Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00718/17.9BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/02/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA-CASO JULGADO- ENCARGOS.
Sumário:I-A eficácia do caso julgado anulatório encontra-se circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do ato, nada obstando, nos casos em que o ato é renovável, a que a Administração emita novo ato com idêntico conteúdo decisório, mas liberto dos referidos vícios (artigo 173.º, n.º1 do CPTA).

II- Pese embora seja facultada à Administração, para o cumprimento do dever de execução, praticar atos administrativos dotados de eficácia retroativa, não os poderá proferir caso os mesmos envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:I.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

1.1.I., residente na Rua (…), em Coimbra e com os demais sinais nos autos, instaurou contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P. (CGA) com sede na Av. 5 de outubro, 175, Lisboa a presente ação administrativa, pedindo a declaração de nulidade ou a anulação da decisão datada de 12.09.2017, que determinou a reposição do valor de 36.756,90€, correspondente ao valor das pensões abonadas à A. no período compreendido entre maio de 2015 e agosto de 2017.
Indicou como contrainteressada a UNIVERSIDADE DE COIMBRA (UC).
Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, que por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de 21 de julho de 2017, proferida no processo n.º 82/16.3BECBR, já transitada em julgado, foi julgada procedente a ação administrativa instaurada pela Autora contra a aqui Ré anulando-se o ato nela impugnado, o despacho da direção da Ré de 26 de janeiro de 2015 que determinou a aposentação voluntária antecipada da Autora, com fundamento na violação do art.º 121.º n.º 1 do CPA.
Na sequência dessa decisão, por comunicação datada de 25.08.2017, foi a A. notificada do valor da pensão mensal ilíquida de 1.541,60€ e para, querendo, se pronunciar, após o que desistiu do pedido de aposentação voluntária antecipada, e reiniciou as suas funções como Professora Associada com Agregação no Departamento de Engenharia Química da Universidade de Coimbra, a partir de 1 de outubro de 2017.
Foi também notificada para regularizar a dívida no montante de 38.756,90€, valor que a Ré considerou indevidamente pago à Autora, nos meses de maio de 2015 a agosto de 2017, a título de pensão de aposentação.
No período temporal que mediou entre a prática do ato ilegal por parte da Ré (26.01.2015) e a sua reconstituição (25.08.2017) a Autora esteve impedida do exercício das suas funções docentes na UC, por se encontrar na situação de aposentação e não auferiu da Universidade de Coimbra qualquer remuneração, o que foi determinado por causa imputável à Ré.
Sustenta que não lhe sendo possível voltar às suas funções na Universidade de Coimbra no período de tempo que já decorreu (janeiro de 2015 a agosto de 2017) não lhe foi possível auferir vencimentos das funções que não se poderão neste momento ficcionar.
Refere que o entendimento legal da Ré sufragado no ato impugnado apenas tomou em consideração um dos itens do dispositivo legal que citou (artigo 173.º do CPTA), o seu número um, e não atendeu às estatuições dos restantes números da citada norma.
A seu ver, a situação sub judice configura um exemplo típico em que se justificará que, em virtude do exercício de um dever jurídico de ponderação, devam ser atribuídos efeitos jurídicos à situação decorrente do ato de aposentação da Autora por se tratar de uma situação merecedora desses efeitos à luz dos princípios constitucionais da proteção da confiança legítima, do princípio da boa-fé, do princípio da proporcionalidade e, inclusive, do princípio da prossecução do interesse público.
1.2. Regularmente citada, a CGA apresentou contestação defendendo a legalidade do ato impugnado, alegando, em síntese, que só atribuindo eficácia retroativa à anulação do despacho de 26 de janeiro de 2015 – o que implica a restituição do montante correspondente às pensões indevidamente abonadas pela Caixa Geral de Aposentações, o pagamento dos vencimentos por parte da Universidade de Coimbra e a regularização das quotas devidas no período em causa – se eliminam todos os seus efeitos e se cumpre a obrigação de “reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado”.
Pediu, a final, a absolvição do pedido, por improcedência da ação.
1.3.A UC, por seu turno, veio subscrever a posição defendida pela A., pugnando pela anulação do ato impugnado.
1.4. Em 23.06.2020 foi apensada aos presentes autos a ação Administrativa nº 176/18.0BECBR, instaurada pela UNIVERSIDADE DE COIMBRA, NIPC (…), com sede no Paço das Escolas, 3004-531 Coimbra contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P., e onde foi indicada como contrainteressada I., na qual é formulado, a final, o seguinte pedido:
“Termos em que, e nos melhores de direito que v. Exa. Doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente por provada, e,
Em consequência:
- ser declarada a nulidade da decisão da caixa geral de aposentações que constata a existência de uma dívida, cuja obrigação de pagamento atribui à autora, Universidade de Coimbra, no valor de €52.502,48, respeitante às quotas e contribuições em falta, relativas ao período de 01­03-2015 a 02-10-2017, em que a subscritora I., esteve a receber pensão de aposentação (ao abrigo de decisão da CGA que veio a ser anulada, por douta sentença proferida pelo TAF de Coimbra, datada de 21-07-2017, e transitada em julgado), ao abrigo do disposto nos arts. 161.º, n.º 2, alíneas g), k) e l), e art. 162.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPA.
- sem prescindir, e se assim não se entender, deve a referida decisão da CGA ser anulada, por infundada e ilegal, na medida em que viola o disposto nos arts. 3.º, 4.º, 8.º, 10.º, 12.º e 16.º, do CPA, nos termos do art. 163.º, n.os 1, 2 e 3, do mesmo diploma”.
Como causa de pedir indicou, em síntese, que entre 01-03-2015 e 02-10-2017, a subscritora I. não prestou serviço na Universidade de Coimbra, não existindo, naquele período, qualquer vínculo laboral remunerado entre a subscritora supra referenciada e a Universidade de Coimbra.
Na origem das quotas e contribuições em falta – e que a CGA ora reclama da Universidade –, está um comportamento omissivo, culposo e danoso da CGA, não tendo a UC a obrigação de entregar à CGA quotas ou contribuições relativas a uma trabalhadora que não prestou serviço na Universidade, nem por esta foi remunerada, no período a que respeitam as quotas ou contribuições em falta, pelo que o ato aqui em causa é nulo, por criar uma obrigação pecuniária não prevista na lei.
A obrigação imposta pelo artigo 173.º do CPTA tem limites, que são os que decorrem dos n.ºs 2 e 3 daquele normativo (art. 173.º do CPTA).
Apenas à Ré é imputável o facto de a Requerente – como aposentada – ter estado impedida de exercer funções na Universidade enquanto docente e de receber a correspondente remuneração, desde 01/03/2015, sendo que nos termos do art. 16.º do CPA, “a Administração Pública responde, nos termos da lei, pelos danos causados no exercício da sua atividade”.
Sendo da responsabilidade - única e exclusiva - da CGA, a (anulada) decisão de aposentação da referenciada I., terá de ser esta a suportar os custos da anulação de tal decisão, nomeadamente, a dívida que emerge dos descontos e quotas que deveriam ter sido entregues à CGA.
O ato praticado pela CGA, violou, também, o disposto no n.º 1, do art. 121.º, do CPA, que determina a audição e informação dos interessados sobre o sentido provável da decisão, antes de ser tomada a decisão final.
O ato notificado à autora é completamento omisso quanto à sua fundamentação e quanto aos prazos de impugnação, sendo também nulo por carecer de forma legal, e por ser completamente omisso quanto à fundamentação da decisão.
O ato aqui em causa viola ainda, além das disposições supra citadas, os princípios consagrados nos arts. 4.º, 8.º e 10.º do CPA.
A CGA pugnou também pela improcedência da ação, com os fundamentos que já havia aduzido na contestação da ação n.º 718/17.9BECBR.
1.5. Por despacho de 01.03.2020, e na sequência de requerimento de fls. 66 e 67, foi ordenada a apensação aos presentes autos da Ação Administrativa nº 176/18.0BECBR.
1.6. Em 01.07.2020 foi proferido despacho em que foi dispensada a realização de audiência prévia por o processo reunir já todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador e julgada desnecessária a produção de prova testemunhal.
1.7. Fixou-se o valor da causa em 91.259,38€.
1.8. Proferiu-se saneador-sentença, que julgou a presente ação procedente, sendo o seu segmento dispositivo do seguinte teor:
Com os fundamentos supra expostos e de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa:
a) Julgo a presente ação procedente, por provada, e, consequentemente:
a. Anulo o ato que impôs a restituição das quantias auferidas a título de pensão por I., no período compreendido entre maio de 2015 e agosto de 2017;
b. Anulo o ato que impôs o pagamento, por parte da Universidade de Coimbra, do valor de €52.502,48, respeitante a quotas e contribuições em falta, relativas ao período de 01.03.2015 a 02.10.2017, em que a subscritora I., esteve a receber pensão de aposentação.
b) Condeno a CGA no pagamento da totalidade das custas a que houver lugar.
*
Registe e Notifique.”
1.9. Inconformada com o saneador-sentença que julgou a ação procedente, a CGA interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:
“1ª Determina o artigo 173º do CPTA que, sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.
2ª A sentença anulatória de um acto administrativo tem um efeito constitutivo, que, em regra, consiste na invalidação do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento.
3ª Tem, também, um outro efeito, próprio de toda e qualquer sentença de um tribunal, seja qual for a natureza deste, que é o da reconstituição da situação hipotética actual (também chamado efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença). Segundo este princípio, a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade.
4ª No caso em apreço, em ordem a delimitar o âmbito da reconstituição da situação actual hipotética que existiria se o acto anulado (despacho de 26 de Janeiro de 2015) não tivesse sido praticado (artº 173º nº 1 CPTA), é necessário ter presente que a execução do efeito repristinatório da anulação se concretiza na recolocação da recorrida na posição da qual o acto anulado a retirou, restabelecendo a situação que existiria no momento em que esse acto foi praticado.
5ª Por efeito da anulação judicial os efeitos do despacho de 26 de Janeiro de 2015, que aposentou a recorrida, não só cessaram como foram expurgados do ordenamento jurídico com eficácia retroativa, tudo se passando, portanto, como obriga o referido artigo 173º do CPTA, como se tal ato nunca tivesse sido praticado.
6ª Só atribuindo eficácia retroativa à anulação do despacho de 26 de Janeiro de 2015 – o que implica a restituição do montante correspondente às pensões indevidamente abonadas pela Caixa Geral de Aposentações, o pagamento dos vencimentos por parte da Universidade de Coimbra e a regularização das quotas devidas no período em causa – se eliminam todos os seus efeitos e se cumpre a obrigação de “reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado”.
7ª A verdade é que a recorrida, relativamente ao período em causa – desde Janeiro de 2015 a Agosto de 2017 –, não pode estar simultaneamente aposentada e no activo. Ou está aposentada, auferindo uma pensão de aposentação, ou está no activo, auferindo o vencimento correspondente ao exercício de funções na Universidade de Coimbra e efectuando, por forma a assegurar a contagem desse período de tempo para a aposentação, os respectivos descontos para a Caixa Geral de Aposentações.
8ª Ao decidir anular o acto administrativo da CGA, violou a sentença recorrida o disposto nos artigos 173º do CPTA e 28º do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências”.
1.10.A Autora contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
“1.ª A tese em que a Recorrente sustenta os fundamentos de recurso, assenta no entendimento de que a reconstituição da situação actual hipotética que existiria se não tivesse sido praticado o acto anulado - a que está obrigada por força do disposto no art. 173.º do CPTA – envolve necessariamente a prática de actos dotados de eficácia retroactiva relacionados com o enquadramento cadastral da Autora, o que implica que a Autora proceda à restituição do montante correspondente às pensões indevidamente abonadas pela CGA, I.P. no período compreendido entre Maio de 2015 e Agosto de 2017, é manifestamente contrária à letra e espírito da lei, e viola os princípios constitucionais da legalidade da actuação administrativa e da justiça, consagrados no art. 266.º n.º 2 da Lei Fundamental e vertidos nos arts. 3.º e 8.º do CPA.
2.ª O dever de execução do julgado determina-se em função das razões que motivaram a anulação, pelo que a decisão de anulação do acto praticado pela CGA a 26.01.2015 implicava que a CGA tivesse que retomar o procedimento, como retomou, facultando à aqui Recorrida a possibilidade de, em sede de audiência prévia nos termos e ao abrigo do disposto no art. 121.º do CPA, apresentar a sua pronúncia sobre o montante da pensão que lhe foi proposta, traduzida na expressa aceitação ou recusa da mesma.
3.ª Mediante o cumprimento do dever de notificar a Autora para se pronunciar sobre o montante da pensão de reforma que lhe seria atribuído, estava cumprido o julgado anulatório, podendo a Autora manter ou recusar a pensão que lhe foi proposta.
4.ª O regresso da Autora ao serviço não dependia da execução da decisão anulatória, mas sim da resposta que a Autora poderia dar na sequência do exercício do direito de audiência prévia que lhe tinha sido coarctado, pelo que não pode ser considerado para efeitos de reconstituição da situação hipotética actual, de modo a poder impor à Autora a restituição dos valores que auferiu a título de pensão de aposentação, sob pena de violação dos limites do que dispôs a sentença anulatória.
5.ª Ainda que se considerasse que o efeito repristinatório da sentença anulatória implicaria a prática de actos com eficácia retroactiva, designadamente a restituição pela Autora dos valores que auferiu a título de pensão aposentação, tal implicaria a imposição de um encargo para a beneficiária, pelo que tal entendimento colide frontalmente com o disposto no n.º 2 art. 173.º do CPTA.
6.ª O entendimento e interpretação que a Recorrente pretende fazer valer no caso concreto do disposto no art. 173.º do CPTA ultrapassa o alcance e os limites do julgado anulatório e contraria as finalidades do dever legal de execução das decisões judiciais anulatórias, na medida em que impõe encargos à Recorrida, ao invés de salvaguardar os seus direitos e interesses, violando claramente o disposto no art. 173.º n.º 2 do CPTA, e os limites ali impostos, pelo decidiu acertadamente a sentença a quo ao concluir que a CGA, I.P. jamais poderia impor à Autora a devolução do valor das pensões que auferiu no período em que esteve, de facto e na realidade, aposentada.
7.ª A proceder o entendimento da Recorrente, os efeitos negativos da prática do acto administrativo ilegal seriam suportados pelas aqui Recorridas I. e Universidade Coimbra, sem que estas tivessem tido qualquer responsabilidade na emissão do mesmo, pois como resulta do teor da sentença proferida no âmbito do processo n.º 82/16.3BECBR, a ora Recorrente foi a única responsável pelo teor do acto ali anulado, pelo que apenas à CGA, I.P. podem ser imputáveis as consequências negativas que advieram dessa anulação.
8.ª Só à Recorrente é imputável o facto de a Recorrida I. ter estado impedida de exercer funções na Universidade de Coimbra no período compreendido entre 01.03.2015 e 02.10.2017, por se encontrar de facto, e na realidade em situação de aposentação, a receber a correspondente pensão a que tinha direito por força dessa situação.
9.ª Termos em que se conclui, como se confia concluirá este Venerando Tribunal, só a CGA, I.P. poderá ser responsável pelos prejuízos que decorrem do acto administrativo anulado, designadamente pelas pensões abonadas à aqui Recorrida, não podendo a CGA, I.P., no futuro, prejudicar a Recorrida quanto à contagem de tempo de serviço relativamente ao período supra referido, para efeitos de aposentação.
10.ª Não merece, pois, censura a sentença a quo ao ter concluído pela procedência da presente acção, anulando o acto que impôs a restituição das quantias auferidas pela ora Recorrida a título de pensão, no período compreendido entre Maio de 2015 e Agosto de 2017, por extravasar o caso julgado e por violação do art. 173.º n.º 2 do CPTA.
11.ª A decisão da sentença a quo é a única possível face às circunstâncias de facto e de direito em causa e assentes no presente pleito, não existindo outra solução jurídica susceptível de ter sido adoptada, pelo que improcede a violação de Lei assacada pela Recorrente à sentença recorrida, resultando inequívoco da defesa supra aduzida que o Tribunal a quo interpretou e aplicou correctamente o quadro legal aplicável, respeitando as normas previstas no art. 173.º do CPTA e 28.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro.
12.ª Terá, pois, que ser julgada improcedente por este Venerando Tribunal, como se confia que será, a matéria alegada nos pontos 1. a 8. das conclusões da Recorrente, o que se requer, mantendo-se na íntegra a douta decisão recorrida, assim garantindo o respeito pelo quadro normativo aplicável aos presentes autos.
13.ª Termos em que, pelos fundamentos supra expostos, se requer a V. Exas. se dignem julgar improcedente, por manifesta falta de fundamentação de facto e de direito atendível, o recurso interposto pela Ré Recorrente, assim se fazendo Justiça!”
1.11.A Contrainteressada contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1) A douta sentença em crise faz uma perfeita aplicação da Lei e do Direito, não violando qualquer disposição legal, designadamente os arts. 173.º, do CPTA, e 28.º do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro. Surgem, assim, como manifestamente improcedentes, por falta de fundamento legal, as razões em que a Recorrente alicerça a sua discordância com o dito aresto.
2) O Recurso interposto assenta na ideia de que, reconstituir a situação que existiria se o despacho de 26 de Janeiro de 2015 não tivesse sido praticado (em cumprimento do disposto no n.º 1, do art. art. 173º, CPTA), implica, necessariamente, a restituição, por parte da subscritora, do montante correspondente às pensões indevidamente abonadas pela CGA, e a regularização das quotas devidas no período em causa, por parte da Universidade de Coimbra.
3) O art. 173.º, do CPTA, cuja epígrafe é justamente “dever de executar”, visa assegurar que, na execução de sentenças de anulação de actos administrativos, e com o manifesto intuito de protecção dos direitos e legítimas expectativas da contra-parte, a Administração tem o dever e a obrigação de “reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado”.
4) O aludido dever de “reconstituição da situação” visa salvaguardar a posição da parte que se viu prejudicada pelo acto administrativo praticado e anulado pela sentença a executar, não podendo ser invocado pela Administração para impor às suas contra-partes deveres e obrigações.
5) A obrigação imposta pelo n.º 1, do art. 173.º, do CPTA, tem os limites que decorrem dos n.º 2 e 3, do mesmo normativo, pelo que a decisão de impor à Universidade de Coimbra a obrigação de pagamento do valor de €52.502,48, respeitante a quotas e contribuições em falta, relativas ao período de 01.03.2015 a 02.10.2017, em que a subscritora I., esteve a receber pensão de aposentação, sem qualquer vínculo laboral que a ligasse a este Instituto Público, viola os limites impostos pelos aludidos n.º 2 e 3, do art. 173.º, do CPTA, uma vez que determina a imposição de deveres e encargos. Nenhum reparo merece, assim, a douta sentença prolatada ao determinar a anulação daquele acto, por erro nos pressupostos.
6) Em respeito pelos princípios gerais que regem a actividade administrativa, designadamente os elencados nos arts. 3.º, 4.º, 7.º, 8.º, 10.º e 16.º, do CPA, e o imperativo constitucional decorrente do art. 266.º, da CRP, deve a Administração Pública actuar em obediência à Lei e ao Direito, respeitando os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, bem como os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
7) A obrigação de pagamento das quotas e contribuições depende, obrigatoriamente, da existência de um efectivo vínculo laboral, pelo que a decisão da CGA em exigir da Universidade de Coimbra a regularização de quotas e contribuições relativas ao período em que a subscritora não prestou qualquer actividade remunerada ao serviço desta Universidade, além de infundada, surge como arbitrária, injusta, irrazoável e contrária aos ditames da boa-fé, impondo-se a sua anulação, ao abrigo do disposto no art. 163.º do CPA, por violação do dispostos nos arts. 3.º, 4.º, 7.º, 8.º, 10.º e 16.º, todos do CPA, e art. 266.º, da CRP.
8) O princípio da responsabilidade, devidamente consagrado no art. 16.º, do CPA, dispõe que a “Administração Pública responde, nos termos da lei, pelos danos causados no exercício da sua actividade”. “In casu”, apenas à CGA poderá ser imputada a responsabilidade pela regularização da situação contributiva da subscritora, de modo a que possa ser “reconstituída a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado”.
9) A dívida que a Recorrente pretende imputar à Universidade de Coimbra, e a cuja regularização se pretende eximir nos termos da posição expressa no recurso interposto, é da inteira responsabilidade da própria CGA, que deve responder pelos danos causados no exercício da sua actividade, ao abrigo do princípio da responsabilidade consagrado no art. 16.º do CPA, e, bem assim, do dever de obediência à lei e ao direito, consagrado no art. 3.º, do CPA, e no art. 266.º da CRP.
TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVEM JULGAR-SE IMPROCEDENTES TODAS AS CONCLUSÕES FORMULADAS PELA RECORRENTE, POR NÃO PROVADAS, MANTENDO-SE INTEGRALMENTE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!”
1.12. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.
1.13. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas pela apelante à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito por ao decidir anular o ato administrativo da CGA, violar o disposto nos artigos 173.º do CPTA e 28.º do Decreto-Lei n.º 498/2, de 09 de dezembro.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância julgou provada a seguinte factualidade, que se transcreve:
“1. Por despacho de 26 de janeiro de 2015, proferido pela Direção da Caixa Geral de Aposentações foi reconhecido a I. o direito à aposentação, tendo o valor da sua pensão sido fixado em €1.541,60 – informação integrante do p.a. apenso;
2. Por sentença de 21.07.2017, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, no âmbito do processo n.º 82/16.3BECBR – instaurado por I. contra a CGA –, o despacho da Direção da CGA, de 26.01.2015, foi anulado com fundamento na violação do artigo 121.º, n.º 1 do CPA – cf. o teor da referida decisão, que se dá por integralmente reproduzida;
3. Em 24 de Agosto de 2017, foi exarada informação dos serviços da Ré, que mereceu a concordância da Direção, na qual se pode ler:
4. “(...) deve a Caixa Geral de Aposentações enviar um ofício à interessada, informando-a, como é costume nas situações de aposentações antecipada, sobre o valor da sua pensão, depois de aplicada a taxa global de redução de 43%. Em concomitância, deve ser apurado o valor das pensões indevidamente abonadas pela Caixa Geral de Aposentações, promovendo-se a situação cadastral da interessada (regularização das quotas).” - cfr. doc. n.º 3 da p.i.;
5. Por comunicação datada de 25.08.2017 foi a A. I. informada de que o despacho mencionado em 1., que fixara o valor da pensão mensal ilíquida de 1.541,60€ iria ser objeto de anulação para, querendo, se pronunciar no prazo de 30 dias - cfr. doc. n.º 5 da p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
6. Por comunicação datada de 30.08.2017 a CGA informou a UC da anulação do despacho mencionado em 1. e de que deveria proceder à reinscrição da A. junto da CGA, com data de efeito de 2015-03-01, sendo gerada uma regularização de quotas e contribuições até à presente data - cfr. doc. n.º 2 da p.i. do Proc. 176/18.0BECBR;
7. Por email de 28.09.2017 a UC solicitou à CGA uma clarificação relativamente ao que é que aquela Entidade pretendia dizer com “será gerada uma regularização de quotas e contribuições até à presente data”, que mereceu resposta da CGA no sentido de que com “a recolha de dados de reinscrição, o sistema irá gerar uma regularização de quotas e contribuições, desde a data efeito da reinscrição até ao fim do mês da relação contributiva em curso, que deverá ser paga pela entidade, através da CGA direta, emitindo um DUC como fazem mensalmente para efetuar o pagamento da relação contributiva” - cfr. doc. n.º 3 da p.i. do Proc. 176/18.0BECBR;
8. A Autora desistiu do pedido de aposentação voluntária antecipada e reiniciou as suas funções como Professora Associada com Agregação no Departamento de Engenharia Química da Universidade de Coimbra a partir de 01.10.2017 - cfr. doc. n.º 6 da p.i. e acordo;
9. Em 12.09.2017 a CGA remeteu à A. I. o ofício com a referência EAC321-557341-00-46139, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:

(Documento na sentença original)

- cfr. doc. n.º 1 da p.i.;
10. Por ofício da CGA datado de 12.10.2017, foi a UC informada de que, na sequência da atualização da situação contributiva da subscritora I., foi apurada uma dívida de quotas e contribuições no montante de €54.072,60 – cfr. doc. n.º 4 da p.i. do Proc. 176/18.0BECBR;
11. Em 14.11.2017 a UC reclamou da decisão mencionada no ponto antecedente, nos termos que resultam da mensagem de correio eletrónico junta como doc. n.º 5 com a p.i. do Proc. 176/18.0BECBR;
12. Em 21.12.2017 a CGA remeteu à UC o ofício n.º 1386/2017, no qual se pode ler:
“(...)Reportando-me ao assunto referenciado em epígrafe, informo V. Exa. do seguinte:
Por decisão de 21 de julho de 2017, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, com fundamento na violação do artigo 121º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo, anulou o despacho de 26 de janeiro de 2015, proferido pela Direção da Caixa Geral de Aposentações que, reconhecendo a I. o direito à aposentação, fixou o valor da respetiva pensão em € 1 541,60.
Nos termos do artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração Pública no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Por efeito da anulação judicial os efeitos do despacho de 26 de janeiro de 2015 não só cessaram como foram expurgados do ordenamento jurídico com eficácia retroativa, tudo se passando, portanto, como obriga o referido artigo 173.º do CPTA, como se tal ato nunca tivesse sido praticado. Só atribuindo eficácia retroativa à anulação do despacho de 26 de janeiro de 2015 - o que implica a restituição do montante correspondente às pensões indevidamente abonadas pela Caixa Geral de Aposentações, o pagamento dos vencimentos por parte da Universidade de Coimbra e a regularização das quotas devidas no período em causa - se eliminam todos os seus efeitos e se cumpre a obrigação de “reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado”.
A interessada, como V. Exa. certamente reconhecerá, relativamente ao período em causa - desde janeiro de 2015 a agosto de 2017 -, não pode estar simultaneamente aposentada e no ativo. Ou está aposentada, auferindo uma pensão de aposentação, ou está no ativo, auferindo o vencimento correspondente ao exercício de funções na Universidade de Coimbra e efetuando, por forma a assegurar a contagem desse período de tempo para a aposentação, os respetivos descontos para a Caixa Geral de Aposentações.” – cfr. doc. n.º 6 da p.i. do Proc. 176/18.0BECBR;
13. Por ofício n.º EAC311–293–2017–CB, de 09.01.2018, com o “Assunto: Regularização de quotas. Subscritor n.º 557341 – I.. Serviço n.º 1616 – Universidade de Coimbra”, a CGA comunicou à UC, para além do mais, que “[n]a sequência da atualização da situação contributiva do subscritor acima referido (...) foi apurada uma dívida de quotas e/ou contribuição da Entidade, no montante de €52.502,48 (...).” – cfr. doc. n.º 7 da p.i. do Proc. 176/18.0BECBR;
14. Por ofício n.º AAC4/CTB 7-1616, de 26.02.2018, a CGA, IP comunicou à UC que “[d]ecorrido o prazo legal para pagamento dos valores constantes na conta-corrente dessa entidade, relativos ao mês de fevereiro de 2018, verifica-se a existência de dívida(s) à CGA, (...), no valor total de €52.502,48. (...) Face ao exposto, solicito se digne regularizar a situação junto da CGA, no prazo de 30 dias, findo o qual esta Caixa se reserva o direito de acionar os mecanismos legais ao seu dispor. (...)” – cfr. doc. n.º 8 da p.i. do Proc. 176/18.0BECBR.
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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão de mérito a proferir”.
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III.B. DE DIREITO
b.1 do erro de julgamento sobre a matéria de direito por alegada violação do disposto nos artigos 173º do CPTA e 28º do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro.
3.2.O erro de julgamento que a Apelante Caixa Geral de Aposentações assaca ao saneador-sentença em crise reconduz-se a saber se o Tribunal a quo, ao anular o ato impugnado na ação, violou os comandos dos artigos 173.º do CPTA e 28.º do DL n.º 498/72, de 09/12.
Para uma melhor compreensão do objeto do presente recurso afigura-se-nos útil proceder a um breve enquadramento dos antecedentes que precederam a prolação do ato impugnado por parte da CGA.
3.2.1.Ora, conforme decorre do relatório e dos factos dados como assentes na fundamentação da decisão recorrida, a autora exercia as suas funções como Professora Associada com Agregação no Departamento de Engenharia Química da Universidade de Coimbra, e requereu a sua aposentação voluntária antecipada, que veio a ser determinada por despacho da Apelante de 26 de janeiro de 2015.
Inconformada com esse despacho de 26/01/2015 a autora propôs a competente ação de impugnação, que correu termos no TAF de Coimbra com o processo n.º 82/16.3BECBR, invocando como fundamento para a sua anulação a violação do direito de audiência prévia (artigo 121.º, n.º1 do CPA), tendo essa ação sido julgada procedente por sentença proferida a 21 de julho de 2017 e transitada em julgado.
Sucede que, em sede de execução dessa sentença anulatória, por comunicação da CGA de 25/08/2017, a apelada foi notificada do valor da pensão mensal ilíquida de 1.541,60€ e para, querendo, se pronunciar, após o que desistiu do pedido de aposentação voluntária antecipada e reiniciou as suas funções como Professora Associada com Agregação no Departamento de Engenharia Química da Universidade de Coimbra a partir de 1 de outubro de 2017 ( vide ponto 8 do elenco dos factos provados). Foi também notificada para regularizar a dívida no montante de 38.756,90€, valor que a Ré considerou indevidamente pago à Autora, nos meses de maio de 2015 a agosto de 2017, a título de pensão de aposentação.
Por sua vez, por comunicação datada de 30.08.2017, a CGA informou a UC da anulação do referido despacho de aposentação da autora (mencionado no ponto 1 do elenco dos factos provados) e de que deveria proceder à reinscrição da A. junto da CGA, com data de efeito de 2015-03-01, sendo gerada uma regularização de quotas e contribuições até à presente data, após o que, na sequência de diligências desenvolvidas pela UC, veio a informar, por ofício da mesma, datado de 12.10.2017, que na sequência da atualização da situação contributiva da subscritora I., foi apurada uma dívida de quotas e contribuições no montante de €54.072,60 ( vide pontos 6, 7 e 10 do elenco dos factos provados).
Posteriormente, a 09/01/2018, a CGA informou a UC que foi apurada uma dívida de quotas no montante de €52.502,48, e por ofício datado de 26.02.2018, a CGA comunicou à UC que “[d]ecorrido o prazo legal para pagamento dos valores constantes na conta-corrente dessa entidade, relativos ao mês de fevereiro de 2018, verifica-se a existência de dívida(s) à CGA, (...), no valor total de €52.502,48. (...) Face ao exposto, solicito se digne regularizar a situação junto da CGA, no prazo de 30 dias, findo o qual esta Caixa se reserva o direito de acionar os mecanismos legais ao seu dispor. (...)” ( vide pontos 13 e 14 do elenco dos factos provados).
A UC, através da ação administrativa com processo n.º nº 176/18.0BECBR, que instaurou contra a CGA e na qual indicou como contrainteressada a aqui autora, pediu que fosse “ declarada a nulidade da decisão da caixa geral de aposentações que constata a existência de uma dívida, cuja obrigação de pagamento atribui à autora, Universidade de Coimbra, no valor de €52.502,48, respeitante às quotas e contribuições em falta, relativas ao período de 01­03-2015 a 02-10-2017, em que a subscritora I., esteve a receber pensão de aposentação (ao abrigo de decisão da CGA que veio a ser anulada, por douta sentença proferida pelo TAF de Coimbra, datada de 21-07-2017, e transitada em julgado), ao abrigo do disposto nos arts. 161.º, n.º 2, alíneas g), k) e l), e art. 162.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPA”.
A referida ação foi apensada a estes autos, em 23/06/2020.
3.2.2.As questões que se impunham à 1.ª Instância decidir passavam por saber se os atos proferidos pela CGA em sede de execução de julgado anulatório, que determinaram (i) a restituição das quantias auferidas a título de pensão por I., no período compreendido entre maio de 2015 e agosto de 2017 e (ii) o pagamento, por parte da Universidade de Coimbra, do valor de €52.502,48, respeitante a quotas e contribuições em falta, relativas ao período de 01¬03-2015 a 02-10-2017, em que a subscritora I., esteve a receber pensão de aposentação, deviam ou não ser invalidados.
3.2.3.O Tribunal a quo considerou que os referidos atos da autoria da CGA enfermavam de vício de violação de lei, e anulou-os. Entendeu o Tribunal a quo, para o efeito, no que concerne à apelada, o seguinte:”(…) Ora, efetivamente, no cumprimento dos deveres que para a CGA decorreram da anulação do ato que concedeu à A. a pensão, pode aquela ter de atuar, como refere o artigo 173.º, n.º 1 do CPTA, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado, mas, como se refere no n.º 2 do referido preceito, o dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa não pode implicar a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições. Nestes casos, como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Ed., 2017, pág. 1285), a entidade administrativa apenas pode praticar um ato que regule de novo a situação jurídica (ainda que se trate de um ato renovatório) mas com efeitos para o futuro.
No caso dos autos, a Entidade Demandada, ao pretender executar a decisão de 21.07.2017, considerou que deveria atribuir eficácia retroativa ao enquadramento cadastral da A., dada a circunstância de esta não ter aceitado a pensão que lhe fora atribuída, o que, no seu entender, implica que a A. devolva o valor das pensões que auferiu no período que esteve, na realidade e de facto, aposentada. Tal entendimento não só vai para além do julgado anulatório, como, ainda que se considerasse estar tal atuação abrangida pelos efeitos ultraconstitutivos da sentença, sempre implicaria a imposição de um encargo para a beneficiária, pelo que colide frontalmente com o disposto no artigo 173.º, n.º 2 do CPTA.
Embora, naturalmente, a decisão de anulação do ato que concedeu à A. a pensão, implique que a CGA tenha retomado o procedimento, facultando à A. a possibilidade de se pronunciar e de expressamente aceitar/recusar a pensão que lhe foi proposta. É a posterior decisão da A. de não aceitar a referida pensão que implica que, assim sendo, tenha que regressar ao seu serviço. Este regresso estaria dependente não da execução da decisão anulatória, mas da resposta que a A. pudesse dar na sequência do cumprimento dos formalismos que ficaram por cumprir, e que a decisão proferida por este Tribunal considerou essenciais. E por isso se entende que jamais a autoridade do caso julgado se pode estender de modo a impor à A. a restituição dos valores que auferiu a título de pensão de aposentação.
Na verdade, e no essencial a CGA, (a pedido da A., é certo, mas sem lhe prestar mais contas), disse à A.: aposento-te com uma pensão no valor de 1.541,60€. A A., na decorrência dessa atuação, não continuou a trabalhar (afinal, estava aposentada!). Mais tarde, em execução de julgado, vem a CGA dizer-lhe: não te devia ter aposentado, devias ter continuado a trabalhar, devolve tudo o que recebeste. Não se pode admitir.
Tanto basta para concluir pela procedência da pretensão da A. I., sem necessidade de chamar para a análise a levar a cabo os princípios por si convocados.
Na verdade, o princípio da proporcionalidade deve ser convocado se a Administração tiver que escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes de que disponha aquelas que sejam menos gravosas, ou seja, que causem menos danos.
Na situação em apreço, não estamos no spielraum da administração, isto é, não havia escolha.
De acordo com o Acórdão do STA de 23/06/1994/proc. 031585: “Embora os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade configurem parâmetros da atuação vinculada da Administração Pública, a tal ponto que o seu não acatamento gera o vício de violação de lei, é na atividade discricionária daquela que encontram a sua raiz, consubstanciando limites intrínsecos daquele poder discricionário, ou seja, critérios que devem nortear o exercício desse poder e que quando desrespeitados, geram a ilegalidade do ato administrativo correspondente. (...) Nos termos da atividade vinculada da Administração Pública, não se afigura curial estar-se a invocar a violação de tais princípios, já que esta tem significado coincidente com a violação do princípio da legalidade”.
Tal raciocínio é inteiramente aplicável ao caso dos autos, já que, como tivemos oportunidade de expor, a administração está, por lei, vedada de praticar atos com eficácia retroativa se da sua prática resultar a imposição de encargos, não lhe sendo conferido um poder discricionário, pelo que uma eventual violação do princípio da proporcionalidade ou da proteção da confiança não poderá ter qualquer expressão (cf. ainda neste sentido o Acórdão do TCAS, de 12.02.2015, proferido no Proc. n.º 11465/14).
O facto de o ato que ordenou a restituição do valor auferido a título de pensão pela A. colidir com o disposto no artigo 173.º, n.º 2 do CPTA não o torna nulo, já que não vem invocada a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, e embora o ato possa extravasar o caso julgado, não o ofende, não estando em causa qualquer das situações previstas no artigo 161.º do CPA.
Assim, a consequência a retirar da violação do artigo 173.º, n.º 2 do CPTA, é a anulação do ato que impôs à A. a restituição da pensão que havia auferido no período compreendido entre maio de 2015 e agosto de 2017, à luz do disposto no artigo 163.º do CPA.”
3.2.4.Por seu turno, e quanto à Contrainteressada Universidade de Coimbra, adiantou, como fundamentação que: “ (…)como afirma a CGA, I., relativamente ao período em causa – desde janeiro de 2015 a agosto de 2017 –, não pode estar simultaneamente aposentada e no ativo, e certo que não esteve no ativo, não tendo auferido qualquer remuneração pela prestação de trabalho nesse período.
Assim, e no cumprimento dos deveres que para a CGA decorreram da anulação do ato que concedeu à A. a pensão, embora deva atuar, como refere o artigo 173.º, n.º 1 do CPTA, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado, não tem o dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, já que esses atos passam, in casu, pela imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições.
Assim, e embora não se verifique a nulidade que a UC imputa ao ato (cf. artigo 161, n.º 2, al. k)), já que as quotas e contribuições para a CGA estão previstas no Estatuto da Aposentação (Decreto-lei n.º 498/72, de 9 de dezembro), mormente nos seus artigos 5.º e 6.º-A, certo é que se verifica, além de uma atuação que viola o disposto no artigo 173.º, n.º 2 do CPTA, uma situação de erro nos pressupostos, já que a base de incidência das referidas quotas e contribuições (artigos 6.º e 6.º-B do referido Estatuto) é composta por remunerações – ordenados, salários, gratificações, emolumentos, o subsídio de férias, o subsídio de Natal e outras retribuições, certas ou acidentais, fixas ou variáveis – e não tendo a UC pago à A. I. qualquer desses valores no período em causa, desde logo porque A. estava aposentada (legal ou ilegalmente) e não trabalhou, não pode, naturalmente, ser-lhe exigido que pague as quotas e contribuições que sobre aqueles valores teriam, hipoteticamente, incidido.
Tanto basta para justificar a anulação do ato impugnado”.
Considerou ainda o Tribunal a quo procedente o vício decorrente da violação do artigo 121.º do CPA e como improcedente a invocada falta de fundamentação do ato impugnado.
3.2.5.A Apelante, não se conforma com o assim decidido, sustentando que só atribuindo-se eficácia retroativa à anulação do despacho de 26 de janeiro de 2015, o que, a seu ver, implica a restituição do montante correspondente às pensões indevidamente abonadas pela Caixa Geral de Aposentações por parte da autora, o pagamento dos vencimentos por parte da Universidade de Coimbra e a regularização das quotas devidas no período em causa, se eliminam todos os seus efeitos e se cumpre a obrigação de “reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado”, razão pela qual, ao assim não ter sido compreendido pelo Tribunal a quo, o mesmo incorreu em erro de julgamento.
Vejamos.
3.2.6.Considerando os factos dados como assentes, adianta-se que nos revemos, na sua essência, no percurso lógico-dedutivo seguido pelo tribunal a quo, cuja argumentação se encontra alicerçada em termos bem estruturados, sendo não só compreensível como inatacável a solução expressa na decisão final, que é a conclusão de uma correta subsunção do direito aos factos apurados.
Assim, em reforço do decidido pela 1.ª Instância, dir-se-á que de acordo com o disposto no artigo 158.º do CPTA “ As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas” ( n.º1) e nos termos do seu n.º2 A prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer ato administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte ”.
Logo, com o trânsito em julgado das sentenças, recai sobre a Administração um dever de carácter jurídico, que a vincula à execução das decisões jurisdicionais.
A propósito do caso julgado escreveu-se no Acórdão do STA, de 14/02/02, proferido no processo n.º 10/02-30, que “ (...) Conforme se refere nos artigos 673º e 671º do Código do Processo Civil a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que a julga e, transitada, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele”.
Já no que concerne à execução de sentenças, estabelece o artigo 173.º, n.º1 do CPTA, que, “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”.
Em anotação ao artigo 173.ºdo CPTA, também Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes CadilhaCfr. in Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pág.1117;
, sublinham que “os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo podem situar-se em três planos:
(a) reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação;
(b) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava;
(c) eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas” .
3.2.7.Em síntese, pode concluir-se que a sentença anulatória de um ato administrativo tem, por um lado, um efeito constitutivo, que por regra, consiste na invalidação do ato impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento. Por outro, fica a administração constituída no dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo) dever esse que proíbe a reincidência, excluindo a possibilidade da Administração reproduzir o ato com as mesmas ilegalidades individualizadas e assim declaradas, sob pena de incorrer em nulidade. Por último, emerge o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal ou, se esse ato tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa a anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética atual).
3.2.8.Constitui jurisprudência assente que os limites objetivos do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos, quer no que se refere ao efeito preclusivo, quer no que toca ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determinam-se pelo vício que fundamenta a decisão (causa de pedir), pelo que a eficácia do caso julgado anulatório se encontra circunscrita e delimitada aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do ato, nada obstando, pois, que se admita que a Administração emita novo ato com idêntico núcleo decisório, mas expurgado dos referidos vícios. Cfr. entre outros, o Ac. do Pleno de 08.05.03, in rec. nº — 40821/A e, em sede doutrinal, Freitas do Amaral, Da execução das sentenças dos tribunais Administrativos, pags. 36 a 45, e Mario Aroso de Almeida, Sobre a autoridade do caso julgado das sentenças de anulação de actos administrativos, pags. 127 e segs;.
Nesse sentido, pode ler-se no Acórdão do STA de 13/04/2000, proferido no recurso nº 031616 que anulado um acto ... pode a Administração praticar outro acto com o mesmo ou diverso conteúdo dispositivo, desde que o novo acto substitutivo seja expurgado do vício que determinou a anulação anterior. A decisão contenciosa da anulação de um ato administrativo deve ser executada, pela Administração, reconstituindo a situação actual hipotética como se o ato anulado não tivesse existido na ordem jurídica. O ato renovado, emitido em execução da sentença de anulação, produz efeitos referidos ao momento da prática do ato anulado e deve tomar em consideração a situação de facto e de direito existente nesse momento.” – realce nosso.
No mesmo sentido, sumariou-se no Acórdão do STA, proferido em 30/09/2010, in proc. nº l33/03 que: A eficácia do caso julgado anulatório encontra-se circunscrita ao vício ou vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto, nada obstando, nos casos em que o acto é renovável, a que a Administração emita novo acto com idêntico conteúdo decisório, mas liberto dos referidos vícios, fazendo retroagir o procedimento à fase em que se verificou a ilegalidade, praticando novo acto, agora expurgado da ilegalidade cometida pelo anterior (artº 173º, nº1 do CPA)” – realce nosso.
Como se referiu, o Supremo Tribunal Administrativo tem perfilhado o entendimento de que em processos de impugnação de atos administrativos o caso julgado abrange a qualificação como vícios, positiva ou negativa, pelo que o âmbito do dever de execução se determina em função das razões que motivaram a anulação (neste sentido, entre muitos outros, Acs. do STA de 2.7.2008 (Pleno), proc. N.º 1328ª/03, e 18.11.2009, proc. N.º 581/09).
Cita-se ainda o Acórdão do STA nº 0261/06 de 26/09/2006 no qual se refere, designadamente, que “a execução da sentença consiste na prática pela Administração dos actos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido cometido. O limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos determina-se pelo vício que fundamenta a decisão.
Por isso, no âmbito do contencioso de mera anulação a qualificação de determinadas circunstâncias como vícios do ato integra o caso julgado material, ficando ainda abrangido pelo caso julgado material o concreto conteúdo do acertamento judicial e, em particular, enquanto limite objetivo do caso julgado material, integram igualmente os antecedentes lógicos indispensáveis da parte dispositiva do julgado.
E, quanto à assinalada extensão do caso julgado, diz-nos Miguel Teixeira de Sousa Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material, BMJ, 325, págs.208, 209, 211 e 213; que “(...) o caso julgado material recai sobre a decisão e os fundamentos, de facto e de direito, pois incide sobre a decisão fundamentada (..) o raciocínio subsuntivo vale no seu todo de conjunto e nos seus elementos de composição, o que (..) significa que a questão de facto (..) e a questão de direito do raciocínio de subsunção [facto subsumido e norma subsuntiva] são (..) globalmente abrangidos pelo caso julgado material da decisão fundamentada de facto e de direito (..) o caso julgado material integra os fundamentos decisivos para o sentido da sentença e os elementos, ou motivos objectivos, da relação jurídica litigiosa (..).De extrema pertinência, sublinha ainda TEIXEIRA DE SOUSA Cfr. in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, p. 578-579; que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão
Na jurisprudência, e nesta linha de entendimento pode citar-se o Acórdão do STJ, datado de 05.12.2017, proferido no processo 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1, que ponderou o seguinte que ora se transcreve: durante algum tempo foi dominante o entendimento de que a eficácia do caso julgado apenas abrangia a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na pretensão reconvencional e limitada através da respetiva causa de pedir (“conceção restrita do caso julgado”).
Atualmente, a posição jurisprudencial predominante reconhece, na esteira da doutrina defendida por VAZ SERRA (cfr. R.L.J. ano 110º, p. 232) - embora sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença / a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão (“tese ampla”) -, que, apesar da eficácia do caso julgado material incidir nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, a mesma alcança também a decisão daquelas questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado (isto é, os fundamentos e as questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito enquanto limites objetivos dessa decisão), em homenagem à economia processual e à estabilidade e certeza das relações jurídicas (“tese eclética”)”.
Porém, como ilustra a experiência, o dever de a Administração reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, por forma a cessar por completo o ciclo aberto pela prática daquela ilegalidade “ na maioria das vezes, não resulta da simples eliminação daquele ato, permanecendo, para além daquele, todos os efeitos jurídicos gerados e todos os atos administrativos praticados na pendência da eficácia do mesmo.
(…) a mera circunstância de a Administração praticar um ato administrativo, seja legal ou ilegal, cria uma realidade jurídica ex novo que dará lugar à prática de novos atos e, sobre esses, outros. É, por isso, uma cadeia que, sendo sequencial e inevitável, cria um obstáculo evidente no momento de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, na medida em que todos os demais que lhe seguem têm, pelo menos, como pressuposto a legalidade da situação jurídica envolvente”. JOANA DURO, in CJA, n.º 124, pág. 46;
3.2.9.O n.º2 do artigo 173.º do CPTA determina, por sua vez, que a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.
O cumprimento do dever de executar (a que se refere o artigo 173.º) “é da responsabilidade do órgão que tenha praticado o ato anulado” (cfr. artigo 174.º n.º 1 do CPTA), sendo que “se a execução competir, cumulativa ou exclusivamente, a outro ou outros órgãos, deve o órgão referido no número anterior enviar-lhes os elementos necessários para o efeito” (cfr. artigo 174.º n.º 2 do CPTA).
3.2.10.No caso, relembre-se que o despacho da direção da Ré de 26 de janeiro de 2015 que determinou a aposentação voluntária antecipada da Autora, foi anulado com fundamento na violação do artigo 121.º, n.º1 do CPA, por sentença do TAF de Coimbra, de 21 de julho de 2017, proferida no processo n.º 82/16.3BECBR, já transitada em julgado.
Deste modo, a CGA podia e devia praticar novo ato desde que não reincidisse na alegada ilegalidade. Nesse sentido, aponta a jurisprudência citada e que continua a ser veiculada pelo STA, de que é exemplo o ainda recente Acórdão do STA de 21-11-2019, proferido no rec. 277/12.9BECBR ( 0485/18), no qual se obtempera que: “(…) entendia-se e ainda hoje se entende que a possibilidade de a Administração reexercer o seu poder, praticando um novo acto com conteúdo idêntico ao anterior mas sem vícios, está dependente do vício que ditou a invalidade do acto impugnado. Mais concretamente ainda, apenas quando se trate de vício de forma ou de procedimento, vícios externos ao acto, é admissível o reexercício do poder administrativo. Conforme se diz no acórdão deste STA de 05.02.04, Proc. n.º 30655A (que, para o efeito, cita o acórdão do STA de 02.10.01, Proc. n.º 34044-A, e, ainda, o acórdão do Pleno do STA de 08.05.03, Proc. n.º 40821-A), o “respeito pelo caso julgado não impede a substituição do acto anulado por outro idêntico desde que a substituição se faça sem repetição dos vícios determinantes da anulação (…). Aliás, o limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, «seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a decisão»” [ver, ainda, no mesmo sentido, e entre outros, os acórdãos do STA de 18.11.09, Proc. n.º 581/09, e de 23.10.12, Proc. n.º 262/12].
(…)
Quanto à questão da renovação do acto, como se viu acima, a Administração não estava impedida de o fazer. Já a questão da alteração da situação fáctica e da sua irreversibilidade merece alguma atenção. Com efeito, parece à partida estranho que em 2010 se emita uma nova DUP, com carácter de urgência, com vista à realização de uma obra que já está feita.
Não obstante, este problema é mais aparente do que real. Vejamos o que foi dito no Acórdão do STA de 01.06.06, Proc. n.º 30655A, sobre a questão da eficácia temporal dos actos renovadores:
“Ora, não havendo hoje em dia dúvidas consistentes de que os actos anulados por vício de forma por falta de fundamentação são renováveis, temos que o acto que reinstale a substância dispositiva do anterior com a fundamentação que a este faltava se inscreve no âmbito da excepção legal, e, logo, não terá eficácia retroactiva (neste sentido, Ac. do STA, de 27/05/98, Rec. nº 40885).
Desta maneira, e porque se aceita pacífica esta doutrina, fica presumido que a situação do momento (a chamada situação actual hipotética) seria a mesma que existiria com o acto ilegal se não tivesse sido anulado. É essa a razão subjacente à irrectroactividade prescrita na norma. Quer dizer, porque num juízo forte de probabilidade se crê que o acto ilegal se repita (se renove) sem os vícios que conduziram à sua anulação, o legislador concede que se salvem os efeitos produzidos à sua sombra até que surja o novo acto (acto renovador)”.
Mais ainda, diz-se no aresto em apreço:
“Significa isto que no caso de acto renovável a projecção dos efeitos destrutivos ou reconstrutivos da sentença anulatória não é resolvida «ao nível dos actos da sua execução, mas pelo próprio acto renovador (parecendo subentendido que se trata aqui de um acto com o mesmo sentido ou efeito do acto anterior)» (M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., págs. 621 e 622).
Ou seja, tratando-se de actos renováveis, entre os quais avultam os anulados por vício formal de falta de fundamentação, a execução da sentença cumpre-se com a prolação de novo acto, sem os vícios que caracterizavam o anterior. E só em relação a ele se poderá pôr o problema da retroactividade ou não (autores e ob. cit., pág. 622)”. “Até lá, haverá que esperar pelo novo acto decisor” [novo acto decisor que, como se viu, não possui eficácia retroactiva].
(…)
“E porque no caso em apreço o vício que inquinou o acto anulado foi de violação de legalidade interna (concretamente, o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto) mais patente se torna que a presente execução deverá ter eficácia retroactiva, ao contrário do que poderia eventualmente suceder se ele se incluísse na espécie de actos renováveis - os anulados por vícios de ilegalidade externa, como, por exemplo, o de forma por falta de fundamentação (cfr., a propósito, artº 128º, nº 1, al. b), do CPA). Quer isto dizer que, a projecção dos efeitos destrutivos e constitutivos da sentença ao momento da prática do acto anulado obriga a que o novo acto observe os pressupostos de facto e de direito existentes à data do anterior (acto anulado)”.

Em face de todo o exposto, pode concluir-se que não merece censura a actuação da Administração que poderia ter optado, e efectivamente optou, pela renovação do acto no estricto respeito pelo caso julgado, não repetindo os vícios que macularam o acto impugnado.”

3.2.11.No caso dos autos, na sequência do julgado anulatório que anulou o despacho que decidiu a aposentação da autora sem observar o dever de audiência prévia da mesma, a CGA procedeu à renovação desse ato, notificando a autora para se pronunciar nos termos e para efeitos do disposto no artigo 121.º do CPA, e foi nessa sequência que a autora decidiu desistir do seu pedido de aposentação e voltar a exercer funções docentes na Universidade de Coimbra.
Porém, entende a CGA que em sede de execução do julgado anulatório, em ordem a delimitar o âmbito da reconstituição da situação atual hipotética que existiria se o ato anulado (despacho de 26/01/2015) não tivesse sido praticado (art.º 173º nº 1 CPTA), é necessário ter presente que a execução do efeito repristinatório da anulação se concretiza na recolocação da recorrida na posição da qual o ato anulado a retirou, restabelecendo a situação que existiria no momento em que esse ato foi praticado, o que leva a que só atribuindo eficácia retroativa à anulação do despacho de 26/01/2015 – o que implica a restituição do montante correspondente às pensões indevidamente abonadas pela Caixa Geral de Aposentações, o pagamento dos vencimentos por parte da Universidade de Coimbra e a regularização das quotas devidas no período em causa – se eliminam todos os seus efeitos e se cumpre a obrigação de “reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado”, adiantando que que a apelada relativamente ao período em causa, não pode estar simultaneamente aposentada e no ativo.
3.2.12.Como já tivemos o ensejo de expor, a eficácia do caso julgado anulatório encontra-se circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do ato, nada obstando, nos casos em que o ato é renovável, a que a Administração emita novo ato com idêntico conteúdo decisório, mas liberto dos referidos vícios ( artigo 173.º, n.º1 do CPTA).
Não pode, porém, deixar de se atentar aos limites impostos pelo n.º2 do artigo 173.º do CPA, do qual decorre que, pese embora seja facultada à Administração, para o cumprimento desse dever de execução, praticar atos administrativos dotados de eficácia retroativa, não os poderá proferir caso os mesmos envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Deste modo, conforme se assinala no Acórdão do STA, de 05/07/2018, proferido no processo n.º 01082/16:
“III - Assim, e nos termos conjugados dos nºs 1 e 2 do citado art. 173.º do CPTA, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, com ressalva para os que envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos.
IV - Mesmo que tenha sido retomada a instrução do processo disciplinar e venha a ser proferido um ato substitutivo, a reintegração da ordem jurídica violada manterá os seus efeitos até à aplicação da nova sanção, visto o novo ato punitivo, embora inserido na execução, não poder deter eficácia retroativa já que apenas pode produzir efeitos para o futuro dada a sua natureza sancionatória”.
Com interesse para a economia destes autos veja-se ainda o Ac. do TCA Sul, de 22.05.2014 rec. 10460/13:
Resulta do artigo 173º/1 do CPTA que um dos 3 deveres distintos em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um acto administrativo é a eventual substituição do acto ilegal sem reincidir nas ilegalidades anteriormente detectadas pela sentença anulatória (cfr. assim MARIO AROSO/C.C., Comentário…, 3ª ed., pp. 1117-1118 e notas nº 1248 e nº 1249); é a chamada “renovação do acto”.
Era assim já antes do CPTA.
É exactamente este o caso duma anulação baseada, não em vícios de violação de lei (vícios internos, i.e., seus pressupostos de facto ou de direito), mas em vícios de forma (vícios externos), como é o caso da falta de audiência prévia ou da falta de fundamentação (cfr. assim os Acs. do STA de 23-10-2012, P. nº 0262/12; de 13-11-2007, P. nº 341-A/03; de 14-3-2002, P. nº 048195; de 2-7-2008, P. nº 01328-A/03; de 12-7-2006, P. nº 024690-A; de 1-6-2006, P. nº 030655-A (2)
[Corresponde ao caso presente, porque o julgado anulatório assentou apenas no vício de forma da falta de audiência prévia.
Portanto, o que resulta do caso julgado foi o dever de o executado fazer a audiência prévia do exequente.
Não faz parte do caso julgado qualquer outro aspecto discutido no acto administrativo anulado e muito menos outros aspectos não discutidos sequer no processo declarativo anulatório.
O título executivo (sentença anulatória) só dá ao ora exequente um “crédito” exequível: o de ser ouvido antes do caso administrativo ser resolvido pela A.P.
(…)
2 ) I- Na execução de sentença anulatória de acto administrativo, o critério a seguir não é necessariamente o da reposição da situação anterior à prática do acto ilegal, mas o da reconstituição da situação actual hipotética.
II- Se o fundamento da anulação for a existência de um vício de legalidade externa, como, por exemplo, o de forma por falta de fundamentação, o acto anulado considera-se renovável.
III- Nesse caso, a execução do julgado cumpre-se com o expurgo da violação detectada, isto é, com a prolação de novo acto (renovador), mas sem o vício que caracterizava o anterior (renovado).

IV- Os actos que dêem execução a decisões anulatórias de actos administrativos renováveis não têm, geralmente, eficácia retroactiva (art. 128º, nº1, al.b), “in fine”, do CPA).]”
No caso, importa não desconsiderar que no período de tempo que decorreu entre o ato proferido pela CGA em 26/01/2015, por via do qual a mesma foi aposentada e o momento em que aquela regressou ao exercício das suas funções docentes, por via da anulação desse ato e da reconstituição a que CGA se viu obrigada, por força da situação gerada pela prática do ato ilegal- ou seja, até 25.08.2017, a autora esteve impedida do exercício das suas funções docentes na UC, por se encontrar na situação de aposentação e, nessa medida, não auferiu da Universidade de Coimbra qualquer remuneração, não havendo, por conseguinte qualquer dúvida em como essa situação é imputável à CGA. Não fora a indevida aposentação da autora e a mesma não teria sido colocada na situação em que permaneceu até 25.08.2017.
Ora, não tendo a autora exercido funções docentes nesse período temporal, e já não lhe sendo possível exercê-las em relação a um período de tempo que já decorreu, sendo já demasiado tarde para o efeito, a mesma, naturalmente que não recebeu qualquer contrapartida pelas mesmas, não se podendo, agora, ficcionar o exercício dessas funções.
Analisada a situação, agora também pelo ângulo da Universidade de Coimbra, não pode senão concluir-se que não seria de todo razoável que fosse esta entidade a suportar os encargos relativos ao vencimento da autora nesse período de tempo que decorreu entre a sua aposentação (26/01/2015) e o seu regresso ao serviço em virtude da reconstituição pela CGA da situação decorrente da anulação do ato que determinou a aposentação da mesma, nem que tivesse de suportar os demais encargos legais, uma vez que, nesse período, a autora deixou de estar vinculada à Universidade de Coimbra ( estava aposentada), e como tal não prestou qualquer atividade docente nessa instituição, e quando essa situação não tem na sua génese nenhuma ocorrência da responsabilidade da Universidade de Coimbra, mas antes a aposentação da autora por via duma decisão inválida, para prolação em nada contribuiu.
3.2.13.A responsabilidade pela ilegal aposentação da autora, decorrente do vício de forma por preterição da audiência prévia nos termos do disposto no artigo 121.º do CPA é exclusivamente imputável à CGA, na medida que foi a mesma que decidiu aposentar a autora sem cumprir uma formalidade essencial e obrigatória que se impunha no âmbito tramitação do respetivo procedimento administrativo, donde resulta, ser sua obrigação suportar todos os encargos resultantes da indevida aposentação da autora que também não poderá ser prejudicada por força desse ato ilegal assacável à conduta da CGA.
A este resultado conduz a correta aplicação do artigo 173.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, sendo a presente situação um caso enquadrável na proibição da Administração praticar atos com eficácia retroativa.
Reitera-se, apenas à Apelante CGA é imputável o facto de a Autora, como aposentada ter estado impedida de exercer funções na Universidade enquanto docente e de receber a correspondente remuneração, desde 01/03/2015, sendo que nos termos do art.º 16.º do CPA, “a Administração Pública responde, nos termos da lei, pelos danos causados no exercício da sua atividade”.
Ora, sendo da responsabilidade exclusiva da CGA, a decisão de aposentação da referenciada I., terá de ser esta a suportar os custos da anulação de tal decisão, onde se inclui, a dívida que emerge dos descontos e quotas que deveriam ter sido entregues à CGA.
Assim sendo, soçobram os invocados fundamentos de recurso, pelo que impera que se confirme a sentença recorrida.
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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pela apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

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Porto, 02 de julho de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita

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I) Cfr. in Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Edição, 2010, Almedina, pág.1117;

II) Cfr. entre outros, o Ac. do Pleno de 08.05.03, in rec. nº — 40821/A e, em sede doutrinal, Freitas do Amaral, Da execução das sentenças dos tribunais Administrativos, pags. 36 a 45, e Mario Aroso de Almeida, Sobre a autoridade do caso julgado das sentenças de anulação de actos administrativos, pags. 127 e segs;

III) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material, BMJ, 325, págs.208, 209, 211 e 213;

IV) Cfr. in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, p. 578-579;

V) JOANA DURO, in CJA, n.º 124, pág. 46;