Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00636/06.6BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2007
Relator:Dulce Neto
Descritores:AVALIAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL POR MÉTODO INDIRECTO – ART. 89º-A LGT
Sumário:1. As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC são os pontos relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções, pelo que a omissão de pronúncia só exista quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão e não quando deixe de apreciar (ou aprecie mal) quaisquer elementos probatórios que poderiam evidenciar determinado facto alegado no âmbito de determinada questão, casos em que apenas poderá haver erro de julgamento.
2. Com o aditamento à LGT da alínea d) do art. 75º e do art. 89º-A, efectuado pela Lei nº 30-G/2000, de 29.12, foi excluída a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes em todos aqueles casos em que os rendimentos declarados para efeitos de IRS se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna, permitindo-se à AT proceder, nesses casos, à avaliação indirecta da matéria tributável, a menos que o sujeito passivo prove que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar essas manifestações de fortuna é outra.
3. Assim, e por força do disposto no nº 4 do art. 89º-A da LGT, se o sujeito passivo não fizer essa prova perante a AT, esta tem de considerar como rendimento tributável o rendimento padrão apurado nos termos da tabela inserta naquele preceito, a menos que existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art. 90º da LGT, que permitam à AT fixar rendimento superior.
4. Todavia, o facto de o sujeito passivo não ter conseguido obstar ao procedimento de fixação, por não ter apresentado perante a AT prova suficiente para a convencer de que correspondiam à realidade os rendimentos declarados e de que era outra a fonte de fortuna evidenciada, não obsta a que essa prova seja feita perante o Tribunal, no recurso judicial da decisão que fixou o rendimento por métodos indirectos, pela demonstração de que os rendimentos necessários à aquisição das fracções teve por fonte, nomeadamente, herança, doação ou outros rendimentos que ela não está obrigada a declarar, a mobilização de capital próprio ou o recurso ao crédito.
5. E essa prova tanto pode ser feita através de elementos probatórios oferecidos pela própria interessada, como pode ser feita pela AT, sabido que esta deve, no âmbito da descoberta da verdade material, providenciar, oficiosamente, pela junção de todos os elementos de que disponha com interesse para a decisão da causa, designadamente aqueles que tenham sido expressamente evocados pela recorrente.
6. Por outro lado, o próprio Tribunal pode e deve diligenciar (oficiosamente, a requerimento, ou por sugestão das partes) pela obtenção de todos os elementos probatórios que revelem ter interesse para a boa decisão da causa, poder que dimana ou provém do princípio do inquisitório que vigora, como princípio estruturante, no processo judicial tributário, e que significa que o Juiz não só pode, como deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade, designadamente o de ordenar a junção de todos os documentos necessários para a apreciação das questões postas no processo, princípio esse que hoje tem consagração expressa no art. 99º da LGT e no art. 13º do CPPT.
7. Não se encontrando clarificada, por terem sido omitidas diligências probatórias relevantes, a questão da fonte dos rendimentos que permitiram à recorrente adquirir em 2003 três fracções de prédios para habitação, deve a sentença ser anulada e o processo remetido ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no art. 712º do CPC, aplicável por força dos arts. 749º do mesmo diploma e do art. 281º do CPPT.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Maria Augusta , com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra que negou parcial provimento ao recurso judicial da decisão do Senhor Director Geral dos Impostos, datada de 30/06/2006, que fixou o seu rendimento colectável por métodos indirectos, para efeitos de IRS, a enquadrar na Categoria G dos anos de 2003 e 2004, no montante de 61.552,00 € para cada um desses períodos
Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não considerou como provados factos cuja prova seria demasiado onerosa para a recorrente, mas que se encontram no seio e são do conhecimento da Administração Fiscal;
B Dos factos levados ao conhecimento do Tribunal, o Meritíssimo Juiz não fez deles a competente valoração;
C Desse modo incorrendo em erro sobre a apreciação da prova;
D Contrariamente ao decidido, a recorrente efectuou prova suficiente da origem dos meios financeiros que lhe possibilitaram a compra em causa;
E O Meritíssimo Juiz incorreu em falta de pronúncia sobre um facto relevante para a decisão final, o que constitui nulidade da sentença nos termos do disposto nos artigos 125° do CPPT e 668°, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 2°, al. e) do CPPT;
F Ao decidir como decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra concorreu para a violação dos princípios da tributação de rendimentos reais, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação, da descoberta da verdade material, entre outros.
Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento que se requer, deve a sempre mui douta sentença ora recorrida ser revogada, com a consequente anulação do acto de fixação de rendimento tributável para o ano de 2003, por se considerar ter a recorrente comprovado a realidade dos rendimentos declarados naquele ano e assim afastado a presunção estabelecida no art. 89º-A, da LGT, pois só assim, Vossas Excelências farão a costumada Justiça.
* * *

O recorrido apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado e que concluiu do seguinte modo:
A. Em 17 de Dezembro de 2003 a Recorrente Jurisdicional comprou imóveis por valor superior a 250.000,00 €, sem que, relativamente a esse ano, tenha apresentado rendimentos superiores a metade do rendimento-padrão calculado de acordo com o disposto no art. 89°-A da LGT, pois declarou como rendimentos para efeitos de IRS nesse ano o valor de 22.165, 73 €.
B. Apesar de, ao nível do procedimento administrativo, a Recorrente Jurisdicional se ter pronunciado e de ter tido possibilidade de demonstrar as suas afirmações, o certo é que:
- Não foi possível apurar com exactidão a origem dos meios financeiros utilizados para a compra dos imóveis em causa;
- O facto de ser alegado que "as compras foram feitas com base em poupanças efectuadas em anos anteriores" não constitui prova irrefutável do que quer que seja, pois nada foi demonstrado nesse sentido e muito menos exibidos quaisquer documentos bancários;
- No que respeita à venda do prédio feito à Câmara Municipal de Cantanhede, deve assinalar-se que isso ocorreu em 2000 e, porque tal prédio estava em regime de compropriedade, a Recorrente recebeu efectivamente (em euros) a quantia de 172.285,59 €, correspondente a 1/3 da totalidade do preço.
C. Em consequência, e de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 89º-A da LGT, foi fixado como rendimento tributável o mínimo legal correspondente ao rendimento-padrão resultante da aplicação da tabela respectiva: 61.552,00 € mas, porque já havia sido declarado o rendimento de 22.165, 73 €, a correcção a considerar é do valor de 39.386,27 €.
D. Na Douta Sentença recorrida toda essa matéria foi dada como provada transcrevendo-se, com a devida vénia, alguns excertos do entendimento do M.mo Juiz a quo:
- Ficou assim demonstrado à saciedade, não só que a A.F. não violou o princípio da colaboração, mas também que foi a Recorrente que omitiu o dever de colaboração que lhe era devido in casu;
- As manifestações de fortuna não servem apenas para abalar a credibilidade da declaração do contribuinte: servem também para, de forma simplificada, atribuir um valor de substituição a lançar na operação de determinação do imposto;
- A Recorrente não especificou os factos que a A.F. podia confirmar com prova complementar a que tivesse acesso e que demonstrassem, com um mínimo de segurança a origem dos rendimentos que serviram para pagar os apartamentos; limitou-se a indicar que tinha outros rendimentos para além dos declarados;
- No fundo, a Recorrente comportou-se perante o Tribunal como se tinha comportado perante a A.F., dispensando-se de alegar factualidade concreta que pudesse ser confirmada objectivamente, preferindo clamar para a indignidade da suspeição, como se ela viesse de algum poder discricionário da Administração Fiscal e não de uma opção do legislador ... e parecendo remeter-se ainda para uma presunção de verdade que a lei não lhe concede.
E. Veio agora a Recorrente Jurisdicional indignar-se contra a matéria que o M.mo Juiz recorrido entendeu não ter ficado provada e que pretende seja agora reapreciada pelo Tribunal ad quem. Todavia e na realidade, todos os itens e respectivos fundamentos por ela apontados já tinham sido prévia e devidamente apreciados e ponderados na Douta Sentença ora em apreciação.
* * *

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer que consta de fls. 201 e onde, em suma, sustenta que deve ser negado provimento ao recurso por não merecer censura a sentença recorrida.
Com dispensa dos legais vistos, em harmonia com o preceituado no art. 707º nº 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2º do CPPTº, cumpre decidir.
* * *

Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública de compra e venda lavrada em 2000.05.18 no edifício dos Paços do Concelho de Cantanhede, perante o Notário Privativo da Câmara Municipal de Cantanhede, Sara Augusta , Maria Lúcia e marido e a ora Recorrente, declararam vender à Câmara Municipal de Cantanhede, libertos de quaisquer ónus e encargos, pela quantia total de 101.076.000$00, acrescida da quantia de 2.544.480$00 relativa à compensação pelos prejuízos decorrentes da plantação de eucaliptos, e João dos Reis Alegre de Sá, em representação desta, declarou aceitar a compra de três prédios rústicos pertencentes à herança por óbito de Joaquim , de quem os ali primeiros outorgantes são únicos herdeiros – Fls. 07 v. a 09v. do processo administrativo apenso;
2. Por escritura pública de compra e venda lavrada em 2003.12.17 no Cartório Notarial de Cantanhede, Helena , em representação da sociedade comercial “Mouriarco-Promoções Imobiliárias, S.A.” declarou vender à ora Recorrente e António Manuel , na qualidade de gestor de negócios da ora Recorrente, declarou aceitar a compra, pelo preço global de € 307.760,00:
- «Fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao primeiro andar (topo Norte Poente), apartamento Tipo T- Três, destinada a habitação, com aparcamento e cave (o terceiro a contar da caixa de escadas Norte), do prédio urbano, sito no Largo Cândido dos Reis da cidade, freguesia e concelho de Cantanhede, composto de edifício destinado a habitação e comércio com cave, rés-do-chão, primeiro, segundo andares, sótão e logradouro» (...) «descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o número nove mil duzentos e noventa e três» (…)«vendida pelo preço de noventa e nove mil setecentos e sessenta euros»;
- Fracção autónoma designada pela letra “V”, correspondente ao primeiro andar (topo Norte-Nascente), apartamento Tipo T- Três, destinada a habitação, com uma garagem na cave-Norte (o segundo a contar da caixa de escadas Norte), do prédio urbano atrás identificado, vendida pelo preço de cento e cinco mil euros»;
- Fracção autónoma designada pela letra “N”, correspondente ao primeiro andar (o segundo a contar do Norte), apartamento Tipo T- Três, destinada a habitação, com uma garagem na cave-Norte (a primeira a contar do Poente) e com aparcamento na cave (o segundo a contar do Sul, junto à rampa da cave), do prédio urbano atrás identificado, vendida pelo preço de cento e três mil euros» - Fls. 02 a fls. 07 do processo administrativo apenso;
3. Em 2006.05.04, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Coimbra elaboraram o projecto de relatório de inspecção tributária de que se junta cópia certificada de fls. 14 a fls. 21 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e de onde, além do mais, consta o seguinte:
«Ao adquirir imóveis por valor superior a 250.000,OO € durante o exercício de 2003 sem que apresente rendimentos superiores a metade do rendimento padrão calculado nos termos do artigo 89º-A da LGT, consubstancia correcções em sede de rendimento criteriadas e quantificadas no capítulo V do presente relatório, com base de sustentação no capítulo IV da mesma explanação. (...)
As correcções efectuadas, correspondem no seu cômputo global aos valores e descrições que se passam a apresentar:
Quadro resumo das correcções

Exercício
Resultado Colectável
Correcções P/ M.
Resultado Colectável
em causa
declarado (1)
Ind. (2)
corrigido (3)=(1)+(2)
2003
22.165,73
39.386,27
61.552,00
2004
21.023,99
40.528,01
61.552,00
Total
43.189,72
79.914,28
123.104,00
(…)» - Extracto de fls. 3 do relatório;

4. A Recorrente foi notificada por carta registada, datada de 2006.05.05 do projecto de decisão a que alude o nº anterior e nos termos seguintes:
a) De acordo com o disposto no n° 1 do artigo 89º-A da LGT, há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos ou os rendimentos declarados, num determinado ano, para efeitos de IRS, mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão apurado nos termos da tabela a que se refere o n° 4do citado artigo.
b) No ano de 2003, foram adquiridos por 307.760,00€, três tracções N, O e P do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cantanhede sob o artigo n° 6.241. Às aquisições anteriormente mencionadas, corresponde o rendimento padrão de 61.522,00 € para o ano de 2003 e 61.522,00 € para o ano de 2004, sendo que, nos anos de 2003 e 2004 os rendimentos declarados para efeitos de IRS demonstram uma desproporção superior a 50% para menos, em relação ao rendimento padrão.
c) Pelo que, se encontram reunidas as condições legais para, de acordo com a tabela a que se refere o nº 4 do referido artigo 89º-A, se proceder à fixação do rendimento tributável no montante de 61.552,00€ para os exercícios de 2003 e 2004, o qual de acordo com a alínea d) do nº 1 do artigo do Código de IRS, será considerado como rendimento da categoria G, correspondendo a correcções a implementar em sede de rendimento a 39.386,27€ e 40.528,01€ respectivamente.
2. Nos termos do nº 3 do artigo 89º-A da LGT, para obstar ao procedimento de fixação, pode V. Ex.ª fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, mediante apresentação, nomeadamente, de cópia dos extractos bancários que evidenciem a origem e a mobilização dos recursos financeiros utilizados para a aquisição do imóvel.
3. Nos termos do nº 6 do artigo 60º da LGT e do artigo 45º do CPPT, os elementos referidos no ponto anterior, devem ser apresentados, por escrito, no prazo de 10 dias a contar do dia posterior ao registo.
4. No âmbito do procedimento e, na eventualidade de tal se mostrar necessário, solicito a V. Ex.ª que, em declaração escrita, manifeste, expressamente, se autoriza ou não, a Administração Tributária, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 63º-B da LGT, a aceder a informações e documentos bancários.» - Fls. 11 e 12 do processo administrativo apenso.
5. Em 2006.05.29, deu entrada na Direcção de Finanças de Coimbra a resposta da Recorrente, com o teor do documento de fls. 22 e 23 do processo administrativo em apenso, que aqui dou também por reproduzido para todos os legais efeitos – Quanto à data de entrada, atendeu-se ao carimbo no canto superior esquerdo da 1ª f. do doc.
6. Em 2006.06.21, foi elaborado o relatório final, com o teor do doc. de fls. 25 a 36 do processo administrativo em apenso e de onde, além do mais, consta que se mantém o descrito e proposto no projecto de relatório.
7. Através do ofício nº 6351, de 2006.06.23, foi o relatório final a que alude o nº anterior remetido ao Ex.mo Senhor Director-Geral dos Impostos, para decisão – Fls. 24 do processo administrativo apenso.
8. Em 2006.06.30, o Sr. Subdirector-Geral dos Impostos, na qualidade de substituto legal do Senhor Director-Geral lavrou decisão final, para cada um dos anos (2003 e 2004) nos termos que constam do doc. de fls. 47 e 48, aqui também dado por reproduzido e de onde, além do mais, consta o seguinte:
4
APURAMENTO DO RENDIMENTO PADRÃO
Manifestações de fortuna
Valor
PercentagemRendimento padrão
Imóveis
307.760,00
61.55,00
Automóveis e motociclos
Barcos de recreio
Aeronaves
Suprimentos
TOTAL
5
ACTO DE FIXAÇÃO
DE ACORDO COM A FUNDAMENTAÇÃO ABAIXO MENCIONADA:
Nos termos da alínea d) do artigo 87° e do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária, fixo o rendimento tributável,
a enquadrar na Categoria G, no montante de € 61.552,00---------------------------------------------------------------
6
FUNDAMENTAÇÃO
VER: Relatório de análise interna ------------------------------------------------------------------------------
7
NOTIFICAÇÃO
Notifique-se, nos termos dos artigos 36° e 37° do C.P.PT.--------------------
Lisboa, 2006.06.30
9. Da decisão a que alude o nº anterior foi a ora Recorrente notificado por carta registada com aviso de recepção, recepcionada em 2006.07.17 - Fls. 50 e 51 do processo administrativo apenso. A Recorrente confirma a recepção da carta no artigo 1º da douta petição;
10. O presente recurso deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 2006.07.27 - Fls. 1 dos presentes autos.


E julgaram-se como não provados todos os restantes factos, sendo com interesse os seguintes:
1. O constante dos artigos 4º, primeira parte, 26º e 27º da douta P.I., excepto quanto ao estado civil (que foi confirmado no doc. de fls. 48 dos autos);
2. O alegado no artigo 4°, segunda parte, da douta P.I. - Não constitui um facto, mas uma conclusão a extrair de factos não alegados, a afirmação de que é detentora de «valioso património imobiliário». E os documentos que junta para prova deste facto não permitem aferir o valor dos imóveis ali relacionados. Também não foi minimamente consubstanciado nos autos o «produto das suas poupanças, ao longo de uma vida inteira» a que também faz alusão nesta segunda parte do artigo 4º da douta P.I. Não pôde, por isso, o Tribunal acompanhar a conclusão da Recorrente inserta naquela parte do artigo.
3. O constante do artigo 11° da douta P.I. - Não foi apresentada nenhuma prova, sequer indicativa, de que a Recorrente não tivesse em seu poder extractos bancários que remontassem ao tempo da compra dos imóveis (2003) ou que a sua obtenção se cifrasse em milhares de euros.
4. O constante do artigo 13° da douta P.I., na parte em que se alega que a Recorrente recebeu um terço do valor da venda do imóvel alienado à Câmara Municipal de Cantanhede, em 18 de Maio de 2000 - A Recorrente não disponibilizou qualquer prova de que recebeu um terço do produto da venda daquele imóvel, ou sequer de que teria direito a um terço dele, o que só poderia aferir-se, se bem vejo, depois de determinar se o imóvel vendido era bem comum ou próprio do falecido Joaquim .
5. O constante dos artigos 14°, 16° e 25° da douta P.I. - A A.F. impugna por desconhecimento a relação causal entre o que coube à Recorrente como produto da venda, em 2000, do imóvel a que se alude no ponto 1 dos factos provados o capital despendido na aquisição, em 2003, dos imóveis a que se alude no ponto 2 dos factos provados supra. E não existe nos autos, nem foi apresentado pela Recorrente, nenhum meio de prova que permita ao Tribunal, com mínima segurança, estabelecer a conexão entre o dinheiro da venda a montante e o dinheiro da compra a jusante. Quanto aos «outros valores de poupanças» a que também faz referência, a Recorrente, não estão, como já se disse, minimamente consubstanciados nos autos, nem na origem nem na quantidade.
6. Não se provou que, aquando da notificação para o exercício do seu direito de audição, a recorrente tivesse ficado ciente de que, só na eventualidade de se mostrar necessário deveria formular declaração escrita a autorizar a Administração Tributária a aceder a informações e documentos bancários e que tivesse, por isso, ficado a aguardar dos Serviços Fiscais informação sobre a suficiência dos documentos de prova da origem dos capitais e a necessidade ou não de autorizar o acesso à sua informação bancária. - Trata-se do alegado nos artigos 18.0 e 19.0. A redacção destes artigos é equívoca: a Recorrente pode estar ali a alegar que lhe foi dada informação adicional, por qualquer meio, que lhe permitisse ficar ciente do facto que alega; ou apenas que foi essa a interpretação que fez do conteúdo da notificação.
No primeiro caso, caberia à impugnante alegar quando, como e quem lhe deu essa afirmação adicional. O que não fez.
No segundo caso, estamos perante um facto do foro psicológico, a confirmar através de outros indicadores objectivos que o indiciem com o mínimo de segurança. Mas a Recorrente também não forneceu nenhum destes indicadores objectivos que o Tribunal pudesse confirmar. De concreto, apenas se sabe que a Recorrente não deu, aquando da audiência prévia, a referida autorização. O que, como é óbvio, não evidencia por si só as razões para tal comportamento.
7. Não se provou, ainda, o alegado no artigo 28º da douta P.I. – também não é fornecida nenhuma prova desse facto.

* * *

Em causa nos presentes autos está a decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, efectuada ao abrigo do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, por virtude de a Administração Tributária (AT) ter verificado uma desproporção superior a 50% para menos em relação ao rendimento padrão resultante da tabela do nº 4 do citado preceito legal.
Com efeito, a AT constatou manifestações de fortuna em 2003, por parte da ora recorrente, por força da aquisição de três fracções (apartamentos) pelo valor total de 307.760,00 €, sem que, relativamente a esse ano, ela tivesse apresentado rendimentos superiores a metade do rendimento-padrão calculado de acordo com o disposto no artigo 89°-A da LGT (já que, nesse ano, ela declarara, para efeitos de IRS, rendimentos de 22.165,73 €), constatação que permitiu à AT obter o rendimento padrão para essa contribuinte no montante de 61.552,00 € (307.760,00 € x 20% = 61.552,00 €) e, consequentemente, fixar o rendimento tributável para efeitos de IRS desse ano no citado montante de 61.552,00 €.

Essa contestada decisão do Senhor Director Geral dos Impostos de fixar o rendimento tributável da contribuinte para efeitos de IRS do ano de 2003 no montante de 61.552,00 €, foi mantida na ordem jurídica pela sentença recorrida, na consideração de que não padecia das ilegalidades que a recorrente lhe imputava. Todavia, porque esse rendimento padrão foi igualmente aplicado ao ano seguinte sem que nele tivessem surgido outras manifestações de fortuna, foi julgado ilegal tal procedimento e revogada a fixação do rendimento tributável para efeitos de IRS do ano de 2004.
Assim sendo, e visto que apenas a contribuinte recorre da sentença na parte que lhe é desfavorável, isto é, na parte em que foi mantida a decisão de fixação do seu rendimento tributável para efeitos de IRS do ano de 2003, cumpre analisar as questões que coloca neste recurso e que se encontram delimitadas nas conclusões do respectivo corpo alegatório, sabido que, como tem sido repetidamente afirmado, são as conclusões da motivação que definem e delimitam o âmbito do recurso, ou seja, as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior.

De entre elas, destaca-se, por prioritária, a questão da nulidade da sentença por «falta de pronúncia sobre um facto relevante para a decisão final», conforme invocado na conclusão E), e que a recorrente considera existir, de harmonia com a concernente alegação, por não se ter tomado «...em consideração, como deveria, a prova da venda dos dois prédios do concelho de Vizela, cuja receita acresceu, na proporção de metade, ao património da recorrente, o Meritíssimo Juiz incorreu em falta de pronúncia sobre um facto relevante para a decisão final, o que constitui nulidade da sentença…».
Como é sabido, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia vem prevista no art. 668º do CPC e, no âmbito do processo tributário, no art. 125º do CPPT, e está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do art. 660º do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, do CPC).
Daí que a omissão de pronúncia só exista quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto (de facto ou de direito) que haja sido chamado a resolver, pois que são “questões” todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto, quando realmente debatidos entre as partes Cfr. Prof. Antunes Varela, in RLJ, nº 122º, pág. 112.
Em suma, as questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC são os pontos relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções, pelo que a omissão de pronúncia só exista quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão e não quando deixe de apreciar (ou aprecie mal) quaisquer elementos probatórios que poderiam evidenciar determinado facto alegado no âmbito de determinada questão, casos em que apenas poderá haver erro de julgamento.
Uma coisa é o tribunal recorrido não tomar conhecimento de uma questão (de facto ou de direito) de que devesse tomar conhecimento e outra, bem distinta, é não levar em consideração determinados factos que devesse ponderar para o correcto julgamento das questões colocadas, havendo naquele caso nulidade da sentença por omissão e neste caso erro de julgamento. Saber se determinados factos são ou não relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, se deviam ou não ter sido objecto de apreciação (para serem julgados provados ou não provados), é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal.
Ora, no caso vertente, apesar de o Tribunal recorrido não ter dado às escrituras públicas certificadas a fls. 132/135 e 136/141 a relevância que a recorrente lhes atribuiu, não deixou de conhecer as questões que lhe foram colocadas, designadamente aquela que, sendo nuclear, se traduzia em saber se a recorrente conseguira ou não demonstrar a origem dos meios financeiros utilizados no pagamento das aquisições efectuadas em 2003, se conseguira ou não explicar a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas pela aquisição de três apartamentos pelo valor de 307.760,00 €.
Saber se a falta de valoração dessas duas escrituras e a falta de consideração do rendimento proveniente da venda dos prédios a que elas se reportam foi acertada ou não, envolve controvérsia sobre o julgamento da matéria de facto, que não nulidade da sentença recorrida.
Inexiste, pois, a invocada nulidade.

Termos em que cumpre passar, de imediato, à segunda questão colocada, substanciada nas restantes conclusões do recurso, e que se traduz em saber se ocorreu erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, em virtude de existir prova suficiente (alguma dela em poder da AT) sobre a origem dos capitais que permitiram à recorrente adquirir em 2003 três fracções de prédios para habitação no valor de 307.760,00 €.
Na verdade, a legalidade da decisão do Senhor Director Geral dos Impostos depende, essencialmente, da prova que nestes autos for produzida para demonstrar que os rendimentos que a recorrente declarou em 2003 correspondem à realidade e que foi outra a fonte dos rendimentos necessários à aquisição daquelas três fracções, sabido que se essa prova não for feita tem de considerar-se como legal a decisão que fixou como rendimento tributável, em sede de IRS, o rendimento padrão apurado nos termos do art. 89º-A, nº 4, da LGT.
Isto porque, com o aditamento à LGT da alínea d) do art. 75º e do art. 89º-A, efectuado pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, foi excluída a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes em todos aqueles casos, como o presente, em que os rendimentos declarados para efeitos de IRS se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna, permitindo-se à AT proceder, nestes casos, à avaliação indirecta da matéria tributável, a menos que o sujeito passivo prove que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar essas manifestações de fortuna é outra.
Assim, e por força do disposto no nº 4 do art. 89º-A da LGT, se o sujeito passivo não fizer essa prova perante a AT, esta tem de considerar como rendimento tributável o rendimento padrão apurado nos termos da tabela inserta naquele preceito (para as aquisições de imóveis de valor superior a 250.000 € o rendimento padrão é de 20% do valor da aquisição), a menos que existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art. 90º da LGT, que permitam à AT fixar rendimento superior.
Todavia, o facto de a recorrente não ter conseguido obstar ao procedimento de fixação, por não ter apresentado perante a AT prova suficiente para a convencer de que correspondiam à realidade os rendimentos declarados e de que era outra a fonte de fortuna evidenciada, não obsta a que essa prova seja feita perante o Tribunal, no recurso judicial da decisão que fixou o rendimento por métodos indirectos, pela demonstração de que os rendimentos necessários à aquisição das fracções teve por fonte, nomeadamente, herança, doação ou outros rendimentos que ela não está obrigada a declarar, a mobilização de capital próprio ou o recurso ao crédito.
E essa prova tanto pode ser feita através de elementos probatórios oferecidos pela própria interessada (sabido que por força do disposto no art. 146º-B do CPPT, aplicável “ex vi” do disposto art. 89º-A nº 7 da LGT, o contribuinte deve justificar sumariamente, na petição do recurso, as razões da discordância com o despacho recorrido, e juntar os respectivos elementos de prova), como pode ser feita pela AT, sabido que esta deve, no âmbito da descoberta da verdade material, providenciar, oficiosamente, pela junção de todos os elementos de que disponha com interesse para a decisão da causa, designadamente aqueles que tenham sido expressamente evocados pela recorrente.
Tal como é salientado no Acórdão do T.C.A.S. proferido em 18/01/2005, no Recurso nº 00419/04, cuja doutrina sufragamos, «O ónus da prova que impende sobre o contribuinte relativo à prova tendente a afastar a manifestação de fortuna evidenciada, no mesmo n.º3 do citado art.º 89.º-A, deve ser concatenado com aquele outro princípio acima enunciado do inquisitório, com o carrear para os autos pela AT de todas as provas tendentes a demonstrar a realidade dos factos, de molde a operar apenas quando perante um caso em que afinal ficamos numa situação de non liquet, a decisão ser desfavorável ao contribuinte que não à mesma AT.
Como refere Jorge Lopes de Sousa (1),...ao contrário do que acontece no processo civil, no processo tributário a Administração...não é titular de um interesse oposto ao do particular, antes está legal e constitucionalmente obrigada a actuar exclusivamente subordinada ao interesse público e com imparcialidade, tanto nos processos administrativos, como nos judiciais (art.ºs 266.ºn.ºs 1 e 2 da CRP e 55.º da LGT).
E mais adiante ....o interesse da descoberta da verdade material que a imposição de tal obrigação consubstancia, leva a concluir que é este e não o princípio da verdade formal o que vigora no processo tributário.
Consequentemente, como é típico dos processos em que vigora o princípio da verdade material, justificar-se-ia mesmo que o tribunal pudesse averiguar e considerar no julgamento factos não alegados pelas partes, com a única limitação de se movimentar no âmbito das questões suscitadas pelas partes.
Trata-se do interesse público na descoberta da verdade material que enforma tal princípio Cfr. neste sentido, o acórdão do STA de 10.4.2002, recurso 26.348, e demais acórdãos aí citados.».
Por outro lado, o próprio Tribunal pode e deve diligenciar (oficiosamente, a requerimento, ou por sugestão das partes), pela obtenção de todos os elementos probatórios que revelem ter interesse para a boa decisão da causa, poder que dimana ou provém do princípio do inquisitório que vigora, como princípio estruturante, no processo judicial tributário e que significa que o Juiz não só pode, como deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade, designadamente o de ordenar a junção de todos os documentos necessários para a apreciação das questões postas no processo, princípio esse que hoje tem consagração expressa no art. 99º da LGT e no art. 13º do CPPT.

É neste contexto que importa analisar a questão colocada neste recurso e que acima deixámos equacionada.
A recorrente discorda, desde logo, do juízo formulado pelo Mmº Juiz do Tribunal “a quo” ao julgar como não provado que ela fosse detentora, como alegara, de um vasto e valioso património imobiliário herdado por morte de seus pais, pois que a demonstração desse facto resultaria do teor dos seguintes documentos, cuja colação solicitara na p.i.:
· relação de bens junta aos processos de liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações instaurados por óbito dos seus pais, e correspondentes liquidações de imposto, que se encontram nos Serviços de Finanças da Mealhada e de Cantanhede;
· notas de liquidação e pagamento do IMI anualmente emitidas, que contém a identificação dos artigos matriciais e valores patrimoniais de todos os prédios inscritos em seu nome, documentos que também estão em poder dos Serviços da Administração Tributária.

Na verdade, a recorrente alegara na petição que, sendo viúva e sem filhos, era detentora de valioso património imobiliário herdado de seus pais (conforme se podia certificar pela leitura da relação de bens junta aos respectivos processos de liquidação do I.Sucessório), de valioso património adquirido e de poupanças que foi fazendo render ao longo dos anos em depósitos a prazo e outras aplicações financeiras.
E logo advogou que, apesar da sua junção aos autos de alguns elementos documentais comprovativos dos inúmeros bens declarados nos procedimentos instaurados para liquidação do I.Sucessório, a AT tinha o dever de, ao abrigo do princípio da cooperação e da descoberta da verdade material, confirmar essa factualidade através dos demais elementos probatórios existentes nos seus Serviços.
O que, todavia, não foi encarado pelo Tribunal “a quo”, pois que nada diligenciou nesse sentido nem deu mostras de valorar a documentação ostentada pela recorrente, pois que segundo o juízo exarado na decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância, não constituiria um facto, mas uma conclusão a extrair de factos não alegados, a afirmação feita pela recorrente de ser detentora de valioso património imobiliário herdado de seus pais. E, por outro lado, os documentos que a recorrente juntara não permitiam aferir o valor de todos os inúmeros imóveis relacionados.
Vejamos.
Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que a alegação da recorrente só pode ser considerada conclusiva no que toca ao adjectivado “vasto” e “valioso” património, pois quanto ao demais, isto é, à alegação de ser detentora de património herdado por morte de seus pais e de património adquirido, não pode sofrer dúvidas que se trata de um facto concreto e demonstrável, sabido que dentro da categoria de “factos” cabem não só os acontecimentos do mundo exterior como, ainda, os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido que seja de uso corrente na linguagem comum (Ac. S.T.J. de 8/11/95, Col. Ac. S.T.J., III, 3º, pág. 293).
E essa factualidade, porque alegada, devia ter sido averiguada através dos elementos probatórios alvitrados pela recorrente na petição e/ou outros que se prefigurassem como válidos para o devido e pertinente esclarecimento sobre a natureza e valor desse clamado património. Apesar de “vasto” e “valioso” constituírem conceitos conclusivos, podem os mesmos ser concretizados através de factos materiais trazidos aos autos na sequência da investigação sobre a dimensão e grandeza do património e fortuna que a recorrente alega deter, sendo lícito ao Tribunal obter elementos factuais detalhados e circunstanciados que concretizem essa grandeza e importância, já que contidos no âmbito da matéria articulada pela requerente.
Nesta perspectiva, e sabido que basta à recorrente provar que adquirira por herança meios financeiros que lhe permitiam a questionada manifestação de fortuna, torna-se compreensível a relevância da informação sobre o procedimento tributário de liquidação de imposto sucessório instaurado por óbito dos seus pais, sobretudo o da sua mãe (ocorrido precisamente em 2003, sete meses antes da aquisição pela recorrentes das três referidas facções, e que, conforme resulta da documentação junta com a p.i., deixou inúmeros bens), por forma a estimar o valor dos bens envolvidos nas respectivas heranças e quotas hereditárias das duas herdeiras.
Note-se que segundo o “Termo de Declaração” apresentado no Serviço de Finanças para efeitos de liquidação de I.Sucessório relativo ao óbito da mãe da recorrente e respectiva relação de bens (certidão de fls. 28/40), a recorrente e a sua irmã são as únicas herdeiras da falecida e que esta deixou inúmeros bens, dos quais se destacam 931 acções, 25 prédios rústicos e 6 prédios urbanos, cujo valor se ignora mas pode ser apurado através da consulta do processo de liquidação e/ou de outros elementos em poder da AT (designadamente através do valor patrimonial tributário inscrito na matriz ou resultante da avaliação efectuada nos termos do Código do I.M.I.).

Assim como se torna importante obter, junto do Serviço de Finanças, a identificação de todos os prédios inscritos em nome da recorrente em 2003 e respectivos valores patrimoniais, bem como apurar a veracidade do alegado quanto ao seu arrendamento, montante das rendas declaradas e antiguidade dessa situação, por se tratarem de índices reveladores da fortuna da recorrente e que, conjugados com outros factores, são susceptíveis de constituir testemunho sobre a fonte dos meios financeiros utilizados na aquisição das preditas três fracções.

Finalmente, há que não esquecer que a recorrente provou que em 18/05/2000 vendeu, conjuntamente com sua mãe e irmã e na qualidade de únicas herdeiras, três prédios rústicos pertencentes à herança aberta por óbito de seu pai, pela quantia de 101.076.000$00 (acrescida de 2.544.480$00 de indemnização). E alegou que recebeu um terço do produto dessa venda, facto que importa apurar tendo em conta a afirmação produzida pela recorrente no sentido de que «não deixará de dar o seu consentimento a esse Tribunal ou à Administração Fiscal, de aceder à sua informação bancária, se assim for esse o entendimento desse douto Tribunal» (cfr. art. 23º da p.i.).
Ou seja, concedida que foi autorização para acesso à informação bancária, deve o Tribunal diligenciar por obter, directamente ou por intermédio da recorrente, a documentação bancária demonstrativa da eventual entrada do aludido montante na sua conta bancária. Assim como pode e deve - face à alegada existência de aforros e poupanças, de rendimentos provenientes da venda de produtos agrícolas e silvícolas e da venda dos prédios documentada a fls. 132/135 e 136/141, depósitos a prazo e noutras aplicações financeiras - obter a necessária informação bancária sobre o capital que a recorrente detinha em 2003 na instituição bancária que identificou - a C.G.D. de Cantanhede - ou noutras entidades bancárias que oportunamente venha a identificar, e se os mesmos foram mobilizados para efectuar a aquisição em causa.

Em suma, a questão da fonte dos rendimentos que permitiram à recorrente adquirir em 2003 três fracções de prédios para habitação não se encontra clarificada em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis à boa decisão da causa, o que conduz à anulação da sentença recorrida e determina a remessa do processo ao Tribunal recorrido, para melhor investigação e nova decisão, de harmonia com o disposto no art. 712º do CPC, aplicável por força dos arts. 749º do mesmo diploma e do art. 281º do CPPT.
* * *

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão após a aquisição e ponderação dos elementos probatórios acima referidos.
Sem custas.
Porto, 25 de Janeiro de 2007
Dulce Manuel Neto
Aníbal Ferraz
Francisco Rothes