Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00946/09.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/14/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:REFORMA QUANTO A CUSTAS
DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE
Sumário:1. Em conformidade com o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nas causas de valor superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça deverá ser considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
2. Deve existir, ainda que não em termos absolutos, correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
3. Os valores da taxa de justiça não podem ser de tal forma elevados que possam pôr em causa o acesso ao direito constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
4. A norma constante daquele n.º 7 do artigo 6.º do RCP deve ser interpretada no sentido de ser permitido dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., SGPS, S.A.
Decisão:Deferido o pedido de reforma quanto a custas
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorrente nos autos em que foi Impugnante a sociedade S… SGPS, SA, notificada do acórdão proferido a fls. 894 e segs. requereu a sua reforma quanto a custas tendo em conta o máximo de æ 275.000,00 fixado na tabela I do RCP, desconsiderando-se o remanescente aí previsto.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. PGA junto deste TCA nada opôs ao requerido.

Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir.


CUMPRE APRECIAR E DECIDIR.
Nos termos do disposto no artigo 666º/1 e 613.º do CPC, depois de proferido o acórdão fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa, sem prejuízo de as partes pedirem a sua reforma quanto a custas e multa (art. 616º/1 e 666º/1 do CPC).

O acórdão cuja reforma quanto a custas se peticiona, negou provimento ao recurso interposto pela AT da sentença que julgou procedente a impugnação e condenou-a nas respetivas custas.
O valor da ação é de € 1.015.993,87.

Segundo dispõe o nº 7 do art. 6° do RCP, introduzido pelo artigo 2º da Lei n.º 7/2012 de 13 de Fevereiro, Nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Esta disposição está conexionada com o que se prescreve na tabela I, ou seja, que para além de €275.000 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção três unidades de conta no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B, e quatro e meia unidade de conta no caso da coluna C.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa que deve ser considerado na conta final.
Se não for determinada a dispensa do seu pagamento.

A dispensa tem natureza excecional. Pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes – cfr., a título de exemplo, o acórdão de 18/11/2015, tirado no processo n.º 0346/14; vide também os acórdãos do 2.º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/05/2014, proc. n.º 7270/13, e de 27/11/2014, proc. n.º 6492/13, bem como do seu 1.º Juízo de 26/02/2015, proc. n.º 11701/14 e, ainda, os acórdãos deste TCAN, de 08/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1155/10.1BEBRG e de 09/06/2016, proferido no âmbito do processo n.º 369/14.0BEVIS.

Conforme salienta Salvador da Costa (in RCP anotado e comentado, 4ª ed. pp. 236):
«A referida decisão judicial de dispensa, excecional, depende, segundo o estabelecido nesse normativo, da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes.
A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade, e a positiva atitude de cooperação das partes.»

Para além destes critérios, a proporcionalidade entre a taxa de justiça devida e o labor jurisdicional também deverá ser ponderado Para o apuramento do montante da taxa de justiça devida a final (nas acções de valor superior a €275.000) não pode ser tido em consideração apenas o valor atribuído à acção, pois, caso contrário, poderá chegar-se ao apuramento de montantes exorbitantes, por vezes desproporcionais com o trabalho desenvolvido pelo tribunal e incomportáveis para quem não tenha acesso ao apoio judiciário (cfr. o referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29/05/2014, proc. n.º 7270/13).
. Tal como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais:
“O valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.”

O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07 pronunciou-se também sobre o critério da proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça paga e o “serviço” prestado:
“(…) o facto do valor da taxa de justiça acompanhar automática e ilimitadamente o aumento do valor da causa, permitia que se atingissem taxas de justiça de elevadíssimo montante, flagrantemente desproporcionadas relativamente ao custo do serviço prestado, não podendo as mesmas, em regra, ser aferidas com o benefício obtido, uma vez que no nosso sistema processual, em matéria de responsabilidade pelo pagamento de custas, vigora o princípio da causalidade, segundo o qual quem paga as custas é quem não obtém vencimento na causa, dela não retirando qualquer benefício”.

Enunciados os princípios que devem nortear a “dispensa do pagamento do remanescente”, debrucemo-nos sobre o caso concreto.

Começando pela conduta processual das partes, verificada a tramitação dos autos constata-se que a mesma se limita ao que lhes é exigível e legalmente devido, não se destacando qualquer especial cooperação dos litigantes com o tribunal.

No que respeita à complexidade da causa, o RCP não nos fornece critérios específicos pelo que nos socorremos do disposto no artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC), que considera de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

As alegações não se revelam prolixas, nem implicou a análise de meios de prova complexos.
A questão decidenda embora trabalhosa, não é de especial complexidade, versando sobre matéria já tratada pela jurisprudência.

Assim, perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final e a necessidade de assegurar a correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça devida e ponderando ainda estarmos perante uma complexidade moderada, julgamos verificados os requisitos legais para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em deferir a reforma do acórdão quanto a custas dispensando a recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Sem custas.
Porto, 14 de setembro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira