Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00169/08.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NOTIFICAÇÃO PESSOAL POR HORA CERTA;
241º DO CPC;
DILIGÊNCIA COMPLEMENTAR; ILISÃO;
Sumário:
I. A notificação pessoal de acto tributário, a realizar de acordo com as regras da citação, poderá ser efectuada de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no CPC, designadamente através de contacto pessoal do funcionário com o notificando, através da citação/notificação com hora certa e subsequentes termos legais aplicáveis (artigos 239°, 240° e 241° do CPC de 1961).

II. A notificação com hora certa, que se tem por efectuada na data da afixação da nota a que se referia o artigo 240°, n° 3, do CPC, que cumpre todas as formalidades legais, obsta à caducidade do direito à liquidação, se feita dentro do respectivo prazo.

III. O envio subsequente de carta registada, no prazo de 2 dias úteis, é uma diligência complementar e cautelar posterior à notificação, comunicando ao notificado a data e o modo por que o acto se considera realizado, (artigo 241° do CPC 1961) que cumpre um dever de informação e garantia, pelo que a sua omissão cabe na previsão do artigo 198º do CPC 1961.

IV. De acordo com o disposto no artigo 195º CPC 1961, para que ocorra falta de citação (notificação) é necessário que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.

V. Admitindo-se que a presunção legal de que teve conhecimento da citação (notificação) é ilidível, e cabendo tal prova ao interessado, impõe-se a produção da prova por ele oferecida na petição inicial, para, após, ser apurado se o invocado desconhecimento da citação (notificação) ocorreu por facto que não lhe é imputável.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel datada de 22.03.2012, em que foi julgada procedente o pedido de ilegalidade da liquidação de adicional de IVA de 2003, no montante de € 47.261,96, consubstanciada na caducidade do direito à liquidação, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
A. A douta sentença sob recurso julgou procedente a presente impugnação da liquidação adicional de IVA de 2003, no valor de € 47.621,96.

B. A sentença recorrida considerou que “a impugnante tem razão” quando “invoca a caducidade do direito à liquidação, porquanto não foi notificada das liquidações impugnadas antes da citação do PEF em que foram executadas as respectivas dívidas. Não tendo sido notificada das liquidações do IVA de 2003 até 31/12/2007.”

C. A matéria de facto dada como provada é incompleta e omissa quanto a factos documentalmente provados nos autos, desde logo, o facto de em 04-02-2008 a impugnante ter apresentado, nos termos dos art. 89º e 90º do CPPT, um requerimento dirigido ao Director Geral dos Impostos, pelo qual solicita a compensação entre o IVA que tem a liquidar, resultante das correcções efectuadas em sede do procedimento inspectivo, e os créditos de IVA existentes a seu favor.

D. Este facto é relevante para o julgamento da questão decidenda, e deve ser incluído na matéria de facto dada como provada, pois denota perfeito conhecimento das liquidações do IVA a entregar ao Estado, ainda antes da citação da impugnante para o Processo de Execução Fiscal referente às correspectivas dívidas, impugnadas, citação que ocorreu só em 6/3/2008 - confissão do artigo 1.° da petição inicial.

E. A alínea H) do probatório fixado não se afigura conforme a realidade da prova documental, pois é diferente, literal e semanticamente, do que consta a fls 42 do PA, que é o facto de o funcionário da AT “… em cumprimento do Aviso de Notificação com Hora Certa, afixado neste mesmo local no dia 27, não pude levar a efeito a notificação em virtude de não se encontrar presente … pelo que afixei Aviso da Nota de Notificação …”

F. Assim, não se pode considerar provado “que a impugnante não foi notificada” das liquidações de imposto e JC, porque a verdade é que a impugnante foi, efectivamente, notificada. A alusão às regras da presunção da notificação, feita na fundamentação de Direito da sentença recorrida relativamente à notificação realizada nos termos do art. 241º CPC, não faz sentido, porque não há presunção de notificação a considerar.

G. A sentença recorrida contradiz-se de forma insanável, pois considera, na alínea F) do probatório assente, que a notificação pessoal foi realizada, e, depois, nas alíneas G) e H) do mesmo, que a impugnante não foi notificada.

H. É verdade que “F) Por mandado do Chefe do Serviço de Finanças ... de 19/12/2007 e 27/12/2007 foi determinada e realizada a notificação pessoal da impugnante das liquidações de iva de 2003 e dos respectivos juros compensatórios, através da citação pessoal (fls. 45 a 56 do PA).” Ora,

I. Feita a escolha da notificação pessoal pela entidade competente da Autoridade tributária, para transmitir ao destinatário o conteúdo do acto tributário, tal constitui manifestação do exercício de um poder discricionário que deve ponderar a eficácia no cumprimento do objectivo visado, e não há, sequer, falta de notificação quando tal escolha é feita sem a indicação da necessidade específica ou concreta que se pretende atingir.

J. As notificações pessoais de actos tributários, a realizar de acordo com as regras das citações pessoais, poderão ser efectuadas de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no CPC, designadamente a citação através de contacto pessoal do funcionário com o citando e a citação com hora certa ou através de afixação com posterior advertência (arts. 239°, 240° e 241° do CPC).

K. O envio subsequente de carta registada, é uma diligência complementar e cautelar posterior à notificação, pelo que, no contexto factual descrito e provado nos autos, os actos tributários de liquidação devem considerar-se notificados à impugnante.

L. Sendo aplicável a esta notificação (envio subsequente de carta registada, 241° do CPC) as regras da citação pessoal, tal falta de notificação só ocorreria nos casos previstos no art. 195º do CPC.

M. Ora, no caso, nem o acto foi completamente omitido, nem ocorreu erro na identidade do notificando, nem se empregou a notificação edital, nem a notificação foi feita após falecimento do notificando (cfr. as als. a) a d) do nº 1 do art. 195º do CPC).

N. E, relativamente à previsão contida na al. e) do mesmo normativo (há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável) - o próprio nº 6 do artigo 190º do CPPT prevê que “só ocorre falta de citação quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável”, - tal foi apenas vagamente alegado na petição inicial, e, de todo, não foi demonstrado pela impugnante nos articulados e restantes meios de prova legalmente admitidos no processo.

O. Em sentido contrário, deve ser valorado o facto de que a impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva, de que foi dessa inspecção que resultaram as liquidações impugnadas, que a impugnante sabia que ia ser notificada dessas liquidações, e demonstrou conhecimento das mesmas ainda antes de ser citada para a execução fiscal destinada a cobrar as dívidas assim resultantes, pedindo à AT a respectiva compensação com créditos fiscais de que disporia.

P. A impugnante não demonstrou que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável, até porque, se se encontrava “ausente”, tal facto só à própria impugnante é imputável.

Q. Estando em causa apenas a notificação a que se refere o art. 241 .° do CPC, e não a notificação da liquidação de imposto, que já havia sido validamente realizada, se “a devolução foi realizada por a impugnante estar “Ausente”, tal apenas pode significar, no máximo, que o responsável pela realização da notificação postal não deixou qualquer aviso para levantamento da correspondência respectiva porque constatou ou obteve a informação que o destinatário estaria ausente.

R. “Ausente”, como substantivo, significa “aquele que deixou o seu domicílio”, e tem sempre subjacente, por socorro a regras de experiência e senso comum, a ideia de “prolongamento no tempo”.

S. Dos elementos junto aos autos retira-se facilmente a prova de que, de facto, a ausência foi prolongada – basta ver a quantidade de notificações devolvidas, a justificar a opção da AT pela notificação pessoal, e o contexto das próprias alegações da impugnante, no decurso do processo, admitindo essa ausência no tempo por motivo a si apenas imputável, porque voluntária.

T. Face à falta de prova do não conhecimento do acto por causa a si não imputável, não pode aceitar-se o entendimento no sentido de que ocorreu falta de notificação da impugnante.

U. Ficou provado, por documentos junto aos autos, que a impugnante teve conhecimento do teor das liquidações notificadas, tendo exercido, inclusivamente, um “meio de defesa” ao ser dispor, que consistiu em requerer efectivamente um procedimento de compensação nos termos dos artigos 89º e 90º do CPPT.

V. No caso dos autos, e de acordo com a factualidade provada, os funcionários da AT encarregues da notificação, aquando da sua primeira visita, consignaram que na sede da impugnante não se encontrava ninguém presente, tendo afixado na porta desta residência a indicação da hora certa. No dia e horas marcadas, mais uma vez verificaram que ninguém se encontrava presente na sede da impugnante, nem era possível a colaboração de terceiros, pelo que afixaram a notificação na porta da sua sede, na presença de mais duas testemunhas. Por fim, foi enviado um ofício registado, comunicando à impugnante que se procedera à sua notificação nos termos descritos.

W. A impugnante não questiona esta factualidade relativa às circunstâncias em que se operou a primeira visita dos funcionários da AT, nem a factualidade relativa às circunstâncias em que se operou a segunda visita, limitando-se a processar vagas alegações em sede de petição inicial, não alegando nem fazendo qualquer prova susceptível de ilidir a força probatória das certidões emitidas pelos funcionários do Serviço de Finanças, referentes à notificação por hora certa.

X. Assim, e de acordo com o que vem provado nos autos, cumpriu-se o formalismo legal atinente à notificação pessoal, ainda que sem contacto directo com o notificando, posto que, como se viu, a lei processual admite que a notificação se faça, nos preditos termos, sem esse contacto, quando ele não seja possível, sendo que, nesse caso, a data da notificação é a da afixação da respectiva nota.

Y. “O envio de carta registada para cumprimento do art. 241º e a sua devolução não gera a falta de citação, porque se destina a mera advertência ou confirmação e só a completa omissão desta formalidade implica a nulidade da citação cominada no art. 198º CPC (Ac. RC, de 10.5.2005: CJ, 2005, 3º-12)

Z. Não se subsumindo a factualidade apurada a nenhum dos casos em que a lei considera haver falta de citação/notificação, a douta sentença enferma de erro de julgamento, por erradas fixação e valoração da prova e aplicação do Direito, violando o disposto nos arts. 195º, 233º a 241º do CPC, 38º, 190º e 192º do CPPT, pelo que, não deverá manter-se.


Nestes termos, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.»

1.2. A Recorrida ([SCom01...], Ld.ª.), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, por via da qual formulou as seguintes conclusões.
«(...)
A- A matéria de facto dada como provada é clara e objectiva.
B- É irrelevante para a boa decisão da causa factos ocorridos após a caducidade do direito à liquidação, nomeadamente um eventual requerimento apresentado pela impugnante em 04/02/2008.
C- Não existe qualquer contradição ou erro relevante na alínea H) da Douta Sentença, sendo claro não foi efectuada a notificação, aliás, a haver confusão é na inquietação do Recorrente.
D- Não há qualquer contradição entre as alíneas F), G), e H) da Douta Sentença.
E- A Autoridade Tributária ordenou a notificação pessoal, o funcionário da Repartição de Finanças executou os actos necessários à notificação, mas a mesma não chegou a concretizar-se.
F- Pretende defender que basta que o funcionário fiscal dê execução às ordens recebidas do chefe da repartição para que haja notificação pessoal, não tem qualquer base legal ou factual.
G- Ficou demonstrado nos autos que a impugnante teve conhecimento da dívida fiscal em momento posterior à caducidade do direito à liquidação.
H- É irrelevante o motivo da ausência dos representantes da impugnante, mas esta invocou no artigo 4.º da Resposta à Contestação, e não foi contestado que:
«1. A Fazenda Nacional juntou aos autos cópia de dois Editais que a impugnante desconhecia em absoluto.
2. A Impugnante é uma pequena empresa que exerce a actividade de formação profissional e que necessita de todo o seu pessoal no activo para poder laborar.
3. Por tal motivo, desde a sua existência que a Impugnante encerra totalmente para férias na primeira quinzena e na segunda quinzena de Dezembro.
4. Nesse período de férias é afixada, na porta de entrada da Impugnante, um cartaz, bem visível, com dizeres «Fechados para férias do dia 16 ao dia 31 do corrente mês. Para contactos urgentes ligue ...07 – Dr.ª «AA»».
I- A impugnante não foi notificada das liquidações do 1VA de 2003 até 31/12/2007.
J- Por força dos artigos 45.º e 46.º da LGT caducou o direito à liquidação do IVA.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso mantendo-se a decisão recorrida.»
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 140 do SITAF, no sentido da procedência do recurso.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) A impugnante foi sujeita a um procedimento interno de inspecção ao IVA do exercício de 2003, em que exerceu o direito de audição, que por correcções de natureza meramente aritmética apurou um IVA em falta no montante de 39.900,75 € (fls. 31 e seguintes do PA apenso).
B) Na sequência das correcções do IVA em falta foram efectuadas as liquidações de IVA dos quatro trimestres de 2003 e dos respectivos juros compensatórios que constam de fls. 53 a 56, 58 e verso, 61 e verso, 64 e verso e 67 e verso do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
C) As liquidações de IVA foram remetidas em nome da impugnante e para o seu domicílio fiscal e foram devolvidas ao Serviço de Finanças ... em 18/12/2007, com a anotação “Ausente” (fls. 58 e verso, 51 e verso, 64 e verso e 67 e verso do PA).
D) As liquidações de juros compensatórios foram remetidas em nome da impugnante e para o seu domicílio fiscal e foram devolvidas ao Serviço de Finanças ... (fls. 53 a 56 do PA).
E) As liquidações de IVA devolvidas foram remetidas pelo Serviço de Finanças ... em nome e para o domicílio fiscal do sócio gerente da impugnante, «BB», por cartas registadas em 21/12/2007, que foram devolvidas ao Serviço de Finanças ... em 24/12/2007, com a anotação “Ausente” (fls. 57 a 68 do PA e respectivos versos).
F) Por mandado do Chefe do Serviço de Finanças ... de 19/12/2007 e 27/12/2007 foi determinada e realizada a notificação pessoal da impugnante das liquidações de IVA de 2003 e dos respectivos juros compensatórios, através da citação pessoal (fls. 45 a 56 do PA).
G) No dia 27/12/2007, pelas 17 Horas, a impugnante não foi notificada por a sua sede estar encerrada, tendo sido afixado um edital idêntico ao de fls. 43 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 43 e 44 do PA).
H) No dia 28/12/2007, pelas 11 horas, a impugnante não foi notificada “em virtude de não se encontrar presente nenhum dos responsáveis da empresa, bem como não ter sido possível obter a colaboração de terceiros.” tendo sido afixado um “Aviso de Nota de Notificação” idêntico ao de fls. 41 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 41 e 42 do PA).
I) No dia 28/12/2007, foi remetida, por carta registada com aviso de recepção, em nome e para o domicílio fiscal da impugnante a notificação a que se refere o art. 241.º do CPC, que consta de fls. 37 a 39 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
J) Esta notificação foi devolvida ao Serviço de Finanças ... 31/12/2007, com a anotação “Ausente” (fls. 37 e 38 do PA).
K) A impugnante foi citada para o PEF das dívidas impugnadas em 6/3/2008 (fls. 3, confissão do artigo 1.º da petição inicial).
L) A impugnação judicial foi apresentada em 17/3/2008 (fls. 3).

3.1.1 – Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise critica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos confessados pela impugnante, designadamente a sua citação e o local da sua sede, e alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76 º, n.º 1, da LGT e 362.ºe seguintes do Código Civil (CC)).
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa.»
2.2. De direito
Está em causa no presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que em 22.03.2012 que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA do ano de 2003, apresentada em 17.03.2008 na sequência da citação da Recorrida em 06.03.2008 n âmbito do processo fiscal instaurado pela AT para efeito de cobrança daquele credito tributário.
A Recorrida na sua petição inicial invocou a falta de notificação da liquidação adicional de IVA ...03 e liquidação de juros compensatórios no prazo de caducidade e, sem prescindir, da ilegalidade das liquidações.
Findo os articulados, o Mmº. Juiz a quo considerou que “Perante a matéria de facto alegada e a prova documental junta aos autos, o processo fornecia todos os elementos necessários à decisão, sendo a questão a decidir meramente de direito”, e determinou que os autos fossem com Vista ao digno Magistrado do Ministério Público.
Atento o invocado pela Recorrida em sede de petição inicial o Tribunal a quo julgou verificada a caducidade do direito à liquidação por parte da AT, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da LGT, por falta de notificação válida da liquidação.
A Recorrente (AT) insurge-se contra o assim decidido, invocando, no essencial, que a sentença recorrida incorreu (i) em erro de julgamento de facto o qual se apresenta como incomplet0 e omisão quanto a factos documentalmente provados [omissão de requerimento apresentado pelos recorridos em 04.02.2008 e inexactidão do vertido na item H) do probatório, nos termos insertos nas conclusões C. a E.], (ii) errada valoração da prova e aplicação do direito, ao ter não julgado regularmente efectuada, dentro do prazo de caducidade, a notificação da liquidação impugnada, em violação do disposto nos artigos 195º, 233º a 241º do CPC, 38º, 190º e 192º do CPPT [cf. as conclusões F. a Y.].
Destarte, importará aqui apreciar e decidir se a sentença sob recurso enferma dos erros de julgamento de facto e de direito invocados no recurso sob apreciação, o que iremos efectuar de seguida, respeitando na ordem de conhecimento das questões a enunciação apresentada pela Recorrente
Cumpre desde já precisar que, pese embora a sentença recorrida tenha enunciado enquanto “questões decidendas” para além da caducidade do direito de liquidação, a ilegalidade da liquidação adicional e juros compensatórios, apenas conheceu daquela primeira questão.
E assim sendo, também em sede de recurso a única questão a conhecer é aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter entendido que se verificava a caducidade do direito de liquidação.
2.2.1. Da caducidade do direito à liquidação
Para análise da questão suscitada, da validade da notificação nos termos em que a mesma se operou, consideramos, face à dúvida lançada pela Recorrente quanto à imprecisão do vertido no item H) do probatório enunciada nas conclusões D. e E. do salvatério, a determinar a sua rectificação.
Na verdade, consideramos que a Recorrente tem razão, mais se afere que a correção pretendida, é pertinente e relevante para a decisão a recair sobre os preceitos aplicáveis às notificações.
É o seguinte o teor do item H) do probatório exarado na sentença sob recurso:
« H) No dia 28/12/2007, pelas 11 horas, a impugnante não foi notificada “em virtude de não se encontrar presente nenhum dos responsáveis da empresa, bem como não ter sido possível obter a colaboração de terceiros.” tendo sido afixado um “Aviso de Nota de Notificação” idêntico ao de fls. 41 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 41 e 42 do PA).»
Se bem interpretamos o alegado, a Recorrente pretende e bem, que do mesmo reproduza literal e semanticamente o que decorre da prova documental, nomeadamente fls. 42 do PA, ou seja, que o facto expresse a diligência levada a feitos pelo funcionário da AT, na sequência da nota que havia deixado na véspera com o Aviso de Notificação com Hora Certa (vide item I) do probatório).
Assim, perscrutadas as fls. 41 e 42 do PA, o item H) do probatório passa a ter a seguinte redacção:
H) No dia 28.12.2007, pelas 11 horas, o funcionário da AT deslocou-se a sede da impugnante em cumprimento do aviso de Notificação com Hora Certa, afixado naquele mesmo local no dia 27, tendo exarado que “não pude levar a efeito a notificação em virtude de não se encontrar presente nenhum dos responsáveis da empresa, bem como não ter sido possível obter a colaboração de terceiros.” tendo sido afixado um “Aviso de Nota de Notificação” idêntico ao de fls. 41 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 41 e 42 do PA)
Pugna ainda a Recorrente pela inclusão na matéria probatória do conteúdo avançado na conclusão C. das alegações de recurso, a saber: “(...) o facto de em 04-02-2008 a impugnante ter apresentado, nos termos dos art. 89º e 90º do CPPT, um requerimento dirigido ao Director Geral dos Impostos, pelo qual solicita a compensação entre o IVA que tem a liquidar, resultante das correcções efectuadas em sede do procedimento inspectivo, e os créditos de IVA existentes a seu favor.”.
Mais argumenta que esse facto é relevante para o julgamento da questão decidenda, e deve ser incluído na matéria de facto dada como provada, pois denota perfeito conhecimento das liquidações do IVA a entregar ao Estado, ainda antes da citação da impugnante para o Processo de Execução Fiscal referente às correspectivas dívidas, impugnadas, citação essa que ocorreu em 06.03.2008.
Falece de razão a Recorrente. A inclusão na matéria de facto do conteúdo vertido na conclusão C. e supratranscrita, não tem qualquer razão de ser, pois que da mesma, para a sorte dos autos, não decorre qualquer ilação sobre se a notificação da liquidação adicional de IVA e de Juros compensatórios se verificou antes de 31.12.2007, isto é, antes de ocorrer a preclusão do prazo de caducidade.
Explicitemos, se mesmo que tal facto possibilitasse a conclusão de que a Recorrida já antes da citação no âmbito da execução fiscal tinha conhecimento das liquidações em execução, a mesma é inócua para a questão da caducidade que importa, pois, o mero conhecimento não tem qualquer efeito no decurso do prazo de quatro anos que AT dispõem para notificar a liquidação.
Só a notificação dentro do prazo legal, impede a caducidade e não já o mero conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 45º da LGT e 331º do Código Civil que dispõe que “só impende a caducidade a pratica dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”.
Pelo exposto, improcede a pretensão da recorrente neste segmento.

Estabilizada assim a materialidade dada por provada, importa agora apreciar a questão que nos vem posta que, como dissemos, se consubstancia em saber se o Tribunal a quo fez errado interpretação do regime da caducidade à liquidação da divida de IVA de 2003.
Para decidir, como o faz, a sentença recorrida alinhou, em síntese, o seguinte discurso argumentativo:
« (...)
No caso em apreço estando em causa a liquidação do IVA relativo ao ano de 2003, a exigibilidade do imposto ocorreu até ao dia 31/12/2003, pelo que a liquidação tinha de ser validamente notificada à impugnante até 31/12/2007.
Da matéria de facto provada resulta que a notificação das liquidações, realizada por carta registada, não se realizou porquanto as notificações das liquidações apesar de terem sido remetidas em nome e para o domicílio fiscal da impugnante foram devolvidas ao Serviço de Finanças (arts. 38.º, n.º 3, e 39º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).
Atendendo à devolução das notificações, a impugnante não pode presumir-se validamente notificada das liquidações. Por isso, o Serviço de Finanças, por carta registada, remeteu as liquidações em nome e para o domicílio fiscal do gerente da impugnante, as quais também foram devolvidas ao Serviço de Finanças. Logo, também não se podia presumir que a impugnante estava validamente notificada das liquidações.
Por isso, o Serviço de Finanças procedeu à notificação pessoal das liquidações (art. 38.º, n.ºs 5 e 6, do CPPT), aplicando as regras da citação pessoal previstas no CPC. Com esse intuito, os funcionários do Serviço de Finanças deslocaram-se à sede da impugnante e não conseguiram realizar a citação pessoal, pelo que procederam à realização da citação com hora certa (arts. 239.º e 241.º do CPC).
Em cumprimento do art. 241.º do CPC, o Serviço de Finanças no próprio dia 28/12/2007, data da realização da notificação, remeteu a notificação aí prevista, através de carta registada com aviso de recepção emitida em nome e para a sede da impugnante. Porém, também esta notificação foi devolvida ao Serviço de Finanças ... com a anotação “Ausente”.
Resulta que a devolução foi realizada por a impugnante estar “Ausente”, o que significa que o responsável pela realização da notificação postal não deixou qualquer aviso para levantamento da correspondência respectiva, uma vez que se o tivesse feito a devolução da correspondência seria fundamentada com o motivo “Não Reclamado”.
Assim, não pode dizer-se que as liquidações impugnadas foram validamente notificadas à impugnante. Elas só poderiam considerar-se validamente notificadas se o carteiro responsável pela distribuição postal tivesse deixado o aviso legal para levantamento da correspondência previsto no Regulamento dos Serviços Postais e a impugnante não tivesse procedido ao seu levantamento no prazo legal. Só assim poderia presumir-se que as liquidações impugnadas tinham sido validamente notificadas à impugnante, pois só nesse caso é que poderia presumir-se a notificação da liquidação nos termos dos arts. 255.º e 254.º do CPC.
Com efeito, prevendo o art. 39.º, n.ºs 5 e 6, do CPPT, que a notificação pessoal faz-se nos termos da citação, as normas aplicáveis à notificação são as do CPC. Logo, se o carteiro tivesse deixado o aviso legal para levantamento da correspondência devolvida, isto é da notificação realizada nos termos do art. 241.º do CPC (apesar da lei só exigir a carta registada, o facto do Serviço de Finanças ter remetida carta registada com aviso de recepção não obsta à produção do seu efeito porque é uma exigência de garantia superior e os procedimentos para o caso de aviso de entrega da correspondência e de eventual devolução são os mesmos) e a impugnante não tivesse reclamado a respectiva correspondência, nesse caso a impugnante tinha de presumir-se notificada nos termos do art. 254.º, n.º 6, do CPC, porquanto a falta de notificação ou a sua notificação em data posterior era imputável à própria impugnante que não tinha reclamado a correspondência.
Só que não tendo sido deixado o aviso para levantamento da notificação prevista no art. 241.º do CPC, a notificação pessoal das liquidações impugnadas efectuada em 28/12/2007, não pode julgar-se validamente realizada.
Depois disso, só em 6/3/2008 é que a impugnante foi citada no PEF instaurado para execução das dividas das liquidações impugnadas. Logo, a impugnante não foi validamente notificada das liquidações impugnadas antes de 31/12/2007, pelo que caducou o direito à liquidação do IVA de 2003.» (fim de transcrição)
Vejamos.
Estão em causa nos presentes autos liquidações adicionais de IVA referente a 2003.
Aplica-se o disposto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, e, portanto, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
No que diz respeito à contagem do prazo importa considerar que estando em causa IVA o prazo de caducidade se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou (cf. n.º 4, do artigo 45.º da LGT).
Esta forma de contagem foi introduzida pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro é de aplicação imediata aos prazos em curso (cf. acórdão do Pleno do CT do STA de 17.03.2011, proc. n.º 01076/09: “(…) II -Na redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto». III - Tendo em conta que o efeito extintivo do direito à liquidação do IVA é o decurso do "inteiro" prazo de caducidade e não a ocorrência do seu "dies a quo", a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária é aplicável ao prazo em curso, atento ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.” – no mesmo sentido, v. entre outros, acórdãos do STA de 07.09.2011, proc. n.º 0461/11, de 08.02.2012, proc. n.º 0931/11, de 15.05.2013, proc. n.º 0147/13.
Portanto, in casu, o prazo de caducidade do direito de liquidação iniciou-se e 1 de janeiro de 2004, e completar-se-ia no dia 31.12.2007.
As liquidações de IVA de 2003 e juros compensatórios, foram efectuadas na sequência de correcções meramente aritméticas efectuadas no âmbito de procedimento inspectivo interno, no âmbito do qual o sujeito passivo exerceu direito de audição (vide item A) e B) do probatório) , sendo que as mesmas devem ser notificadas ao sujeito passivo, por carta registada (artigo 38° nº 1 e 3 do CPPT).
Conforme decorre da matéria de facto provada a notificação das liquidações, por carta registada, não se realizou porquanto a mesma apesar de ter sido remetida em nome e para o domicílio fiscal da Recorrida, 1ª tentativa, e para o domicílio fiscal do sócio gerente da Recorrida, 2ª tentativa, foram ambas devolvidas ao Serviço de Finanças com a menção de “ausente” [vide itens C) a E) da matéria de facto assente].
Frustrada a notificação do sujeito passivo pela via postal (carta registada), o chefe de serviço de finanças, determinou no âmbito das suas competências que se procedesse à notificação pessoal das liquidações (artigo 38.º, n.ºs 5 e 6, do CPPT), com aplicação das regras da citação pessoal previstas no CPC.
Atendendo ao disposto nos artigos 233º, 240º e 241º do CPC (na redacção aqui aplicável, a introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8/3), a citação/notificação com hora certa só pode ter lugar quando se confirme a residência do citando/notificando no local e este aí se não se encontre, devendo, então, ser procurada a pessoa que se encontrar em melhores condições de transmitir ao citando/notificando a hora certa, e devendo, no caso de tal ser impossível, ser deixado aviso com indicação dessa hora. E se, de novo, o citando/notificando não for encontrado, nem pessoa que possa transmitir-lhe a citação/notificação, esta faz-se mediante afixação da correspondente nota de citação ou de notificação. E cumpridas estas formalidades, para que a citação/notificação seja perfeita, é enviada carta registada ao citando/notificando, dando conta do ocorrido, no prazo de dois dias úteis.
No caso dos autos, e de acordo com a factualidade provada, os funcionários da AT encarregues da notificação, aquando da sua primeira visita, consignaram que na sede, domicílio fiscal da Recorrida não se encontrava ninguém presente, tendo afixado na porta daquela a indicação da hora certa. E no dia e horas marcadas, dia seguinte, mais uma vez se deslocaram e verificaram que ninguém se encontrava presente na sede da recorrida, nem era possível a colaboração de terceiros, pelo que afixaram a notificação na porta daquela, na presença de mais duas testemunhas.
E por fim, foi enviado, no próprio dia 28.12.007, um ofício registado com aviso de recepção, a dar conhecimento ao sujeito passivo que se procedera à sua notificação nos termos descritos.
E é precisamente quanto a este oficio registado, mais concretamente sobre o julgamento que recaiu sobre o mesmo, que se insurge a Recorrente, ao não aceitar a exigência que o Tribunal a quo atribui à notificação a que alude o artigo 241º do CPC, considerando que a sua não efectivação feriu a notificação por contacto pessoal que havia sido alcançada pelas diligencias levadas a cabo.
Mas será assim. Desde já se diga, que nos revemos no assim decidido.
A exigência de envio de carta registada ao citando (no caso ao notificando) após a citação efectuada por “afixação no local da nota de citação” constava já do § 2º do artigo 243º do CPC de 1939, foi transposta para o nº 3 do correspondente artigo 243º do actual CPC e, posteriormente (com a redacção do DL nº 329-A/95, de 12/12) para o actual artigo 241º. Sendo que, com a alteração de redacção do artigo 241º do CPC operada pelo DL nº 38/2003, de 8/3, a lei passou ainda a estabelecer um prazo limite para o envio de tal carta registada ao citando: no prazo de 2 dias úteis após a fixação da nota de citação nos termos do nº 3 do artigo 240º do CPC).
Estamos perante uma «diligência complementar e cautelar» (cf. neste sentido Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, Vol. II, p. 648) que visa, como refere Abrantes Geraldes, (in Temas Judiciários: Citações e Notificações em Processo Civil. Custas Judiciais e Multas Cíveis, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1998) «evitar as consequências processuais da revelia, constituindo uma manifestação evidente da persistente preocupação do legislador em assegurar pelos meios possíveis, o efectivo conhecimento por parte do Réu da existência de um processo contra si interposto, para que este possa assumir, se assim entender, a sua defesa».
Como de forma uniforme e recorrente a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vem firmando, o não cumprimento do preceituado no artigo 241.º do Código de Processo Civil (actual artigo 233.º) constitui uma mera preterição de formalidade apenas susceptível de fundar uma nulidade da citação, a qual, nos termos do preceituado no artigo então 198.º n.º 4 do Código de Processo Civil, só deve ser atendida quando dela resultar comprometida a defesa do citando.
Aqui chegados, chamamos à colação o que se deixou dito no acórdão do STA de 09.12.2021, proferido no âmbito do processo n.º 1121/21.1BEBRG , diz-se ali:
«IV. Ora, comecemos por esclarecer que a invocação do não cumprimento do disposto no artigo 233.º do CPC não obsta ao efeito pretendido pelo Recorrente; ou seja, mesmo incumprido o dever de promover a “Advertência” a que se refere o artigo 233.º do CPC (ex- artigo 242 do CPC), a citação não fica prejudicada, pelo facto de tal “advertência” ter um desiderato informativo e não jus-constitutivo da citação, conforme já se depreendia do disposto no artigo 241.º do CPC, na redacção à data dos factos: “Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 236.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, sendo ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe:
a) A data e o modo por que o acto se considera realizado;
b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta;
c) O destino dado ao duplicado; e
d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.” (sublinhado nosso).
É, igualmente, o que decorre, cristalinamente, do Acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 06B1893, de 22 de Junho de 2006 : “I - A carta registada a que se refere o art. 241.º do CPC não constitui uma segunda citação, mas antes uma mera advertência da citação já efectuada em pessoa diversa do citando com a observância do formalismo imposto pelos arts. 239.º e 240.º do mesmo Código, constituindo assim uma mera cautela suplementar para que o citando tome conhecimento do conteúdo daquele acto. II - A validade da citação não é, pois, afectada pela recusa do citando em receber a sobredita segunda carta, desde que se garanta que a morada do destino da carta é a do citando.” (sublinhados nossos) – disponível em www.dgsi.pt. E, na jurisdição administrativa e fiscal, o mesmo decorre, em termos igualmente vítreos, do Acórdão, de 29 de Janeiro de 2015, do Tribunal Central Administrativo Norte, lavrado no âmbito do Processo n.º 00307/13.7BECBR: “III. A expedição da carta registada a que se reporta o artigo 241º (actual 233º) do CPC não é considerada pela lei uma formalidade essencial, na medida em que a omissão dessa diligência não é susceptível de afectar ou prejudicar a defesa do interessado, nos termos contemplados no artigo 165°, nº 1, alínea a) do CPPT, mas antes uma formalidade necessária que cumpre um dever de informação e garantia, pelo que a sua omissão cabe na previsão do artigo 198º do CPC.”»
E, ainda, sem querer-se entrar num círculo fastidioso de citações, pela sua clareza, apelamos ao sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 13.07.2020, processo n.º 1186/19.6T8CBR, no âmbito do NCPC, onde se lê: « (...) Sucede que atento o facto de neste art. 230º, nº1 se estabelecer que o citando presume-se citado na data em que se mostre assinado o aviso de receção na sua própria pessoa, mesmo nos casos em que esse aviso de receção se encontre assinado por terceiro, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, leva a que a generalidade da doutrina e da jurisprudência considerem que a formalidade enunciada no referido art. 233º do CPC, não é um ato essencial da citação, posto que esta se considera realizada e o prazo para a dedução da oposição pelo citando se inicia independentemente do cumprimento ou não desta formalidade./ 3. Ademais tem sido entendido que o não cumprimento do preceituado neste art. 233º do n.C.P.Civil, quando seja legalmente imposto, não gera a “falta de citação”, mas que se está perante a mera omissão de uma diligência complementar, cautelar ou confirmativa da citação quase-pessoal antes efetuada e que, por conseguinte, a omissão dessa diligência por parte da Secção não determina a “falta de citação” prevista nos arts. 187º, al. a), 188º, nº1, als. a), b) ou e) e 189º do n.C.P.Civil, mas apenas poderá determinar a “nulidade da citação” a que aludem os arts. 191º, nos 1 e 2 do n.C.P.Civil ./ 4. Contudo, em conformidade com o ínsito no artigo 188º, nº1 al.e) [cuja aplicação está ressalvada na 1ª parte do nº1 do art. 191º do mesmo n.C.P.Civil], para que ocorra nulidade de citação é necessário que o respetivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável.»
In casu, não vem questionado que a carta tenha sido remetida ao notificando. O que se questiona é a validade da notificação, por a carta ter sido devolvida com a menção de “ausente” e, bem assim da sua não eficácia, pois que tendo sido remetida com aviso de recepção tal procedimento não foi levado a cabo pelos serviços de correios, mediante o depósito para o seu levantamento.
Ora, a eventual nulidade da notificação por preterição da formalidade legal prevista no artigo 241º do CPC não é do conhecimento oficioso, pelo que o tribunal só podia dela ter conhecido caso tivesse sido arguida pela Recorrida (artigo 198º do CPC), o que manifestamente não se verificou, em sede de petição inicial.
Deste modo, não tendo tal nulidade sido arguida pela Recorrida (arguido, alegado e demonstrado que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável e prejudicado e sua defesa), não podia, dela ter conhecido (como fez) o tribunal recorrido, incorrendo, pois, em erro de julgamento.
Em alternativa, poderia a Impugnante, ora Recorrida, ter invertido a presunção legal do conhecimento do acto notificado, nos termos da parte final do n.º 6 do artigo 190.º do CPC, de modo a, aí sim, obstar à verificação da notificação da liquidação.
Ou seja, de acordo com o disposto no artigo 190º, nº 6 do CPPT, e em sintonia com o referido no artigo 195º, nº 1, alínea e) do CPC, para que ocorra falta de “citação” [leia-se notificação das liquidações] é necessário que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.
E, embora tal se preveja difícil, foi precisamente isso que a Recorrida alegou, num 1º momento em sede de petição inicial ao invocar a caducidade do direito às liquidações adicionais de IVA por não ter recebido qualquer notificação até à data de 31.12.2007 – vide artigos 2º a 4º da petição inicial e, num 2º momento, após a notificação da contestação e da junção do processo administrativo, ao dar nota que desconhece os editais que desde que existe as instalações estão encerradas a 1ª quinzena de agosto e última quinzena de dezembro para férias, sendo afixado nas instalações um aviso do encerramento e um contacto de emergência (nome e telefone que identifica) (vide fls. 47 a 48 dos autos físicos e, em sede de contra-alegações, conclusões H- a I.).
Ora, temos que considerar que a Recorrida por via do por si alegado (em sede de petição e de resposta aos documentos constantes do PA) alegou e propõe demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável, invocando que não teve conhecimento de qualquer notificação das liquidações, nomeadamente dos avisos deixados na sequência da notificação por hora e, bem assim, da carta registada enviada nos termos do artigo 241º do CPC, , por motivo que não lhe é imputável (encerramento para férias) e, não podemos ignorar que foram arroladas testemunhas, com domicílio profissional na sede da Recorrida susceptíveis de firmar o alegado, cuja dispensa foi determinada pelo Tribunal a quo.
Admitindo-se que a presunção legal de que teve conhecimento da notificação das liquidações é ilidível, e cabendo tal prova ao interessado [artigos 233º e 240º do CPC 1961], impõe-se a produção da prova por ele oferecida na petição inicial, para, após, ser apurado se o invocado desconhecimento da citação ocorreu por facto que não lhe é imputável.
E assim sendo, é de concluir que a decisão que julgou verificada a ilegalidade das liquidações consubstanciada na caducidade do direito à liquidações, nos termos do artigo 45º, n.º 1 da LGT, por falta de notificação válida das liquidações à Recorrida sem a produção da prova por ela oferecida, não pode manter-se.

2.3. Conclusões
I. A notificação pessoal de acto tributário, a realizar de acordo com as regras da citação, poderá ser efectuada de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no CPC, designadamente através de contacto pessoal do funcionário com o notificando, através da citação/notificação com hora certa e subsequentes termos legais aplicáveis (artigos 239°, 240° e 241° do CPC de 1961).
II. A notificação com hora certa, que se tem por efectuada na data da afixação da nota a que se referia o artigo 240°, n° 3, do CPC, que cumpre todas as formalidades legais, obsta à caducidade do direito à liquidação, se feita dentro do respectivo prazo.
III. O envio subsequente de carta registada, no prazo de 2 dias úteis, é uma diligência complementar e cautelar posterior à notificação, comunicando ao notificado a data e o modo por que o acto se considera realizado, (artigo 241° do CPC 1961) que cumpre um dever de informação e garantia, pelo que a sua omissão cabe na previsão do artigo 198º do CPC 1961.
IV. De acordo com o disposto no artigo 195º CPC 1961, para que ocorra falta de citação (notificação) é necessário que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.
V. Admitindo-se que a presunção legal de que teve conhecimento da citação (notificação) é ilidível, e cabendo tal prova ao interessado, impõe-se a produção da prova por ele oferecida na petição inicial, para, após, ser apurado se o invocado desconhecimento da citação (notificação) ocorreu por facto que não lhe é imputável.

3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, determinando a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para, após produção da prova oferecida e demais elementos que os autos forneçam, ser proferida nova decisão.
Sem custas.

Porto, 09 de novembro de 2023

Irene Isabel das Neves
Cristina Travassos Bento
Margarida Reis