Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01509/15.7BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/07/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:HORÁRIO FLEXÍVEL; DEFERIMENTO TÁCITO; CORREIO ELETRÓNICO; CITE; REVOGAÇÃO
Sumário:
1 – Refere-se no artigo 26° do Decreto-Lei nº 73/2014 de 13 de Maio, que procede à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, relativamente ao Correio Eletrónico, que os serviços e organismos da Administração Pública devem disponibilizar um endereço de correio eletrónico para efeito de contacto por parte dos cidadãos e de entidades públicas e privadas e divulgá-lo de forma adequada, bem como assegurar a sua gestão eficaz, sendo que a correspondência transmitida por via eletrónica terá o mesmo valor da trocada em suporte de papel, devendo ser-lhe conferida pela Administração e pelos particulares, idêntico tratamento.
2 – O deferimento tácito, decorrente da falta de emissão de parecer tempestivo, por parte da CITE – Comissão Para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, só vigorará até à emissão de Parecer expresso em sentido divergente.
Efetivamente, a prolação de ato expresso faz desaparecer da ordem jurídica os efeitos do ato tácito que constituindo uma manifestação da vontade presumida da administração cede perante a vontade real que o novel ato manifeste.
E, porque assim é, a manifestação expressa da vontade consubstanciada no Parecer emitido pela CITE contrário à vontade presumida faz com que deixe de fazer sentido falar em vontade presumida, pelo que existindo vontade real expressa deixa de haver vontade presumida.
Não tem de haver uma revogação expressa do ato tácito, bastando uma pronúncia expressa em sentido contrário àquele para que o mesmo efeito se alcance.
Assim, o Parecer emitido tardiamente pelo CITE, desfavorável à recusa da prestação de trabalho em regime de horário flexível requerido pela trabalhadora, prevalecerá, após a data da sua emissão, sobre o deferimento tácito que anteriormente se havia constituído.
3 - Efetivamente, o prazo de 30 dias constante do nº 6 do Artº 57º do Código do Trabalho, dentro do qual o CITE deveria emitir e notificar o seu Parecer, tem natureza ordenadora, visando ainda obstar ao impasse que se geraria perante a eventual ausência de resposta por parte do CITE ao pedido de Parecer que lhe fosse dirigido, não obstando a que após o referido prazo, possa ser emitido parecer expresso. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CITE – Comissão Para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Recorrido 1:IHR, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar a acção improcedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A CITE – Comissão Para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, no âmbito da presente Ação intentada por IHR, SA, tendente, em síntese, à impugnação do ato consubstanciado no Parecer 150/CITE/2015 de indeferimento da intenção de recusa de pedido de horário flexível formulado por trabalhadora da IHR, inconformada com a Sentença proferida em 8 de novembro de 2017 que anulou a decisão objeto de impugnação, mais reconhecendo a ocorrência de deferimento tácito da intenção de recusa da autorização da IHR em autorizar o horário flexível à identificada trabalhadora, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Formulou a aqui Recorrente/CITE nas suas alegações de recurso, apresentadas em 16 de novembro de 2017, as seguintes conclusões:
A) A Autora, ora recorrida, apresentou um documento que a informava de que o pedido de parecer prévio dirigido à CITE tinha sido enviado com sucesso, em 12.12.2014.
B) A CITE verificou que não recebeu o citado pedido de parecer prévio em qualquer outra data anterior e, por consequência, não rececionou esse pedido em 12.12.2014, pelo que, o parecer n.º 150/CITE/2015, refere textualmente que "o pedido de parecer prévio foi rececionado na CITE a 6.3.2015".
C) Face ao disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 73/2014, de 13 de Maio sobre correio eletrónico e balcão único eletrónico, afigura-se que esse documento não constitui só por si prova bastante para se poder afirmar com toda a certeza, como o fez o tribunal "a quo", que a CITE rececionou o pedido em 12.12.2014. e não apenas, em 06.03.2015.
D) De facto, nos termos desse normativo, aplicável em 12.12.2014, data em que o tribunal "a quo" entendeu que a CITE recebeu o supracitado pedido de parecer prévio, a correspondência transmitida por via eletrónica tem que ter o mesmo valor da trocada em suporte de papel, devendo ser-lhe conferida, pela Administração e pelos particulares, idêntico tratamento, pelo que, o documento que serve de prova de que o pedido de parecer prévio foi enviado com sucesso naquela data, não demonstra que o destinatário, a CITE, o tenha recebido, uma vez que no correio por via postal, a prova da receção desse correio faz-se através de correio registado com aviso de receção ou através de correio registado, que obrigam à identificação e à assinatura do destinatário, ou seja, requerem uma prova da receção da correspondência em suporte de papel, por parte desse destinatário.
E) Assim, na receção da correspondência transmitida por via eletrónica, a identificação e eventual assinatura (digital) do destinatário, apenas poderia ser obtida através de uma resposta do referido destinatário, enviada do seu e-mail para o e-mail do remetente, ou pelo envio dessa correspondência através de uma plataforma eletrónica, caso esta existisse, como o balcão único eletrónico ou o respetivo portal ou sítio na Internet.
F) No caso "sub judice", tal não sucedeu, pois, face ao que antecede, o documento que serve de fundamento à decisão recorrida não prova que o destinatário, a CITE, tenha rececionado o supramencionado pedido de parecer prévio em 12.12.2014, pelo que a Autora, ora recorrida, deveria ter obtido a certeza de que o processo tinha sido rececionado na CITE naquela data, o que não fez.
G) Salienta-se que não se afigura que a presente ação tenha efeito útil no sentido de a Autora poder vir a recusar o horário flexível à trabalhadora, ora contra interessada, na eventualidade de impugnação do parecer da CITE, uma vez que o artigo 57° n.º 7 do Código do Trabalho estabelece que "se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo".
H) Assim, face ao exposto e pelo que será doutamente suprido por V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, em virtude da falta de fundamentação legal da sentença recorrida, por não ter aplicado bem os preceitos referidos nas alíneas anteriores, devendo interpretar-se e aplicar-se no sentido aí expresso, anulando-se a sentença recorrida, substituindo-se por outra decisão, nos termos do artigo 149.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que se afigura de elementar Justiça.”
*
A aqui Recorrida/IHR, veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 1 de fevereiro de 2018, nas quais concluiu:
A) Impugnam-se as conclusões apresentadas pela Recorrente por via do Recurso Jurisdicional por si interposto, ora em apreço, porquanto desvirtuam, de forma capciosa, os factos e o direito tentando, de forma infundada e frustrada, por em causa a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, quando na verdade a decisão por este tomada foi correta e justamente proferida, estando isenta de qualquer vício ou erro, conforme resulta da própria sentença proferida - e que aqui se da por integralmente reproduzida por mera economia processual, para os devidos efeitos legais e processuais.
B) Conforme doutamente decidido pelo Tribunal a quo, por via daquela mesma correspondência de 06.03.2015, a Autora/Recorrida fez um relato detalhado e documentado do histórico dos atos praticados e juntos ao processo de apreciação de pedido de horário flexível requerido pela Contrainteressada, alertando a Ré, aqui Recorrente, para o facto de que o pedido de emissão de parecer havia sido por si remetido tempestivamente para a CITE, em 12 de Dezembro de 2014 para apreciação pela mesma para os fins legais - vide 1° parágrafo de fls. 14 da sentença sub judice e pontos 2 a 4 destas Contra- Alegações.
C) Atento o teor completo dessa missiva (de 06.03.2015), tal como aconteceu anteriormente com a correspondência enviada pela Recorrida à Recorrente a 12 de Dezembro de 2014, também ela foi enviada pela Autora/Recorrida, por email, para o endereço eletrónico da aqui Recorrente (que consta do sitio oficial da Internet da Recorrente, assim como dos papéis timbrados que esta usa e promove nas suas relações com os particulares), usando para o efeito a mesma forma de envio, usada em 12 de Dezembro de 2014 para envio do processo para apreciação, com pedido de emissão de parecer pela CITE (como dispõe o artigo 57° nº 5 do CT) e do qual resultou para ambas as correspondências (de 12.12.2014 e de 06.03.2015) idêntico comprovativo de envio e entrega na caixa de endereço eletrónico da Recorrente - vide fls ... e fls... do processo administrativo junto aos autos e pontos ... das Contra-alegações ..
D) Legitimamente se conclui que não pode a Ré/Recorrente alegar, como alegou, que não recebeu o dito email de 12,12.2014 e ao, mesmo tempo, dizer que recebeu o email de 06.03.2017, quando ambas as correspondências foram enviadas pela Autora/Recorrida à CITE pela mesma via (correio eletrónico), tal como manifestamente provado nos autos, através dos respetivos comprovativos emitidos pelo servidor do sistema de confirmação do envio e entrega na caixa de correio do(s) endereço(s) eletrónicos da Recorrente, daquelas duas correspondências (de 12.12.2014 e de 06.03.2015). Por essa mesma ordem de razão não se aceita, por capcioso e abusivo, os argumentos agora aduzido pela Recorrente, nas suas conclusões de recurso.
E) A correspondência transmitida por via eletrónica tem o mesmo valor da trocada em suporte de papel, devendo, ao abrigo do artigo 26º do DL n° 73/2014 de 13 de Maio, ser-lhe conferida, pela Administração e pelos particulares, idêntico tratamento quanto à sua relevância, sendo a correspondência eletrónica uma forma tão válida como as restantes (via postal, telefax, etc.), nomeadamente para os efeitos previstos no n.º 57º n.º 5 do Código do Trabalho. Além de que a Recorrente, na gestão e controlo da sua conta de correio eletrónico (nomeadamente da "caixa de entrada" de emails), deverá dar o mesmo tratamento que dá à gestão de outras formas de correspondência legalmente previstas, o que conforme resulta da Sentença sub judice, não foi demonstrado pela Ré Recorrente, que o tenha feito, pois não efetuou no âmbito do procedimento administrativo junto aos autos, qualquer ato e/ou diligência que o demonstre e comprove - cfr. pontos 6 e 7, 12 e 13 das Contra-alegações.
F) Contrariamente ao alegado pela Recorrente em sede de suas alegações de recurso e conforme resulta da Sentença ora Recorrida, na verdade a Recorrente, em incumprimento dos seus deveres previstos nos artigos 53º e 58º do CPA (nomeadamente de inquisitório), não levou a cabo, nem sequer demonstrou e comprovou que tenha realizado (conforme devia e lhe competia) qualquer diligência instrutória, tendente a aferir sobre se em 12 de Dezembro de 2014 recebeu ou não na(s) sua(s) caixa(s) de correio eletrónico aquele email que lhe foi efetivamente enviado pela Recorrida. Averiguação esta que devia e teria de constar dos autos do processo administrativo, ao abrigo do seu dever inquisitório e de realização das diligências instrutórias devidas, úteis e necessárias, à boa e, correta e justa decisão da causa, constante daqueles mesmos normativos legais que devem orientar a sua atuação, dentro do quadro legal, o que a Recorrente não fez!
G) A Recorrente, no âmbito daquele processo administrativo, por facto que lhe é exclusivamente imputável, ignorou por completo o teor e motivação subjacente à correspondência remetida pela Recorrida em 6 de Março de 2015, sem atender à exposição e ao alerta ali feitos pela aqui Recorrida e, de forma arbitrária, discricionário, injustificada, não fundamentada e errada, considerou aquela correspondência de 06.03.2015, como o ato de remessa do processo para a apreciação nos termos do artigo 57º n.º 5 do Código do Trabalho, tendo, em seguida, se limitado apenas a emitir, destampadamente, o seu parecer sem dar cumprimento à sua obrigação prévia de levar a cabo as diligências instrutórias especificas que se impunham no presente, caso como necessárias e oportunas ao apuramento dos factos - receção ou não em 12.12.2014 da dita correspondência no seu endereço de email - à descoberta da verdade material e, consequente, boa decisão da causa.
H) Quanto ao alegado pela Recorrente em sede de sua Conclusão G), também não assiste qualquer razão à Recorrente, pois a ação administrativa em apreço tem efetivamente efeito útil, conforme aliás já objeto de pronúncia e decisão nesse sentido pelo Douto Tribunal a quo - sentença essa que aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais - pelo facto de a CITE, aqui Recorrente, não ter emitido o seu parecer dentro do prazo legal que dispunha para o efeito (fê-lo apenas mais de 90 dias depois do pedido da Autora - cfr. 1°§ da fls 13 da Sentença sub judice).
Ora a cominação legal para tal situação, é o deferimento tácito da intenção de recusa do pedido de horário flexível formulado pela aqui Recorrida.
I) Ocorrido o deferimento tácito, não existe motivo, necessidade, nem sequer fundamento legal para a empresa ter de recorrer ao disposto no nº 7 do artigo 57° do CT, pelo que para efeitos de efetivação de tal recusa em conceder o pedido de horário flexível formulado pela Contrainteressada, MIA, não tem a aqui Recorrente de obter decisão judicial a proferir por Tribunal do Trabalho, que reconheça a existência de motivo justificativo para aquela recusa, porque na verdade, para os devidos efeitos legais, não houve emissão de parecer desfavorável válido e tempestivo pela CITE, à pretensão submetida a sua apreciação atempadamente pela aqui Recorrida, em 12.12.2014, mas antes o seu deferimento tácito, por decurso do prazo legal para emissão de parecer desfavoráveI, conforme doutamente decidido pelo Tribunal a quo. - cfr. 1 § de fls. 13 da Sentença Recorrida.
J) Termos em que não deverá ser dado provimento ao recurso interposto pela Ré/Recorrente, pois a Sentença ora Recorrida não padece de qualquer falta de fundamentação (que a Recorrente alega, mas nem sequer demonstra), vício ou erro, pelo que consequentemente deverá ser mantida, in totum, a Sentença doutamente proferida pelo Tribuna/ a quo, datada de 08.11.2017, no âmbito dos presentes autos, o que se requer, fazendo-se assim inteira Justiça.”
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O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 8 de fevereiro de 2018.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 28 de fevereiro de 2018, nada veio dizer, requerer ou promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, que se consubstanciam predominantemente na necessidade de verificar se é feita prova de que o originariamente requerido pela IHR, por via eletrónica, terá sido rececionado pelo seu destinatário CITE, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade como provada:
1 – No dia 10 de novembro de 2014, a Contra interessada remeteu à Autora um pedido [datado de 06 de novembro de 2014] de atribuição de horário flexível – Cfr. doc. 3 junto com a Petição inicial;
2 – Por carta datada de 28 de novembro de 2014, a Autora deu resposta à Contra interessada, o que mesma recebeu em 1 de dezembro de 2014, não tendo todavia exercido pronúncia – Cfr. doc. 4 junto com a Petição inicial;
3 – No dia 12 de dezembro de 2014, a Autora remeteu à Ré, por correio eletrónico, pedido de apreciação da pretensão da Contra interessada – Cfr. doc. 5 junto com a Petição inicial;
4 – A Autora remeteu à Ré prova documental da receção [pela Ré], em 12 de dezembro de 2014, do pedido de apreciação da pretensão da Contra interessada – Cfr. fls. 13 e 20 do Processo Administrativo;
5 – Os endereços de correio eletrónico para onde a Autora remeteu aquele pedido de apreciação são os seguintes: cite@cite.gov.pt, e, geral@cite.gov.pt – Cfr. doc. 5 junto com a Petição inicial;
6 – Pelo menos um dos endereços de correio eletrónico utilizados pela Autora na sua correspondência com a Ré, em 12 de dezembro de 2014, consta inscrito em folhas timbradas da Ré, bem como no exterior do envelope de remessa da Contestação ao TAC de Lisboa – Cfr. fls. 29 a 31 do Processo Administrativo; Cfr. fls. 147 dos autos em suporte físico;
7 – No dia 13 de fevereiro de 2015, a Ré emitiu declaração de onde se extrai que a Autora não lhe solicitou parecer prévio com referência à ora Contra interessada MA - Cfr. fls. 6 do Processo Administrativo;
8 – No dia 6 de março de 2015, a Autora remeteu aos serviços da Ré uma nova mensagem de correio eletrónico, para três endereços de correio eletrónico, dando-lhe conta, entre o mais, de que em 12 de dezembro de 2014 lhe tinha remetido pedido de Parecer por via eletrónica - Cfr. fls. 4 e 5 do Processo Administrativo;
9 – A essa mensagem de correio eletrónico responderam os serviços da Ré, por mensagem de correio eletrónico datada de 10 de março de 2015, ao que a Autora veio a dar satisfação, por sua mensagem de correio eletrónico datada de 12 de março de 2015 – Cfr. fls. 5 do Processo Administrativo;
10 – No dia 01 de abril de 2015, a CITE emitiu o Parecer 150/CITE/2015, cujo teor, por ter interesse para decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“PARECER N.º 150/CITE/2015
Assunto: Parecer relativo à intenção de recusa do pedido de autorização de trabalho em regime de horário flexível, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro
Processo n.º 339 – FH/2015
I – OBJETO
1.1. A CITE recebeu da empresa …, S.A. pedido de emissão de parecer prévio à recusa do pedido de horário flexível apresentado pela trabalhadora …
1.2. Por requerimento recebido a 10 de novembro de 2014, a trabalhadora vem expor e requerer o seguinte:
…, 6 de novembro de 2014
Assunto: Pedido para trabalhar em regime de horário flexível
Exmos. Senhores,
Venho pela presente expor e solicitar o seguinte:
Conforme é do V/ conhecimento sempre procurei exercer as minhas funções profissionais com enorme zelo e profissionalismo e sempre colaborei com V. Exas. quando solicitado.
Ora, por motivo de ter um filho menor, de oito meses de idade, solicito a V. Exas. que me autorizem a trabalhar em regime de horário flexível, conforme a disposto no artigo 56º do Código do Trabalho.
Desta forma, e cumprindo os pressupostos legais pretendo usufruir do regime referido até o meu filho completar 12 anos de idade (cfr. o disposto no n.º 1 do artigo 56.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CT).
Remeto ainda, em anexo, declaração emitida pela Junta de Freguesia onde resido na qual consta que o meu filho vive comigo em comunhão de mesa e de habitação (cfr. o disposto na alínea b) n.º 1 do artigo 57.º do CT.
Por último e, uma vez que se entende por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de horário de trabalho, solicitava a V. Exas. que apenas tivessem em conta, na elaboração do meu horário de trabalho, que o mesmo tivesse termo no máximo às 19:30 horas e ainda, que os meus dois dias de descanso semanal passassem a ser fixos ao sábado e ao domingo.
Aguardando a V/ prezada resposta, Certa da melhor atenção para o exposto,
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me
1.3. A 1.12.2014 deu saída da empresa a resposta da entidade empregadora.
II – ENQUADRAMENTO JURÍDICO
2.1. Para os trabalhadores com responsabilidades familiares as condições de atribuição do direito a trabalhar em regime de horário flexível encontram-se atualmente estabelecidas nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, independentemente do seu vínculo laboral (setor privado ou setor público).
2.2. Através das referidas normas, pretendeu o legislador assegurar o exercício do direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa.
2.3. Para que possa exercer o referido direito, estabelece o n.º 1 do referido artigo 57.º que o trabalhador que pretenda trabalhar (...) em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a) Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b) Declaração da qual conste: (…)
i) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação; (…)
2.4. O n.º 2 do mesmo artigo admite, no entanto, que tal direito possa ser negado com fundamento em exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
2.5. Todavia, no prazo de 20 dias contados a partir da receção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador/a, por escrito a sua decisão, nos termos do n.º 3 do aludido artigo 57.º.
2.6. Por seu turno, estabelece a alínea a) do n.º 8 do citado artigo, que se considera que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a receção do pedido.
2.7. Cumpre ainda referir o disposto na alínea c) do n.º 8 do artigo 57.º do Código do Trabalho, que prevê o seguinte:
Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos (…) se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5, ou seja, a entidade empregadora deve remeter o processo à CITE nos 5 dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação das/os trabalhadoras/es da intenção de recusa.
2.8. Dispõe também, sobre a matéria, o CT, Secção VII Direitos, deveres e garantias das partes, Subsecção I Disposições gerais, no n.º 3 do artigo 127.º, sob a epígrafe “Deveres do empregador” que:
“(…) O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal”.
2.9. E impõe, quanto à organização do trabalho, Subsecção III Horário de trabalho, na alínea b) n.º 2 do artigo 212.º sob a epígrafe “ Elaboração do horário de trabalho” que a entidade empregadora deve:
“(…) a) (…);
b) Facilitar ao trabalhador a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.(…)”
III – APRECIAÇÃO DO CASO CONCRETO
3.1. No caso em análise a Trabalhadora solicitou, por requerimento rececionado na entidade empregadora a 10.11.2014 ao abrigo e nos termos do disposto nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, horário flexível de trabalho.
3.2. A entidade empregadora respondeu a 1/12/2015, quando deveria ter respondido a 30.11.2014-cfr registo ctt.
3.3. O pedido de parecer prévio foi rececionado na CITE a 6.3.2015.
3.4. Assim, é relevante o facto de a intenção de recusa do pedido não ter sido enviada, ultrapassando os 20 dias do art.º 57.º n.º 8 a) do CT, bem como o envio do processo para apreciação da CITE ter ultrapassado os 5 dias cominados no n.º 5 do art.º 57º do CT, o que promove a presunção legal de aceitação do pedido pela entidade empregadora.
IV – CONCLUSÃO
Face ao exposto, e sem necessidade da análise dos fundamentos apresentados pela entidade empregadora, conclui-se que o pedido da trabalhadora encontra-se deferido tacitamente, nos termos do disposto no n.º 8 art.º 57.º do Código do Trabalho, pelo que a CITE:
4.1. Emite parecer prévio desfavorável à recusa da prestação de trabalho em regime de horário flexível requerido pela trabalhadora.
4.2. Recomenda à entidade empregadora, que elabore, na medida das suas possibilidades, o horário flexível da trabalhadora, nos termos por si requeridos, e de acordo com o previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 56.º do Código do Trabalho, de modo a permitir o exercício do direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.
APROVADO POR UNANIMIDADE DOS MEMBROS PRESENTES NA REUNIÃO DA CITE DE 1 DE ABRIL DE 2015”
11 – A Petição inicial que motiva os presentes autos, foi remetido ao TAC de Lisboa em 02 de julho de 2015 – Cfr. fls. dos autos.
*
IV – Do Direito
Importa agora analisar o suscitado, em função da matéria que foi possível dar como provada, sendo que o sentido da decisão proferida e a proferir sempre estará, naturalmente, condicionado por aquela prova.
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“A presente ação vem instaurada pela Autora, na sequência de pedido que a sua trabalhadora [ora Contrainteressada] lhe fez, tendente à autorização da prestação de trabalho em regime de horário flexível, na sequência do que a Ré deu parecer desfavorável à sua [da Autora] intenção de recusa, emitindo o Parecer n.º 150/CITE/2015, onde a final decidiu que o pedido da trabalhadora se encontra deferido tacitamente, nos termos do disposto no n.º 8 artigo 57.º do Código do Trabalho, e que por nessa razão emitia parecer prévio desfavorável à recusa da prestação de trabalho em regime de horário flexível requerido pela trabalhadora, recomendando ainda à Autora, enquanto entidade empregadora, que elabore, na medida das suas possibilidades, o horário flexível da trabalhadora, nos termos por si requeridos, e de acordo com o previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 56.º do Código do Trabalho, de modo a permitir o exercício do direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa. Neste patamar.
Em face do que veio sustentado pela Ré na sua Contestação, e ao que a Autora deduziu Réplica, julgamos que este Tribunal é materialmente competente para apreciar o mérito dos presentes autos, pois que depois de cotejado o pedido, julgamos ser manifestado que, entre a Autora e Ré se estabeleceu uma relação de natureza jurídico-administrativa – Cfr. artigo 1.º, n.º 1 do ETAF -, já que, o Parecer por esta emitida tem eficácia externa, sendo suscetível de lesar os seus direitos e interesses – Cfr. artigos 9.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 1 e 2, 50.º, n.º 1, 51.º, n.º 1, 52.º, n.º 1, 53.º, alínea b), e 55.º, n.º 1, alínea a), todos do CPTA.
É certo que o artigo 57.º, n.º 6 do Código do Trabalho, dispõe que quando o parecer emitido ela Ré for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido, “…após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo”.
Como julgamos, a Autora não veio a este Tribunal formular pedido de reconhecimento da existência de motivo justificativo para não conceder à Contra interessada autorização de trabalho em regime de horário flexível, antes que aprecie da legalidade da atuação/decisão patente no Parecer emitido pela Ré, por lhe assacar invalidades determinantes da sua nulidade ou anulabilidade. Ou seja, caso a pretensão dirigida pela Autora a este Tribunal visasse o reconhecimento da existência de motivo justificativo, assacando-lhe como questão prévia, que o parecer da Ré padecia de invalidades, sempre julgaríamos, nessa eventualidade, da incompetência deste Tribunal, por serem competentes para o efeito os Tribunais Comuns.
Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai o artigo 57.º do Código do Trabalho, como segue:
“[…]
Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível
1 - O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
[…] 2 - O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
3 - No prazo de 20 dias contados a partir da receção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão.
4 - No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da receção.
5 - Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.
6 - A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo.
7 - Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo. 8 - Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:
a) Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a receção do pedido;
b) Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número;
c) Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5.
[…]”
A presente ação de impugnação do vertido no Parecer emitido pela Ré tem como causa de pedir um pedido de alteração do horário de trabalho requerido à Autora por parte de uma sua trabalhadora, nos termos dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho, ao que se seguiu a intenção de recusa por parte da Autora, do que foi dado conhecimento à Contra interessada, que nada disse, tendo a Autora, dentro do prazo a que se reporta o artigo 57.º, n.º 5 do mesmo diploma, remetido o processo para apreciação da Ré, em 12 de dezembro de 2014, portanto, dentro do previsto prazo de 5 dias, sendo que, a Ré, apenas veio a emitir o devido Parecer em 01 de abril de 2015, ou seja, decorridos mais de 90 dias, quando a sua atuação devia ter ocorrido dentro do prazo de 30 dias, sob pena de, não sendo emitido neste prazo, ser considerado que a Ré dá parecer favorável à intenção de recusa da pretensão da Autora.
Portanto, em face do que resultou documentalmente provado, seja por referência aos documentos juntos aos autos pelas partes, seja por referência ao teor do Processo Administrativo, assim como em face do que foi alegado pelas partes, quer no âmbito da Petição inicial, quer da Contestação, e depois de compulsado o teor do Parecer n.º 150/CITE/2015, desde logo, o aí vertido no ponto 1.3, no sentido de que foi só a 1 de dezembro de 2014 que a intenção da Autora dirigida à Contra interessada foi expedida, o que logo por aí serviu de fundamento para que a Ré entendesse do incumprimento dos deveres procedimentais a cargo da Autora, essa questão foi dilucidada pela própria Ré, no 1.º período do ponto 7.º da sua Contestação, onde referiu que, a final, não foi incumprido pela Autora, o prazo a que se reporta o artigo 57.º, n.º 3 do CT.
Ora, por aqui, o Parecer emitido pela Ré, enferma em erro sobre os pressupostos de facto e de direito [Cfr. a motivação expendida no Parecer sob o capitulo II], pois que a atuação da Autora na sua relação com a sua trabalhadora foi absolutamente tempestiva.
Para efeitos da emissão do parecer desfavorável, ora sindicado, a Ré apreciou ainda que o pedido de emissão de parecer que lhe foi solicitado pela Autora, apenas por esta lhe foi remetido em 6 de março de 2015, concluindo assim, dessa forma, que não foi respeitado o prazo de 5 dias a que se reporta ao artigo 57.º, n.º 5 do CT e assim, que face ao disposto no n.º 8, alínea c), que a Autora tinha aceite o pedido de horário flexível como lhe havia sido requerido pela trabalhadora, e assim concluiu [Cfr. ponto IV do Parecer], que o pedido foi tacitamente deferido.
Ora, depois de compulsado o Processo Administrativo e como assim resultou provado, a correspondência que a Autora remeteu à Ré em 6 de março de 2015, não foi no sentido de remessa do processo para sua apreciação, como dispõe o artigo 57.º, n.º 5 do CT, antes porém, para alertar a Ré [entre o mais] de que foi em 12 de dezembro de 2014 que essa remessa se efetuou, como lhe documentou [a Autora, junto da Ré].
E sobre essa alegação e prova documental, no âmbito do procedimento administrativo corrido no seio da Ré, esta não logrou fazer qualquer diligência instrutória a fim de apreciar e decidir do bem fundado do que lhe havia alegado e provado documentalmente a Autora, isto é, de que foi em 12 de dezembro de 2014, isto é, dentro do prazo de 5 dias subsequentes ao prazo de que dispunha a trabalhadora para emitir pronúncia, que a Autora lhe submeteu o processo para apreciação.
Do Processo Administrativo [Cfr. artigo 1.º do CPA] que a Ré juntou aos autos, não resulta ter a mesma levado a cabo qualquer diligência instrutória, tendente a aferir sobre se em 12 de dezembro de 2014 não recebeu na sua caixa de correio eletrónico, qualquer pedido de submissão para apreciação provindo da Autora, quando é certo que, o que documentalmente lhe apresentou a Autora, é que efetivamente o fez.
Ou seja, em face do que em 6 de março de 2015 lhe foi apresentado/alegado pela Autora, também por via de correio eletrónico, a Ré não deu cumprimento ao disposto no artigo 58.º do CPA, desde logo, procedendo a quaisquer diligências tendentes à preparação do seu Parecer, e nesse âmbito e para esse efeito, visando a tomada de uma decisão legal e justa, apreciando e decidindo sobre se foi em 12 de dezembro de 2014, como lhe alegou a ora Autora, que lhe foi apresentado o processo para apreciação, o que lhe seria sumamente fácil empreender.
De todo o modo, não tendo sido prosseguida no procedimento administrativo, após 6 de março de 2015, por parte da Ré, qualquer diligência instrutória nesse sentido, e tendo a Ré, no Parecer emitido, fixado como factualidade relevante para a sua decisão, que o processo só lhe foi apresentado pela Autora pera apreciação nessa data, em 6 de março de 2015 [Cfr. ponto 3.3 do Parecer], quando o foi em 12 de dezembro de 2014, também esse ajuizamento e decisão enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito. É de realçar que, quanto a esta questão atinente ao envio do processo para apreciação em 12 de dezembro de 2014 ou 6 de março de 2015, a Ré “apenas” alegou sob o ponto 8.º da Contestação, que a Autora devia ter obtido a certeza de que o processo tinha sido rececionado na CITE noutra data, pois, tratando-se de um envio, por correio eletrónico, o documento que a Autora apresentou nos autos, não prova que a CITE o tenha efetivamente rececionado.
Ora, neste domínio, como consta do sítio da internet da Ré, assim como dos papeis timbrados que usa na relação que estabelece com quem consigo se relaciona, constam endereços de correio eletrónico, e desta feita, face ao disposto no artigo 61.º do CPA, o poder de decisão sobre a utilização desse meio para se relacionar com a Ré apenas cabe à Autora, tendo a mesma logrado fazer prova cabal de que, em 12 de dezembro de 2014 [e não em 6 de março de 2015, como assim decidiu a Ré] remeteu à Ré o processo para decisão, o que julgamos ter ocorrido de forma tempestiva.
E na medida em que, decorrido o prazo de 30 dias [sobre aquela data de 12 de dezembro de 2014] a que se reporta o artigo 57.º, n.º 6 do CT, a Ré não emitiu o seu Parecer, pois que apenas o fez em 1 de abril de 2015, a intenção da Autora, de não autorizar o horário flexível á sua trabalhadora está consolidada na ordem jurídica, desde logo, por força da relação estabelecida entre a Autora e a Ré, mormente, por força da extemporaneidade da sua atuação.
Neste contexto, com a entrada em vigor do CPTA, a impugnação de ato e a sua apreciação pelos Tribunais deixou de ter em vista unicamente esse ato, mas também e principalmente a pretensão formulada, neste caso pela Autora, que sob o segundo pedido formulado a final da Petição inicial, requer, em suma, que seja reconhecida e verificada a efetivação do deferimento tácito da intenção de recusa por sua parte relativamente ao pedido de horário flexível formulado pela sua trabalhadora, a aqui contra interessada MA.
Decorre do contencioso administrativo, resultante da aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) pela Lei n.º 15/2002, de 19 de fevereiro, alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, que os atos administrativos deixam de ser objeto de processos de estrita impugnação judicial destinados a obter a sua anulação ou declaração de nulidade, para passarem a ser objeto de processos de condenação à prática de ato administrativo devido, ou seja, que o objeto do processo é a pretensão do interessado.
Com a reforma do contencioso administrativo, operada pela aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, concretizou-se o principio constitucionalmente consagrado da plenitude da jurisdição e da tutela jurisdicional efetiva, e sobretudo, deixa de ser um contencioso centrado no ato administrativo, um contencioso de ataque ao ato, para ser um contencioso centrado na relação jurídica administrativa.
As ações administrativas deixam, por conseguinte, de ter como objeto (típico) o ato administrativo e os seus vícios, passando o seu objeto a decorrer das pretensões (materiais) formuladas pelo demandante, e neste âmbito, se para o pedido de anulação de ato administrativo é pressuposto processual a existência de ato administrativo (impugnável), ele já não constitui pressuposto processual para os restantes pedidos. O objeto do processo de condenação tem assim por referência uma posição subjetiva de conteúdo pretensivo do autor [Veja-se neste sentido, Mário Aroso de Almeida – O objeto do processo no novo contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº. 36, Nov/Dez 2002, pág. 9].
No caso em apreço, atenta a causa de pedir e os pedidos formulados, estamos perante uma ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido, porquanto, por força do disposto no artigo 66.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, “a ação administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado” e “ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória”, donde, nas ações de condenação à prática de ato devido, o objeto do processo é a pretensão material que o autor pretende fazer valer na ação.
Neste contexto, dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do CPTA que “ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido”.
De maneira que, a presente ação tem de ser julgada procedente.”
Vejamos:
O Recurso jurisdicional em apreciação, interposto pela CITE, visa revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a qual, em síntese, julgou procedente a Ação intentada pela IHR, tendente a anular o indeferimento da intensão de recusa do pedido de horário flexível apresentado por trabalhadora desta.
Em bom rigor, a decisão recorrida reconheceu a verificação do deferimento tácito da intenção de recusa da IHR em autorizar o horário flexível à sua trabalhadora, por não ter a CITE emitido, em tempo, Parecer nos termos do Artº 57º nº 6 do Código do Trabalho.
Alega a IHR que terá remetido em 12/12/2014 por via eletrónica pedido de Parecer dirigido à CITE, o que esta não reconhece.
Em síntese, a CITE apenas reconhece o recebimento da documentação tendente à emissão de Parecer em 6 de Março de 2015.
Em qualquer caso, a comunicação da IHR de 06.03.2015, visou tão-só reiterar aquela que terá remetido em 12 de dezembro de 2014 para o mesmo endereço de correio eletrónico e que alegadamente não terá sido recebido pela CITE.
A decisão de 1ª instância refere a propósito da divergência das partes quanto ao recebimento do correio eletrónico a 12/12 que "não tendo sido prosseguida no procedimento administrativo após 6 de Março de 2015 (ou seja, após alerta feito via email pela aqui Recorrida), por parte da ré, qualquer diligência instrutória nesse sentido, e tendo a ré, no Parecer emitido fixado como factualidade relevante para a sua decisão, que o processo só lhe foi apresentado pela Autora para apreciação nessa data, em 6 de março de 2015 (cfr. ponto.3.3 do Parecer), quando o foi em 12 de. Dezembro de 2014, também este ajuizamento e decisão enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito .... "
Efetivamente detendo a CITE um endereço de Correio eletrónico, que divulga pelos meios ao seu dispor, mormente no seu sítio e no seu papel timbrado, não pode deixar de assegurar a sua manutenção, garantindo a resposta a todos aqueles a que ao mesmo recorrem.
Com efeito, refere-se no artigo 26° do Decreto-Lei nº 73/2014 de 13 de Maio, que procede à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, o seguinte:
“Correio eletrónico e balcão Único eletrônico
1 - Os serviços e organismos da Administração Pública devem disponibilizar um endereço de correio eletrónico para efeito de contacto por parte dos cidadãos e de entidades públicas e privadas e divulgá-lo de forma adequada, bem como assegurar a sua gestão eficaz.
2 - A correspondência transmitida por via eletrónica tem o mesmo valor da trocada em suporte de papel, devendo ser-lhe conferida pela Administração e pelos particulares, idêntico tratamento.
3 - Os requerimentos apresentados pelos utentes dos serviços públicos devem ser preferencialmente entregues através do balcão Único eletrónico ou do respetivo portal ou sítio na Internet. “
Como se afirmou, e nos termos do normativo transcrito, disponibilizado que seja um endereço de correio eletrónico, terá a administração de garantir a sua eficácia e plena disponibilidade, mormente para a submissão de requerimentos.
Tendo a aqui Recorrida/IHR utilizado o endereço eletrónico da CITE, que esta publicita e disponibiliza, não pode ser penalizada em resultado da sua ineficácia ou insuficiência de funcionamento ou de acompanhamento.
Tendo sido junto, como Doc. 5 da PI, designadamente, comprovativo de envio e receção do email remetido em 12 de dezembro de 2014, esta situação é insuscetível de ser ignorada.
Correspondentemente, é incontornável o referido expressamente no nº 2 do já citado Artº 26º do DL nº 73/2014, quando afirma que “A correspondência transmitida por via eletrónica tem o mesmo valor da trocada em suporte de papel, devendo ser-lhe conferida, pela Administração e pelos particulares, idêntico tratamento.”
O referido valerá igualmente no que aqui releva, para efeitos do nº 5 do Código do Trabalho, no que respeita ao envio do “(...) processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.”
Reitera-se e sublinha-se que, tal como invocado, quer a comunicação de 12 de dezembro de 2014 (Alegadamente não recebida pela CITE), quer a de 6 de março de 2015 (Confessadamente recebida pela CITE), foram remetidas para o mesmo endereço de correio eletrónico.
Ao contrário do afirmado pela CITE, a presente Ação mantém ainda potencial interesse, pois que, atenta a ausência de resposta tempestiva daquela, verificou-se o deferimento tácito da intenção de recusa do pedido de horário flexível formulado pela aqui Recorrida/IHR.
Em qualquer caso, como se verá, o deferimento tácito verificado e que se reconhece, só vigorará até à emissão de Parecer expresso em sentido divergente.
Na realidade, o deferimento tácito do entendimento e pretensão da IHR, por parte do CITE, não terá de perdurar necessariamente para todo o sempre, pois que o deferimento tácito poderá ser infirmado por via de ato expresso ulterior de sentido divergente.
Efetivamente, a prolação de ato expresso faz desaparecer da ordem jurídica os efeitos do ato tácito que constituindo uma manifestação da vontade presumida da administração cede perante a vontade real que o novel ato manifeste.
E, porque assim é, a manifestação expressa da vontade consubstanciada no Parecer emitido pela CITE contrário à vontade presumida faz com que deixe de fazer sentido falar em vontade presumida, pelo que existindo vontade real expressa deixa de haver vontade presumida.
O ato expresso constante no Parecer nº 150/CITE/2015 emitido pelo CITE em 1 de abril de 2015, desfavorável à recusa da prestação de trabalho em regime de horário flexível por parte de trabalhadora da IHR, ainda que emitido tardiamente, não deixa de revogar implicitamente o ato tácito anteriormente formado.
É entendimento largamente sufragado que não tem de haver uma revogação expressa do ato tácito, bastando uma pronúncia expressa em sentido contrário àquele para que o mesmo efeito se alcance.
Assim, e sopesado o exposto, o facto dos prazos para decidir não terem sido respeitados não determina quaisquer consequências relativamente à validade do novel ato.
Como se disse, a prolação de ato expresso faz desaparecer da ordem jurídica o mencionado ato de deferimento tácito.
Assim, como se afirmou já, e aqui se reitera, o Parecer nº 150/CITE/2015 emitido pelo CITE em 1 de abril de 2015, desfavorável à recusa da prestação de trabalho em regime de horário flexível requerido pela trabalhadora, prevalecerá, após a data da sua emissão, sobre o deferimento tácito que anteriormente se havia constituído.
Efetivamente, o prazo de 30 dias constante do nº 6 do Artº 57º do Código do Trabalho, dentro do qual o CITE deveria emitir e notificar o seu Parecer, tem natureza ordenadora, visando ainda obstar ao impasse que se geraria perante a eventual ausência de resposta por parte do CITE ao pedido de Parecer que lhe fosse dirigido, não obstando, como se disse, a que após o referido prazo, possa ser emitido parecer expresso.
Em face do que precedentemente ficou expendido, entende-se não ser de manter a decisão Recorrida.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso Jurisdicional interposto, revogando-se a decisão recorrida, mais se julgando improcedente a Ação
Custas pela Recorrida
Porto, 7 de dezembro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira