Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00575/11.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; PRESCRIÇÃO
Sumário:1 - Se, sem precedência de inquérito ou sindicância, é deduzida nota de culpa em processo disciplinar instaurado contra um funcionário municipal, por infracção que assenta basicamente na mesma factualidade constante de acusação feita pelo MP em processo penal, é de entender que o Município tinha conhecimento relevante da infracção nos termos e para os efeitos previstos no Artigo 6º/2 do ED, ou seja, para optar esclarecidamente entre exercer, ou não, o poder disciplinar e sancionatório por tais factos, desde o dia em que foi notificado da formulação e do teor da sobredita acusação pelos serviços do M.P.
2 - Descendo ao caso concreto verifica-se que os responsáveis do Município tinham conhecimento da infração desde 11-01-2006 e, portanto, assiste razão ao Recorrente ao alegar que há muito estava esgotado o prazo de prescrição de 30 dias estatuído no art. 6º, 2 da Lei 58/2008 (E.D.) quando o processo disciplinar foi finalmente instaurado por deliberação de 23-06-2009, já depois de ter ocorrido a condenação do arguido em processo crime.
3 - Deste modo ocorre a prescrição do direito de instauração do procedimento disciplinar, devendo em consequência ser julgada procedente a acção em que se pede a anulação do acto punitivo.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:EZMFS
Recorrido 1:Munixcípio de VNG
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO

EZMFS, assistente técnico da Câmara Municipal de VNG, veio interpor recurso do acórdão do TAF do Porto que, em reclamação para a conferência, manteve a sentença que julgou improcedente a presente acção administrativa especial, absolvendo o R. - Município de VNG - dos pedidos de anulação do acto punitivo proferido em 17/12/2010 pela Câmara Municipal de VNG (despedimento por facto imputável ao trabalhador) e condenação a retirar do registo biográfico do A. qualquer menção à dita pena disciplinar.

*
Em alegações o RECORRENTE formulou as seguintes conclusões:
EM CONCLUSÃO

1)

a) Como fundamento de facto do incumprimento pelo R. do preceituado nos arts. 54º,1 e 55º, 1 da Lei 58/2008, o recorrente alegou nos arts. 38º a 40º da petição inicial que aquele não tinha cumprido a formalidade de apresentação do processo disciplinar à Comissão de Trabalhadores para que esta emitisse o seu Parecer.

b) A prova de tal matéria resulta directamente do processo administrativo (nada consta), do teor da deliberação punitiva (nada consta a fls.51/52) e do facto de não ter sido objecto de qualquer impugnação. Aliás poder-se-á concluir que o R. confessa tal omissão no art. 10 da sua Contestação (fls.96) na medida que só impugna “… o alcance da formalidade essencial pretendido …”

c) A douta sentença não fez constar tal facto da sua Fundamentação de Facto (fls. 117/127), embora o tenha considerado como provado a fls. 141 e 142.

Assim,

d) Deve tal matéria de facto ser naquela incluída com a seguinte redacção (ou outra semelhante): “19. O R. não apresentou o processo disciplinar à Comissão de Trabalhadores para que esta pudesse emitir o seu Parecer”.

2)

a) A douta sentença considerou como provado a facto de os Serviços do M.P. terem enviado ao R. em 5/01/2006 cópia do despacho de acusação criminal contra o recorrente (ponto 4 a fls. 118), embora viesse a considerar não estar provado que o recorrido tivesse tido dela conhecimento nem se sabendo a data da sua recepção por este (fls.140).

b) Em Reclamação para a Conferência, o Tribunal Colectivo - tendo admitido a certidão emitida pelo R. de fls. 185 - veio a considerar que: “Consequentemente deve entender-se que a Câmara Municipal teve conhecimento do teor dos referidos despachos em virtude de tal ofício” (fls.237) (despachos de arquivamento e acusação criminal).

c) Ao assim ter considerado, reconhecendo expressamente razão ao invocado pelo recorrente, deveria o Tribunal Colectivo procedido ao aditamento de tal matéria como assente. Assim,

d) Deve ser acrescentada tal matéria de facto à Fundamentação de Facto com um novo número e com a seguinte redacção (ou semelhante): “20. O R. recebeu o ofício referido no nº 4 em 11/01/2006 acompanhado da cópia da acusação criminal” OU “20. Dá-se como reproduzido o teor da certidão emitida pelo R. e constante do documento de fls. 185”.

3)

a) O Recorrente invocou a prescrição do procedimento disciplinar prevista no art.6º, 2 da Lei 58/2008 considerando o facto (dado como provado) de o R. ter sido notificado pelos Serviços do M.P. (ofício nº 4988169 de 5/01/2006) do teor do despacho de acusação criminal contra si e só ter instaurado o procedimento por despacho de 23/06/2009 (3 anos e cerca de cinco meses após).

b) Em Reclamação para a Conferencia o Tribunal Colectivo entendeu que assistia razão ao reclamante e considerou que “Consequentemente deve entender-se que a Câmara Municipal teve conhecimento do teor dos referidos despachos em virtude de tal ofício …bem como a circunstância de se considerar que tais cópias foram recebidas…” (a fls. 237).

c) Acresce que pelo teor da certidão emitida pelo recorrido a fls. 185 destes autos o referido ofício do M.P. foi recebido em 11/01/2006 e registado sob o nº 00347.

d) Comparadas a acusação disciplinar (a fls. 18 a 25) e a acusação criminal (a fls. 72 a 81) verifica-se que a primeira É CÓPIA da segunda, contendo os mesmos factos e circunstâncias de tempo, modo e lugar.

e) Pelo supra alegado e provado o Réu teve pleno conhecimento desses mesmos factos e circunstancias acusados disciplinarmente (como reconheceu o Tribunal Colectivo) pela notificação do MP de 5/01/2006 a qual foi recebida em 11/01/2006.

f) É certo, e como bem considerou Tribunal Colectivo e é Jurisprudência pacífica, “… só o conhecimento dos factos e das circunstâncias de que se rodeiam, são susceptíveis de lhe conferir relevância jurídico-disciplinar, releva para efeito da prescrição referida” (fls. 238, Ac TCAN de 19/04/2013, Pº 2339/10.8BEPRT).

g) Como não poderia deixar de ser, a acusação criminal notificada ao R. possuía a discriminação dos factos e as circunstancias em que ocorreram e rodeavam, tanto que o recorrido se limitou a COPIÁ-LOS na sua acusação disciplinar, nada lhes acrescentando.

h) Provado que está que o R. teve conhecimento de tais factos e circunstancias contidos na acusação criminal em 11/01/2006 há muito que estava esgotado o prazo de prescrição de 30 dias estatuído no art. 6º, 2 da Lei 58/2008 (E.D.) quando decidiu instaurar procedimento disciplinar por despacho de 23/06/2009.

i) Ao não ter entendido assim e não ter reconhecido tal prescrição a douta sentença recorrida violou o art. 6º,2 daquela Lei 58/2008.

4)

a) O art. 54º, 4 da Lei 58/2008 obriga a entidade competente para a decisão a apresentar o processo, por cópia integral, à Comissão de Trabalhadores quando esteja em causa a pena de demissão ou despedimento. Mais prescreve que aquela Comissão pode juntar o seu parecer fundamentado em cinco dias.

b) Por outro lado, o art. 55º, nº 1 daquela Lei estabelece que SÓ DEPOIS de junto aquele parecer, ou decorrido aquele prazo para tal, a entidade decisória analisa o processo para a decisão.

c) Tal formalidade é essencial por duas vias: primeiro porque a entidade decisória SÓ PODE decidir depois de ser junto tal parecer ou depois de decorrido o prazo para tal; segundo, porque tal formalidade consubstancia “amplitude da defesa do trabalhador” – como bem considerou a sentença recorrida.

d) Contrariamente ao vertido na douta sentença recorrida, o arguido está impossibilitado de reclamar da omissão do cumprimento de tal formalidade na medida em que a mesma só tem lugar após o Relatório Final e conclusão do processo para decisão, ou seja na fase em que não lhe é permitida qualquer intervenção.

Para mais, quando só tem conhecimento de tal omissão pelo texto da decisão final punitiva ou pela consulta do processo após a decisão.

e) Ao assim não ter considerado e decidido a douta sentença recorrida violou o preceituado nos arts. 37º 1 e 2, 54º, 4 e 55º, 1 da Lei 58/2008.

5)

a) A Notificação dos actos administrativos deve conter obrigatoriamente os elementos essenciais previstos no art. 68º do CPA - entre os quais, o texto integral do acto - e sob pena de se ter inverificado o requisito em causa, desse modo não sendo oponível ao interessado.

b) A “notificação” de 21/12/2010 (doc. 4, de fls. 31) não é uma verdadeira e legal notificação do acto administrativo não contendo qualquer texto (integral ou parcial) daquele acto, não sendo mais do que um ofício, mera notícia, a comunicar a decisão punitiva e, assim, com violação do art. 68º, 1, a) do CPA.

c) Por sofrer de tal ilegalidade, a notificação de 21/12/2010 sofre de vício de ineficácia subjectiva em relação ao recorrente, sendo-lhe inoponível.

d) Considerando que o recorrente só foi notificado da decisão punitiva em 20/1/2011 (e a seu pedido - docs de fls. 48,49,51 e 52 dos autos, já com o texto integral do acto), encontrava-se nesta data prescrito o procedimento disciplinar em face do preceituado no art. 6º, 6 da Lei 58/2008 (mais de 18 meses após instauração - 23/06/2009 - 20/01/2011).

e) Ao assim não ter considerado e decidido, a douta sentença sofre de vício de Erro de Julgamento e violação dos arts. 68º, 1 a) do CPA e 6º, 6 da Lei 58/2008.

6)

a) O teor integral da decisão punitiva (facto assente a fls.125/126) NÃO CONTÉM qualquer mínima fundamentação de facto, quer de forma directa, quer indirectamente por remissão para anterior parecer ou proposta.

b) Possui, unicamente, fundamentação de direito através de uma extensa indicação de artigos, números e alíneas da Lei 58/2008, sem qualquer referência a factos assentes.

c) O art. 125, 1 do CPA exige uma fundamentação do acto que seja EXPRESSA, podendo consistir numa fundamentação PRÓPRIA (1ª parte) ou por remissão através de DECLARAÇÃO (também expressa contextualmente) de concordância com anteriores pareceres ou propostas - aliás como é unanimemente aceite pela nossa Jurisprudência (entre tantos, Ac. STA, 7/09/2011, Pº 0157/11; Ac TCAN de 16/12/2010, Pº 00206/08.4 BEPNF).

d) O teor do acto punitivo NÃO TEM, por qualquer daquelas formas, a mínima fundamentação de facto.

e) O facto de o Relatório Final do instrutor ter sido enviado por si em anexo ao ofício de fls. 31, conjugado com o facto de o acto punitivo nada referir, não constitui fundamentação de facto da decisão.

Nem a mera declaração desse mesmo instrutor que o relatório “…mereceu acolhimento” substitui a declaração de concordância exigida por aquele normativo.

f) Tendo o acto punitivo optado por uma fundamentação de direito PRÓPRIA, declaradamente própria, equivale à sua falta de fundamentação o facto de não estar referida a factos assentes e discriminados (como é Jurisprudência unânime).

g) Sofre, assim, o acto punitivo do vício de falta de fundamentação, tendo a douta sentença, ao não a decidir, cometido erro de julgamento com violação dos arts. 124º,125º,1 e 2 do CPA.

7) Pelos motivos expostos no ponto 6) das Alegações, deve ser alterada a condenação do reclamante em custas contida no douto Acórdão do tribunal Colectivo (fls. 241), mantendo-se a isenção reconhecida e decidida na douta sentença a fls. 154.
*
O RECORRIDO contra-alegou, concluindo:

1. O Recorrido limitar-se-á a pugnar pela manutenção do Julgado e seu fundado, de facto e de direito;

2. Deve, pois, manter-se o Julgado “qua tale”, improcedendo as Conclusões de Recurso.

*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

No acórdão recorrido e em sede de matéria de facto assente o TAF limitou-se a dar por totalmente reproduzida a sentença reclamada, onde a propósito consta o seguinte:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:

1. O Autor é funcionário do Réu, onde exerce funções de assistente técnico (facto assente por acordo).

2. O Autor iniciou funções nos serviços do Réu em 3.11.1970, tendo sido suspenso do exercício das suas funções de 14.9.2000 até 17.01.2005 – cfr. documento a fls. 50 dos autos (processo físico).

3. Em 21 de Dezembro de 2005, foi proferido pelo Digno Magistrado do Ministério Público do Tribunal Judicial de VNG despacho de arquivamento e deduzida acusação nos seguintes termos: “(…) Em processo comum e para julgamento perante Tribunal Colectivo, o ministério Público acusa: EZMFS, casado, técnico-adjunto de construção civil, filho de JCFS e de RJM, natural de C…, VNG, onde reside na Rua…, titular do B.I nº 5…, emitido pelo AI de Lisboa.
(…)

O arguido actuou com o propósito de, como contrapartida do recebimento da quantia de esc. 2 200 000$00, que, como sabia, não lhe era devida, beneficiar ilegitimamente a empresa “Imobiliária C... II, Lda.”, evitando que esta viesse a suportar e a liquidar as taxas municipais (taxa municipal de urbanização e a taxa de licença de construção) efectivamente devidas no âmbito do processo de obras particulares número 18…/99, no montante total de esc. 7 478 124$00 (sete milhões, quatrocentos e setenta e oito mil, cento e vinte e quatro escudos), bem com de causar à Câmara Municipal de VNG um prejuízo patrimonial no valor de esc. 3 333 364$00 (três milhões, trezentos e trinta e três mil, trezentos e sessenta e quatro escudos), o qual só não chegou a verificar-se, efectivamente, por circunstâncias alheias à sua vontade.
(…)
Cometeu, assim, o arguido, em autoria material e em concurso real:
-um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artº 372º, nº 1 do Código Penal, com referência ao art. 386º do mesmo diploma.
-um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº1, nº 1, al. a) e n.º 4 do Código Penal, com referência ao art. 386º do mesmo diploma.
-um crime de subtracção de documento, p.e p. pelo art. 259º, nºs 1 e 2 do Código Penal.
(…)

*
Cumpra o disposto no art. 283º, nº 5 do C.P.P, comunicando também, a presente acusação e arquivamento o Presidente da Câmara Municipal de VNG. (…)” – cfr. certidão a fls. 53 a 83 junta aos autos (processo físico).

4. Pelos Serviços do Ministério Público de VNG, foi remetida à Câmara Municipal de VNG, em 5 de Janeiro de 2005, e pelo ofício n.º 4988169, informação do despacho de arquivamento e dedução de acusação ao Autor - cfr. fls. 84 dos autos (processo físico).

5. Por acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de VNG, em 21 de Maio de 2008, foi proferida a seguinte decisão:
“III- Dispositivo
Pelo exposto acordam os juízes que constituem o colectivo da 2ª Vara Mista deste tribunal em julgar a presente acção penal integralmente procedente e, consequentemente, decidem:
1º- Absolver o arguido da prática do crime de subtracção de documentos de que vinha acusado.
2º- Condenar o arguido EZMFS, como auto material com dolo directo e em concurso efectivo, de um crime de corrupção passiva para falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º1, al. a) e nº 4 com referência ao art. 386, todos do Código penal, na pena única de 3 (três) anos e (dois) meses de prisão a que correspondem as penas parcelares respectivas de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão e 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.
3º-Suspender a execução daquela pena pelo período de 3 (três) anos e 2 (dois) meses com sujeição a regime de prova, nos termos do disposto no artº 50 nº1 e 53 nº3 do C. Penal.
4º-Aplicar ao arguido a pena acessória de proibição do exercício de funções na Câmara Municipal de VNG pelo período de três anos. (…)” – cfr. fls. 5 a 18 do processo administrativo (pa) junto aos autos, e que se dá aqui por integralmente reproduzido

6. Em 4 de Junho de 2009, pelo Gabinete de Apoio do Departamento Municipal de Recursos Humanos, foi registada a entrada n.º 1557, relativa à certidão de acórdão proferido no processo n.º 1511/00.3TAVNG, atinente ao aqui Autor – cfr. fls. 3 a 18 do pa junto aos autos.

7. Por despacho de 23 de Junho de 2009, do Vice-presidente da Câmara Municipal de VNG, determinou-se a instauração de Processo Disciplinar contra o Autor - facto assente por acordo.

8. Em 30 de Junho de 2009, foi iniciado pelo instrutor do Município de VNG, o processo disciplinar instaurado contra o Autor – cfr. fls. 20 do pa junto aos autos.

9. Em 3 de Julho de 2009, foi o Autor notificado, por carta registada com aviso de recepção, nos seguintes termos:

“Notificação

Nos termos e para os efeitos do disposto no artº 49º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 582008, de 2 de Setembro, fica por este meio notificado o Sr. EZMFS (…), para no prazo de 10 dias úteis, a contar do dia seguinte ao do recebimento desta Nota de Culpa, que se junta, podendo, dentro do mesmo prazo, examinar aquele processo disciplinar, que lhe será facultado para o efeito, a qualquer hora de expediente, pelo respectivo Instrutor, ficando ainda esclarecido do que o exame do Processo e a apresentação da Defesa devem ser observadas as disposições dos artigos 51º a 53º daquele Estatuto Disciplinar, designadamente, quanto à entrega do rol de testemunhas, junção de documentos e pedido de diligência que entenda necessário.”

10. Juntamente com a notificação identificada em 9), foi enviada nota de culpa, de onde consta de entre outros elementos, o seguinte: “ (…)

21º
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente dos benefícios que ilegitimamente assim obtinha para si e para a “Imobiliária C..., Lda.”, bem como dos prejuízos que causava à Câmara Municipal de VNG, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
22º
O Município de VNG teve conhecimento dos factos articulados através da notificação da sentença proferida no processo do Proc. 1511/00.3TAVNG, que correu termos pela 2ª Cara de Competência Mista do Tribunal Judicial de VNG na 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de VNG, recepcionada no dia 01 de Junhos de 2009.
23º
O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, tendo perfeito conhecimento de que a sua conduta era censurável e punível por lei.
24º
Com tal comportamento, o arguido violou os seus deveres profissionais, nomeadamente o dever de prossecução do interesse público, isenção, zelo, imparcialidade, informação, zelo, imparcialidade, informação e, lealdade, que está obrigado a observar.
25º
Tal violação constitui infracção disciplinar prevista no artº3º, nºs.1, 2, als. a), b), c), d), e) e g) e definida nos nºs. 3, 4, 5, 6 e 8, com referência às penas contidas no artº. 9º, nº.1, alíneas b) a d), sendo caracterizadas pelos artº. 10º, nºs. 2 a 6, com os efeitos declarados nos artºs. 11 e 12º, punida pelos artºs. 17º e 18º, com pena de suspensão e demissão – todos do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro.
26º
O comportamento do arguido integra, também o crime de corrupção passiva para acto ilícito, p.p. pelo artº. 372º, nº. 1, com referência ao art. 376º e de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artº. 256º nº.1 al. a) e nº. 4 com referência ao artº. 386, todos do Código Penal, pelo qual foi condenado judicialmente. (…)” – cfr. fls. 22 a 30, 34, 37 do pa junto aos autos.

11. O Autor apresentou defesa em 14 de Junho de 2009, invocando a prescrição do procedimento disciplinar - cfr. fls. 39 e 40 do pa junto aos autos.

12. Em 6 de Dezembro de 2010, foi elaborado relatório pelo instrutor do processo disciplinar, onde foram elencados e analisados os argumentos apresentados, descrita a factualidade e de onde consta, de entre outros elementos o seguinte:
“Por despacho proferido pelo Exm.º. Senhor Vice Presidente da Câmara Municipal de VNG, Dr. MAC, em vinte e três de Junho de dois mil e nove, determinou-se a instauração de Processo Disciplinar contra o funcionário EZMFS, ai nomeando instrutor o Dr. JPF. (…).


***

O arguido apresentou a sua defesa, invocando a seu favor o seguinte:

- Que os actos que são assacados ao arguido datam de Agosto/Setembro de 2000;

-Há quase nove anos;

(…)


***

Conforme resulta do artº. 22º da Acusação, “O Município de VNG teve conhecimento dos factos articulados através da notificação da sentença proferida no processo do Proc. 1511/00.3, que correu termos pela 2ª vara de Competência mista do Tribunal Judicial de VNG, recepcionada no dia 01 de Junho de 2009”.

(…)

Importa, entretanto, face à defesa apresentada pelo arguido, reproduzir a acusação que contra si foi formulada:

1º-Nos anos de 1998, 1999 e de 2000, o arguido exercia as funções de técnico-adjunto de construção civil principal do Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de VNG, competindo-lhe, para além de outras, a tarefa de, com base nas áreas da obras particulares cujo licenciamento de construção havia sido requerido naquela edilidade, determinar os montantes da taxa municipal de urbanização e da taxa de licença de construção a cobrar no âmbito desses processos de licenciamento.

2º - Sucede que AJPMC é sócio gerente da firma denominada”Imobiliária C... II, Lda.”, pessoa colectiva número 5... (…)

(…)

8º - Neste contexto, encontrando-se na posse do processo de obras particulares número 18…/99 para proceder à avaliação das referidas taxas municipais, a cobrar pela Câmara Municipal de VNG, em data determinada, mas situada no dia 18 de Agosto de 2000, ou em data próxima, o arguido formulou desígnio de integrar no respectivo património quantia pecuniária que não lhe era devida, procedendo para tal, propositada e intencionalmente, ao cálculo incorrecto dos montantes da taxa municipal de urbanização e da taxa de licença de construção devidas pela “Imobiliária C... II, Lda.”, no âmbito daquele processo de obras particulares.

9º- Assim determinado, o arguido, identificando e referindo a respectiva qualidade profissional de funcionário do Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de VNG, estabeleceu contactos com o engenheiro MLFG, que exercia funções na “Imobiliária C... II, Lda.”, procedendo, nomeadamente, à elaboração e subscrição de projectos de arquitectura.

10º - Nessa sequência, MLFG encontrou-se com o arguido, pela 14.00 horas do dia 10 de Agosto de 2000, nas instalações da Câmara Municipal de VNG numa sala de atendimento ao público localizada junto do Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de VNG, o arguido, munido do processo de obras particulares número 1820/99, que perguntou ao MLFG “se podia estar à vontade com este”.

(…)

Como obtivesse resposta afirmativa, o arguido, analisando o quadro de áreas global do projecto de construção inserto nesse processo, cuja cópia figura a fls. 8 do Proc. 1511/00.3TSVNG, que correu termos pela 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de VNG, sugeriu ao MLFG que fosse elaborado um novo quadro de áreas global, a fim de ser colocado no lugar daquele, no qual o valor de “150 m2” que figurava naquele documento sob o item “área de corpos balançados sobre o domínio público fosse alterado para “0” (zero), para que, por via dessa alteração e substituição, a “Imobiliária C... II, Lda.”, deixasse de pagar uma quantia na ordem dos Esc. 2 500 000$00, a título de taxas municipais que incidiam sobre aquela área de 150m2, verba essa que seria dividida em partes iguais entre a referida empresa e o arguido.

(…)

19º - O arguido actuou com o propósito de, como contrapartida do recebimento da quantia de 2 200 000$00, que, como sabia, não lhe era devida, beneficiar ilegitimamente a empresa “Imobiliária C... II, Lda.”, evitando que esta viesse a suportar e a liquidara as taxas municipais (taxa municipal de urbanização e a taxa de licença de construção) efectivamente devidas no âmbito do processo de obras particulares número 1820/99, no montante total de, pelo menos, 7.348.341$00 ( sete milhões, trezentos e quarenta e oito mil trezentos e quarenta e um escudos), bem como causar á Câmara Municipal de VNG um prejuízo patrimonial no valor de, pelo menos,, 3.202.581$00 (três milhões, duzentos e dois mil quinhentos e oitenta e um escudos), o qual só não chegou a verificar-se, efectivamente, por circunstâncias alheias à sua vontade.

20º- Para concretizar os referidos intentos, mediante o recebimento da referida compensação económica, o arguido, como queira, alterou e subtraiu documentos integrado no processo de obras particulares número 1820/99, fazendo constar desse processo público factos que sabia não corresponderem à verdade.

21º - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente dos benefícios que ilegitimamente assim obtinha para si e para a “Imobiliária C... II, Lda.”, bem como dos prejuízos que causava à Câmara Municipal de VNG, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(…)

Voltemos ao essencial da defesa formulada pelo arguido:

(…)

Parece, por isso, que assistiria razão ao arguido quanto à invocada prescrição, se nos limitássemos a fazer aplicação do disposto no nº. 1 do artº. 4 do DL 24/84 de 16 de Janeiro.

(…)

Daí que, ao arguido assista razão no que diz respeito aos factos integradores do crime de falsificação de documento, simultaneamente considerados como ilícito disciplinar, já que o prazo de procedimento criminal já precludira no momento da notificação da sentença ao Município de VNG.

Consideramos provados os seguintes factos:

(…)

Subsistem contudo, todos os factos integradores do crime de corrupção passiva para acto ilícito, p.p. pelo artº. 372º, nº. 1, com referência ao art. 376º, ambos do código penal, pelo qual foi condenado judicialmente.

(…)

O procedimento disciplinar foi, por isso, tempestivamente instaurado, dado que ainda não havia decorrido o prazo prescricional previsto na lei.


***

Não ocorre qualquer circunstância atenuante nem mitigadora da culpa, que nos aconselhe a propor a aplicação da pena imediatamente anterior ao despedimento.

(…)

Em face do exposto, considerando o grau de culpa, a inexistência de circunstâncias atenuantes, a prática de infracções que inviabilizam a manutenção da relação funcional, propondo que ao arguido seja aplicada a pena de DESPEDIMENTO por facto imputável ao trabalhador, nos termos das al. c), j), m) e o) do nº. 1 do artº. 18º, por violação dos deveres a que alude o artº. 3º, nºs. 1, 2, als. a), b), c), d), e g) e definidos nos nºs. 3,4,5,6 e 8, com referência à pena contida no artº. 9º, nº1, alínea d), sendo caracterizada pelo artº. 10º, nº6, com os efeitos declarados nos artºs. 11º nº.4 e 12º, todos do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro” – cfr. 52 a 67 do pa junto as autos.

13. Em 21 de Dezembro de 2010 foi emitido mandado de notificação nos seguintes termos:
DRª VENERANDA DE LBC, Vereadora Adjunta do Vice-Presidente deste município, no uso das competências delegadas pelo Exmº. Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de VNG, por despacho nº 77/VP/2009, de 13 de Novembro-------------------------------

Mando ao (à) funcionário (a) do Serviço de Policia Municipal, que vendo este por mim assinado e em seu cumprimento notifique: EZMFS

Rua …, – C…

Do teor do ofício com a Ref: 00028978, datado de 2010/12/21, emanado da Direcção Municipal de Administração e Finanças, bem como folhas 52 a 67 do Relatório, cujos originais se anexam para lhe ser entregue no acto da notificação.

(…)” – cfr. fls. 74 do pa junto aos autos.

14. Em 21 de Dezembro de 2010, o Autor foi notificado pessoalmente, nos seguintes termos: “EMVMS, certifica que nesta data notificou pessoalmente o(a) Sr. (a) EZMFS de todo o conteúdo do Mandado retro que lhe leu em voz alta e explicou em pormenor, tendo o(a) mesmo(a) de todo ficado bem ciente e, entregou-lhe ainda, fotocópia do mesmo servindo de nota, pelo que, de como recebeu, vai assinar” - cfr. fls. 73 a 75 do pa junto aos autos.

15. Anexo ao mandado de notificação, foi entregue ao Autor o ofício n.º 00028978, de 21 de Dezembro de 2010, com o seguinte teor:

“Exm.º Senhor

Nos termos do artº.57º, nº.1 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, fica devidamente notificado da Decisão proferida pela Câmara Municipal de VNG, no processo disciplinar que lhe foi instaurado, em reunião ocorrida no dia 17 de Dezembro de 2010, que se consubstancia na aplicação da pena de Despedimento por facto imputável ao trabalhador, juntando-se simultaneamente, o Relatório elaborado pelo instrutor, que mereceu acolhimento.” - cfr. fls. 71do pa junto aos autos

16. Em 13 de Janeiro de 2011, o Autor dirigiu requerimento ao Município de VNG, requerendo notificação adicional de elementos que considerava em falta – cfr. fls. 15 e 16 dos pa junto aos autos.

17. Pelo ofício n.º 00001826, de 20 de Janeiro de 2011, o Município de VNG, procedeu à notificação do aqui Autor, com o seguinte teor:
“Em resposta ao requerimento de V. exª, datado de 13 de Janeiro de 2011 e registado nesta Autarquia sob o nº 313, informamos o seguinte: Ao contrário do invocado no seu requerimento supramencionado esta Câmara, através do mandado de 21 de Dezembro de 2011, notificou-o do seu ofício nº 00028978, onde lhe foi comunicada a sua deliberação de 17 de Dezembro último que decidiu aplicar-lhe a pena de despedimento, acompanhado de cópia do relatório final do processo disciplinar instaurado.

Não obstante ter sido devidamente notificado, vimos informar V. Ex.ª, na sequência do solicitado naquele requerimento supra, que a deliberação da Câmara Municipal, tomada na sua reunião de 17 de Dezembro de 2010, é do seguinte teor: “Deliberado por UNANIMIDADE, precedido de votação secreta, aprovar a aplicação da PENA DE DESPEDIMENTO nos termos das alíneas c), j), m) e o) do nº 1 do art. 18º, por violação dos deveres a que alude o art. 3º, n,ºs 1 e 2, alíneas a), b), c),d), e) e g) e definidos nos nºs 3, 4, 5, 6 e 8, com referência à pena contida no artº 9º, n.º 1, alínea d), sendo caracterizada pelo art. 10, n.º 6, com os efeitos declarados nos artºs 11º n.º 4 e 12, todos do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro”.
Mais informamos que estiveram presentes nessa reunião e aí votaram, por escrutínio secreto, os seguintes membros da Câmara: (…)” – cfr. fls. 10 a 12 do pa junto aos autos.

18. Em 18 de Fevereiro de 2011 foi intentada a presente acção de acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos – cfr. fls. 1 dos autos (processo físico).

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DE DIREITO

As questões a resolver correspondem aos erros de julgamento de facto e de direito que o Recorrente imputa ao acórdão recorrido com reflexo nas conclusões formuladas.

Impugnação da matéria de facto assente

Nas conclusões 1 e 2 o Recorrente, ao abrigo do Artigo 685º-B do CPC (versão aplicável) alega factos que entende terem sido indevidamente omitidos na fundamentação de facto e pretende o seu aditamento.

Na conclusão 1 entende que deve aditar-se o seguinte, com esta ou semelhante redação: “19. O R. não apresentou o processo disciplinar à Comissão de Trabalhadores para que esta pudesse emitir o seu Parecer”.

Na realidade, uma das causas de anulação do acto punitivo invocadas pelo Recorrente (cfr. artigos 38º-40º da PI) reside na preterição no processo disciplinar da formalidade legal prevista no artigo 54º/4º do ED aprovado pela Lei 58/2008 de 9 de Setembro, que, no que interessa, dispõe que quando seja proposta a aplicação das penas de demissão, de despedimento por facto imputável ao trabalhador, a entidade competente para a decisão apresenta o processo, por cópia integral, à comissão de trabalhadores que pode, no prazo de cinco dias, juntar o seu parecer fundamentado.

Perante isto, no artigo 10º da sua contestação o Réu limita-se a discordar do alcance jurídico retirado pelo Recorrente da preterição de tal formalidade.

E, na sentença, assim como reflexamente no acórdão, a atenção do TAF incidiu apenas, igualmente, sobre as consequências jurídicas da preterição de tal formalidade, ao sustentar que não se trata de uma formalidade essencial, ou nulidade insuprível na terminologia do Artigo 37º/1 do ED, antes de mera irregularidade que ficaria suprida por não reclamada pelo arguido até à decisão final do processo disciplinar, nos termos do nº2 da mesma disposição do ED.

Em suma, havendo como há consenso total sobre a preterição dessa formalidade (e discutindo-se apenas a sua qualificação como suprível ou insuprível, nos termos da referida norma) não se vê sentido útil em aditar o facto negativo subjacente.

Na conclusão 2 sustenta o Recorrente que deve ser acrescentado à Fundamentação de Facto um novo número com a seguinte redação (ou semelhante): “20. O R. recebeu o ofício referido no nº 4 em 11/01/2006 acompanhado da cópia da acusação criminal” OU “20. Dá-se como reproduzido o teor da certidão emitida pelo R. e constante do documento de fls. 185”.

O aditamento deste facto implica que se decida previamente pela admissibilidade do documento superveniente à sentença junto a fls. 185, decisão que o TAF não enfrentou, pelo menos de forma explícita.

Na verdade depara-se apenas no acórdão com uma reponderação da relevância jurídica da matéria do ponto 4 da matéria de facto, cujo conteúdo é (relembre-se):
Pelos Serviços do Ministério Público de VNG, foi remetida à Câmara Municipal de VNG, em 5 de Janeiro de 2005, e pelo ofício n.º 4988169, informação do despacho de arquivamento e dedução de acusação ao Autor - cfr. fls. 84 dos autos (processo físico).
Diversamente do que alega o Recorrente, tal reponderação não entroncou, pelo menos explicitamente, na análise do documento junto a fls. 185. Pelo contrário, o Colectivo do TAF desvalorizou este documento, que considerou irrelevante por redundância, ao tratar-se de mera certidão comprovativa da “matéria cristalizada no probatório da sentença reclamada, concretamente no ponto 4 do mesmo”, referindo ainda expressivamente que «examinado o teor de fls. 84 dos autos, verifica-se que o documento em causa é, precisamente, aquele que é vertido na certidão que o reclamante junta em sede de reclamação para esta Conferência».
O que sucedeu foi que, em Conferência, o TAF abandonou as reservas expressas na sentença sobre o efectivo recebimento pelo Município do ofício remetido pelos Serviços do Ministério Público e sobre o seu acompanhamento, ou não, pelas cópias dos actos processuais mencionados (despacho de arquivamento e dedução de acusação). Neste sentido lê-se no acórdão:
«Realmente, melhor ponderada a factualidade, a que acresce a circunstância de ser prática corrente - para além de dever legal - os ofícios expedidos pelos Serviços Judiciais serem efectivamente acompanhados de cópia dos actos processuais, principalmente nas situações em que tal é expressamente mencionado, não podemos deixar de propender no sentido de que tais cópias dos despachos de arquivamento e acusação acompanharam o sobredito ofício. Consequentemente, deve entender-se que a Câmara Municipal teve conhecimento do teor dos referidos despachos em virtude de tal ofício.»
E assim, neste particular, o TAF em conferência veio ao encontro da tese do Recorrente, satisfazendo o essencial do objectivo que este intentava com a certidão a fls. 185.
No entanto, a certidão em causa transporta algo de novo relevante para o conhecimento da questão da prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar, que é a certificação da data em que efectivamente o ofício em causa deu entrada nos serviços camarários, ou seja, em 11-01-2006, data posterior à mencionada no próprio ofício (05-01-2006).
Ora, este elemento é importante na determinação do “dies a quo” do prazo de prescrição da instauração do procedimento disciplinar previsto no artigo 6º/2 do ED, podendo seguramente dizer-se que a junção da certidão de fls. 185 se tornou necessária perante o julgamento proferido em 1ª instância e as dúvidas aí suscitadas sobre o efectivo recebimento nos serviços camarários de tal ofício, sendo razoável que o Autor pudesse alimentar fundadas expectativas sobre a injustificabilidade de tais dúvidas (como, aliás, veio a ficar demonstrado na reponderação feita em conferência pelo TAF).
Assim, ao abrigo do Artigo 693º-B do CPC admite-se a junção da certidão de fls. 185.
E esta junção implica a necessidade de reformular o ponto 4 da matéria de facto assente, de modo a comportar o anunciado novo elemento factual, ou seja, no mínimo, a data de entrada do ofício nos serviços da Câmara, visto que o facto de tal ofício ser acompanhado pelas cópias das peças dos autos de inquérito, da autoria do MP, foi admitido pelo TAF, como se disse, em sede de reclamação para a conferência e em face do pré-existente documento a fls. 84.
Deste modo, julgando procedente a conclusão 2 do Recorrente, reformula-se o ponto 4 da matéria da Fundamentação de Facto, nos seguintes termos:
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4. Pelos Serviços do Ministério Público de VNG foi remetida à Câmara Municipal de VNG, em 5 de Janeiro de 2005, pelo ofício n.º 4988169, que deu entrada na Repartição de Expediente Geral daquela Câmara no dia 11 de Janeiro de 2006, informação do despacho de arquivamento e dedução de acusação ao Autor - cfr. certidão a fls. 185 dos autos (processo físico).

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Quanto aos pretensos erros de direito
A primeira questão a apreciar neste capítulo é a prescrição do procedimento disciplinar prevista no Artigo 6º/2 do ED, acomodada nas diversas alíneas da conclusão 3 do Recorrente.
Viu-se que o TAF, em Conferência, admitiu que a Câmara Municipal de V. N. de Gaia, por via de ofício expedido pelos serviços do MP teve conhecimento do teor do despacho de acusação deduzido relativamente aos factos pelos quais veio a ser instaurado o processo disciplinar em causa.
Mas considerou ainda, todavia, que “a formulação desta asserção não é bastante para inverter a decisão de improcedência quanto à prescrição do procedimento disciplinar”, desenvolvendo essa ideia no seguinte trecho do discurso fundamentador do acórdão recorrido:
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«É que a circunstância de se considerar que as cópias dos despachos de arquivamento e acusação acompanharam a notificação expedida em 05/01/2006, bem como a circunstância de se considerar que tais cópias foram recebidas pelos Serviços da Câmara Municipal de VNG, não bastam para concluir que o acesso ao teor de tais despachos configura “o conhecimento da infracção” pelo superior hierárquico, marcando o momento a partir do qual o referido superior hierárquico se encontra em condições de determinar a abertura e início do procedimento disciplinar.
É de destacar que, neste domínio, impõe-se que o superior hierárquico, para além de dever estar na posse dos factos na sua materialidade, deve possuir um conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, de modo a poder efectuar uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder sancionador. Por isso, tal conhecimento do dirigente máximo do serviço produtor de efeitos em termos do operar da prescrição reporta-se à “falta” e não aos “factos”, o que quer significar que só o conhecimento dos factos e das circunstâncias de que se rodeiam, suscetíveis de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, releva para efeito da prescrição referida. (cfr. veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 19/04/2013, no processo 2339/10.8BEPRT).

No caso versado, é inequívoco que os serviços da Câmara Municipal, com a recepção da cópia dos despachos que acompanharam o ofício expedido em 05/01/2006, acederam a um conjunto de factos verdadeiramente importante, factos esses que até já tinham passado pelo relevante crivo do inquérito crime, mostrando-se indiciada a prática do mesmo.

Porém, a natureza dos factos e, principalmente, a demonstração da prática efectiva dos mesmos, encerravam sérias dificuldades, dado implicarem a prestação de depoimentos de terceiros relativos aos serviços do R., assentando, essencialmente nos mesmos. Adicionalmente, os factos em questão, envolviam ainda o conluio de terceiros, materializando-se precisamente na revelação deste conluio, mais uma vez, por terceiros relativamente aos serviços do R.. Por outra banda, assinale-se que ao dispor do reclamado existia, somente, processos administrativos, cuja demonstração de adulteração implicava, igualmente, a confissão de terceiros em face do serviço do R..

Ora, assim sendo, é de assumir que, apesar do acesso ao relato dos factos realizado no despacho de acusação, e sopesando a delicadeza e a ambiguidade de tal factualidade, o reclamado não se encontrava na posse de todos os elementos circunstanciais, nem de elementos suficientemente convincentes para determinar a utilização do poder sancionatório sobre o reclamante.

Do que vem de se explanar decorre, portanto, que é nosso entendimento que o agora reclamado apenas teve conhecimento de todos os elementos integradores da infracção com a notificação do Acórdão que condenou criminalmente o reclamante, notificação essa que se efectivou em 04/06/2009 (cfr. pontos 6 e 7 do probatório).

O que quer significar que, na data em que foi proferido o despacho que ordenou a instauração de procedimento disciplinar ao reclamante - 23/06/2009 - ainda se encontrava em curso o prazo descrito no art.º 6º, n.º 2 do ED.

Do que fica assente, decorre, logicamente, que não ocorre qualquer prescrição, quer porque a data do conhecimento relevante da infracção é a de 04/06/2009, quer porque a notificação da decisão punitiva ao reclamante se deve ter como sucedida em 21/12/2010 - por inerência lógico-jurídica do explanado antecedentemente a propósito dos pontos I) e II) das conclusões apresentadas pelo reclamante.»


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Por comodidade de análise transcreve-se na totalidade a pertinente disposição do ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS (doravante, ED) aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro:

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«Artigo 6.º

Prescrição do procedimento disciplinar

1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida.

2 - Prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.

3 - Quando o facto qualificado como infracção disciplinar seja também considerado infracção penal, aplicam-se ao direito de instaurar procedimento disciplinar os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal.

4 - Suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infracções por que seja responsável.

5 - A suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente:

a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;

b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à recepção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e

c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.

7 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.

8 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.»


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A modalidade de prescrição que agora interessa é apenas a “prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, que, em rigor, assume a natureza de prazo de caducidade do exercício desse direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do facto gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respetivo processo” (neste sentido, cfr. Acórdão do STA, de 19-09-2013, 16/13.7YFLSB.S1).

Embora mais adiante, na conclusão 5, se invoque também a prescrição do procedimento disciplinar prevista no Artigo 6º/6 do ED, trata-se de questão diferente - a prescrição de procedimento disciplinar depois de regularmente instaurado, por extinção do “jus puniendi”.

No domínio da prescrição do direito a instaurar o procedimento afasta-se ainda da nossa cogitação a modalidade prevista no Artigo 6º/1/3 ED, cujo prazo se conta a partir da data em que a infracção foi cometida, uma vez que tal como se decidiu na sentença do TAF sem impugnação relevante, in casu, atenta a natureza simultaneamente penal e disciplinar da infracção esse prazo seria de 10 anos, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 372º/1 e 118º/1/b), ambos do C. Penal e, portanto, seguramente não se teria esgotado.

Enfim, a questão em análise concentra-se na modalidade de prescrição prevista no Artigo 6º/2 do ED, invocada na conclusão 3 do Recorrente.


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Analisando a racionalidade e evolução deste instituto à luz da antecedente e similar norma do Artigo 4º/2 do ED revogado, aprovado pelo DL 24/84, de 16 de Janeiro, dizia-se no Parecer do PGR nº 123/87 (transcrito por Manuel Leal-Henriques in Procedimento Disciplinar, Rei dos Livros, 3ª edição) que a justificação deste regime radicava “no interesse público da regularidade e eficiência dos serviços e no dever imposto à hierarquia para intervir com rapidez e oportunidade a fim de remover quaisquer obstáculos àquele funcionamento regular e eficaz”.

“Deste modo” - prosseguia o texto citado - “cometida uma falta integradora de infracção disciplinar é exigível, até pela dinâmica, prestígio e confiança de que os mesmos serviços devem revestir-se, que a respectiva hierarquia, conhecedora dessa falta, actue sem delongas relativamente ao infractor, definindo claramente a responsabilidade deste e punindo-o…”

Para mais adiante, depois de algum desenvolvimento do tema, concluir de forma lapidar:

“Deste modo é inteiramente justificado que a lei imponha à hierarquia (…) o dever de, uma vez conhecida a falta de um subordinado, definir em curto prazo a sua posição em termos de instaurar ou não o respectivo procedimento disciplinar, entendendo-se que a sua inércia nesse prazo significa o seu desinteresse pela falta, quer pela irrelevância desta, quer pela inoportunidade em a perseguir, e conduz à cessação do direito de instaurar o procedimento disciplinar com a consequente manutenção da situação do agente prevaricador”.

Toda esta ratio continua presente e operante no actual ED - Artigo 6º/2 – até de forma mais exacerbada, na medida em que o dito prazo de prescrição já reputadamente “curto” foi ainda significativamente encurtado de “3 meses” para “30 dias”.

Tanto na vigência do ED revogado como certamente em face do ED actual, a doutrina e a jurisprudência entendiam de forma unânime - e continuam a entender - que esta prescrição “não se reportava ao momento do mero conhecimento da materialidade dos factos integrantes da falta disciplinar, mas ao momento em que o superior hierárquico tem conhecimento desses factos, em termos de os poder valorar como ilícitos disciplinares” (Ac. do STA de 04-04-1989, BMJ 386, 278, apud op. citada).

Em tese geral o acórdão recorrido insere-se nesta linha, ficando o debate concentrado na determinação do meio e do momento em que ocorreu aquele qualificado conhecimento da infracção pelo órgão disciplinarmente responsável.

Perante a factualidade apurada e a fundamentação do acórdão recorrido é desde logo possível estabelecer que, na sua materialidade, os factos constitutivos da infração em que assentou a punição do Recorrente chegaram ao conhecimento do Município com a recepção do ofício expedido pelos Serviços do MP, consignado no documento de fls. 185, ou seja no dia 11-01-2006.
Naturalmente que o “conhecimento” da infração pelos responsáveis disciplinares apela novamente a uma valoração jurídica, significando, sinteticamente, a circunstância de terem à sua disposição os documentos indiciantes necessários e não o facto material da sua efectiva leitura, sob pena de, a admitir-se a última hipótese, se lhes facultar ad libitum (e ad absurdum) o poder de determinar o termo inicial do prazo de prescrição.
Nem podem, por outro lado, opor a terceiros as delongas inerentes à organização burocrática dos serviços pelos quais são responsáveis.
No caso este tipo de obstáculos que se jogam em prazos curtos nem sequer tem qualquer protagonismo, perante o facto esmagador de o procedimento disciplinar só ter sido instaurado sensivelmente 3 anos e meio após a recepção pelos serviços municipais da Acusação deduzida em juízo pelo MP contra o ora Recorrente, em 23-06-2009 (cfr. 7 da matéria de facto).
E, assim, o cerne do problema limita-se à dúvida sobre se o conhecimento da referida acusação deduzida pelo MP constituiria ou não o conhecimento “qualificado” da infracção, em termos de relevância para marcar o “dies a quo” do prazo prescricional do direito à instauração do processo disciplinar.
Propende-se para a resposta afirmativa e entende-se ser errado o julgamento feito em 1ª instância.
Desde logo, em abstracto, é de presumir que os dirigentes a quem a Lei atribui competência legal para exercer o poder disciplinar são igualmente dotados de “competência técnica” adequada para exercer essa função e, designadamente, para detectar o potencial disciplinar dos factos praticados pelos subalternos que lhes são noticiados. Para mais num dos grandes municípios do país, como o de V. N. Gaia, que seguramente disporá de um departamento jurídico e/ou assessoria jurídica e contenciosa permanente.
Depois, descendo ao caso concreto verifica-se que o conhecimento dos factos pelo Município, materializado em 11-01-2006, preenchia as condições necessárias para relevar como “conhecimento da infracção” nos termos do Artigo 6º/2 do ED.
Na síntese feita no Acórdão deste TCAN de 19-04-2013, citado no acórdão do TAF em crise, «tal conhecimento do dirigente máximo do serviço produtor de efeitos em termos do operar da prescrição reporta-se à “falta” e não aos “factos”, o que quer significar que só o conhecimento dos factos e das circunstâncias de que se rodeiam, suscetíveis de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, releva para efeito da prescrição referida
E, louvando-se nesta visão das coisas, o TAF considerou que “apesar do acesso ao relato dos factos realizado no despacho de acusação, e sopesando a delicadeza e a ambiguidade de tal factualidade, o reclamado não se encontrava na posse de todos os elementos circunstanciais, nem de elementos suficientemente convincentes para determinar a utilização do poder sancionatório sobre o reclamante.”

Ora, perante a exuberância e clareza dos elementos documentais postos à disposição da C.M. de V. N. Gaia, a falada “delicadeza e ambiguidade de tal factualidade” retratará apenas, com alguma boa vontade, a dificuldade de prova que é característica imanente nos tipos de infracção em causa (principalmente quanto à corrupção passiva), não se vendo a que mais esclarecimentos o Recorrido poderia aspirar e de que meio os poderia obter, que superassem a minuciosa e exaustiva recolha de indícios, a precisa exposição dos factos indiciados, a descrição do modus operandi, a revelação dos benefícios ilicitamente obtidos, enfim, a proficiente valoração jurídica dos factos e da conduta do arguido levada a cabo na acusação e no despacho de arquivamento formulados pelo MP, que nessas tarefas escalpelizou, nomeadamente, toda a documentação referente ao processo de licenciamento de obras n.º 1820/99 da C. M. de V. N. Gaia que está em causa no processo disciplinar, assim como a intervenção nele do Recorrente.

Na mesma linha quanto às mencionadas e sopesadas dificuldades da “demonstração da prática” dos factos imputáveis ao arguido e terceiros, trata-se ainda da problemática de prova, pertinente à instrução do processo disciplinar e, portanto, situada a jusante, logo estranha, ao “conhecimento da infracção” para efeitos de escolha entre instaurar o processo disciplinar ou renunciar ao direito de o fazer.

Obviamente que tais factos teriam ainda que ser observados à luz, diferente, do direito disciplinar, pelo prisma da violação dos deveres gerais ou especiais inerentes ao cargo exercido pelo arguido e das penas aplicáveis nos termos do ED, mas isto é uma tarefa básica em qualquer situação com relevância disciplinar que não merece destaque especial nem pode normalmente impedir a marcha do prazo de prescrição para instauração do competente procedimento.

E se apesar do notável desbravamento da matéria feita pelo MP ainda persistissem na mente dos responsáveis pelo exercício do poder disciplinar fundadas dúvidas sobre a natureza e autoria da infracção, poderiam ter ordenado a realização de um inquérito ou sindicância aos serviços (cfr. artigo 66º ED), o que, além de outros méritos, permitiria suspender o prazo de prescrição da instauração do processo disciplinar durante 6 meses (cfr. Artigo 6º/4 ED) e facultar-lhes algum tempo extra de ponderação.

De resto o inquérito em processo penal “compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação” (Artigo 262º CPP) e a efectiva dedução da acusação significa que durante o inquérito foram “recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente” (Artigo 283º CPP), tarefas que, repete-se, foram exemplarmente levadas a cabo pelo MP.
Ora, o facto de a Nota de Culpa ter sido decalcada daquela Acusação que estava na posse do Município há mais de 3 anos, significa que afinal não havia mais nada a averiguar em inquérito disciplinar. Quando o processo disciplinar foi finalmente instaurado a única evolução a registar era a condenação do Recorrente no processo criminal, circunstância obviamente alheia ao conhecimento da infração disciplinar que, nos termos e para os efeitos do Artigo 6º/2 do ED, se constrói com independência das vicissitudes do julgamento penal, tendo em conta a reconhecida autonomia do procedimento disciplinar relativamente ao processo penal. O que de forma alguma invalida a relevância da acusação penal (in casu evidente), como fonte informativa e de conhecimento da infração para fins de instauração do processo disciplinar.
Em suma, a Câmara Municipal de V. N. de Gaia tinha conhecimento da infração desde 11-01-2006 e, portanto, assiste razão ao Recorrente ao alegar que há muito estava esgotado o prazo de prescrição de 30 dias estatuído no art. 6º, 2 da Lei 58/2008 (E.D.) quando o processo disciplinar foi instaurado por deliberação de 23-06-2009.
Este “pecado original” contamina todo o processo disciplinar, incluindo a decisão final, ou seja, o acto punitivo impugnado, o qual deve por isso ser anulado.
Ao decidir em contrário, o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento donde resulta violado o referido artigo 6º/2 do ED e não pode manter-se.
Considera-se prejudicado e inútil o conhecimento das demais questões.
Naturalmente que o Recorrido deverá retirar todas as consequências jurídicas da anulação do acto punitivo, nomeadamente em sede de registo disciplinar do Recorrente.

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DECISÃO
Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido, julgar a acção procedente e anular o acto punitivo constante da deliberação da CM de VN de Gaia de 17-12-2010.
Custas pelo Recorrido.
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Porto, 17 de Abril de 2015
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro