merece a inteira adesão da AT, o regime legal em apreço determina uma diminuição do esforço instrutório da AT, a qual não tem de demonstrar a falta de veracidade do declarado, atenta a inversão do ónus probatório, nem tem de justificar um método de quantificação mais adequado à verdadeira situação tributária do contribuinte, uma vez que o critério de quantificação do acréscimo patrimonial sujeito a tributação é o que resulta expressa e inequivocamente da lei.
h) Na verdade, tal como é referido na sentença sob recurso, a inversão do ónus da prova contida no nº 3 do art. 89°-A da LGT impõe aos ora Recorrentes um verdadeira ónus na comprovação da origem do acréscimo de património identificado pela AT, não bastando aos contribuintes gerar a dúvida sobre a existência do facto tributário, antes sendo necessária a prova da inexistência do facto sujeito a tributação.
i) Prossegue a sentença sob recurso que, ao contrário do entendimento defendido pelos Recorrentes, são as entradas nas suas contas bancárias e não o saldo final das mesmas que constituem acréscimo de património a justificar,
j) Realçando a “inércia do sujeito passivo em justificar a concreta origem dos valores creditados nas suas contas particulares, refugiando-se na complexidade e onerosidade de tal análise” (a pag. 58 da sentença),
k) E destacando o facto de a AT ter efectuado uma análise das referidas contas, expurgando do valor total creditado nos anos em questão “valores com origem em outras contas bancárias do Recorrente, bem como em contas bancárias de sociedades por si detidas (transferências bancárias e depósito de cheques emitidos pelas sociedades), admitindo que tal modificação financeira estivesse relacionada com a actividade das sociedades. ou seja, reconhecendo o alegado envolvimento das contas pessoais do recorrente nos negócios das empresas” (a pag. 59 da sentença),
1) Evidenciando, ainda, quanto aos movimentos em numerário, que sendo o dinheiro, por natureza, um bem fungível, seria impossível à AT investigar a sua proveniência, sendo que essa demonstração “cabia em absoluto aos recorrentes, que estavam em condições privilegiadas para o fazer” (a pag. 59 da sentença),
m) Acrescentando que aos Recorrentes não foi exigida qualquer prova diabólica, susceptível de consubstanciar uma violação ao principio da proporcionalidade, previsto no art. 55° da LGT, uma vez que nem sequer estão em causa factos negativos, sendo que “os recorrentes confundem e misturam as situações de ausência de prova (com que estão onerados) com a eventual complexidade ou onerosidade da prova que, a existir, é apenas imputável à sua conduta” (a pag. 61 da sentença).
n) Quanto à ilegalidade do procedimento decorrente da insuficiência da notificação, transcreve de pag. 65 da sentença que “é forçoso concluir que aos recorrentes foi concedida a possibilidade de tomarem parte activo no procedimento, pois tiveram a possibilidade de justificar os valores considerados não justificados e de prestar os esclarecimentos que entendessem necessários, o que, por escolha própria, não fizeram, restringindo-se a sua colaboração à concessão de autorização de acesso às suas contas bancárias “, entendimento que a AT subscreve inteiramente.
o) Mais, “Ou seja, os recorrentes não só não cumpriram o dever de colaborar no procedimento, porque omitiram os esclarecimentos solicitados e não “puseram as cartas em cima da mesa” justificando a origem dos valores em causa, como, mesmo após análise levada a cabo pela AT mantiveram uma atitude evasiva, de crítica passiva, não tendo feito uso da possibilidade de poderem participar activamente na formação da decisão, que lhes foi concedido, exercendo o seu direito ao contraditório de forma consubstanciada” (pag. 65 e 66 da sentença).
p) Quanto ao alegado erro na quantificação, a AT acompanha o entendimento do Tribunal “a quo” no sentido de que, por um lado, “não foi possível concluir, com o mínimo de segurança, pela existência de um nexo entre as correcções realizadas pelos serviços de inspecção nas sociedades e qualquer parte dos rendimentos dos recorrentes que foram considerados como não justificados, pelo que, nessa parte, não resulta demonstrado qualquer excesso de quantificação” (a pag. 67 da sentença).
q) E, por outro lado, “sendo certo que, o referido montante de € 1.894.132,65 é o valor das prestações de serviços estimadas pela A T por aplicação de métodos indirectos e que consta dos relatórios de inspecção realizada às sociedades (valor esse que foi reduzido em sede de procedimento de revisão, ou seja, nele se incluem também os valores declarados pelas sociedades, a verdade é que, do total de movimentos de entrada nas contas do recorrente marido, de € 13.252.253,70. a AT somente conseguiu encontrar justificação para € 8.576.439,63, que já inclui o valor de € 2.706.332,33 respeitante a transferências e cheques emitidos pelas sociedades” (a pag. 67 da sentença).
r) Assim, era sobre os Recorrentes “que recaía o ónus de demonstrar o erro ou manifesto exagero desta quantificação (art 100°, n°3 do CPPT), não bastando a criação de dúvida sobre a quantificação do facto tributário” (a pag. 68 da sentença).
s) “Ora, a verdade é que, do valor para o qual a A T não encontrou explicação, de € 4.675.814,16, apenas se concede que exista excesso de quantificação na parte em que inclui e não expurgou os montantes pagos ao recorrente pelo Instituto da Segurança Social, no valor global de € 676,90 (...)” (a pag. 68 da sentença).
t) Por fim, quanto à inconstitucionalidade material do art. 146º-B, nº 2 do CPPT, apela-se ao acórdão do TC n° 554/2009, mais acrescentando que no decurso do procedimento inspectivo não faltaram oportunidades ao Recorrentes para colaborar com a AT no esclarecimento da sua situação jurídico-tributária, “não tendo sido surpreendidos com uma qualquer decisão que não fosse expectável e da qual tivessem apenas 10 dias para se defender” (a pag. 69 da sentença).
u) Nos termos supra expostos, será de manter a sentença sob recurso, a qual considerou que o montante de € 4.675,137,17 representa um incremento do património dos Recorrentes que não se coaduna com os rendimentos líquidos declarados para os anos de imposto em análise (2009 a 2012), e que por isso deve ser tributado em sede de IRS, como manifestação de fortuna, enquadrável na categoria G do IRS.
Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, devem ser julgadas improcedentes as pretensões recursivas dos Recorrentes.”


Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer, a folhas 1208 e ss, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

I.1 Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:


As questões suscitadas pelos Recorrentes, delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, são as de saber se a sentença incorreu em erro no julgamento de facto e de direito, sendo ainda de apreciar a (in)constitucionalidade do nº 2 do artigo 146ºB do CPPT.


II. Fundamentação


II.1. De Facto

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

III.1 – Factos Provados
Da prova produzida nos autos, resultou apurada a seguinte factualidade:

1. Pelo ofício n.º 80099/0507, de 11/12/2013, expedido sob correio registado de 12/12/2013, foi remetida aos Recorrentes “carta-aviso” informando do início, a muito curto prazo, de ação inspetiva, de âmbito parcial, em sede de IRS, ao ano de 2009 Cfr. fls. 1-2 do processo administrativo apenso.
2. Pelo ofício n.º 80098/0507, de 11/12/2013, expedido sob correio registado de 12/12/2013, foi remetida aos Recorrentes “carta-aviso” informando do início, a muito curto prazo, de ação inspetiva, de âmbito parcial, em sede de IRS, aos anos de 2010 a 2012 – Cfr. fls. 3-4 do processo administrativo apenso.
3. Em 17/12/2013, o Recorrente tomou conhecimento das ordens de serviço n.º OI201303924 e n.º OI201303924, que determinam a realização de inspeção externa, de âmbito parcial, em sede de IRS, ao ano de 2009 e aos anos de 2010 a 2012, respetivamente – Cfr. fls. 5-6 do processo administrativo apenso.
4. Em 14/05/2014, o Sr. Inspetor Tributário da Divisão de Inspeção Tributária IV da Direção de Finanças do Porto elaborou informações referentes às Ordens de Serviço n.os OI201303924 e OI201303925, propondo a prorrogação do prazo do procedimento inspetivo por três meses, indicando como motivo da prorrogação o facto de, em 03/04/2014, o recorrente ter autorizado a AT a consultar ou solicitar junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira todos os documentos bancários relacionados com o período de janeiro/2009 a dezembro/2012, tendo sido efetuado um pedido de elementos junto do Banco de Portugal, a solicitar relação de todas as contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo, não estando, à data, reunida toda a documentação pertinente – Cfr. fls. 9-10 e 13-14 do processo administrativo apenso.
5. Pelo ofício n.º 30251/0507, de 19/05/2014, expedido sob correio registado de 20/05/2014, foram os recorrentes notificados do despacho lavrado sobre a informação referida em 4) que determina a prorrogação do prazo do procedimento inspetivo, de âmbito parcial ao ano de 2009, credenciado pela OI 201303924, por um período de três meses, prevendo o seu término em 17/09/2014 Cfr. fls. 7-8 do processo administrativo apenso.
6. Pelo ofício n.º 30252/0507, de 19/05/2014, expedido sob correio registado de 20/05/2014, foram os recorrentes notificados do despacho lavrado sobre a informação referida em 4) que determina a prorrogação do prazo do procedimento inspetivo, de âmbito parcial aos anos de 2010-2012, credenciado pela OI 201303925, por um período de três meses, prevendo o seu término em 17/09/2014 – Cfr. fls. 11-12 do processo administrativo apenso.
7. Pelo ofício n.º 48621/0507, de 13/08/2014, sob o assunto «Notificação para apresentação de elementos», foram os Recorrentes notificados nos seguintes termos:
«No decurso dos procedimentos inspetivos em curso, ao abrigo das Ordens de Serviço n. 00/201303924 (2009) e 0/201303925 (2010, 2011 e 2012), fica por este meio notificado o sujeito passivo A..., com o NIF 194183904, para, nos termos dos artigos 9º e 29° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), artigo 59° e nº 3 do artigo 89°-A, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), prestar os seguintes esclarecimentos e/ou apresentar os seguintes elementos, por escrito, no prazo de 30 (trinta) dias:
1. Decorrente da análise dos elementos bancários referentes às contas tituladas por A... junto da Caixa Económica Montepio Geral e da Caixa Geral de Depósitos (CGD), verificou-se a existência de depósitos, bem como de outros movimentos de entrada, no decurso dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, cuja origem importa esclarecer. Segue-se quadro resumo dos movimentos de entrada (créditos):
- imagem omissa -
Os valores encontram-se discriminados nos mapas em anexo.
- Conta n.º 2…3CGD – Mapa I
- Conta n.º 2…CGD – Mapa II
- Conta n.º 2…CGD - Mapa III
- Conta n.º 0…Montepio – Mapa IV
- Conta n.º 0…Montepio – Mapa V
2. Esclarecer igualmente a origem dos recursos financeiros que diretamente foram aplicados nos consumos evidenciados no mapa seguinte:
-imagem omissa-
- De acordo com a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, há lugar a avaliação indirecta quando o acréscimo de património ou despesa efectuada de valor superior a € 100.000,00 resulta numa divergência não justificada com os rendimentos declarados.

- Assim, nos termos do nº 3 do artigo 89°-A da LGT, para obstar à tributação nos termos anteriormente descritos, pode V. Ex. a fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas.

A não justificação da proveniência e motivo dos montantes que deram entrada nas referidas contas bancárias levará à sua consideração como rendimentos sujeitos a IRS, enquadráveis na categoria G (alínea d) do nº 1 do artigo 90 do Código do IRS), nos termos da alínea f) do nº1 do artigo 87º e nº 5 do artigo 89°, ambos da LGT.» – Cfr. o documento 5 junto com a petição inicial.
8. Com o ofício referido em 7) foram remetidos os mapas I a V, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido – Cfr. o documento junto a fls. 200-209 do processo físico.
9. Em 01/09/2014, o Sr. Inspetor Tributário da Divisão de Inspeção Tributária IV da Direção de Finanças do Porto elaborou informações referentes às Ordens de Serviço n.os OI201303924 e OI201303925, propondo nova prorrogação do prazo do procedimento inspetivo por três meses, indicando como motivo da prorrogação o facto de após ter sido reunida toda a documentação pertinente o sujeito passivo ter sido notificado para prestar esclarecimentos e apresentar elementos relacionados com determinados movimentos bancários, encontrando-se a correr o prazo de tal notificação – Cfr. fls. 17-18 e 21-22 do processo administrativo apenso.
10. Pelos ofícios n.º 51369/0507 e n.º 51367/0507, ambos de 03/09/2014, expedidos sob correio registado de 20/05/2014, foram os recorrentes notificados do despacho lavrado sobre a informação referida em 9), que determina a prorrogação do prazo dos procedimentos inspetivos, de âmbito parcial aos anos de 2009 e 2010-2012, credenciados pelas ordens de serviço n.os OI 201303924 e OI 201303925, por um período de três meses, prevendo o seu término em 17/12/2014 – Cfr. fls. 15-16 e 19-20 do processo administrativo apenso.
11. Em 24/07/2015, o recorrente tomou conhecimento da alteração das ordens de serviço OI 201303924 e OI 201303925, quanto à respetiva credenciação, por substituição do coordenador da equipa – Cfr. fls. 23 e 24 do processo administrativo apenso.
12. Na mesma data, foram entregues ao recorrente notas de diligência referentes às ordens de serviço OI 201303924 e OI 201303925, dando conhecimento do termo dos atos de inspeção nessa data – Cfr. fls. 25 e 26 do processo administrativo apenso.
13. Em 20/08/2015, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto elaboraram projeto de relatório de inspeção tributária referente às ordens de serviço n.os OI 201303924 e OI 01303925, de onde além do mais, consta o seguinte:
«(…)
I- CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA
Em resultado da ação de inspeçáo efetuada ao sujeito passivo A..., NIF 194183904, propomos as seguintes correções, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), para os anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, conforme descrito nos pontos IV e V do presente relatório:

- IRS - Categoria G - Incrementos Patrimoniais:
.:. Correções por Avaliação Indireta:



    Descrição
2009 2010 2011 2012
IA] Rendimento Declarado (Valor Liquido) € 17.737,00 € 2.496,00 € 2.496,00 € 10.896,00
[B] Acréscimo de Património/Despesa € 1.326.835,67 € 1.184.639,33 € 1.094.884,21 € 1.069.455,15
Rendimento Tributável em IRS (cal. G) [8] - [A] € 1.309.098,67 € 1.182.143,33 € 1.092.388,21 € 1.058.559,15

(…)
II.2. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
Motivo: Avaliação da situação tributária do SP para efeitos do Inquérito nº 11449/2012.6IDPRT.
Âmbito da ação: Parcial - IRS.
Incidência temporal da ação: 2009 (01201303924), 2010, 2011 e 2012 (01201303925).
O direito à liquidação dos tributos encontra-se garantido pela aplicação do n.º 5 do artigo 45° da LGT, decorrente da instauração do referido processo de inquérito.

II.3. FACTOS RELEVANTES
II.3.1. INFORMAÇÃO CONSTANTE NA BASE DE DADOS DA AT
(…)
ii. ATIVIDADE: Nenhum dos elementos do agregado familiar se encontra registado, nos anos em causa, para o exercício de uma atividade de categoria B (rendimentos empresariais e profissionais).
iii. VALORES DECLARADOS EM IRS:
- imagem omissa -

Uma breve análise ao quadro anterior demonstra que o rendimento disponível é manifestamente reduzido, tendo presente as diversas despesas de um agregado familiar composto por quatro pessoas, para além das elegíveis para efeitos de IRS, nomeadamente a alimentação e vestuário,
Trata-se de uma evidência irrefutável de que existem outras fontes de rendimento para além dos rendimentos declarados.

iv. INFORMAÇÃO PATRIMONIAL:
- imagem omissa -
vi. RELAÇÕES INTER-SUJEITOS PASSIVOS:
Verificou-se que o SP, no período correspondente aos anos em análise, detinha participações no capital social das seguintes sociedades:
ü S… LDA. - NIPC 5…
Sede: Praça…- 4200 - 314 PORTO
CAE principal: 56102 RESTAURANTES COM LUGARES AO BALCÃO
(…)
Dados declarativos:

2009 2010 2011 2012
Total Rendimentos € 447.198,86 € 531.251,84 € 488.460,92 € 550.514,46
Total Gastos €419.301,25 € 469.773,97 € 451.390,93 € 539.100,51
Lucro Tributável / prejuízo € 29.302,43 €51.587,87 € 37.214,26 € 11.452,17

ü SOCIEDADE… LDA. - NIPC 5…
Sede: Rua…- 4050 - 110 PORTO
CAE principal: 56102 RESTAURANTES COM LUGARES AO BALCÃO
(…)
    Dados declarativos:
2009 2010 2011 2012
Total Rendimentos € 433.023,13 € 416.658,03 € 483.712,91 € 405.245,94
Total Gastos € 432.461,75 € 416.363,53 € 483.629,98 € 495.839,47
Lucro Tributável / prejuízo € 1.835,54 € 1.314,84 € 1.814,33 -€ 89.147,27

ü A… - NIPC 5…
Sede: Rua…- 4000 - 364 PORTO
CAE principal. 41200 CONSTRUÇÃO DE EDIFICIOS (RESIDENCIAIS E NÃO RESIDENCIAIS)
CAE secundário: 68100 COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS
(…)

II.3.2. AÇÕES DE INSPEÇÃO REALIZADAS ÀS SOCIEDADES - INFORMAÇÕES RELEVANTES

i. Capital social e análise financeira
As sociedades diretamente relacionadas com o SP, anteriormente identificadas, foram alvo de procedimentos inspetivos que incidiram sobre os mesmos anos, tendo sido recolhida informação com relevância para a situação tributária do SP, conforme excertos dos respetivos relatórios de inspeção que a seguir se reproduzem:

ü S… LDA. - NIPC 5…
Ordens de Serviço n° OI201303926 e nº OI201303927

(…)
IV.2 MOVIMENTO FINANCEIRO
Em termos financeiros, da análise aos extratos bancários e aos registos contabilísticos de 2009, 2010, 2011 e 2012, verifica-se que:
1. No período analisado a sociedade S… movimentou duas contas bancárias, a conta bancária nº 2… do Banco BPN, que foi movimentada até 22/0612009 e a conta bancária nº 0…da Caixa Geral de Depósitos que foi movimentada a partir de 17/0612009.
2. Todos os movimentos financeiros são contabilizados através da conta caixa, nomeadamente os pagamentos, recebimentos, incluindo as transferências bancárias via terminal TPA.
3. A contabilização dos movimentos bancários é feita por contrapartida do Caixa e têm como suporte documental os extra tos bancários.
4. Os movimentos a crédito da conta bancária referem-se quase que exclusivamente aos valores recebidos através dos três terminais de Pagamentos Automáticos - TPA, não se verificando qualquer depósito, em numerário ou cheques, relativo ao apuro do restaurante.
5. Da análise pormenorizada aos documentos de suporte dos registos contabilísticos de gastos nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, verifica-se que os pagamentos da renda do restaurante, da eletricidade, do gás, da água, do telefone e da Internet são efetuados através da conta bancária nº 0238000726900 da Caixa Geral de Depósitos, pertencente a A..., sócio-gerente da sociedade S…, no entanto, os registos correspondentes a estes pagamentos são efetuadas através da conta Caixa.
6. Existência de lançamentos contabilísticos na conta "Prestações suplementares" de montantes elevados, tendo por base documentos internos;
7. Tendo-se verificado retiradas sistemáticas das contas bancárias da empresa, após autorização concedida pelo sócio-gerente, solicitou-se à Caixa Geral de Depósitos, através do oficio nº 63875/0507, os documentos relativos aos seguintes movimentos registados a débito na conta bancária, nomeadamente fotocópias frente e verso dos Cheques e ordens de transferência:
(…)
Da análise efetuada às cópias dos cheques remetidos pela Caixa Geral de Depósitos, verifica-se que todos os cheques depositados, bem como as transferências bancárias identificadas foram para crédito da conta nº 0…da Caixa Geral de Depósitos. pertencente a A..., sócio-gerente da sociedade S….
Do exposto resulta que no período analisado a sociedade S... utilizou a conta bancária da Caixa Geral de Depósitos aberta em seu nome, quase que exclusivamente para movimentar os valores recebidos pelos terminais automáticos - TPA's, sendo que as verbas recebidas foram transferidas sistematicamente para a conta bancária de que é titular o sócio-gerente A....

SINTESE CONCLUSIVA DOS MOVIMENTOS FINANCEIROS
Do exposto, concluímos que apesar da empresa possuir uma conta bancária onde movimenta os TPA's, utiliza a(s) conta(s) bancária(s) do sócio-gerente para efetuar pagamentos a fornecedores e pagamentos de despesas relacionadas com a sua atividade da entidade inspeccionada, contrariando o disposto no art. 63.°- C, onde obriga a que os pagamentos e os recebimentos devem ser feitos através de uma conta bancária aberta em nome da empresa. Para contornar esta situação, a entidade inspecionada utiliza a conta Caixa como forma de escriturar contabilisticamente os movimentos financeiros.
Assim, a contabilidade evidencia irregularidades e omissões ao nível financeiro que impossibilitam a validação dos proveitos (apuros) e da matéria tributável associada.
(…)

ü SOCIEDADE… LDA. - NIPC 5…
Ordens de Serviço nº OI201303930 e n° OI201303931

(…)
Síntese conclusiva - Análise Financeira:
Da análise aos extratos das contas bancárias registadas na contabilidade (1211 - CGD e 1212 - BPN), verifica-se que são movimentadas a crédito (entradas) pelos recebimentos através do Terminal de Pagamento Automático (TPA) existentes no restaurante e por um reduzido número de depósitos de valores. Os movimentos a débito (saídas) são diminutos e referem-se, principalmente, a alguns cheques emitidos pelo sujeito passivo, embora com valores significativos como se pode comprovar pelos quadros apresentados anteriormente, e a um número também muito reduzido de pagamentos por via multibanco.
Daqui se infere que os movimentos financeiros expressos através dos extractos bancários não são consentâneas com as operações comerciais ativas e passivas efetivamente realizadas pela entidade inspecionada, no decorrer dos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012, por ser certo da exiguidade dos valores depositados nas suas contas bancárias e da emissão de cheques para fornecedores a partir da conta bancária aberta em nome do sócio responsável
(…)
IV.2 - OUTROS INSTRUMENTOS DE CAPITAL - CONTA 53
Em termos de registos contabilísticos, as subcontas da conta "53 - Outros Instrumentos de Capital" registam movimentos de valores muito significativos a crédito
(…)
Verifica-se assim, que ao longo dos exercícios de 2009 a 2012, foram efetuados diversos movimentos, essencialmente a crédito, nas contas dos sócios "531 - A... 80% Suprimentos" e "533 – C… 20% Suprimentos", que pretendem relevar a entrada efetiva de dinheiro na sociedade e o reforço do seu capital (…)
(…)
Por outro lado, de acordo com a base de dados constantes no sistema informático da Administração Tributária e Aduaneira, os sócios da sociedade não possuem rendimentos que lhes permitissem efetuar os reforços de capital acima referidos, dado que nas respetivas declarações de rendimentos - modelo 3 de IRS apresentadas, declararam nos anos de 2009 a 2012 um total de rendimentos manifestamente insuficiente para suportar por si só os referidos reforços de capital.
Face ao exposto, conclui-se que os documentos apresentados não nos permitem confirmar que aos registos contabilísticos estiveram associados movimentos reais e etetivos de dinheiro dos sócios, A... e C…, dada a ausência de documentação justificativa, designadamente de comprovativos bancários. (…)

ü A… - NIPC 5…
Ordens de serviço nº OI201303928 e nº OI201303929
(…)
1 - No decorrer da análise aos elementos contabilísticos verificou-se que foram imputados gastos aos imóveis detidos pela sociedade, com implicação na demonstração de resultados do exercício, sendo que uma parte significativa das despesas não estão diretamente relacionadas com os imóveis em causa, mas sim com imóveis não afetos à atividade da A… e relativamente aos quais não foi refletido qualquer proveito/ganho no resultado tributável da sociedade.
(…)
4 - Apurou-se ainda que foi movimentada a conta 111 - Caixa para registo de determinados lançamentos contabilísticos, de montantes avultados, relacionados com prestações suplementares e aumento do capital social da sociedade, sem suporte documental adequado e colidindo com o preceituado no nº 2 do referido artigo 63°-C da LGT, que refere que "os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos" devem ser efetuados através de conta bancária.
(…)
B.2. - Fundos da sociedade transferidos para o sócio-gerente - Retenções na fonte de IRS em falta
Através da análise efetuada aos movimentos constantes dos extratos bancários da conta nº 0…titulada junto da CGD e afeta ao exercício da atividade da A…, verificou-se, relativamente aos anos de 2010 e 2011, a existência de débitos (saídas de fundos por transferências) que foram lançadas numa conta 2782001 - Outros devedores e credores (2010) ou não foram alvo de qualquer registo contabilístico (2011)
Através da colaboração pedida junto da CGD e devidamente autorizada pelo representante da A…, apurou-se que a conta beneficiária dessas mesmas transferências é titulada pelo próprio A....

ii. Actos praticados na esfera das sociedades pagos com capitais próprios do SP
(…)
- imagem omissa -
iii. Prestações suplementares registadas contabilisticamente

Ao longo dos exercícios objeto de análise, a contabilidade das sociedades em questão registou nas respetivas contas de Capital (531xx - Outros Instrumentos de Capital Próprio - Prestações Suplementares - A...) avultados valores de "PRESTAÇCES SUPLEMENTARES" cfr. mapa seguinte:
-imagem omissa-
(…)
Tudo aponta para que as alegadas "Prestações Suplementares" não tenham sido materializadas, pois para além de se encontrarem suportadas por documentos internos, não foi disponibilizado qualquer comprovativo da entrada efetiva dos fundos monetários nas sociedades, colidindo com o preceituado no n° 2 do referido artigo 63°-C da LGT, que obriga a que tais lançamentos sejam efetuados através de conta bancária.
Independentemente da intenção que presidiu ao registo contabilístico de prestações suplementares, torna-se evidente que foi conferida ao SP uma capacidade financeira que extravasa largamente os rendimentos declarados.
Ainda assim, tal não constituiu qualquer entrave ao registo contabilístico adotado, pelo que será razoável admitir que a capacidade financeira conferida pelos registos contabilísticos seja potencialmente real face às necessidades das empresas.


II.3.3. RESUMO DA CAPACIDADE FINANCEIRA EVIDENCIADA PELO SP COM BASE NA INFORMAÇÃO DISPONÍVEL NA AT

Tendo presente os factos relatados nos pontos III.3.1. e III.3.2, que precedem, relativamente aos rendimentos declarados pelo SP e a capacidade financeira evidenciada, procedeu-se à sua esquematização para uma melhor sistematização das divergências apuradas:
- imagem omissa -
Não restam dúvidas que o SP demonstra uma capacidade contributiva nitidamente superior aos rendimentos declarados em sede de IRS e potenciadora da realização de avaliação indireta dos rendimentos tributáveis, para os anos em análise, cfr. dispõe a alínea f) do nº 1 do artigo 87° da LGT.
Os factos revelam ainda a utilização frequente e relevante das contas bancárias particulares do SP na esfera da atividade das sociedades identificadas.
Face ao exposto, foi o SP confrontado com a indispensabilidade da derrogação do sigilo bancário, decorrente do enquadramento legal previsto no nº 11 do artigo 89°-A da LGT, para aferir da veracidade dos rendimentos declarados, face à suscetibilidade de tributação, em sede de IRS, categoria G, nos termos do artigo 9° do Código do IRS.

Assim,

II.3.4. DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO / ANÁLISE DOCUMENTAL

i. Derrogação do sigilo bancário – Autorização
Nesta conformidade, o SP através de Declaração datada de 2014/04/03 autorizou a AT - Serviços de lnspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, a consultar ou solicitar junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, todos os documentos bancários, Incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito, no período de janeiro / 2009 a dezembro / 2012, inclusive, tendo como objetivo proporcionar à AT a autorização de acesso a documentos bancários a que se refere o artigo 63°-B da Lei Geral Tributária (LGT).

ii. Notificação ao Banco de Portugal

Assim, na sequência da extinção do dever de segredo bancário regulado no artigo 78° do Regime Geral das Instituições de Crédito, decorrente da autorização concedida pelo SP, nos termos preceituados no artigo 79° do nº1 do citado diploma legal, solicitou-se ao BANCO DE PORTUGAL, ao abrigo do nº 8 do artigo 63° da LGT, o envio à AT, da relação de todas as contas bancárias tituladas pelo SP, relativamente aos anos de 2009,2010,2011 e 2012, cfr. ofício nº 21831/0507 de 2014/04/04.
iii. Respostas obtidas na sequência do pedido de elementos ao Banco de Portugal

(…)
Assim sendo, foram identificadas as seguintes contas bancárias em nome do SP:
- imagem omissa -
(…)
iii. Pedido de elementos às entidades bancárias

 CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS (CGD)
(…)
Tendo presente os elementos remetidos pela CGD, apurou-se a existência de avultados movimentos de entradas (créditos) e saídas (débitos), na ordem das várias centenas de milhares de euros em determinadas contas, O que manifestamente colide com os reduzidos rendimentos declarados pelo SP em igual período e em períodos anteriores à análise.
Apurou-se igualmente que a conta bancária n° 0…não assume relevância para o apuramento da situação tributária do SP, já que, a sua movimentação respeita a transações entre contas do SP.

Assim sendo, o enfoque da análise recairá sobre as contas a seguir identificadas:
- Conta nº 0238.000474.706
- Conta nº 0238.000726.900
- Conta nº 0238.000827.300.

Cujo valor dos movimentos a crédito se discrimina no quadro seguinte:
TOTAL DE MOVIMENTOS A CRÉDITO
Ano
CGD-238000474706 CGD-238000726900 CG 0-238000827300
2009 € 1.562.126,42 € 1.083.966,80 € 873.255,78
2010 € 976.784,78 € 920.793,97 € 150.415,22
2011 € 799.017,69 € 1.163.491,88 € 0,00
2012 € 558.959,45 € 898.460,49 € 0,00
Total € 3.896.888,34 € 4.066.713,14 € 1.023.671,00
nota: a conta CGD-238000827300 regista movimentos até 2010-03-15

ü CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
(…)
A semelhança da resposta remetida pela CGD, apurou-se a existência de avultados movimentos de entradas (créditos) e sardas (débitos).
Apurou-se igualmente que determinadas contas bancárias não refletem movimentação relevante para o apuramento da situação tributária do SP, por não refletirem qualquer movimentação nos anos em causa e pelo facto da sua movimentação se traduzir em transações entre contas do SP (transferências internas).

Sobram as seguintes contas com movimentação relevante:
- Conta nº 093-10.007905-7
- Conta nº 093-10.007957-8
- Conta nº 093/10.008029-5

Cujo valor dos movimentos a crédito se discrimina no quadro seguinte:

TOTAL DE MOVIMENTOS A CRÉDITO
Ano MONTEPIO MONTEPIO MONTEPIO
093-10.007905-7 093-10.007957-8 093-10.008029-5
2010 € 634.313,92 € 100.000,00 € 200.000,00
2011 € 917.595,64 € 188.000,00 € 1.261.822,42
2012 € 719.932,53 € 169.250,00 € 74.067,00
Total 2.271.842,09 € 457.250,00 € 1.535.889,42
nota: a conta Montepio-093-10.007905-7 regista movimentos a partir de 2010-03-15

(…)
iv. Notificação ao SP para justificação da origem dos recursos financeiros

Face à grandeza das operações (em número e em valor monetário) constantes dos extratos bancários remetidos pelos bancos, nada condizentes com a situação declarativa tributária do SP, procedeu-se à notificação postal do SP através do oficio nº 48621/0507 de 2014-08-13, com o teor e nos termos que se transcrevem:
«No decurso dos procedimentos inspetivos em curso, ao abrigo das Ordens de Serviço n. 00/201303924 (2009) e 0/201303925 (2010, 2011 e 2012), fica por este meio notificado o sujeito passivo A..., com o NIF 1…, para, nos termos dos artigos 90 e 29° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), artigo 59° e nº 3 do artigo 89°-A, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), prestar os seguintes esclarecimentos e/ou apresentar os seguintes elementos, por escrito, no prazo de 30 (trinta) dias:
1. Decorrente da análise dos elementos bancários referentes às contas tituladas por A... junto da Caixa Económica Montepio Geral e da Caixa Geral de Depósitos (CGD), verificou-se a existência de depósitos, bem como de outros movimentos de entrada, no decurso dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, cuja origem importa esclarecer. Segue-se quadro resumo dos movimentos de entrada (créditos):
- imagem omissa -
(…)
2. Esclarecer igualmente a origem dos recursos financeiros que diretamente foram aplicados nos consumos evidenciados no mapa seguinte:
- imagem omissa -
Assim, nos termos do nº 3 do artigo 89°-A da LGT, para obstar à tributação nos termos anteriormente descritos, pode V. Ex. a fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas.

A não justificação da proveniência e motivo dos montantes que deram entrada nas referidas contas bancárias levará à sua consideração como rendimentos sujeitos a IRS, enquadráveis na categoria G (alínea d) do nº 1 do artigo 90 do Código do IRS), nos termos da alínea f) do nº1 do artigo 87º e nº 5 do artigo 89°, ambos da LGT.»
Nota: refira-se que os valores constantes do mapa do ponto 1 da notificação não respeitam à totalidade das entradas nas contas bancárias (depósitos de cheques, numerário e transferências), tendo sido definido um critério de relevância, com o objetivo de possibilitar ao SP uma resposta objetiva e exequível.
O critério de seleção obedeceu aos seguintes parâmetros:
Valores ≥ € 25.000,00: Conta nº 238000474706 (CGD)
Valores ≥ € 5.000,00: Conta nº 238000726900 (CGD) / nº 238000827300 (CGD) / 093-10.007957-8 (Montepio)
Valores ≥ € 2.500,00: Conta nº 093-10.007905-7 (Montepio)

De referir igualmente que uma prévia análise aos extratos das contas bancárias identificadas permitiu expurgar diversos movimentos entre contas do SP, sendo que os valores nestas condições não foram objeto da notificação.


vii. Resposta do SP à notificação

Em momento anterior à resposta propriamente dita ao solicitado na notificação, o SP remeteu uma carta (entrada nº 022625 de 2014-09-24) onde refere que não possui na sua posse qualquer documento, razão pela qual solicitou apoio às respetivas instituições de crédito no sentido de fornecerem segundas vias dos documentos, tendo solicitado a dilatação do prazo por um período adicional de trinta dias.

Posteriormente, o SP remeteu duas cartas em momentos diferentes que deram entrada nesta Direção de Finanças em 2014-10-01 (entrada n° 023166) e em 2014-10-14 (entrada n° 024458), sendo a primeira relacionada com o ponto 2 da notificação e a segunda com o ponto 1 da mesma, cujo teor de ambas se transcreve na integra:

- Resposta com entrada nº 023166 de 2014-10-01:

«1 - Considerando a complexidade de obtenção dos elementos solicitados, através do presente esclarecimento visa-se, apenas, dar resposta as matérias abordadas no ponto 2 da notificação efetuada, ao mesmo tempo que se afirma que as diligências para total apuramento dos factos irão continuar a ser desenvolvidas.
2 - Relativamente aos factos apontados no referido ponto 2, haverá que reter que, parte das situações descritas, respeitam, claramente, a movimentos financeiros desenvolvidos em benefício das empresas em causa.
3 - Estão nessa situação as aquisições dos artigos matriciais 7565, 10355 e 11990, no valor global de € 270 000,00, em que as entidades adquirentes foram as sociedades S... e A....
4 - A emissão de cheques das contas pessoais encontra explicação como forma de devolver às empresas valores que haviam sido indevidamente depositados nessas contas pessoais, pois respeitavam a proveitos obtidos no âmbito das sociedades em causa.
5 - Tais procedimentos, ligados aos movimentos financeiros do grupo de empresas de que o exponente é sócio, já é, aliás, do conhecimento da Autoridade Tributária (A T), como claramente se extrai dos relatórios elaborados e notificados às sociedades, dão origem a confusão e mistura entre os movimentos financeiros, pelo que se deverá entender que os movimentos em causa tiveram origem nas próprias sociedades que deles beneficiaram.
6 - Relativamente aos restantes movimentos, não obstante a origem dos movimentos permanecer idêntica, proveitos das empresas que são depositados nas contas particulares do sócio, constata-se que os respetivos montantes foram aplicados em proveito próprio, pelo que não poderá colher a justificação da devolução dirigida a qualquer das sociedades.
7 - Haverá, assim, que concluir que o exponente aproveitou de verbas disponibilizadas pelas sociedades e que mantém a expetativa de, logo que obtenha capacidade para tal. proceder à sua devolução.
8 - Registe-se que a AT já entendeu tributar algumas verbas como adiantamento por conta de lucros, designadamente na sociedade A..., situação que se enquadra na explicação agora adiantada.»

- Resposta com entrada nº 024458 de 2014-10-14:

«1 - Considerando a complexidade de obtenção dos elementos solicitados, através do presente esclarecimento visa-se, apenas, dar resposta às matérias abordadas no ponto 1 da notificação efetuada.
2 - Antes de mais queremos esclarecer que para dar cumprimento ao solicitado no v/ oficio 48621/0507, tivemos a necessidade de contatar as Instituições Bancárias, Caixa Geral de Depósitos e Montepio Geral, visto não termos em arquivo pessoal qualquer comprovativo dos movimentos financeiros realizados com estes bancos, o que só nos foram disponibilizados em mais de 30 dias após a solicitação, o que determinou a necessidade de pedirmos a prorrogação do referido prazo de resposta.
3 - Apenas nos foram facultados os extratos bancários dos anos de 2009 a 2012, junto das duas instituições bancárias, que além dos elevados gastos suportados para nos serem entregues tais elementos, concluiu-se também que nos ditos extratos não é possível obter a informação da origem dos movimentos financeiros, como aliás é suposto ser essa a conclusão da v/parte ao solicitar estes esclarecimentos adicionais para a análise financeira, visto V. Exas já serem possuidores de idênticos documentos.
4 - Contatados os Bancos para nos apoiarem na análise da conta corrente, foi-nos pedido um valor incomportável por fotocópia de cada documento, montante que atingiria alguns milhares de euros, para os QUATRO ANOS em causa, além de muitos desses documentos serem suportados por outros documentos financeiros de outras instituições de crédito, o que se torna impossível essa recolha.
5 - Já tendo V. Exas acesso às contas bancárias e respetívos documentos quer de créditos quer de débitos, e além de reconhecidamente ser também do v/ conhecimento que as contas bancárias serviam de placa giratória dos movimentos financeiros das empresas S..., Lda, contribuinte no 5…, Sociedade…, Lda, contribuinte nº 5…, e A..., , Lda., contribuinte nº 5…, que expressamente constam nos relatórios elaborados em função dos actos inspetivos a estas empresas, requeremos que V. Exas junto das entidades bancárias já citadas verifiquem e comprovem quais os créditos não associados aos movimentos a débito das mesmas contas.
6 - Atentos ao principio da verdade material somos completamente impotentes para documentalmente provarmos aquilo que já é do v/conhecimento, face aos extra tos de conta corrente, mantendo-nos sempre disponíveis para colaborar, pelo que só pontualmente e com dados concretos é que conseguiremos obter esses dados junto das entidades em questão e não a totalidade como V. Exas sugeriram, situação que eventualmente se poderá verificar depois de concluída a investigação e análise dos serviços inspetivos.

Da análise dos EXTRATOS das contas correntes, ressalta o seguinte:

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7 - Em conclusão, e reafirmando a n/ total disponibilidade, solicitamos a v/ intervenção junto das instituições de crédito, para esclarecimento cabal da verdade.»

viii. Pedido de elementos de suporte documental dirigido às entidades bancárias

Atendendo a que o SP não apresentou quaisquer documentos de suporte aos valores sobre os quais foi objeto de notificação, a AT tomou a iniciativa de solicitar junto das entidades bancárias, tais documentos de suporte aos movimentos efetuados, a débito e a crédito, nas contas consideradas relevantes para a análise em curso a seguir identificadas:
- imagem omissa -
¾ Relativamente aos Créditos foi solicitada a origem/conta do depositante e de que forma se materializou o depósito (numerário/vaiares), bem como, a conta de origem das transferências. Solicitou-se igualmente, no caso de depositas de cheques, a identificação do emitente (nome e nO de conta/NIB).
¾ No que respeita aos Débitos foi solicitada a identificação da(s) conta(s) beneficiária(s) das transferências e dos cheques emitidos.
Os movimentos foram selecionados a partir de determinado valor (amostra) e discriminados em mapas anexos aos pedidos de elementos.

ix. Remessa do suporte documental solicitado às entidades bancárias / detalhe dos elementos bancários

a) CAIXA GERAL DEPÓSITOS (CGD)
(…)

- CGD - Detalhe da conta nº 0238.000474.706
(Anexo I - mapas #1 a mapas #5)
Após a análise dos movimentos bancários ocorridos nos anos em análise, verificou-se a existência de um número significativo de movimentos entre esta e outras contas particulares do SP, pelo que os movimentos assim identificados, assim como outros perfeitamente identificáveis, serão expurgados do valor a apurar para efeitos de tributação, cfr. mapa seguinte:
- imagem omissa -

Após o expurgo dos valores referidos, e tendo presente o suporte documental remetido pela entidade bancária, a conta espelha os seguintes movimentos a crédito:
- imagem omissa -

Seguem-se mapas discriminativos com a identificação dos emitentes dos cheques depositados na conta particular do SP, cuja obtenção foi possível, não se vislumbrando qualquer ligação com os rendimentos declarados:



- imagem omissa -
Dado o elevado número de operações cujos valores agregados constam nos quadros anteriores, remete-se a sua discriminação para os mapas em anexo - Anexo 1- mapas #1 a mapa #5.

- CGD - Detalhe da conta nº 0238.000726.900
(Anexo II - mapas #1 a mapas #6)
A análise aos movimentos bancários ocorridos nos anos em análise demonstrou que as entradas (créditos) respeitam essencialmente a depósitos em numerário e de cheques emitidos pela sociedade S.... Esporadicamente são igualmente identificados depósitos de cheques emitidos pela SOCIEDADE….
As saídas (débitos) respeitam essencialmente a cheques depositados na conta nº 0238.000474.706, titulada pelo SP junto da CGD, e objeto de expurgo nessa mesma conta cfr. referido no ponto anterior.
Verificou-se ainda a existência de movimentos entre esta e outras contas particulares do SP, situação que será igualmente expurgada do valor a apurar para efeitos de tributação, cfr. mapa seguinte:
- imagem omissa -
Após o expurgo dos valores referidos, e tendo presente o suporte documental remetido pela entidade bancária, a conta espelha os seguintes movimentos a crédito:
- imagem omissa -
Seguem-se mapas discriminativos com a identificação dos ordenantes das transferências, bem como, dos emitentes dos cheques depositados na conta particular do SP, e cuja obtenção foi possível, não se vislumbrando qualquer ligação com os rendimentos declarados:
- imagem omissa -
Praticamente a totalidade dos cheques depositados na conta particular do SP cujo suporte documental foi possível obter, têm como emitente a sociedade S... e em menor escala a SOC…. As transferências têm como ordenante a sociedade S....
A discriminação dos movimentos bancários aqui elencados consta de mapas em anexo - Anexo II - mapas #1 a mapa #6.

- CGD - Detalhe da conta nº 0238.000827.300
(Anexo III - mapas #1 a mapas #5)
A análise aos movimentos bancários ocorridos nos anos em análise demonstrou que as entradas (créditos) respeitam essencialmente a depósitos em numerário e de cheques emitidos pela SOCIEDADE….
As saídas (débitos) de valor relevante respeitam essencialmente a cheques depositados na conta nº 0238.000474.706, titulada pelo SP junto da CGD, e objeto de expurgo nessa mesma conta cfr. já referido no presente relatório.
Segue-se mapa discriminativo das entradas (créditos) não justificadas:
- imagem omissa -

Após o expurgo dos valores referidos, e tendo presente o suporte documental remetido pela entidade bancária, a conta espelha os seguintes movimentos a crédito:
- imagem omissa -

Seguem-se mapas discriminativos com a identificação dos emitentes dos cheques depositados na conta particular do SP, e cuja obtenção foi possível, não se vislumbrando qualquer ligação com os rendimentos declarados:
- imagem omissa -

Praticamente a totalidade dos cheques depositados na conta particular do SP cujo suporte documental foi possível obter, têm como emitente a SOCIEDADE….
A discriminação dos movimentos bancários aqui elencados consta de mapas em anexo - Anexo III - mapas # 1 a mapa #5.

b) CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
(…)
- MONTEPIO - Detalhe da conta nº 093-10.007905-7
(Anexo IV - mapas #1 a mapas #5)

Aparentemente esta conta substitui a conta CGD com nº 0238.000827.300 pois o primeiro registo a 2010/03/15 coincide com o último registo na conta da CGD.
A análise aos movimentos bancários ocorridos nos anos em análise demonstrou que as entradas (créditos) respeitam essencialmente a depósitos em numerário e de cheques emitidos pela SOCIEDADE….
As saídas (débitos) de valor relevante respeitam essencialmente a cheques depositados na conta nº 0238.000474.706, titulada pelo SP junto da CGD, e objeto de expurgo nessa mesma conta cfr. já referido no presente relatório.
Segue-se mapa discriminativo das entradas (créditos) não justificadas:
- imagem omissa -

Após o expurgo dos valores referidos, e tendo presente o suporte documental remetido pela entidade bancária, a conta espelha os seguintes movimentos a crédito:
- imagem omissa -


Seguem-se mapas discriminativos com a identificação dos emitentes dos cheques depositados na conta particular do SP, e cuja obtenção foi possível, não se vislumbrando qualquer ligação com os rendimentos declarados:
- imagem omissa -

Praticamente a totalidade dos cheques depositados na conta particular do SP cujo suporte documental foi possível obter, têm como emitente a SOCIEDADE….
A discriminação dos movimentos bancários aqui elencados consta de mapas em anexo - Anexo IV - mapas #1 a mapa #5.

- MONTEPIO - Detalhe da conta n° 093-10.007957-8
(Anexo V - mapas #1 a mapas #4)
A análise à conta bancária revela que as entradas (créditos) têm proveniência de outras contas particulares do SP, nomeadamente as contas CGD-238000474706, Montepio-093-10.007905-7 e Montepio- 093-10.008029-5, pelo que serão expurgados e não relevam para o apuro das entradas não justificadas, cfr. mapa seguinte:
- imagem omissa -

Após o expurgo dos valores referidos, e tendo presente o suporte documental remetido pela entidade bancária, a conta espelha os seguintes movimentos a crédito:
- imagem omissa -

O valor de € 10.000,00 respeita a um depósito de um cheque emitido por Jorge Manuel Correia Cardoso, não se vislumbrando qualquer ligação com os rendimentos declarados.
A discriminação dos movimentos bancários aqui elencados consta de mapas em anexo - Anexo V­mapas #1 a mapa #4.

- MONTEPIO - Detalhe da conta nº 093-10.008029-5
(Anexo VI - mapas #1 a mapas #4)
A semelhança da conta 093-10.007957-8 referida no ponto anterior, a análise a esta bancária revela que as entradas (créditos) têm proveniência de outras contas particulares do SP, nomeadamente as contas CGD-238000474706, a as contas de Depósitos a prazo Montepio-093-15.005589-0, Montepio-093-15.005757-3, Montepio- 093-15.005954-6 e Montepio- 093-30005127 -Fundos de Investimento, pelo que serão expurgados e não relevam para o apuro das entradas não justificadas, cfr. mapa seguinte:
- imagem omissa -
Após o expurgo dos valores referidos, e tendo presente o suporte documental remetido pela entidade bancária, a conta espelha os seguintes movimentos a crédito:
- imagem omissa -

Segue-se mapa discriminativo com a identificação dos emitentes dos cheques depositados na conta particular do SP, e cuja obtenção foi possível, não se vislumbrando qualquer ligação com os rendimentos declarados:

- imagem omissa -

A discriminação dos movimentos bancários aqui elencados consta de mapas em anexo - Anexo VI - mapas #1 a mapa #4.

c) SINTESE CONCLUSIVA DA ANÁLISE ÀS CONTAS BANCÁRIAS
A AT teve como base de trabalho a totalidade das entradas (créditos) registadas nas contas bancárias selecionadas como relevantes para os períodos em questão, no valor de € 13.252.253,99 e cuja análise permitiu expurgar o montante de € 5.870.107,30 referente a movimentos entre as diversas contas particulares do SP, do qual resulta ainda um montante avultado de € 7.382.146,69 sem qualquer aderência à situação declarativa apresentada, cfr quadro resumo seguinte:
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Apurou-se ainda que uma parte significativa das entradas (créditos) resulta de depósitos de cheques emitidos pelas sociedades das quais o SP é sócio, designadamente, S... e SOCIEDADE…, pelo que será de admitir que tal movimentação financeira esteja relacionada com a atividade das mesmas, cfr. adiante se faz referência no ponto V.2.3 .
Segue-se igualmente um quadro resumo dos montantes depositados nas (três) contas particulares do SP, quer através de cheque quer através de transferência bancária, cuja proveniência se reporta às sociedades referidas:
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O montante proveniente das contas bancárias das sociedades identificadas ascende assim a € 2.706.332,33, face à documentação disponível para análise remetida pelas respetivas entidades bancárias e recolhida nas sociedades aquando dos procedimentos inspetivos realizados a ambas.

Quanto aos restantes movimentos registados a crédito das contas bancárias particulares, cujo valor ascende a € 4.675.814,36, não é de todo possível avançar com qualquer tipo de justificação, sendo certo que a mesma compete ao SP que, relembre-se, não a apresentou, após ter sido notificado para o efeito.

Atente-se mesmo no elevado valor de depósitos em numerário que ascende a € 2.444.975,40, cfr. quadro discriminativo:
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Não restam dúvidas que os valores que deram entrada nas contas bancárias do SP, em nada se coadunam com a realidade tributária declarada e como tal será proposta a tributação com base nos incrementos patrimoniais evidenciados como adiante se faz referência neste relatório.

Assim, na prossecução do interesse público, a AT realizou as diligências consideradas proporcionais e necessárias para a descoberta da verdade material (principio do inquisitório - artigo 58° da LGT) perante as limitações que decorreram do facto do SP não ter esclarecido de forma cabal a origem dos movimentos expressos a crédito nas contas bancárias abertas em seu nome.
E só o próprio estaria em condições privilegiadas para o fazer.


x. Pedido de elementos - cheques truncados e respetivas respostas
Refira-se ainda que face à documentação remetida pelas entidades bancárias, verificou-se que relativamente a determinados cheques a informação pretendida consta do arquivo do banco tomador, razão pela qual se procedeu igualmente ao envio do pedido da documentação em causa para os bancos em questão, a saber:
- Banco BPI (oficio nº 75221/0507 de 2014-12-17)
- Crédito Agrícola (oficio nº 75222/0507 de 2014-12-17)
- Caixa Geral de Depósitos (oficio nº 75223/0507 de 2014-12-17)
Face aos pedidos formulados, foram recebidas as respostas das instituições bancárias cuja informação foi compilada à restante documentação remetida pela CGD e Montepio Geral e que consta já dos mapas reproduzidos no ponto imediatamente anterior.
(…)

IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

Por tudo quanto foi exposto, haverá que reter, como factos fundamentais para formular uma conclusão, os seguintes elementos:
1. Ao longo dos anos em análise o SP evidenciou por via da movimentação das contas bancárias particulares, uma robustez financeira nada compatível com a sua situação declarativa em sede de IRS e potenciadora da realização de avaliação indireta dos rendimentos tributáveis, cfr. dispõe a alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT;
2. Tendo em atenção o disposto no nº 11 do artigo 89°-A da LGT o procedimento inspetivo teria que envolver a investigação das contas bancárias, situação que foi autorizada pelo SP;
3. O acesso às contas bancárias permitiu constatar a existência de elevados valores de movimentos de entrada (créditos) ao longo dos anos em análise, uma realidade exponencialmente superior aos factos constantes do ponto II.3.3
4. Assim, nos termos do nº 3 do artigo 89°-A da LGT, para obstar à tributação nos termos da citada alínea f) do nº 1 do artigo 87° da LGT, foi o SP notificado para fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas.
5. Na sequência da notificação o SP não apresentou qualquer documento justificativo, tendo respondido de forma vaga, Inconsistente e de forma genérica;
6. Apurou-se que uma parte significativa das elevadas quantias movimentadas (créditos bancários) resulta de depósitos em numerário e de cheques emitidos pelas sociedades S... Lda. e Sociedade… Lda., sendo certo que de uma parte igualmente significativa dos valores em causa não se descortina a sua origem.
Pelo que,
Em conformidade com o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 75° da LGT, a presunção de veracidade das declarações do SP para os anos em causa, é pois afastada, porquanto os valores inscritos nas ditas declarações fiscais, a titulo de rendimento obtido, afastam-se significativamente dos valores que deram entrada nas diversas contas bancárias do SP, cuja origem se desconhece e que o SP não logrou justificar, o que demonstra flagrantemente a omissão de rendimentos que deveriam ter sido objeto de declaração em sede de IRS e, por isso, sujeitos a tributação.
Concretizando,
Do confronto efetuado entre os valores movimentados a crédito das contas bancárias constantes dos respetivos extra tos e os rendimentos declarados pelo SP em sede de IRS, constata-se que estes se afastam significativamente para menos, sem razão justificada, motivo pelo qual se encontram preenchidos os requisitos de aplicação de avaliação indireta nos termos do nº 1 do artigo 85º e as alíneas b) e f) do n° 1 do artigo 87° da LGT, cujo teor se transcreve:
(…)
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
f) Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (Redação dada pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro).
A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável encontra-se consagrada no artigo 88° da LGT, nomeadamente, para o caso em análise, na sua alínea d), face à discrepância verificada entre os valores declarados e a capacidade contributiva patenteada.
Da incompatibilidade dos acréscimos patrimoniais, consubstanciados nos movimentos a crédito das contas bancárias atrás referidas, com os rendimentos declarados e constantes das declarações de rendimentos modelo 3 de IRS decorre a exigência do sujeito passivo comprovar a origem dos mesmos, cfr. nº 3 do artigo 89°-A da LGT, como também, verificados os pressupostos exigidos para o recurso a métodos indiretos de avaliação, cabe ao SP o ónus da prova do excesso da quantificação da respetiva matéria tributável, nos termos do nº 3 (parte final) do artigo 74° da LGT.
Questionado o SP sobre a existência de depósitos, bem como de outros movimentos de entrada, no decurso dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, cuja origem importava esclarecer, não apresentou quaisquer documentos I elementos que justificassem os movimentos bancários a crédito das suas contas bancárias particulares, escudando-se na "complexidade de obtenção dos elementos solicitados" já que "não possui em arquivo pessoal qualquer comprovativo dos movimentos financeiros realizados" com as entidades bancárias em causa, tendo apenas acesso aos extratos bancários.

Adiantou, no entanto, que "as contas bancárias serviam de placa giratória dos movimentos financeiros das empresas S..., Lda, Sociedade…, Lda e A... Construções Unipessoal, Lda. " (sublinhada nosso).

Ou seja,

Foi solicitado ao SP a sua colaboração no âmbito do procedimento de inspeção, em conformidade com o definido no artigo 59° da LGT, decorrente da exigência patenteada pelo sistema de controlo das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados, e da exigência legal de demonstrar a origem dos fluxos financeiros verificados nas suas contas bancárias (a crédito).

Com efeito, a justificação que a origem das quantias depositadas nas suas contas bancárias provém das sociedades das quais é sócio, não passa de uma afirmação de abrangência generalizada.

De resto, o SP através da documentação e factualidade transmitida, quer no decurso da presente ação inspetiva, quer através dos relatórios de inspeção elaborados no âmbito dos procedimentos já realizados às sociedades das quais é sócio, tinha perfeito conhecimento de que apenas uma parte de tais valores é respeitante à movimentação financeira com as ditas sociedades.

Ora, cabendo ao SP, nos termos do nº 3 do artigo 89°·A da LGT, a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo patrimonial, e não tendo o mesmo procedido a tal prova, estamos perante uma divergência não justificada entre rendimentos declarados e acréscimos patrimoniais evidenciados, legitimadora de tributação por via de avaliação indireta, mesmo que tais acréscimos tenham proveniência de actos ilícitos, em conformidade com o disposto no artigo 1° do Código do IRS.

Nesta conformidade, não sendo possível averiguar a origem das quantias movimentadas pelo SP, nos anos de 2009,2010,2011 e 2012, nem tendo o mesmo logrado provar a proveniência dos referidos acréscimos patrimoniais, os mesmos terão de ser tributados pelas regras da categoria G do IRS, previstas na alínea d), nº 1 do artigo 9° do CIRS • Acréscimos patrimoniais não justificados -, sendo a avaliação indireta feita nos termos da alínea f), nº 1 do artigo 87° da LGT, avaliação essa que deve ser efetuada no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, conforme induz a leitura do nº 11 do artigo 89°-A do referido diploma legal (o que de facto aconteceu), cabendo ao SP o ónus da prova do excesso da quantificação, cfr. parte final do nº 3 do artigo 74° da LGT.

V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

Nos termos do nº 5 do artigo 89-AD da LGT, para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87° da LGT, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo SP no mesmo período de tributação.

V.1. Cálculo do acréscimo de património
Os cálculos serão efetuados progressivamente nos pontos seguintes e de forma esquemática para melhor perceção.

V.1.1. Total de entradas (créditos)
Conforme descrito nos pontos anteriores, através da recolha da informação bancária das contas (relevantes para a análise) que o SP possui nas respetivas instituições financeiras, procedemos à quantificação e apuramento das verbas ai depositadas através de cheques, numerário ou transferências.
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V.1.2. Movimentos expurgados

A análise efetuada apurou diversas movimentações entre as contas do SP, pelo que todas as operações detetadas nessas condições foram alvo de expurgo para a quantificação do incremento patrimonial, resultando os seguintes valores:
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V.1.3. Movimentos provenientes das contas bancárias das sociedades

Apurou-se ainda que uma parte significativa das entradas (créditos) resulta de transferências ordenadas e de depósitos de cheques emitidos pelas sociedades das quais o SP é sócio, designadamente, S... e SOCIEDADE…, pela que será de admitir que tal movimentação financeira esteja relacionada com a atividade das mesmas.

Este cenário reporta-se a três das contas bancárias analisadas, designadamente as contas da CGD com o nº 238000726900 e nº 238000827300 e a conta do Montepio com o nº 093-10.007905-7.

Regra geral, os movimentos de saídas destas contas têm como destino a conta nº 238000474706 titulada junto da CGD.

Tendo presente a resposta do SP à notificação efetuada para esclarecimentos dos movimentos a crédito nas suas contas bancárias e as conclusões dos procedimentos inspetivos realizados às sociedades em causa importa referir o seguinte:

Na resposta do SP é referido que as contas bancárias serviam de placa giratória dos movimentos financeiros das empresas.

Sendo certo que o SP não demonstrou essa mesma afirmação, através dos procedimentos inspetivos realizados às sociedades foram recolhidos evidências que as contas particulares do SP seriam igualmente movimentadas relativamente a operações inerentes ao exercício da atividade das empresas.

No relatório de inspeção à sociedade S... consta que «os pagamentos da renda do restaurante, da eletricidade, do gás, da água, do telefone e da Internet são efetuados através da conta bancária nº 0238000726900 da Caixa Geral de Depósitos (…)».
(Conta titulada pelo SP objeto de análise no presente relatório)

Conclui-se igualmente o seguinte:

«Da análise efetuada às cópias dos cheques remetidos pela Caixa Geral de Depósitos, verifica-se que todos os cheques depositados, bem como as transferências bancárias identificadas foram para crédito da conta nº 0238000726900 da Caixa Geral de Depósitos, pertencente a A..., sócio-gerente da sociedade S....

Do exposto resulta que no período analisado a sociedade S... utilizou a conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, aberta em seu nome, quase que exclusivamente para movimentar os valores recebidos pelos terminais automáticos - TPA 's, sendo que as verbas recebidas foram transferidas sistematicamente para a conta bancária de que é titular o sócio-gerente A....(…)

Do exposto, concluímos que apesar da empresa possuir uma conta bancária onde movimenta os TPA's, utiliza a(s) conta(s) bancária(s) do sócio-gerente para efetuar pagamentos a fornecedores e pagamentos de despesas relacionadas com a sua atividade da entidade inspecionada (…)»

De igual forma consta do relatório de inspeção da SOCIEDADE… que «os movimentos financeiros expressos através dos extractos bancários não são consentâneos com as operações comerciais ativas e passivas efetivamente realizadas pela entidade inspecionada, no decorrer dos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012, por ser certo da exiguidade dos valores depositados nas suas contas bancárias e da emissão de cheques para fornecedores a partir da conta bancária aberta em nome do sócio responsável.»

Nesta perspetiva e dado que o normal funcionamento da atividade das empresas comporta um elevado número de operações de pagamento de bens, serviços e salários e tendo-se apurado que para fazer face a esses mesmos pagamentos recorreu-se às contas particulares do SP, é razoável reconhecer que a totalidade dos cheques depositados e/ou transferências recebidas com origem nas contas bancárias das empresas sejam para fazer face ao normal exercício da atividade, apesar da obrigação legal prevista no artigo 63°-C da LGT.

Nesta conformidade, a totalidade dos movimentos detetados que tenham origem nas contas bancárias das empresas será expurgada da quantificação do incremento patrimonial associado ao SP, por se entender que tal movimentação é de controlo inequívoco e seria inerente à ativídade das empresas.

Reproduz-se novamente o quadro resumo dos montantes depositados nas (três) contas particulares do SP, quer através de cheque quer através de transferência bancária, cuja proveniência se reporta às sociedades referidas:

- imagem omissa -

O valor de € 2.706.332,33 será assim expurgado pelos motivos explanados, ascendendo o incremento patrimonial do SP a € 4.675.814,36, cfr. quadro seguinte elaborado em complemento dos quadros imediatamente anteriores (pontos V.1. 1. e V.1,2.):
- imagem omissa -

Assim discriminado por período e conta bancária:
- imagem omissa -

Em suma,

V.2. Apuramento do Rendimento Coletável em IRS


Ø Rendimentos declarados: os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos, cfr. mapa seguinte:


- imagem omissa -


Ø Acréscimo de património/despesa: os valores dos depósitos em numerário, bem como de outros movimentos de entrada, cuja origem não se vislumbra quer através dos elementos remetidos pelas entidades bancárias quer pelos esclarecimentos fornecidos pelo SP (cfr. quadro final do ponto V.1.3 anteríor).

Face ao exposto, o rendimento coletável dos anos 2009, 2010, 2011 e 2012, traduz-se nos montantes a seguir discriminados:
- imagem omissa -

Os acréscimos patrimoniais injustificados são tributados à taxa prevista no nº 11 do artigo 72° do Código do IRS.
(…)
VII- INFRAÇÕES VERIFICADAS
Face à factualidade exposta será remetida informação tendo em vista a instrução do Inquérito nº 11449/2012.6IDPRT.
(…)» – Cfr. fls. 27-99 do processo administrativo apenso.


14. Em termos esquemáticos, foi o seguinte o resultado da análise efetuada pela AT às contas bancárias do recorrente:
- imagem omissa -
15. Sob correio registado de 25/08/2015, devolvido ao remetente em 07/09/2015, com as indicações “não atendeu” e “objeto não reclamado”, foi remetido aos Recorrentes o ofício n.º 493388/0507, de 21/08/2015, contendo notificação do projeto de relatório de inspeção tributária, com 73 folhas, referido em 13) e da possibilidade de, no prazo de 25 dias, exercerem o direito de audição – Cfr. fls. 100-176 do processo administrativo apenso.
16. Em 14/09/2015, foi emitida certidão de notificação do projeto de relatório de inspeção tributária, mediante a respectiva entrega, em mão própria, ao recorrente A..., por este assinada – Cfr. fls. 177 do processo administrativo apenso.
17. Com registo de entrada na Direção Distrital de Finanças do Porto de 08/10/2015, os recorrentes apresentaram requerimento solicitando, ao abrigo do disposto no artigo 37.º do CPPT, a notificação de elementos ou a passagem de certidão que os contenha, nos seguintes termos:
«(…)






– Cfr. fls. 253 do processo administrativo apenso.

18. Em 13/10/2015, o Inspetor Tributário da Divisão de Inspeção IV, da Direção de Finanças do Porto lavrou termo de entrega ao recorrente A…, por este assinado, dos seguintes elementos:
«(…)






Cfr. fls. 254 do processo administrativo apenso.

19. Do termo de entrega referido em 18) consta a indicação de que «Nos termos do n.º 2 do artigo 37.º do CPPT, o prazo para o exercício do direito de audição, de 25 dias nos termos do ofício n.º 53045/0505, de 2015/09/14, conta-se a partir da data do presente termos de entrega.» – Cfr. fls. 254 do processo administrativo apenso.
20. Com registo de entrada na Direção Distrital de Finanças do Porto de 10/11/2015, os recorrentes exerceram o seu direito de audição, nos seguintes termos:
«(…)












- imagem omissa -






(…)»
– Cfr. o documento 6 junto com a petição inicial e constante de fls. 255-256 do processo administrativo apenso.

21. Em 12/11/2015, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto elaboraram relatório de inspeção tributária referente às ordens de serviço OI 201303924 e OI 01303925, de onde, além do que já constava no projeto de relatório referido em 13), consta também o seguinte:
«(…)
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO
Nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária e artigo 60° do Regime Complementar de Inspeção Tributária foi o SP notificado para o domicílio fiscal, para no prazo de 25 dias poder exercer o direito à audição sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção - Ofício nº 49388/0507 de 2015/08/21, registado nos CTT, em 2015/08/25, sob o número RF 0716 2126 3 PT.

No entanto, o projeto de conclusões do relatório de inspeção que foi notificado foi devolvido com a indicação de "não atendeu / objeto não reclamado".

Não obstante, foi o SP notificado pessoalmente, em 2015-09-14, para no prazo de 25 dias poder exercer o direito à audição sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção - Ofício nº 53405/0507 de 2015/09/14.

No decorrer do prazo de audição, o SP veio, ao abrigo do disposto no artigo 37° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), solicitar determinados elementos que considerou fundamentais para a compreensão dos factos e critérios que conduziram às conclusões mencionadas no projeto de conclusões do relatório de inspeção, conforme documento cuja entrada foi registada na Direção de Finanças do Porto sob o nº 017579 de 2015-10-08.
No dia 2015-10-13, em resposta ao requerimento apresentado foi entregue, em mão própria, certidão contendo os elementos solicitados pelo SP, pelo que nos termos do nº 2 do artigo 37° do CPPT, o prazo para o exercício do direito de audição (25 dias nos termos do referido ofício nº 53405/0507 de 2015/09/14) passou a contar a partir da data do respetivo termo de entrega tendo como término o dia 2015-11-09.

Em 2015-11-09 (registo dos CTT), o SP exerceu o direito que lhe assistia, cuja resposta foi registada na Direção de Finanças do Porto em 2015-11-10 com o nº 019412.

O SP elabora a sua defesa escrita assente em 8 pontos e não junta qualquer documento.

Relativamente aos argumentos suscitados importa referir o seguinte:

¾ No ponto 1, o SP não pretendendo «desenvolver (…) contestação de todos os pressupostos e valores base dessa tributação», vem antes «solicitar esclarecimento sobre o percurso lógico das opções exercidas pela AT.»

Relativamente a esta solicitação do SP, importa relembrar que o SP foi chamado a colaborar no procedimento inspetivo sempre que tal se tornou imperativo e fundamental para apurar a sua real situação tributária face aos factos relevantes elencados no ponto II.3, tendo tido acesso a todos os documentos que serviram de base às correções propostas e acompanhado, por conseguinte, todo o percurso lógico das opções exercidas pela AT, de forma a esclarecer e justificar as questões suscitadas decorrentes da análise à factualidade subjacente a essa documentação.

Sintetizando e concretizando,

ü Face à análise vertida nos pontos II.3.1. e II.3.2. e melhor sintetizadas no ponto II.3.3. do projeto de relatório, «Não restam dúvidas que o SP demonstra uma capacidade contributiva nitidamente superior aos rendimentos declarados em sede de IRS e potenciadora da realização de avaliação indireta dos rendimentos tributáveis, para os anos em análise, cfr. dispõe a alínea f) do nº 1 do artigo 87° da LGT».
ü Perante a indispensabilidade da derrogação do sigilo bancário decorrente do nº 11 do artigo 89°­A da LGT, o SP autorizou a AT a aceder aos documentos bancários de todas as contas bancárias por si tituladas.
ü Uma prévia análise aos extratos bancários permitiu constatar uma realidade nada condizente com a situação declarativa tributária do SP, pelo que foi o mesmo notificado para justificar a proveniência e motivo dos montantes que deram entrada nas referidas contas bancárias, cfr. se pormenoriza (teor e critério) no ponto II.3.4 - vi..
ü Atendendo a que «o SP não apresentou quaisquer documentos de suporte aos valores sobre os quais foi objeto de notificação, a AT tomou a iniciativa de solicitar junto das entidades bancárias, tais documentos de suporte aos movimentos efetuados» e cuja análise nos remete para o ponto II.3.4 - ix e melhor se sintetiza na allnea c) do referido ponto.
ü «A AT teve como base de trabalho a totalidade das entradas (créditos) registadas nas contas bancárias selecionadas como relevantes para os períodos em questão, no valor de € 13.252.253,99 e cuja análise permitiu expurgar o montante de € 5.870.107,30 referente a movimentos entre as diversas contas particulares do SP» - ponto 11.3.4 - ix - c) e V.1.2.
ü Por critério devidamente explanado no ponto V.1.3., foi ainda expurgado o valor de € 2.706.332,33 resultante da «totalidade dos cheques depositados e/ou transferências recebidas com origem nas contas bancárias das empresas» das quais o SP é sócio.
ü O incremento patrimonial ascendeu assim a € 4.675.814,36.

¾ Tendo presente o elencado nos pontos 2 a 4 do direito de audição, importa referir que, para efeitos de tributação, a capacidade contributiva está contemplada no artigo 4° da LGT e que, no caso do SP, se traduz na diferença entre o acréscimo de património e os rendimentos por si declarados em cada um dos anos em análise, sendo que, essa diferença, resultou da falta de justificação relativamente à origem das quantias depositadas nas suas contas bancárias.

Pelo que, tal como se deixou devidamente expendido nos dois últimos parágrafos do capitulo IV:

Incumbe «(…) ao SP, nos termos do nº 3 do artigo 89°-A da LGT, a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo patrimonial, e não tendo o mesmo procedido a tal prova, estamos perante uma divergência não justificada entre rendimentos declarados e acréscimos patrimoniais evidenciados, legitimadora de tributação por via de avaliação indireta, mesmo que tais acréscimos tenham proveniência de actos ilícitos, em conformidade com o disposto no artigo 1° do Código do IRS.

Nesta conformidade, não sendo possível averiguar a origem das quantias movimentadas pelo SP, nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, nem tendo o mesmo logrado provar a proveniência dos referidos acréscimos patrimoniais, os mesmos terão de ser tributados pelas regras da categoria G do IRS, previstas na alínea d), n° 1 do artigo 9° do CIRS - Acréscimos patrimoniais não justificados - sendo a avaliação indireta feita nos termos da alínea f), nº 1 do artigo 87° da LGT, avaliação essa que deve ser efetuada no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, conforme induz a leitura do nº 11 do artigo 89°·A do referido diploma legal (o que de facto aconteceu), cabendo ao SP o ónus da prova do excesso da quantificação, cfr. parte final do nº 3 do artigo 74° da LGT.»

Assim sendo, a fundamentação da avaliação por métodos indiretos não teve por base qualquer acréscimo de despesa efetuada, ao contrário do que parece transparecer da argumentação constante do direito de audição.

¾ Relativamente aos pontos 5 e 6 da sua argumentação, o SP alega que a AT decidiu que o exponente tinha enriquecido através de TODOS OS MOVIMENTOS DE ENTRADA nas diversas contas, com excepção, apenas (sublinhado nosso), dos movimentos de transferência entre as diferentes contas bancárias e movimentos de entrada com proveniência nas empresas de que é sócio.

De facto, as exceções elencadas correspondem à factualidade exposta pela AT no respetivo projeto de relatório, sendo de referir, apenas, que tal se traduz no valor de € 8.576.439.63, o que equivale a dizer que foram expurgados da tributação cerca de 65% de todos os movimentos de entrada, apesar da ausência de resposta à notificação efetuada com vista á justificação da proveniência e montantes entrados nas contas bancárias.

¾ Já quanto ao ponto 7, o SP refere que a AT reconheceu que determinados pagamentos do Centro Regional de Segurança Social, no valor de € 676,90, tinham operado a favor da sua fortuna (do SP).

Na realidade o que a AT reconheceu foi que esses movimentos, integram um montante exponencialmente superior que se traduz em € 4.675.814,36 e cuja proveniência e motivo o SP entendeu não justificar, o que, aliás, voltou a fazer.

¾ Em relação ao ponto 8, dado que os critérios utilizados pela AT para efeitos de tributação já foram devidamente demonstrados no capítulo V do projeto de relatório fica, por isso, prejudicada qualquer explicitação adicional.

Em suma, dado que em sede do direito de audição não foi apresentado qualquer dado adicional em matéria de facto e de direito que conduza a conclusões diferentes das produzidas, nem contrariando objetivamente as conclusões descritas no projeto de relatório, serão de manter as correções propostas. (…)» – Cfr. fls. 261-286 do processo administrativo apenso.

22. Em 17/11/2015, o Sr. Diretor de Finanças da Direção de Finanças do Porto emitiu notas de fixação de rendimentos líquidos dos Impugnantes, por métodos indiretos, nos termos do n.º 6 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, nos seguintes valores:
Ano de 2009
- imagem omissa -
Ano de 2010
- imagem omissa -
Ano de 2011
- imagem omissa -
Ano de 2012
- imagem omissa -
– Cfr. fls. 353-356 do processo administrativo apenso.

23. Através do ofício n.º 70231/0512, de 20/11/2015, dos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças do Porto, remetido sob correio registado com aviso de recepção assinado em 02/12/2015, foram os recorrentes notificados do relatório de inspeção tributária referido em 21) e das notas de fixação referidas em 22) – Cfr. fls. 68-70 do processo administrativo junto.
24. Sob correio registado de 14/12/2015, foi a petição inicial do presente recurso judicial remetida a este TAF – Cfr. fls. 779 dos autos.
*
Mais se provou, o seguinte, com interesse para a decisão:
25. Entre 25/09/2013 e 02/12/2013, teve lugar ação inspetiva externa, de âmbito geral, à sociedade “S…, Lda.”, aos anos de 2009 a 2012, de que resultaram correções em sede de IRC e IVA, por aplicação de métodos indiretos que, na sequência de pedido de revisão, foram fixadas nos seguintes montantes:



AnoRelatório de inspeção tributáriaProcedimento de revisão
Volume de negócios corrigidoCorreção à Mat. coletável IRC por M.I.IVAVolume de negócios corrigidoCorreção à Mat. coletável IRC por M.I.IVA
2009687.250,96203.210,21€24.385,22€535.402,57€88.943,88€8.115,76€
2010826.353,12250.195,83€31.274,48€643.770,01€142.132,81€10.985,72€
2011733.190,80195.238,24€25.380,98€571.119,95€89.090,70€6.743,92€
2012960.621,55217.722,42€50.076,17€748.371,77€99.497,07€12.103,90€
– Cfr. o documento 2 junto com a petição inicial.

26. Entre 11/10/2013 e 21/11/2013, teve lugar ação inspetiva externa, de âmbito geral, à sociedade “Soc…, Lda.”, aos anos de 2009 a 2012, de que resultaram correções em sede de IRC e IVA, por aplicação de métodos indiretos que, na sequência de pedido de revisão, foram fixadas nos seguintes montantes:
    Ano
    Relatório de Inspeção tributária
    Procedimento de revisão
    Volume de negócios corrigido
    Correção à Mat. coletável IRC por M.I.
    IVA
    Volume de negócios corrigido
    Correção à Mat. coletável IRC por M.I.
    IVA
    2009
    495.162,43€
    80.911,56€
    9.709,40€
    486.909,72€
    77.632,78€
    8.719,06€
    2010
    513.577,70€
    112.070,42€
    14.008,80€
    504.921,90€
    104.729,46€
    12.926,83€
    2011
    595.498,17€
    124.097,32€
    16.132,64€
    552.128,56€
    82.542,04€
    10.494,60€
    2012
    490.295,84€
    51.398,15€
    11.821,56€
    454.420,54€
    0,00€
    3.570,25€
– Cfr. o documento 3 junto com a petição inicial.

27. Entre 20/11/2013 e 21/02/2014, teve lugar ação inspetiva externa, de âmbito geral, à sociedade “A... – Construções S.A.”, aos anos de 2010 a 2012, de que resultaram correções meramente aritméticas em sede de IRC – Cfr. o documento 4 junto com a petição inicial.
28. Entre 31/12/2008 e 31/12/2012, os saldos das contas bancárias dos recorrentes apresentam as seguintes variações:
31/12/200831/12/200931/12/201031/12/201131/12/2012
CGD 474706€53.741,24€244.475,79€74.094,42€20.875,08€98.490,14
CGD 726900€18.572,86€34.578,34€13.373,28€17.152,41€13.920,86
CGD 827300€16.782,27€24.992,59
      -
      -
      -
Montepio 7905-7
      -
      -
€4.202,33€15.153,80€10.203,81
Montepio 7957-8
      -
      -
€3.694,24€€10.415,95€2.497,55
Totais€89.096,37€304.046,72€95.364,27€63.597,24€125.112,36
– Cfr. o documento 7 junto com a petição inicial.

29. Relativamente à conta da CGD com o número 238000474706, foram os seguintes os valores totais notificados ao Recorrente para apresentar justificação e desses valores foi colhida e aceite pela AT justificação para os seguintes montantes:

AnoSomatório dos valores a justificar
(Mapa I, anexo ao ofício n.º 48621/0507, de 13/08/2014)
Valores expurgados pela AT
(Anexo I ao relatório, mapa #2)
2009721.975,48612.788,54
2010616.654,86504.330,00
2011536.730,00532.730,00
2012493.630,10490.530,10
Total2.368.872,522.140.378,64
– Cfr. o documento 8 junto com a petição inicial.

III.2 – Factos não provados


1. A duplicação de movimentos de entrada, decorrente da movimentação de valores em numerário e, em particular, que tenham existido levantamentos efetuados em determinada conta para cobrir saldos noutra conta – Facto alegado no artigo 41.º da petição inicial.
2. A existência de proveniência de movimentos de entrada nas contas do Recorrente provenientes das empresas “S..., Lda.” e “Sociedade…, Lda.”, no valor de € 1.894.132,65, assim apurado pelos recorrentes:
Movimento/Ano2009201020112012Totais
S…, Lda.Prestação de Serviços c/ IVA (1)535.402,57€643.770,01€571.119,95€748.371,77€2.498.664,30€
Valor das entradas em Bancos (2)234.551,50€464.412,21€459.424,43€572.661,80€1.731.049,94€
Totais não depositados em contas bancárias da sociedade (3) = (1)-(2)300.851,07€179.357,80€111.695,52€175.709,97€767.614,36€
Sociedade…, Lda.Prestação de Serviços c/ IVA (1)545.338,89€568.037,14€623.905,27€558.937,26€2.296.218,56€
Valor das entradas em Bancos (2)158.262,97€261.063,64€393.576,52€356.797,14€1.169.700,27€
Totais não depositados em contas bancárias da sociedade (3) = (1)-(2)387.075,92€306.973,50€230.328,75€202.140,12€1.126.518,29€
– Facto alegado no artigo 100.º da petição inicial e apuramento constante do doc. 9 junto com a petição inicial.
*
III.3 – Motivação
O Tribunal formou a sua convicção, no que concerne aos factos provados, através da ponderação crítica dos documentos juntos aos autos e dos constantes do processo administrativo junto, designadamente, o projeto de relatório e o relatório final da inspeção tributária, cuja força probatória se reporta aos factos que nele são referidos (cfr. os itens 13), 14) e 21) do probatório), seja os afirmados como tendo sido praticados pelos serviços de inspecção tributária (v.g. as diligências realizadas), seja os factos materiais apurados por esses serviços, na medida em que não foram impugnados, pois os recorrentes apenas refutam os critérios adotados pela AT e conclusões a que a AT chegou em virtude do uso de tais critérios, mas não os factos em que esta assentou as suas conclusões ou o próprio facto de ter chegado às conclusões a que chegou.
Já no que concerne aos factos não assentes, a decisão do tribunal baseou-se na ausência de qualquer prova produzida a esse respeito. Senão vejamos:
¾ No que concerne ao item 1) dos factos não provados, a alegada duplicação de movimentos de entrada, decorrente da movimentação de valores em numerário, em particular, a existência de levantamentos efetuados em determinada conta para cobrir saldos noutra conta, não constitui facto mas conclusão a extrair de factos não alegados, pelo que a convicção do Tribunal sobre tais conclusões resultou, desde logo, da total ausência de consubstanciação e, concomitantemente, de prova, pois o recorrente não apresenta qualquer prova documental do alegado e tão pouco do depoimento prestado pela testemunha inquirida, sócio-gerente da “Sociedade…, Lda.”, resultou existir tal duplicação, uma vez que esta se limitou a referir vagamente que o Sr. A… fazia depósitos em dinheiro nas situações de contas com saldos a descoberto. Resta, assim, a incontestada existência de entradas em numerário nas contas bancárias do recorrente marido, no valor de € 2.454.975,40, cuja proveniência não foi apurada por não ser possível seguir o seu rasto, o que apenas foi propiciado pela conduta do recorrente, que livremente optou por mobilizar, dessa forma, a referida quantia a crédito nas suas contas bancárias.
¾ No que concerne ao item 2) dos factos não provados, não resultou provada a proveniência das empresas “S..., Lda.” e “Sociedade…, Lda.” de movimentos de entrada nas contas do recorrente marido, no valor de € 1.894.132,65, pois são os próprios recorrentes que, à partida, alegam ser apenas “possível e quase certa” essa origem, e, dessa forma, anunciam que limitar-se-ão a gerar a mera dúvida sobre o facto tributário. Com efeito, verifica-se que, em consonância com o anunciado, os recorrentes não estabeleceram qualquer correspondência direta, em termos de datas e montantes, entre os valores dos depósitos na conta bancária do recorrente marido e os valores decorrentes das vendas e prestações de serviços das sociedades em causa, de modo a permitir a conclusão de que esses valores depositados corresponderam a valores provenientes da atividade das sociedades. Por outro lado, como resulta dos itens 24) e 25) dos factos provados, o referido montante de € 1.894.132,65 é o valor das prestações de serviços estimadas pela AT por aplicação de métodos indiretos e que consta dos relatórios de inspeção realizada às sociedades (valor esse que foi reduzido em sede de procedimento de revisão), ou seja, nele se incluem também os valores declarados pelas sociedades. No entanto, do total de movimentos de entrada nas contas do recorrente marido, de € 13.252.253,70, a AT expurgou o valor de € 2.706.332,33, respeitante a transferências e cheques emitidos pelas sociedades, valor esse que, por si só, é muito superior ao montante invocado pelos recorrentes como sendo proveniente das sociedades. Ora, independentemente de as contas bancárias daquelas sociedades refletirem ou não a totalidade dos movimentos, o que importava saber era se os movimentos a crédito na conta bancária do recorrente marido que não foram justificados perante a AT no procedimento de inspeção correspondem ou não a movimentos das sociedades, tanto mais que a lei só prevê a investigação das contas bancárias do próprio sujeito passivo, pelo que deveria ser possível aferir, unicamente a partir das suas contas, a origem inequívoca dos movimentos a crédito. Por outro lado, da circunstância de as contas bancárias das sociedades não refletir a totalidade dos valores das vendas e prestações de serviços das sociedades, não poderia extrair-se qualquer conclusão relevante para os presentes autos, pois daí não decorre lógica e necessariamente que a atividade das sociedades esteja refletida nas contas bancárias do recorrente marido. Assim sendo, e sendo certo que nada permite concluir, com o mínimo de segurança, pela existência um nexo entre as correções realizadas pelos serviços de inspeção nas sociedades e qualquer parte dos rendimentos dos recorrentes que foram considerados como não justificados, o facto em questão teve necessariamente de dar-se como não provado.


II. De Direito


II.1.1 A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, suscitada nas conclusões de recurso, é a de saber se a sentença recorrida padece de erro no julgamento da matéria de facto, dado os recorrentes impugnarem a matéria de facto dada como provada e como não provada, conforme conclusões II a XV do recurso
Dispõe o n.º 1 do art.º 676.º, actual 627º do Código de Processo Civil que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Mas, como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas - cfr. art. 607º. O juiz a quo, na decisão sobre a matéria de facto, aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção, não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio.
Daí que a convicção do tribunal se forme de um modo dialéctico.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assentando a decisão da matéria de facto, no presente caso, na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância, na respectiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Sublinhe-se que no que tange à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso do presente recurso, “deve ter-se em conta, por um lado, que “O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 655º, nº1 do CPC), pelo que, sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância” (acórdão STA de 27.1.10, proferido no recurso 358/09), mas por outro, que “No caso de gravação da audiência de julgamento o tribunal superior deve agir com cautela já que se encontra privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1.ª instância,…” – vide, acórdão do STA, de 9/2/2012 (processo nº 967/11).
E, tal como refere Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil. Novo Regime, pag 268 e ss. a gravação dos depoimentos por registo áudio (…) não consegue traduzir tudo quando pôde ser observado no tribunal a quo. (…)
Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores.(…)
Por certo que as circunstâncias anteriormente apontadas ou outras que podiam ser enunciadas terão de ser ponderadas na ocasião em que o tribunal da relação proceda à apreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações na decisão da matéria de facto quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível, concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro na apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.(…)
Nestas circunstâncias, se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro, deve proceder à modificação da decisão, (…).”
E só quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei é afastado o princípio da livre apreciação. (cfr.artº.371, do CC)
Sobre este entendimento do duplo grau de jurisdição, também já o Tribunal Constitucional se pronunciou(...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.
É pois de concluir do expendido que a modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pela 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.

Tendo presente o agora exposto, e para o que aqui nos importa, debrucemo-nos sobre os artigos 640º e o nº 1 do 662º do CPC que determinam os termos da modificabilidade da matéria de facto pelo tribunal de recurso, bem como as regras impostas quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
O artigo 662 estabelece que: A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Por sua vez o artigo 640º, também do CPC determina que: “1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)”
Sobre o cumprimento do ónus que impende sobre o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, António Abrantes Geraldes, in Recursos do Novo Código de Processo Civil – Novo Regime. Almedina, 2014, 2º edição, pag 135 e segs, diz-nos que:
“ (…) A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação nas conclusões dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registado (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente ao segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzem alguns dos elementos referidos…)
Acrescenta ainda o mesmo autor que as referidas exigências “...devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.” (op. cit. pag 135).

Compreende-se, assim, que a conjugação do artigo 640.º e n.º1 do art.º 662.º do CPC afaste a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento.
Como referido, tais normativos fazem recair sobre o(s)/a(s) recorrente(s) o ónus de, primeiro, indicar a) os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, b) indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso. c) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Analisando o formulado pelos Recorrentes, nas conclusões III), IV) e V, conclui-se que a impugnação da matéria de facto fixada com base na prova testemunhal produzida não respeita o ínsito no citado artigo 640º do Código de Processo Civil, não tendo os Recorrentes, cumprido o ónus da impugnação da matéria de facto que sobre si recaia fica este Tribunal impedido de apreciar o recurso, pelo que se rejeita nesta parte.

Relativamente à conclusão II) do recurso, consideram os Recorrentes que, tal conforme transcrição na sentença, a folhas 35 a 37, devia constar dos factos provados a conclusão a que a AT chegou nos diversos relatórios, quer das acções inspectivas às sociedades quer da acção inspectiva aos Recorrentes dos quais consta a envolvência das contas pessoais do Recorrente na gestão das sociedades.
Todavia, o pretendido pelos recorrentes, já foi ponderado no ponto 13 da matéria de facto, sobretudo folhas 8 a 31 da sentença recorrida, pelo que improcede a conclusão II), invocada.

Invectivam ainda os Recorrentes contra o julgamento da matéria de facto fixada no ponto 2, dos factos não provados (conclusões VI a XIV).
Consideram os Recorrentes que a sentença enferma de erro de interpretação e enquadramento do facto, devendo entender-se que as sociedades concretizaram saídas das suas contas bancárias em benefício das contas pessoais dos recorrentes no montante global de €2.706.332,33 e que existiram receitas das sociedades que não foram objecto de depósito nas contas bancárias das mesmas no total de €1. 894.132,65, e que este valor corresponde a recebimentos em numerário, tornando- impossível apresentar prova inequívoca do destino que lhes foi cumprido.
Relembre-se o que se descriminou no ponto 2 da matéria de facto dada como não provada:
“2. A existência de proveniência de movimentos de entrada nas contas do Recorrente provenientes das empresas “S..., Lda.” e “Sociedade…, Lda.”, no valor de € 1.894.132,65, assim apurado pelos recorrentes:
Movimento/Ano2009201020112012Totais
S…, Lda.Prestação de Serviços c/ IVA (1)535.402,57€643.770,01€571.119,95€748.371,77€2.498.664,30€
Valor das entradas em Bancos (2)234.551,50€464.412,21€459.424,43€572.661,80€1.731.049,94€
Totais não depositados em contas bancárias da sociedade (3) = (1)-(2)300.851,07€179.357,80€111.695,52€175.709,97€767.614,36€
Sociedade…, Lda.Prestação de Serviços c/ IVA (1)545.338,89€568.037,14€623.905,27€558.937,26€2.296.218,56€
Valor das entradas em Bancos (2)158.262,97€261.063,64€393.576,52€356.797,14€1.169.700,27€
Totais não depositados em contas bancárias da sociedade (3) = (1)-(2)387.075,92€306.973,50€230.328,75€202.140,12€1.126.518,29€
– Facto alegado no artigo 100.º da petição inicial e apuramento constante do doc. 9 junto com a petição inicial.

E a M. Juiz motivou assim o seu julgamento:
¾ “(…)No que concerne ao item 2) dos factos não provados, não resultou provada a proveniência das empresas “S..., Lda.” e “Sociedade…, Lda.” de movimentos de entrada nas contas do recorrente marido, no valor de € 1.894.132,65, pois são os próprios recorrentes que, à partida, alegam ser apenas “possível e quase certa” essa origem, e, dessa forma, anunciam que limitar-se-ão a gerar a mera dúvida sobre o facto tributário. Com efeito, verifica-se que, em consonância com o anunciado, os recorrentes não estabeleceram qualquer correspondência direta, em termos de datas e montantes, entre os valores dos depósitos na conta bancária do recorrente marido e os valores decorrentes das vendas e prestações de serviços das sociedades em causa, de modo a permitir a conclusão de que esses valores depositados corresponderam a valores provenientes da atividade das sociedades. Por outro lado, como resulta dos itens 24) e 25) dos factos provados, o referido montante de € 1.894.132,65 é o valor das prestações de serviços estimadas pela AT por aplicação de métodos indiretos e que consta dos relatórios de inspeção realizada às sociedades (valor esse que foi reduzido em sede de procedimento de revisão), ou seja, nele se incluem também os valores declarados pelas sociedades. No entanto, do total de movimentos de entrada nas contas do recorrente marido, de € 13.252.253,70, a AT expurgou o valor de € 2.706.332,33, respeitante a transferências e cheques emitidos pelas sociedades, valor esse que, por si só, é muito superior ao montante invocado pelos recorrentes como sendo proveniente das sociedades. Ora, independentemente de as contas bancárias daquelas sociedades refletirem ou não a totalidade dos movimentos, o que importava saber era se os movimentos a crédito na conta bancária do recorrente marido que não foram justificados perante a AT no procedimento de inspeção correspondem ou não a movimentos das sociedades, tanto mais que a lei só prevê a investigação das contas bancárias do próprio sujeito passivo, pelo que deveria ser possível aferir, unicamente a partir das suas contas, a origem inequívoca dos movimentos a crédito. Por outro lado, da circunstância de as contas bancárias das sociedades não refletir a totalidade dos valores das vendas e prestações de serviços das sociedades, não poderia extrair-se qualquer conclusão relevante para os presentes autos, pois daí não decorre lógica e necessariamente que a atividade das sociedades esteja refletida nas contas bancárias do recorrente marido. Assim sendo, e sendo certo que nada permite concluir, com o mínimo de segurança, pela existência um nexo entre as correções realizadas pelos serviços de inspeção nas sociedades e qualquer parte dos rendimentos dos recorrentes que foram considerados como não justificados, o facto em questão teve necessariamente de dar-se como não provado.(…)

E concordamos com a sentença recorrida, pela sua correcta fundamentação. Por um lado, o valor de €1. 894.132,65, não pode ser, como pretendido pelos Recorrentes, automaticamente imputado como tendo dado entrada nas suas contas bancárias (do Recorrente marido), em resultado da diferença entre os montantes de prestação de serviços efectuados pelas duas sociedades referidas (S..., Lda e Sociedade…, Lda) e os montantes depositados por tais sociedades nas contas bancárias das mesmas. Não é suficiente para demonstrar tal facto, alegar que tal conta era usada indistintamente para o seu património pessoal como para o património das empresas. Como resulta da motivação da matéria de facto e da petição de recurso (artigo 96º) são os próprios recorrentes que, à partida, alegam ser apenas “possível e quase certa” essa origem.
Vigorando, em sede de tributação das manifestações de fortuna, a inversão do ónus da prova, nas condições previstas no nº 3 do artigo 89ºA da LGT, impunha-se que os Recorrentes tivessem feito prova efectiva da origem das quantias creditadas. Também, como se afirmou na motivação da matéria de facto, e aqui se sublinha “(…) os recorrentes não estabeleceram qualquer correspondência direta, em termos de datas e montantes, entre os valores dos depósitos na conta bancária do recorrente marido e os valores decorrentes das vendas e prestações de serviços das sociedades em causa, de modo a permitir a conclusão de que esses valores depositados corresponderam a valores provenientes da atividade das sociedades. Mesmo quando os Recorrentes afirmam que a sentença errou, pois, o valor de €1 894.132,65, não se pode considerar englobado nos €2.706.332,33, que a AT teria retirado em benefício dos recorrentes, por as duas importâncias não corresponderem à mesma realidade, e que o €1.894.132,65 acresce àquele valor de €2.706.332,33, tal raciocínio não tem a virtualidade de alterar o facto dado como não provado, como explicaremos adiante. Nas alegações de recurso, os Recorrentes densificaram o raciocínio, acabado de expor, transcrevendo-se tais alegações, para melhor compreensão:
(…) Foi comprovado nos procedimentos de inspecção àquelas empresas que as suas contas bancárias não comportavam a totalidade dos movimentos financeiros que lhes competiam.
Os recorrentes alegaram que com base nas tarefas de discriminação dos movimentos constantes de tais contas bancárias, que apenas existiram, no conjunto dos anos em análise, movimentos de entrada que totalizam €2.900.750,21 (€1.731.049,94, na sociedade “S..., Lda” e €1.169.700,27, na sociedade “Sociedade…, Lda).
Tais valores, por comparação com os totais das receitas auferidas nos mesmos anos, conduzem à conclusão de que €1.894.132,65 não foi objecto de depósito nas contas bancárias das empresas.
Ora, tendo a AT apurado e excluído do montante a considerar como enriquecimento dos recorrentes a verba total de €2.706.332,33, afirmando que a entrada nas contas dos recorrentes foi efectuada por depósito de cheques e movimentos de transferência bancária, torna-se óbvio que a sua origem foram as contas bancárias das sociedades e que a sua concretização foi exclusivamente à custa das verbas que lá foram depositadas, ou seja os referidos €2.900.750,21.
E, tendo tal origem, é manifesto que, a contrario, nada podem ter a ver com as verbas correspondentes às restantes receitas das sociedades, que como se demonstrou, não foram objecto de depósito nas contas bancárias das sociedades e, portanto, não eram susceptíveis de ter origem nas mesmas.(…)”.
Mas o raciocínio agora efectuado não tem a virtualidade de poder alterar o fixado pela sentença recorrida. Atente-se no que ainda se escreveu na motivação da matéria de facto:” independentemente de as contas bancárias daquelas sociedades refletirem ou não a totalidade dos movimentos, o que importava saber era se os movimentos a crédito na conta bancária do recorrente marido que não foram justificados perante a AT no procedimento de inspeção correspondem ou não a movimentos das sociedades, tanto mais que a lei só prevê a investigação das contas bancárias do próprio sujeito passivo, pelo que deveria ser possível aferir, unicamente a partir das suas contas, a origem inequívoca dos movimentos a crédito. Por outro lado, da circunstância de as contas bancárias das sociedades não refletir a totalidade dos valores das vendas e prestações de serviços das sociedades, não poderia extrair-se qualquer conclusão relevante para os presentes autos, pois daí não decorre lógica e necessariamente que a atividade das sociedades esteja refletida nas contas bancárias do recorrente marido. Assim sendo, e sendo certo que nada permite concluir, com o mínimo de segurança, pela existência um nexo entre as correções realizadas pelos serviços de inspeção nas sociedades e qualquer parte dos rendimentos dos recorrentes que foram considerados como não justificados, o facto em questão teve necessariamente de dar-se como não provado.(…)”
E concordamos com a sentença recorrida. As conclusões retiradas pelos recorrentes não se encontram sustentadas em factos concretos, pois não é possível aferir, unicamente a partir das contas dos recorrentes, a origem inequívoca dos movimentos a crédito. E como se afirma na motivação da matéria de facto, não decorre lógica e necessariamente que a actividade das sociedades esteja reflectida nas contas bancárias do recorrente marido, pelo que não é possível concordar com o alegado pelos recorrentes, dado não ter sido produzida prova nesse sentido.
Soçobram, por isso, as conclusões VI a XIV.

Por último, os Recorrentes objectam na conclusão XV que: “sem prejuízo de se dever considerar a existência de movimentos, com efeito duplicador, provenientes de carências pontuais entre contas das empresas e contas pessoais, os quais, naturalmente justificarão a diferença de €550.842,75”.
A M. Juiz deu como não provado que: “ 1. A duplicação de movimentos de entrada, decorrente da movimentação de valores em numerário e, em particular, que tenham existido levantamentos efetuados em determinada conta para cobrir saldos noutra conta – Facto alegado no artigo 41.º da petição inicial.
E motivou a sua decisão quanto à discriminação de tal facto, como não provado, como agora se transcreve: ” No que concerne ao item 1) dos factos não provados, a alegada duplicação de movimentos de entrada, decorrente da movimentação de valores em numerário, em particular, a existência de levantamentos efetuados em determinada conta para cobrir saldos noutra conta, não constitui facto mas conclusão a extrair de factos não alegados, pelo que a convicção do Tribunal sobre tais conclusões resultou, desde logo, da total ausência de consubstanciação e, concomitantemente, de prova, pois o recorrente não apresenta qualquer prova documental do alegado e tão pouco do depoimento prestado pela testemunha inquirida, sócio-gerente da “Sociedade…, Lda.”, resultou existir tal duplicação, uma vez que esta se limitou a referir vagamente que o Sr. A... fazia depósitos em dinheiro nas situações de contas com saldos a descoberto. Resta, assim, a incontestada existência de entradas em numerário nas contas bancárias do recorrente marido, no valor de € 2.454.975,40, cuja proveniência não foi apurada por não ser possível seguir o seu rasto, o que apenas foi propiciado pela conduta do recorrente, que livremente optou por mobilizar, dessa forma, a referida quantia a crédito nas suas contas bancárias.”

E nada há a acrescentar ao explanado na motivação da douta sentença, concordando este Tribunal com tal apreciação. Saliente-se ainda que, em sede de alegações de recurso, os Recorrentes nada aduziram, para além do que se transcreveu em sede de conclusões.

Destarte, sucumbem todas as conclusões de recurso, em sede de julgamento de facto.

II.1.2 Os recorrentes vieram ainda invocar erro de julgamento, por considerar que a sentença fez uma interpretação redutora das normas que regulam a aplicação do regime estabelecido no na alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT, considerando que a AT, provada que seja a existência de uma discrepância entre qualquer acréscimo patrimonial e os rendimentos declarados e não sendo afastada a possibilidade de recurso a método indirecto, pelos recorrentes, por falta de prova, há que encontrar, dentro dos elementos de avaliação disponíveis e de acordo com cada situação em concreto, os parâmetros adequados a uma quantificação que, por um lado, vá ao encontro da capacidade contributiva possível e verosímil e, por outro, permita aos recorrentes a justificação dos movimentos financeiros havidos a priori como acréscimos patrimoniais; E que, por isso, é imposto à AT que investigue as contas bancárias dos Recorrentes, como forma de possibilitar o conhecimento de toda a realidade que envolve os Recorrentes e, assim, identificar o seu efectivo enriquecimento. Estando demonstrado o envolvimento das contas pessoais dos Recorrentes na gestão das empresas, a aferição do acréscimo patrimonial por via dos movimentos de entrada e sem investigação complementar e exaustiva desses movimentos e dessas correspondentes saídas em favor das empresas, mostra-se um meio absolutamente inadequado para traduzir o enriquecimento dos Recorrentes. Sem a AT cuidar de investigar os gastos denunciados pelos movimentos de saídas, resulta violado o princípio do inquisitório. E que exigir aos Recorrentes a prova da origem dos depósitos em dinheiro nos autos constitui uma prova diabólica, contrariamente ao que sustenta o tribunal a quo. A actuação da AT padece de ilegalidade, bem como de violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da investigação material. (Conclusões XVI a XLV)

No caso de se verificar uma situação enquadrável na alínea f) do nº 1 do artigo 87º, da LGT, a administração tributária fica legitimada a recorrer ao procedimento de avaliação indirecta do rendimento tributável do contribuinte, ficando dispensada de demonstrar os requisitos gerais de recurso a esse método. E verificados os pressupostos aí previstos, passa então a caber ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo patrimonial (artigo 89º-A, nº 3 da LGT).
Como se afirmou no acórdão do STA, Pleno do Contencioso Tributário, de 16.10.2013, proferido no processo 0882/12…” o art. 87º tem em vista a preocupação constante de reforço da luta contra a fraude e evasão fiscal, com identificação e perseguição, através do método de tributação indireta, de situações indiciadoras de capacidade contributiva em desconformidade com a declarada, independentemente do facto típico gerador dessa capacidade e da qualificação dos rendimentos quanto à fonte….”
A Administração Tributária considerando patenteada uma capacidade contributiva dos Recorrentes muito superior à declarada, em que o valor total dos depósitos/transferências bancárias é significativamente superior aos rendimentos declarados com uma divergência, na medida legal, entre uns e outros, e cuja origem não foi justificada, pode (como fez in casu) proceder à fixação de rendimentos, através de manifestações de fortuna, considerados por aquela como acréscimos patrimoniais não justificados, sendo a avaliação indirecta feita nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT .
Ainda como resulta do n.º 11 do artigo 89.º-A da LGT, no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, a avaliação indirecta deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias do contribuinte. No decurso desse procedimento, é dada a possibilidade ao contribuinte de poder regularizar a situação tributária identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e de corrigir as alterações dos respectivos períodos.
De acordo com o disposto no artigo 89°-A n° 3 da LGT, verificada a mencionada divergência cabe ao sujeito passivo, por forma a afastar a avaliação indirecta, a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património ou consumo evidenciados (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova), não lhe bastando fazer a demonstração de factos que permitam duvidar da existência do facto tributário ou da sua quantificação.
Se o sujeito passivo não conseguir efectuar essa prova, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação (cfr. art.° 89°A n.° 5 da LGT).

Os recorrentes, em suma, arguem a violação do princípio do inquisitório, pois ao não ter sido afastada a possibilidade de recurso a método indirecto, pelos recorrentes, por falta de prova, haveria que encontrar, dentro dos elementos de avaliação disponíveis e de acordo com cada situação em concreto, os parâmetros adequados a uma quantificação que, por um lado, vá ao encontro da capacidade contributiva possível e verosímil e, por outro, permita aos recorrentes a justificação dos movimentos financeiros havidos. Impondo-se à AT a investigação não só dos imputs nas contas bancárias dos recorrentes, mas também dos outpouts, pois só dessa forma se estaria perante uma realidade patrimonial objectiva e estável. Como súmula do raciocínio efectuado pelos recorrentes nas conclusões de recurso, leia-se o que se escreveu nas conclusões XXIV: “ Estando demonstrado o envolvimento das contas pessoais dos recorrentes na gestão das empresas, a aferição do acréscimo patrimonial por via dos movimentos de entrada e sem investigação complementar e exaustiva desses movimentos e das correspondentes saídas em favor das empresas, mostra-se um meio absolutamente inadequado para traduzir o enriquecimento dos Recorrentes” E ainda a conclusão XXXIII: “O princípio do inquisitório resultou violado, na medida em que a Autoridade Tributária furtou-se a cuidar de investigar os gastos denunciados pelos movimentos de saída (levantamentos) da conta bancária, e que, como supra se expôs, deveriam, igualmente, ser computados, para o efeito de aferir das manifestações de fortuna, mas, fundamentalmente, porque não solicitou às entidades bancárias informação sobre movimentos de entrada nas contas bancárias dos Recorrentes no total de €1893.704,46, que, por falta dessa diligência, veio a concluir, presumidamente, que corresponderiam a seu enriquecimento”.
Apreciemos.
O princípio do inquisitório no procedimento tributário está previsto no artigo 58º da LGT, em que se preceitua que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. “
O princípio do inquisitório obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efectuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo.
O princípio da verdade material está consagrado no artigo 6.º R.C.P.I.T., e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artigo 58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto. (cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 6-8-2013 proferido no processo 6883/13).
No caso da tributação das manifestações de fortuna, em que vigora a inversão do ónus da prova, este ónus de prova não pode deixar de ser contrabalançado com o princípio do inquisitório, pelo que a administração tributária não pode eximir-se de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material (cf. acórdão do TCAS de 18/1/2005, Processo nº 00419/04). Em conformidade com este princípio, a administração tributária deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (cf. artigos 58º e 72º da LGT, 50º do CPPT e 6º do RCPIT) e, nessa medida, deve carrear para o procedimento todas os elementos de prova conducentes a demonstrar a factualidade em causa, devendo a presunção do rendimento apenas operar perante uma situação de non liquet. vide neste preciso sentido o Acordão deste TAC Norte de 14.05.2015, proferido no processo 194/14.8 BEPNF, ainda não publicado.
Todavia, o ónus de instrução que recai sobre a administração tributária é distinto do ónus de prova e situa-se a montante deste.
Dos elementos juntos aos autos resulta, por um lado, que a administração tributária não impediu o sujeito passivo de apresentar os elementos de prova e lhe concedeu no exercício do direito de audição no prazo estabelecido no artigo 60º, nº 6 da LGT (o que, aliás, aqui não está em causa). Por outro lado, e como se afirmou na sentença recorrida....”como resulta do projeto de relatório vertido no item 13) do probatório, no procedimento inspetivo de que os recorrentes foram alvo, a AT começou por comparar os rendimentos líquidos declarados pelos recorrentes nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 (de € 31.689,97, € 2.508,86, € 5.986,20 e € 13.536,20, respetivamente) com a capacidade financeira evidenciada (i) em aquisições efetuadas na sua esfera particular, (ii) em aquisições na esfera das sociedades e (iii) em prestações suplementares registadas nas sociedades (nos valores de € 377.089,03, € 716.564,96, € 224.000,00 e € 230.000,00, respetivamente), tendo concluído pela correspondente divergência, em cada um desses anos, subsumível à alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT.
Nessa conformidade, a AT lançou mão da investigação das contas bancárias dos recorrentes, como, de resto, determina o artigo 89.º-A, n.º 11 da LGT e já no decurso deste sub-procedimento de derrogação do sigilo bancário, assentido pelos recorrentes, constatou a AT a existência de depósitos e outros movimentos de entrada, em número e valor monetário significativo, que importava esclarecer.
Desta feita, foi o sujeito passivo notificado através do ofício n.º 48621/0507, de 13/08/2014, para esclarecer a origem de determinados movimentos de entrada nas suas contas bancárias (ponto 1 da notificação), no valor total de € 8.517.400,30, bem como a origem dos recursos financeiros que diretamente foram aplicados em determinados consumos (ponto 2 da notificação) – cfr. os itens 7) e 8) do probatório.
Ora, no que concerne ao ponto 1 da notificação, o sujeito passivo requereu à AT que verificassem quais os créditos não associados a movimentos a débito nas contas bancárias das sociedades por si detidas, invocando o conhecimento pela AT de que as contas bancárias do recorrente serviam de placa giratória dos movimentos financeiros das empresas, mais se tendo limitado a apresentar uma comparação dos saldos de cada uma das contas no início e fim de cada um dos anos abrangidos (cfr. o ponto II.3.4.vii. do projeto de relatório vertido no item 13) do probatório).
Ora, perante a inércia do sujeito passivo em justificar a concreta origem dos valores creditados nas suas contas particulares, refugiando-se na complexidade e onerosidade de tal análise, só restou à AT pedir às instituições bancárias os elementos de suporte documental dos movimentos efetuados, a débito e a crédito, nas contas relevantes, a partir de determinado valor (amostra) (cfr. idem, o ponto II.3.4.viii. do projeto de relatório).
A partir daí, a AT analisou o suporte documental a que teve acesso e, do total dos valores creditados nos anos em questão (de € 13.252,253,70), expurgou não só valores com origem em outras contas bancárias do próprio recorrente (€ 5.870.107,30), bem como em contas bancárias de sociedades por si detidas (transferências bancárias e depósito de cheques no valor de € 2.706.332,33), por admitir que tal modificação financeira estivesse relacionada com a atividade das sociedades, tendo considerado como manifestação de fortuna não justificada os valores das restantes entradas, no valor global de € 4.675.814,07, consistentes em depósitos de cheques de titulares identificados mas sem ligação com os rendimentos declarados (€ 327.134,30), depósitos em numerário (€ 2.454.975,40) e depósitos não identificados por não fazerem parte da amostra cujo suporte documental foi solicitado às instituições bancárias (€ 1.893.704,46), que serviu de base correcção ao rendimento coletável declarado nos anos em questão (cfr. o ponto II.3.4.viii. do projeto de relatório vertido no item 13) do probatório e, bem assim, o quadro resumo da análise efetuada constante do item 14) do probatório).
Assim, do total dos movimentos a crédito nas contas bancárias de que o recorrente marido é titular, a AT não só expurgou valores com origem em outras contas bancárias do recorrente, bem como em contas bancárias de sociedades por si detidas (transferências bancárias e depósito de cheques emitidos pelas sociedades), admitindo que tal modificação financeira estivesse relacionada com a atividade das sociedades, ou seja, reconhecendo o alegado envolvimento das contas pessoais do recorrente nos negócios das empresas.
Diversamente, a AT não indagou a existência de duplicação de movimentos de entrada decorrentes da movimentação de valores em numerário (i.e. depósitos a dinheiro precedidos de levantamentos noutras contas), o que bem se compreende porque sendo o dinheiro, por natureza, um bem fungível, seria impossível a um terceiro, como é a AT, seguir o seu rasto e encontrar explicação para factos (levantamentos e depósitos) que estão no domínio específico e estritamente pessoal dos recorrentes, pelo que tal demonstração cabia em absoluto aos recorrentes, que estavam em condições privilegiadas para o fazer.”
Resulta do exposto que, a AT, cumpriu o princípio do inquisitório. Não se vislumbra ter ocorrido vício de procedimento decorrente da não realização de diligências a ela imputáveis. Pois só as omissões que devam qualificar-se como necessárias constituem vício de procedimento. Isto é, só ocorre um vício de procedimento decorrente da não realização de diligências, se se demonstrar que a administração não tendo formado a sua convicção em sentido positivo ou negativo, não realizou diligências que poderia realizar para os apurar. Neste sentido veja-se o acórdão do STA de 21.05.2008, proferido no processo 084/08. Pelo que não se verifica a violação do princípio do inquisitório, nem mesmo na vertente da investigação da verdade material.
Salvo melhor opinião, os Recorrentes confundem o princípio do inquisitório por banda da AT, com o ónus da prova que lhe é imposto pelo nº 3 do artigo 89º-A.
Atentemos no invocado pelos Recorrentes:

i) Que a AT considerasse como medida do enriquecimento não os movimentos de entrada nas contas bancárias, mas sim o saldo final em cada ano, com a consequente investigação dos movimentos de saída das contas bancárias
ii) Que a AT investigasse as situações de depósitos a dinheiro precedidas de levantamentos noutras contas. E ainda o envolvimento das contas pessoais do recorrente nos negócios das empresas, por a imposição de prova aos agora recorrentes, ser a sua oneração com uma prova “diabólica” (considerando também aqui a violação do princípio da proporcionalidade e da verdade material)

No âmbito das manifestações de fortuna, o legislador confere à AT a faculdade de decidir directamente pela tributação por métodos indirectos, demonstrados que estejam os indícios que descredibilizem (no caso) a declaração apresentada pelo contribuinte. A AT não terá assim que demonstrar a falta de veracidade da declaração do contribuinte, bastando-lhe demonstrar o facto que o legislador considera constituir uma manifestação de fortuna ou o acréscimo de património relevante.
Ao invés, ao sujeito passivo é instituído um ónus bastante proeminente, pois tem de comprovar a realidade dos rendimentos declarados, demonstrar que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada.
Em face da distribuição do ónus da prova, competia, no presente caso, aos Recorrentes, o encargo de provar os factos pertinentes à procedência do seu pedido.
Como se apreciou na sentença recorrida…os recorrentes confundem e misturam as situações de ausência de prova (com que estão onerados) com a eventual complexidade ou onerosidade da prova que, a existir, é apenas imputável à sua conduta.
Desde logo, a prova que se impunha no caso concreto, era a da origem e não do destino dado ao dinheiro relevado nas contas bancárias dos recorrentes. Pois, mesmo que se considerasse provado, (o que não aconteceu) que o dinheiro teve como destino as sociedades indicadas, continuaria sem estar justificada a sua origem, de forma a se poder afirmar que tais montantes não constituem rendimentos dos recorrentes sujeitos a tributação e a considerar como não provados os pressupostos para afastar a fixação da matéria colectável por avaliação indirecta, nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT.
Competia, por isso aos recorrentes e não à AT a prova da origem dos movimentos a crédito nas contas identificadas. E só se essa prova fosse efectuada é que poderia ter relevância a comprovação do destino dado a esse dinheiro (permitindo completar, como referido pelos recorrentes, o circuito financeiro do dinheiro)
Do que vem exposto, se retira que a obtenção dos elementos que os recorrentes exigiam da AT, com vista a demonstrar o destino dos referidos imputs não constitui diligência necessária e relevante para a decisão do procedimento, pois nunca implicariam uma decisão diferente da que foi proferida pela Administração Fiscal.
Quanto ao elencado nos pontos ii), em face do exposto, tais elementos cabiam ser carreados para o procedimento pelos recorrentes, dado o ónus da prova lhes pertencer, sob pena de não existir inversão de tal ónus, ao se pretender que a AT diligencie no sentido de obtenção de provas que cabem exclusivamente aos aqui Recorrentes
Em face do exposto não se mostra assim violado o princípio do inquisitório.

Relativamente à violação do princípio da proporcionalidade e da verdade material, apreciou-se na sentença recorrida, como agora se transcreve A este respeito, alegam os recorrentes que a exigência por parte da AT da prova da origem das transações realizadas em numerário configura uma verdadeira “diabolica probatio”, violadora do princípio constitucional da proporcionalidade.
Que dizer?
O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da CRP, como pressuposto material para que se verifique uma restrição legítima de direitos, liberdades e garantias (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da necessidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de “direitos, liberdades e garantias”, que consiste no respeito do “conteúdo essencial” dos respectivos preceitos.
No entanto, os recorrentes não invocam a inconstitucionalidade material do artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT, mas apenas a inconstitucionalidade material da interpretação que a AT terá feito a respeito de tal normativo, ao exigir-lhes uma prova que reputam de “diabólica” ou impossível.
Ora, o que pode e deve ser objeto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa.
Apesar disso, sempre se dirá que, se pretendiam os recorrentes apenas invocar a violação do princípio da proporcionalidade, enquanto princípio do procedimento tributário, previsto no artigo 55.º da LGT, também não se vislumbra que tenha ocorrido tal violação.
A respeito de tal princípio, observam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4.ª Edição, 2012, pág. 448, que ele «obriga a Administração tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir. Assim, os pedidos de colaboração devem ser adequados à satisfação das necessidades do procedimento tributário, o que implica que devam ter em vista o esclarecimento de factos que sejam relevantes para a instrução e decisão do procedimento, que devam respeitar a factos que sejam do conhecimento da pessoa a quem a colaboração é pedida e que não haja forma menos onerosa para obter tal esclarecimento.».
Ora, em nosso ver, a prova exigida pela AT foi tão só a prova legalmente exigida – de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo do património. Doutro modo, a confirmação desse facto seria inacessível à AT, visto que é alheia aos factos pessoais dos recorrentes.
Ademais, e ao contrário do que os recorrentes invocam, tal prova também não constitui “prova diabólica”, porque nem sequer estão em causa factos negativos Mesmo aqui, a orientação maioritária da jurisprudência e doutrina vai no sentido de que o facto negativo não implica uma inversão das regras do ónus da prova, importando quando muito um menor grau de exigência, face ao onerado, no domínio da valoração concreta da prova). mas sim um facto positivo – i.e. a fonte do indiciado acréscimo de património.
Finalmente, e sendo certo que é sobre os recorrentes que impende o encargo de provar os factos (positivos, sublinhe-se) pertinentes à procedência do seu pedido, também não está em causa a exigência de prova objetivamente impossível.
A verdade é que os recorrentes confundem e misturam as situações de ausência de prova (com que estão onerados) com a eventual complexidade ou onerosidade da prova que, a existir, é apenas imputável à sua conduta.
Ademais, note-se que não basta ao contribuinte a criação de mera dúvida sobre a realidade do acréscimo patrimonial injustificado, incumbindo-lhe «comprovar» a realidade dos rendimentos declarados e que é outra a fonte do acréscimo de património (cfr. o artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT).
Em face do exposto, não só a justificação e prova solicitadas pela AT não se mostram desproporcionais, não ocorrendo qualquer violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 55.º da LGT, nem a imposição do referido ónus probatório aos recorrentes se reconduz à impossibilidade objetiva de prova, não beliscando o princípio constitucional da proibição da indefesa, que emana do direito de acesso ao direito e aos tribunais reconhecido no artigo 20.º, n.º 1 da CRP e, no que concerne, em particular, ao contencioso administrativo, da tutela jurisdicional efetiva (artigo 268.º da CRP).
Por outro lado, também não ocorre a alegada violação do princípio da investigação material por parte da AT, pois sendo quem está no domínio da situação, com conhecimento da sua própria realidade económico-financeira, seriam os recorrentes, portanto, quem estava em melhor posição para explicar, com base em factos verosímeis, a sua realidade, o que não fizeram.
Continuamos a concordar com a apreciação feita pela sentença recorrida, pelo que não se vislumbra a violação do princípio da proporcionalidade. Ao decidir como decidiu a sentença recorrida, não incorre em erro de julgamento de direito, pelo que improcede a pretensão da Recorrente.
Soçobram, assim, as conclusões XVI a XLV

II.1.3 Por último invocam os Recorridos a inconstitucionalidade material à luz do artº 20º e 268º, nº 4 da CRP, do artigo 146ºB, nº 2 do CPPT na parte em que estatui o prazo de 10 dias para interposição, pelo contribuinte, de recurso contencioso da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável.
À tramitação do recurso a que se faz referência no nº 7 do artigo 89º A da LGT é aplicável, por determinação do nº 8 do mesmo artigo, o ínsito no artigo 146ºB do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Quer isto dizer que o prazo para a interposição do recurso contencioso da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável, é de 10 dias, nos termos do nº 2 , por remissão do nº 5 do referido 146ºB.
A propósito de questão diversa, apreciou-se no acórdão de 13.03.200, no processo 416/09 do Tribunal Constitucional, em que estava em causa a definição dos requisitos ou pressupostos da legitimidade para recorrer contenciosamente de um acto administrativo, “não sendo o direito de acesso à justiça e aos tribunais um direito absoluto, não existe qualquer contradição entre a garantia constitucional de acesso à justiça e a delimitação pelo direito ordinário dos pressupostos ou requisitos de natureza processual para efectivação dessa garantia”.(destacado nosso)
Também, como referido na sentença recorrida, o Tribunal Constitucional, no acórdão de 27.10.2009, proferido no processo 554/2009, onde se apreciava o nº 7 do artigo 89ºA, quanto à interpretação dada da existência de um único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir contra a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável, esclareceu que “a urgência de um meio processual não é necessariamente desvantajosa para o contribuinte impugnante, pois embora se lhe imponha prazos de actuação mais curtos, assegura-se-lhe em contrapartida, maior celeridade na decisão”.
Concordamos, por isso com a sentença recorrida, quando apreciando a questão suscitada referiu que: ….Acresce que, ao longo desses dois anos e desde o início do procedimento inspetivo, os recorrentes foram sendo notificados de todas as diligências levadas a cabo, das prorrogações que tiveram lugar, mais tendo sido notificados para prestar esclarecimentos e tiveram oportunidade de exercerem o seu direito de audição do projeto do relatório em 25 dias, prazo máximo previsto na lei (após prorrogação decorrente de pedido de elementos efetuado pelos próprios) – cfr. os itens 1) a 13) e 17) a 20) do probatório, não tendo sido surpreendidos com uma qualquer decisão que não fosse expetável e da qual tivessem apenas 10 dias para se defender.
Por outro lado, já nos presentes autos, os recorrentes tiveram oportunidade de apresentar a prova documental que entenderam e ver inquiridas as testemunhas que arrolaram, mais lhes tendo sido concedida a possibilidade de apresentarem alegações escritas, versando sobre a matéria de facto e de direito, em 10 dias, não se vendo que, em momento algum, a tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos tenha sido cerceada.

Falecendo na totalidade as conclusões de recurso, é de se lhe negar provimento, mantendo a sentença na ordem jurídica.

III. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes
Porto, 24 de Janeiro de 2017
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo