Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01281/08.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Mário Rebelo
Descritores:DISTINÇÃO ENTRE AVALIAÇÃO DIRETA E INDIRETA
Sumário:1. O nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais.
2. Cabe à AT fazer a prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável).
3. A questão de os elementos estarem integrados na contabilidade da empresa em causa ou fora dela, não pode servir para afastar o recurso a correcções aritméticas,
4. O que interessa é se os elementos apurados pela Inspecção permitem, de forma inequívoca, porque incontroversa, afirmar a falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, com o consequente recurso a meras correcções técnicas/aritméticas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

P… SA, melhor identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida pela MMº juiz do TAF Aveiro que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 2005 dela interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

1 - O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal
Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente o processo de impugnação
judicial n.° 1281/08.7BEVIS apresentado pela sociedade P…, S.A., contra o acto de liquidação de IRC referente ao ano de 2005;

2 - A referida sentença considerou a impugnação judicial apresentada improcedente, por não se verificarem os vícios de violação de lei, por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários às correcções efectuadas, e por erro na decisão de aplicação de métodos directos.
3 - Ora, salvo o devido respeito, a sociedade recorrente discorda da sentença de que ora se recorre, senão vejamos:
4 - A tese dos proveitos omitidos defendida pela Administração Fiscal foi retirada de “recados” manuscritos, nos quais eram dadas orientações para trazer original e duplicado das guias de remessa que estavam na posse do cliente e que continham as quantidades e produtos que efectivamente acompanharam a mercadoria, e que procedesse à sua substituição mediante a entrega do original e duplicado das guias de remessa com o mesmo número, mas com quantidades adulteradas para menos, e da correspondente factura subvalorizada.
5 - A Administração Fiscal afirma que naqueles “recados” era ainda mencionada, na
maioria das situações documentadas, a quantia em dinheiro que era necessário trazer
e que corresponderia ao valor facturado e, nalguns casos, o valor em cheque e que
corresponderia à factura emitida após a adulteração das guias, subvalorizada no
montante correspondente à quantia em dinheiro.

6 - Ora, tais “recados” são absolutamente alheios à sociedade recorrente, apenas um se encontrando redigido em papel timbrado da mesma, sendo que a sua maioria nem sequer contem qualquer identificação, pelo que tais documentos foram inclusivamente impugnados pela sociedade recorrente.
7 - Na verdade, nenhuma das testemunhas arroladas pela sociedade recorrente reconheceu a origem dos supra referidos “recados”, uma vez que eles não foram obtidos na empresa - depoimento de J... - páginas 16 e 17; depoimento de M… - página 23; e depoimento de Sandra - página 43;
8 - Para além disso, a sociedade recorrente não sabe quem escreveu tais “recados”, não reconhecendo sequer a letra constante dos mesmos.
9 - Com efeito, tais documentos são cópias, que inclusivamente podem ter sido obtidas através de montagens.
10 - Para além disso e contrariamente ao que consta da sentença de que ora se recorre, a testemunha J... afirmou apenas que não reconheceu a letra que consta dos ditos “recados” - depoimento de J... - páginas 16 e 17 - nunca dando sequer a entender que os “recados” manuscritos em questão podiam ter sido elaborados por si.
11 - Ora, o Tribunal, ao abrigo dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, face à impugnação de tais documentos por parte da sociedade recorrente e à prova entretanto produzida em sede de inquirição de testemunhas, podia e devia ter oficiosamente determinado um exame pericial a tais documentos, para aferir da sua autenticidade.
12 - Com efeito, ao abrigo do disposto no número 1 do artigo 99° da Lei Geral Tributária, o Tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.
13 - Por sua vez, o artigo 13° do Código de Procedimento e de Processo Tributário preceitua que aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
14 - O que nunca poderia é ter dado o facto de tais recados serem alheios à
impugnante como não provado, porque a testemunha J... afirmou que desconhece a origem de tais recados e não reconhece a letra constante dos mesmos e as testemunhas arroladas pela sociedade recorrente que foram inquiridas sobre esta matéria afirmaram desconhecer tais documentos e a letra constante dos mesmos.

15 - Para além disso, foram efectuadas cópias da base de dados do programa informático associado à área comercial, bem como dos ficheiros de texto e folha de cálculo guardados no servidor e nos discos duros dos computadores de alguns funcionários da empresa.
16 - Com efeito, a Administração Fiscal afirma que “foi encontrado um ficheiro em Excel, designado “estrut.decustos_07.xls”, no qual se vislumbra um mapa de demonstração de resultados e de cash-flows, do qual consta uma linha onde se calculam resultados líquidos e outra designada resultados líquidos corrigidos. Ora, estes resultados líquidos corrigidos resultam de, entre outras coisas, da adição ao resultado líquido inicial dos valores apelidados de “correcções especiais”, que mais não são que as vendas não declaradas”.
17 - Ora, mais uma vez a conclusão retirada pela Administração Fiscal não tem qualquer correspondência com a realidade, conforme infra se demonstrará.
18 - Na realidade, as chamadas “correcções especiais” mais não eram do que determinadas correcções que ainda não estavam reflectidas na contabilidade e que eram importantes para a análise dos resultados mensais por parte da administração e para uma melhor percepção da evolução dos negócios da sociedade - depoimento de J... - páginas 17 a 19; e depoimento de M… - páginas 27 a 29.
19 - Tratava-se de revalorizações de artigos, que se sabia à partida que estavam mal valorizados, como é o caso dos acessórios de compressão, que são comprados em amarelo e entretanto sofrem um processo de niquelagem.
20 - Neste processo, deveriam ser imputados os custos de mão-de-obra, electricidade, bem como todos os custos com os materiais consumidos na niquelagem, mas como a transferência dos códigos amarelos para niquelados é feita informaticamente, não existe um processo de imputação directa destes custos.
21 - Deste modo, os artigos que eram niquelados em determinado mês ficavam valorizados abaixo do seu custo real. Esta correcção para a Administração Fiscal só era efectuada no final do ano, mas para a administração era feita no mês respectivo, embora se tratasse de uma correcção extra-contabilística.
22 - Por outro lado, devido à flutuação dos preços do aço inox, as matérias-primas e os produtos acabados eram ajustados aos valores de mercado.
23 - Por vezes, as despesas de despachos de mercadorias eram pagas num determinado mês, mas as mercadorias só chegavam em meses seguintes, pelo que estavam reflectidos determinados custos que eram corrigidos para a administração.
24 - Nalgumas situações, eram efectuadas correcções resultantes de reclamações a fornecedores, que aguardavam ainda a chegada do crédito respectivo (Ex: emissão de guias de devolução e atraso na chegada do crédito emitido pelo fornecedor).
25 - Noutros casos, os clientes apresentavam reclamações, e a sociedade ora recorrente efectuava o respectivo crédito, mas só posteriormente estas reclamações eram creditadas pelos fornecedores das mercadorias.
26 - Na venda de monos para a sucata, que geralmente são vendidos abaixo do preço de custo registado no inventário, a diferença entre o preço de venda e o preço de custo era aqui imputada para efeitos de análise pela respectiva administração.
27 - Aliás, refira-se que durante a acção de fiscalização referente aos anos de 2005 e
2006, a Administração Fiscal efectuou determinadas cópias dos ficheiros informáticos
da sociedade recorrente, sendo que de entre esses ficheiros se encontrava um que
dizia respeito ao exercício de 2004, e que continha uma explicação expressa para o
valor das “correcções especiais” efectuadas naquele mesmo exercício.

28 - Do referido ficheiro consta a seguinte afirmação “Em Março/04 foi vendida uma
grande quantidade de pontas o que originou um prejuízo neste mês de 57.131,00 €”,
que coincide precisamente com o valor que a Administração Fiscal corrigiu em relação
à sociedade recorrente e ao respectivo exercício de 2004 (Cfr. documento número 28
junto à petição inicial).

29 - Na verdade, tal valor apurado no mês de Março de 2004 ficou a dever-se a um prejuízo causado pela venda de monos para a sucata.
30 - Ora, tal documento vem precisamente corroborar todas as explicações que são dadas pela sociedade recorrente para as supra referidas “correcções especiais”, mas porque põe completamente em causa a tese da Administração Fiscal no sentido que as referidas correcções mais não são do que proveitos omitidos por vendas não declaradas, pura e simplesmente foi ignorado e intencionalmente não junto ao relatório final da respectiva fiscalização.
31 - Com efeito, o inspector tributário confirmou que durante a inspecção tributária levada a cabo na sociedade recorrente foi feita uma recolha de ficheiros informáticos, no âmbito da qual foi obtido um documento que faz referência ao montante exacto (coincidência ao cêntimo) das correcções efectuadas pela Administração Fiscal relativamente ao ano de 2004 (57.131,00 €), e que apresenta uma justificação clara para esse valor - depoimento de Daniel Costa - páginas 73 a 76.
32 - A testemunha confirmou também que tal documento não foi junto ao respectivo
relatório da inspecção tributária, pura e simplesmente porque a administração
tributária não fez uma análise exaustiva de todos os elementos informáticos recolhidos
- depoimento de Daniel Costa - página 79.

33 - Em relação à correcção especial do ano de 2004, no valor de 57.131,00€, que o documento número 28 junto pela recorrente à respectiva petição inicial, refere ter sido originada por um prejuízo decorrente da venda de uma grande quantidade de pontas, durante o mês de Março de 2004, o inspector tributário referiu no seu depoimento que tal prejuízo é claramente espelhado na contabilidade da sociedade recorrente, através do cálculo da diferença entre o preço de aquisição das matérias-primas e o preço da venda das respectivas pontas, no pressuposto errado de que a venda de pontas é ainda uma venda de desperdícios de matéria-prima, o que não corresponde à verdade, uma vez que esta sociedade transforma grande parte da matéria-prima adquirida, e não a vende tal como a compra, e por isso existem custos de transformação associados, que terão de ser também incorporados no valor das respectivas pontas, conforme aliás foi claramente explicado pela testemunha J... - página 20.
34 - Com efeito, a sociedade recorrente compra matéria-prima (chapa), que transforma em tubo, com todos os custos associados, e esse tubo tem desperdícios, que constituem as tais pontas, mas que já não são matéria-prima, mas antes tubos decorrentes da transformação da chapa adquirida, que não têm as medidas standard, e por isso o raciocínio do inspector tributário é completamente descabido, atendendo à realidade concreta da empresa.
35 - Assim, o Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter dado como provado o facto do valor de 57.131,00 € ter ficado a dever-se a um prejuízo causado pela venda de pontas de sucata ocorrida em Março de 2004, uma vez que foram dados como provados todos os factos constantes de ficheiros informáticos copiados durante a acção de fiscalização aqui em causa, e utilizados pela Administração Fiscal, com excepção deste facto, porque apesar de constar também dos ficheiros informáticos copiados durante a referida acção de fiscalização, pura e simplesmente desmentia a versão defendida pela Administração Fiscal de vendas não declaradas.
36 - As testemunhas J... e M… explicaram ao Tribunal como eram calculadas as correcções especiais constantes dos mapas em causa, esclarecendo que se tratava de correcções extra-contabilísticas apresentadas mensalmente à Administração, em reuniões informais, sendo que os documentos que continham os respectivos cálculos eram posteriormente destruídos.
37 - Aliás, a única testemunha que afirmou que a sociedade recorrente efectuava vendas sem factura foi o Eng. José…, que inclusivamente apresentou uma denúncia nas Finanças.
38 - A referida testemunha é genro e cunhado dos administradores da sociedade recorrente, Eng. Joaquim… e Dr. P…, com quem nos últimos anos, após a separação dos sogros, mantém um clima de ódios e vinganças plasmados em vários processos judiciais que se encontram a correr termos em Tribunal, tendo sido Autor de várias denúncias que inclusivamente tiveram como alvo quadros das empresas do grupo J…e o próprio revisor oficial de contas, sendo que o respectivo processo contra este último já foi arquivado na sequência do trânsito em julgado do processo número 2446/05.9TBAGD.
39 - E tal clima terá sido a justificação para o comportamento desta testemunha, que afirmou no seu depoimento ter deixado a empresa numa situação de conflito com o Eng. Joaquim Almeida, e que deixou na empresa uma capa com elementos referentes às vendas sem factura, pois pensou nunca vir a precisar dela.
40 - Para além disso, esta testemunha apenas trabalhou na sociedade recorrente até finais de 2001, pelo que não tem conhecimento directo dos factos aqui em causa.
41 - Por outro lado, a referida testemunha afirmou na respectiva inquirição que desconhecia completamente o que aconteceu depois de ter saído da empresa, e que o conhecimento que tem dos factos aqui em causa lhe foi transmitido por várias pessoas que lhe contaram depois de ter saído da empresa, mas apenas identificou o Exmo. Senhor E…, que entretanto já faleceu, e relativamente ao qual não constam no processo quaisquer autos de declarações - páginas 83 a 87.
42 - A mesma testemunha afirmou ainda ter arrancado com o sistema informático da sociedade recorrente em 1999, pelo que a mesma conhece por dentro o mesmo, sendo que em abstracto conseguiria produzir um qualquer documento igual àqueles que foram juntos pela Administração Tributária aos autos, e cuja origem a sociedade recorrente desconhece completamente.
43 - Por tudo isto, o depoimento de tal testemunha não tem qualquer credibilidade, não podendo sequer ser valorado em termos de prova.
44 - Ora, após tudo o supra exposto, facilmente se conclui que a situação concreta aqui em causa não deveria ter originado qualquer tributação, uma vez que no ano em causa não existiram quaisquer vendas não declaradas, mas no caso de assim não se entender, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, o presente caso deveria ter conduzido a uma tributação com recurso à aplicação de métodos indirectos, e não a uma avaliação directa, com introdução de simples correcções técnicas.
45 - Nos termos do disposto no artigo 83° da Lei Geral Tributária, a avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.
46 - Ora, os mapas elaborados em Excel aos quais a Administração Tributária teve acesso durante a acção de fiscalização aqui em causa, não constituíam elementos contabilísticos da sociedade recorrente, mas tratava-se antes de documentos extra- contabilísticos, que serviam de apoio à gestão da empresa.
47 - Para além disso, a Administração Fiscal não conseguiu obter suporte documental na contabilidade da sociedade recorrente, que servisse de fundamento às correcções efectuadas com base em tais mapas, apesar de, por mera coincidência, em raríssimas situações ter conseguido que os valores constantes de tais mapas coincidissem com os montantes constantes dos “recados” manuscritos.
48 - Contudo, na maioria das situações, tal não sucedeu, o que mais uma vez vem fragilizar a tese defendida pela Administração Fiscal.
49 - Assim, a Administração Tributária limitou-se a considerar que a contabilidade da sociedade recorrente não reflectia a situação patrimonial exacta e verdadeira, presumindo que os valores constantes dos referidos mapas constituíram proveitos omissos devido a vendas não declaradas pela referida sociedade, pelo que em bom rigor, deveria ter recorrido à aplicação de métodos indirectos, com respeito por todas as garantias dos contribuintes acrescidas em tais situações.
50 - Ora, nos termos do disposto no número 1 do artigo 75° da Lei Geral Tributária, presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
51 - Por outro lado, de acordo com o preceituado no número 2, alínea a) do mesmo preceito legal, a presunção referida no número anterior não se verifica quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, legitimando por isso o recurso à aplicação de métodos indirectos.
52 - No caso concreto, a Administração Fiscal abandonou a presunção de veracidade da contabilidade da sociedade recorrente, por entender que a mesma revelava omissões de proveitos, mas ainda assim não recorreu formalmente à aplicação de métodos indirectos, conforme legalmente lhe é imposto, limitando-se a efectuar meras correcções técnicas ao lucro tributável da sociedade recorrente, não obstante na prática tivesse presumido determinados valores de vendas não declaradas, valores esses que nem sequer constavam da contabilidade da sociedade, mas antes de ficheiros informáticos extra-contabilísticos copiados durante a acção de fiscalização tributária aqui em causa.
53 - Para além disso, nos termos do disposto no número 3 do mesmo preceito legal, a
força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto
em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise,
programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar,
o que mais uma vez não sucedeu no caso concreto.

54 - Assim, as correcções efectuadas tiveram a sua origem apenas nos mapas informáticos recolhidos pela administração tributária durante a acção inspectiva aos anos de 2005 e 2006, e dos quais consta uma linha referente às chamadas correcções especiais, que a Administração Tributária presumiu tratar-se de vendas não declaradas.
55 - Por outro lado, o inspector tributário responsável pela fiscalização levada a cabo na sociedade recorrente confirmou que durante a referida fiscalização não foram efectuados quaisquer testes de verificação/controlo de inventários, tendentes a obter a confirmação da conclusão precipitada da administração tributária, segundo o mesmo, porque os valores em causa não justificavam grande perda de tempo e recursos - página 81.
56 - Para além disso, o inspector tributário confirmou ainda que durante a inspecção tributária não foi efectuado qualquer tipo de cruzamento de dados, ou seja, os clientes que supostamente receberam as guias alteradas não foram sequer sujeitos a qualquer inspecção tributária, mais uma vez porque estavam em causa valores muito pequenos
- página 79.

57 - A referida testemunha confirmou também que os mapas que foram recolhidos do sistema informático da sociedade impugnante não são elementos contabilísticos, mas meros documentos de apoio/auxílio à gestão da empresa - páginas 80 e 81.
58 - A AT (tal como agora, o Tribunal), convenceu-se de que montante de 49.599,91 € mencionado na linha “Correcções - Outros/ Especiais” do mapa de “ Estrut. De Custos_05.xls”que constitui o anexo X do Relatório, corresponde ao acumulado dos valores não facturados no ano 2005.
59 - Assim, a AT elegeu o montante de 49.599,91 €, mencionado no anexo IV do
Relatório, como sendo o da matéria colectável omitida, sobre o qual haveria de incidir
o adicional da liquidação de IRC.

60 - Por isso, cumpre averiguar se o método seguido para obter tal convicção assentou na determinação directa desse montante de 49.599,91 € através de elementos objectivos disponíveis na contabilidade do sujeito passivo ou que, encontrados fora dela, lá devessem estar.
61 - Sem dúvida, a resposta a essa questão tem de ser negativa.
62 - Não há dúvida de que o método seguido para determinação do montante considerado omitido, de 49.599,91 €, assentou numa série de indícios e testemunhos externos, ponderados de acordo com critérios com alguma subjectividade, que após um complexo processo cognitivo permitiu extrair uma presunção natural ou judicial com o conteúdo acima referido.
63 - Ou seja, não há dúvidas de que a AT recorreu à aplicação de métodos indirectos de avaliação, pelo que, o vício alegado pela sociedade recorrente merece proceder, com todas as consequências legais.
64 - Na verdade, ao designar como “correcções meramente aritméticas” as correcções
que na realidade resultam de aplicação de métodos indirectos de avaliação, a AT acabou por postergar garantias procedimentais atribuídas por lei aos contribuintes, cuja violação determina a anulação do acto impugnado com o fundamento sob análise.

65 - Assim, a sentença de que ora se recorre está ferida de várias ilegalidades, porque considerou determinados factos como não provados, quando os documentos juntos pela sociedade recorrente aos autos e os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela mesma sociedade, determinam a prova dos referidos factos e designou como “correcções especiais” as correcções que na realidade resultam de aplicação de métodos indirectos de avaliação, acabando por postergar garantias procedimentais atribuídas por lei aos contribuintes, cuja violação determina a anulação do acto impugnado.
66 - Para além disso, o Meritíssimo Juiz “a quo” nem sequer se pronunciou sobre a ilegalidade invocada pela sociedade recorrente no artigo 69º da respectiva petição
inicial, e que consiste na violação do preceituado no número 3 do artigo 75° da Lei Geral Tributária, porquanto a força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar, o que mais uma vez não sucedeu no caso concreto e em relação ao ano de 2005.

67 - E por isso, a sentença de que ora se recorre é nula, ao abrigo do disposto no artigo 125°, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto
o Meritíssimo Juiz não se pronunciou sobre uma questão que devia apreciar.

Nestes termos, deverão V. Exas. conceder provimento ao presente recurso, devendo a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ser revogada, por ilegalidade e nulidade, e substituída por outra que altere a matéria de facto dada como provada de acordo com o supra exposto e que julgue a aplicação de métodos directos ilegal, e a impugnação judicial apresentada totalmente procedente, por provada, e em consequência, ordene a anulação do acto tributário de liquidação de imposto e o pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia à sociedade ora Recorrente, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final.
Só desta forma, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se errou no julgamento da matéria de facto e de direito e se a sentença é nula por omissão e pronúncia.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A. A Impugnante tem por objecto social a “fabricação de tubos de aço” e CAE 27220 (cf. fl. 5 do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) constante do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B. A Impugnante foi alvo de uma acção inspectiva externa ao IRC, IVA e IRS dos anos de 2005 e 2006 que teve origem na Ordem de Serviço n.º OI200701338, datada de 20 de Julho de 2007, com o código PNAIT 222.24 (cf. fl. 4 do RIT constante do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C. Nessa acção inspectiva, os serviços de inspecção tributária procederam às diligências descritas a fls. 7 e 8 do RIT constante do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
D. Os serviços de inspecção tributária concluíram que tais diligências “permitiram identificar situações passíveis de correcções à matéria colectável apurada pelo sujeito passivo, relacionadas com a omissão de proveitos por vendas não declaradas. A análise da documentação de suporte às facturas emitidas pela P…, mais especificamente dos documentos que sustentam a expedição de produtos e mercadorias vendidas pela empresa, designados por Guias de Remessa, possibilitou constatar que este tipo de documento poderia ser alterado após a sua emissão e impressão. Esta evidência resulta da recolha de cópias de Guias de Remessa, das pastas de arquivo da empresa, com o mesmo número e data mas com nome de cliente e referências ao número de Talão diferentes, conforme se comprova pelas cópias em Anexo 6. A análise do mesmo tipo de documentos arquivados na empresa do grupo C… permitiu constatar casos de duas guias de remessa com o mesmo número, mas com fornecimentos diferentes, o valor da consequente factura era sempre o que resultava da guia de remessa com quantidades de produtos ou mercadorias menores. Esta evidência veio corroborar os indícios da prática de esquemas evasivos à tributação em sede de IR e IVA resultantes dos elementos concretos a que a Inspecção Tributária teve acesso, em que se apresentaram cópias de Guias de Remessa com duas versões e que possuíam as características atrás descritas, para além de cópias de «recados» manuscritos num pequeno bloco de notas, aludindo ao esquema evasivo que aqui se pretende demonstrar, conforme Anexo
7. Estes «recados» são manuscritos e redigidos com uma caligrafia que, aparentemente, corresponde à do Técnico Oficial de Contas J... (NIF 1…). Neles, eram dadas orientações para trazer original e duplicado das Guias de Remessa que estavam na posse do cliente e que continham as quantidades e produtos que efectivamente acompanharam a mercadoria, e que se procedesse à sua substituição mediante a entrega do Original e duplicado das guias de remessa, com o mesmo número mas com as quantidades adulteradas para menos, e da correspondente factura subvalorizada. Nestes «recados» mencionava-se, ainda, na maioria das situações documentadas, a quantia em dinheiro que era necessário trazer e que corresponderia ao valor não facturado e, nalguns casos, o valor em cheque e que corresponderia à factura emitida após a adulteração das guias, subvalorizada no montante correspondente à quantia em dinheiro. Os factos descritos apontavam para a permissividade do programa informático associado à área comercial (expedição e facturação), estando implícita a prática de crime fiscal de fraude qualificada. (…) Perante as suspeitas atrás referidas, foi considerado conveniente e oportuno a realização de uma auditoria informática ao sujeito passivo, com a colaboração de uma equipa especializada dos Serviços da Inspecção Tributária, no âmbito das garantias de eficácia do exercício da função inspectiva previstas no artigo 28° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), que prevê na alínea c) do n.º 2 o direito ao «ao exame, requisição e reprodução de documentos, mesmo quando em suporte informático, em poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos». Neste sentido, foram efectuadas cópias da base de dados do programa informático associado à área comercial, bem como dos ficheiros de texto e folha de cálculo guardados no servidor e nos discos duros dos computadores de alguns funcionários da empresa, conforme resulta do auto de recolha de 25 de Outubro de 2007 (ver Anexo 8). A análise da base de dados permitiu complementar evidências que entretanto já se tinham obtido pela análise de ficheiros informáticos solicitados ao TOC, durante a fase inicial da acção inspectiva, e que se relacionam com o facto de existirem quebras na sequência numérica de documentos internos do Armazém, conforme exemplo no quadro abaixo que agravavam as suspeitas de omissão de proveitos, por ocultação de vendas. O documento emitido pelo Armazém (Talão), que comprova a disponibilidade em stock e a preparação para expedição dos produtos ou mercadorias solicitadas pelo cliente, suporta o descritivo das Guias de Remessa. Ou seja, para emitir uma Guia de Remessa, o funcionário indica o número do Talão e a sua existência demonstra que o material está pronto para expedição. A análise comparativa das Guias de Remessa que se encontraram com duas versões diferentes evidenciava a supressão de um ou mais números de talões nas guias com menores quantidades de produtos ou mercadorias (ver Anexo 9). Ou seja, a quebra na sequência numérica dos talões está relacionada com a omissão de talões na segunda versão da Guia de Remessa, o que indiciava, uma vez mais, a existência de vendas omitidas, uma vez que um Talão emitido demonstra a disponibilidade para expedição e a emissão de uma primeira versão da guia atesta que estaria no plano de entrega de material ao cliente. Os indícios de omissão de vendas eram por demais evidentes, conforme se exemplifica no quadro seguinte:
Por exemplo, a omissão dos Talões n.º 522125 e 522126 está claramente evidenciada nas duas versões das Guias de Remessa n.º 55410 e 55411 (ver Anexo 9), em que na primeira versão constam os Talões n.º 55123, 55124, 55125 e 55126 e na segunda versão apenas constam os Talões n.º 55123 e 55124. De acordo com os elementos recolhidos da Base de Dados, nos exercícios de 2005 e 2006 verificou-se, respectivamente, a omissão de 431 e 557 Talões por falha na sequência numérica, admitindo-se que nem todas as omissões resultem das consequências da adulteração de Guias de Remessa, havendo casos em que se tratam de efectivas anulações. De seguida, o procedimento inspectivo enveredou pela análise dos ficheiros de folha de cálculo recolhidos do servidor e dos computadores dos funcionários atrás referidos. No seguimento da análise às pastas incluídas na localização «servidor\contabilidade\p…\dados\balanços» foram encontradas pastas com a designação «balanços de 2005» e «balanços de 2006». Na localização «servidor\contabilidade\p…\dados\balanços\balanços de 2005» constavam um conjunto de ficheiros, entre os quais um ficheiro de Excel, designado «ESTRUT.DE CUSTOS_05.xls», do qual consta uma única folha de cálculo «folha 1», na qual se vislumbra um mapa de demonstração de resultados e de cash-flows, no qual se encontra uma linha onde se calculam resultados líquidos e outra designada resultados líquidos corrigidos (ver Anexo 10). Ora, estes resultados líquidos corrigidos resultam de, entre outras coisas, da adição ao resultado líquido inicial dos valores apelidados de «correcções especiais», que mais não são que as vendas não declaradas. Os valores mensais inscritos no referido mapa ou nalguns casos os valores parciais da célula da linha «correcções especiais» de determinado mês correspondem a alguns dos valores referentes à quantia em dinheiro que os «recados» aludem e que corresponderão à diferença entre o montante correspondente à Guia de Remessa original e o montante inerente à Guia de Remessa posteriormente adulterada. Este facto está comprovado no Anexo 11, em que se verifica, a título de exemplo que o valor do mês de Agosto de 2005 das «correcções especiais» inscrito na «folha 1» do ficheiro de Excel «ESTRUT.DE CUSTOS_05.xls» (ver Anexo 10), no valor de 3.953,01 euros, corresponde à quantia em dinheiro mencionada no «recado» relativo ao fornecimento através da Guia de Remessa n.º 54554 à empresa S…, Lda (NIF 5…) e cuja Factura n.º 53929 emitida no valor de 683,71 euros corresponde ao valor solicitado através de cheque pré-datado, conforme se corrobora pelos documentos do Anexo 7. O mesmo se passa com o valor parcial de 18.975,42 euros constante da célula do mês de Outubro de 2005, no valor global de 23.159,38 euros (18.975,42 euros + 4.183,96 euros), que corresponde ao valor não facturado ao cliente A… SA (NIF 5…), cujo «recado» refere claramente «material não facturado 18.975,42€ penso que não é para trazer dinheiro» e «recebido pelo Dr. P…». A diferença de quantidade de materiais entre a versão original e a versão adulterada das Guias de Remessa n.º 55410 e 55411 (ver documentos do Anexo 9) é abismal, justificando o elevado montante de omissão em causa, tendo-se inclusive já demonstrado a omissão dos respectivos Talões. A análise da Base de Dados recolhida junto do servidor da empresa, permite constatar que às Guias de Remessa n.º 5541 e 55411, atrás referidas, corresponde apenas a Factura n.º 54638, conforme quadro abaixo, e o detalhe da Factura n.º 54638, também obtido da Base de Dados, evidencia que o valor debitado ao cliente A… se resume a 1.990,66 euros.
Já o valor do mês de Dezembro de 2005 das «correcções especiais» inscrito na «folha 1» do ficheiro de Excel «ESTRUT.DE CUSTOS_O5.xls» (ver Anexo 10), no valor de 4.433,03 euros, corresponde à quantia em dinheiro mencionada no «recado» relativo ao fornecimento através da Guia de Remessa n.º 56714 à empresa S…, Lda (NIF 5…) e cuja Factura n.º 55774 emitida no valor de 2.403,21 euros corresponde ao valor solicitado através de cheque pré-datado, conforme se corrobora pelos documentos do Anexo 7. A análise comparativa da primeira e segunda versão das Guias de Remessa atrás referidas, complementada pela análise de situações idênticas ocorridas nas guias de outra empresa do grupo (C…), permitem concluir que a versão adulterada detém determinadas características, tais como a não inscrição da matrícula do veículo que efectuou a expedição, o não preenchimento da data e hora de início do transporte, letra do número da guia em negrito, entre outras. Ora, a análise exaustiva de todas as Guias de Remessa arquivadas na empresa, relativas aos exercícios de 2005 e 2006, demonstram existir no arquivo outras Guias de Remessa com as referidas características da segunda versão do documento adulterado, indiciando a existência de outros casos de subversão de documentos fiscais relevantes, com implicações no volume de negócios declarado, tais como se vislumbra pelas cópias em Anexo 12. Desta forma obtiveram-se evidências que, no exercício de 2005, a empresa P… procedeu à venda de produtos e mercadorias a clientes sem a emissão da respectiva factura ou documento equivalente na sua totalidade, assentando o procedimento evasivo na emissão de uma primeira Guia de Remessa com a totalidade do material expedido e que acompanhava a mercadoria, sendo posteriormente alterada apenas para a quantidade de material que se pretendia facturar. De acordo com o n.º 1 do artigo 20° do CIRC «consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de: a) Vendas ou prestações de serviços (…)», pelo que de acordo com os dados recolhidos, é possível concluir pela omissão de proveitos, sintetizados na distribuição mensal das vendas não declaradas do quadro seguinte, retiradas da «folha 1» do ficheiro de Excel «ESTRUT.DE CUSTOS_05.xls» (ver Anexo 10): Assim, relativamente ao exercício de 2005, existe uma supressão de 49.599,91 euros ao volume de negócios, com evidente prejuízo ao nível do imposto sobre o rendimento apurado, impondo-se a correcção de tal valor no campo 225 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 (cf. fls. 10 a 15 do RIT constante do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E. Foi efectuada a correcção à matéria tributável do IRC do ano de 2005 no valor de € 50.149,91 (cf. fl. 3 do RIT constante do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
F. Sobre o exercício do direito de audição foi proferida a seguinte decisão: “Num primeiro ponto, o sujeito passivo veio justificar a redução das margens brutas sobre as vendas, apresentado alguns factores que têm condicionado a manutenção ou melhoria daquele indicador. As circunstâncias elencadas em sede de direito de audição não merecem qualquer tipo de contestação, nunca tendo sido posta em causa, no Projecto de Relatório, a veracidade da evolução de tal tipo de indicador, apenas tendo sido constatado como um motivo de prevenção por parte da Administração Fiscal e como factor caracterizador da situação da empresa. Aliás, mesmo recalculando tais indicadores, acrescendo ao volume de negócios os valores da omissão de proveitos apurados no decurso da acção inspectiva (ver quadro seguinte), o cenário de quebra de margens face ao exercício de 2004 mantém-se, pelo que não existirá qualquer discordância face à caracterização do sector apresentada pelo sujeito passivo em sede de direito de audição:
Num segundo ponto do direito de audição, o sujeito passivo tece um conjunto de considerações, que se resumem à tentativa de credibilizar o sistema de controlo interno da empresa, bem como o próprio software de gestão utilizado, apresentado até uma declaração da empresa de informática que o desenvolveu, concluindo o seu contraditório reputando de falsos os documentos apresentados no Anexo 7 do Projecto de Relatório, que corresponde à documentação do Anexo 7 deste Relatório Final. Contudo, os esclarecimentos e argumentos apresentados não apresentam nenhum elemento que levem a reconsiderar a forma como se apuraram as correcções à matéria tributável apresentadas no ponto III, a fls. 9. Neste segundo ponto, o sujeito passivo começa por retirar conclusões precipitadas quanto à opinião da inspecção tributária (IT) sobre o sistema de gestão de stocks, ao alegar que no Projecto de Relatório se considerou que aquele «não revela situações passíveis de correcção de imposto» (in ofício n.º CT-002-02-8 do sujeito passivo P…, datado de 27 de Fevereiro de 2008, p. 2, § 2), Ora, em momento algum a IT teceu qualquer consideração sobre o sistema de inventário da empresa, tendo apenas listado um conjunto de procedimentos habituais de verificação, ao nível do IVA, com base na informação recolhida junto da empresa, entre os quais a análise de coerência dos inventários. Esta análise de coerência não significa um atestado de veracidade aos inventários, apenas se limitando a aferir de forma percepcionada a congruência da evolução das existências, com o volume das compras e do volume de negócios. Para além de se tratar uma mera percepção, o peso das omissões de proveitos no volume de negócios declarado pela empresa não permitem evidenciar incoerências prévias notórias:
Assim, é inapropriado que o sujeito passivo argumente que a omissão de proveitos não regista adesão à realidade, justificando-o referindo que a IT considera que «as quantidades em inventário estão coerentes com a verdade substantiva dos inventários em cada um dos exercícios» (in ofício n.º CT-002- 02-8 do sujeito passivo P…, datado de 27 de Fevereiro de 2008, p. 2, § 2), quando sabe que não se efectuou qualquer contagem física das existências ou qualquer outro tipo de teste às mesmas. Tratar-se-ia de um procedimento exaustivo, que teria de ser feito por amostragem, o que não acrescentaria nenhum valor probatório adicional, devido à diminuta percentagem de omissão de proveitos no valor global do volume de negócios da P…. Em seguida, o sujeito passivo argumenta que «a emissão das guias de remessa nesta como em qualquer empresa é susceptível, no momento da elaboração, ser passiva de correcções diversas, enquanto documento que não tendo saído como documento de transporte a acompanhar mercadorias fora das instalações das empresas», acrescentando que «confirmado o conteúdo da guia de remessa com os materiais prontos a expedir jamais pode ter acontecido qualquer alteração dessa mesma guia de remessa» (in ofício n.º CT-002-02-8 do sujeito passivo P…, datado de 27 de Fevereiro de 2008, p. 2, § 3). Este argumento não corresponde à verdade, na medida em que se verifica existir a assinatura de recepção e conferência das mercadorias por parte do cliente em Guias de Remessa originais e uma assinatura diferente, supostamente desvirtuada, nas Guias de Remessa adulteradas, conforme se comprova apenas por alguns exemplos que constam dos Anexos 6, 7, 9 e 12. Estas evidências demonstram a adulteração das guias após a expedição das mercadorias, reputando de corrompidas as alegações apresentadas pelo sujeito passivo. No que concerne à declaração da empresa de informática I… SA (NIF 5…), esta pretende atestar a integralidade e ausência de permissividade na adulteração de dados, referindo, relativamente às guias, que «na preparação dos referidos documentos, e enquanto não forem validados, o sistema permite inserir, rectificar e imprimir as quantidades que estão a ser preparadas para o envio», acrescentando que «após validação dos referidos documentos, o software não permite qualquer alteração» (in Declaração da I… como anexo do ofício n.º CT-002-02-8 do sujeito passivo P…, datado de 27 de Fevereiro de 2008). Já tinha ficado explícito e comprovado no Projecto de Relatório que o sistema permite alterar as Guias de Remessa. A I… apenas veio confirmar tal facto e informar que tal procedimento está previsto até à «validação», não esclarecendo, contudo, em que instante ela ocorre. Ora, a questão prende-se, precisamente, com o momento em que sucede essa «validação», que perante os factos expostos neste Relatório apenas poderá reportar-se à emissão da Factura, o que não impede a emissão de uma Guia de Remessa e sua posterior adulteração para efeitos de facturação. Ou seja, apenas a emissão da Factura impedirá que se volte a rectificar as Guias de Remessa. Aliás, os próprios «recados» em Anexo 7 permitem verificar que a respectiva Factura apenas é entregue no momento em que se efectua a substituição da Guia de Remessa original pela Guia de Remessa adulterada, o que possibilitará ao sujeito passivo rectificar o conteúdo da guia inicial até à emissão da Factura. Assim, a declaração da I… não vem de modo algum por em causa o esquema evasivo descrito ao longo deste Relatório, na medida em que apenas confirma a possibilidade de rectificação das guias, não contrariando as evidências de adulteração das guias após a expedição das mercadorias. O sujeito passivo alega, ainda, que «os documentos em anexo encontrados nos arquivos da empresa mais não são do que o comprovativo dos procedimentos internos adoptados» (in oficio n.º CT-002-02-8· do sujeito passivo P…, datado de 27 de Fevereiro de 2008, p. 3, § 4), referindo-se às cópias de Guias de Remessa recolhidas das pastas de arquivo da P…, com o mesmo número e data mas com nome de cliente e referências ao número de Talão diferentes, conforme se comprovou pelos elementos em Anexo 6. Ora, caso se tratasse de um procedimento de controlo interno implementado face à correcção de guias, o número de casos identificados seria muito maior perante apenas alguns exemplos apontados nos Anexos 6, 7, 9 e 12, pelo que ou o procedimento adoptado não estará a ser cumprido pelos funcionários da empresa ou, o que será mais correcto, as guias encontradas correspondem a descuidos no arquivo de documentação que supostamente não deveria estar em pastas da Contabilidade. Por fim, o sujeito passivo limita-se a não reconhecer como dele os elementos constantes do Anexo 7 do Projecto de Relatório, que corresponde à documentação do Anexo 7 deste Relatório Final, simplesmente «reputando-os de falsos». Contudo, não foi apresentada qualquer justificação para os valores constantes dos mapas dos ficheiros de Excel «ESTRUT.DE CUSTOS_05.xls» e „ESTRUT.DE CUSTOS_06.xls», localizados em «servidor\contabilidade\p…\dados\balanços\ balanços de 2005» e «servidor\contabilidade\p…\dados\balanços\balanços de 2006», respectivamente, nem para a coincidência entre os valores evidenciados em tais ficheiros e os montantes inscritos nos «recados», não se tendo sequer contestado o facto da caligrafia utilizada nos documentos do Anexo 7 corresponder aparentemente à do Técnico Oficial de Contas da P…. Resta concluir que todos os esclarecimentos e argumentos apresentados pelo sujeito passivo em sede de direito de audição (in ofício n.º CT-002-02-8 do sujeito passivo P…, datado de 27 de Fevereiro de 2008) não suscitam a necessidade de rever a forma e os montantes apurados pela IT no Projecto de Relatório, considerando-se não existir qualquer imprecisão que contrarie as correcções à matéria tributável apresentadas no ponto III, a fls. 9, pelo que o presente Relatório mantém os valores constantes do citado Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção (cf. fls. 23 e segs. do RIT constante do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G. Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 36 e segs. do RIT constante do PA apenso aos autos, insertas no anexo 6 do RIT;
H. Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 42 e segs. do RIT constante do PA apenso aos autos, insertas no anexo 7 do RIT;
I. Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fl. 54 constante do PA apenso aos autos, inserta no anexo 8 do RIT;
J. Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 55 e segs. do RIT constante do PA apenso aos autos, insertas no anexo 9 do RIT;
K. Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 61 e segs. do RIT constante do PA apenso aos autos, insertas no anexo 10 do RIT;
L. Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 65 e 66 do RIT constante do PA apenso aos autos, insertas no anexo 11 do RIT;
M. Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 67 e segs. do RIT constante do PA apenso aos autos, insertas no anexo 12 do RIT;
N. A decisão final do RIT deu origem à liquidação adicional de IRC do ano de 2005 n.º 2008 00000145663, no valor global de € 14.530,79 (cf. doc. 1, junto com a p.
i., a fl. 22, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
O. A p. i. da presente impugnação deu entrada na repartição de finanças em 1 de Setembro de 2008 (cf. carimbo aposto na p. i., a fl. 3);
P. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. n.º 23, junto com a p. i., a fl. 56;
Q. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. n.º 28, junto com a p. i., a fl. 63;
R. Por vezes sucedia que a quantidade da mercadoria que era pedida não correspondia à quantidade de mercadoria que saía da empresa, porque o produto se encontrava esgotado ou o cliente desistia parcialmente da encomenda (facto extraído dos depoimentos das testemunhas da Impugnante, os quais foram, nesta parte, relevados positivamente);
S. Nesses casos, o sistema informático de gestão de vendas permitia que no talão constasse a referência ao número de pedido anterior pendente de satisfação (facto extraído dos depoimentos das testemunhas da Impugnante, os quais foram, nesta parte, relevados positivamente);
T. O sistema informático de gestão de vendas permitia que a guia de remessa fosse alterada até à emissão da factura (facto extraído dos depoimentos das testemunhas da Impugnante, os quais foram, nesta parte, relevados positivamente);
U. A mercadoria saía da empresa acompanhada da guia de remessa e da factura (facto extraído dos depoimentos das testemunhas da Impugnante, os quais foram, nesta parte, relevados positivamente).
Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do PA apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não se evidenciar que sejam falsos e, bem assim, nos depoimentos das testemunhas, os quais se revelaram, na parte relevada, credíveis e coerentes com a demais prova constante e produzida nos autos, tal como referido em cada letra do probatório.
Considera-se não provado que os “recados” manuscritos de fls. 42 e segs. do RIT constante do PA apenso aos autos, insertas no anexo 7 do RIT, são alheios à Impugnante. O depoimento da testemunha da Impugnante, J…, TOC da Impugnante, foi considerado incoerente e inverosímil, uma vez que declarou desconhecer a origem desses “recados” manuscritos e não reconhecer a letra constante dos mesmos, tendo declarado que, se o ficheiro em Excel de fls. 61 e segs. Do RIT constante do PA apenso aos autos, insertas no anexo 10 do RIT, está guardado no sistema informático é porque não foi elaborado por si, mais tendo declarado que pediu para fazer a alteração dos dados do cliente na factura que consubstancia o doc. n.º 23, junto com a p. i., a fl. 56 e que a letra constante da parte superior direita da mesma será a letra do cliente, dando a entender que os “recados” manuscritos em questão podem ter sido elaborados por si, não podendo o seu depoimento deixar de ser valorado tendo em conta que, pelo menos um desses recados “manuscritos” - o “recado” manuscrito de fl. 49 do RIT constante do PA apenso aos autos - está contido em papel com os dados da Impugnante.
Considera-se, ainda, não provado, que o valor de € 57.131,00, constante da linha “Outros/Especiais” do ficheiro em Excel de fls. 61 e segs. do RIT constante do PA apenso aos autos, insertas no anexo 10 do RIT, ficou a dever-se a um prejuízo causado pela venda de pontas para sucata, porque os depoimentos das testemunhas da Impugnante, J…, TOC da Impugnante e M…, Directora Geral da Impugnante, foram considerados genéricos e conclusivos a este respeito, incapazes de explicar a razão pela qual aquele valor corresponde exactamente ao custo das pontas para sucata vendidas, não podendo os seus depoimentos deixar de ser valorados tendo em conta que o doc. n.º 28, junto com a p. i., a fl. 63, refere o valor e a operação correspondente igualmente a título genérico e conclusivo.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a fiscalização externa referente aos exercícios de 2005 e 2006 que culminou com a liquidação adicional relativa a ambos os exercícios.

A Impugnante não se conformou e deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC/2005.

Efetuado o julgamento, a ação foi julgada improcedente por sentença de 28 de março de 2014 (fls. 243 dos autos).

Inconformada, recorreu para este TCA com fundamento em erro no julgamento da matéria de facto e de direito, dizendo no essencial que as três situações de guias de remessa duplicadas recolhidas pela IT na empresa não dizem respeito a vendas não declaradas, antes têm justificações concretas, coerentes e razoáveis, devidamente explicadas. (Conclusões 1 a 8 e 12, 13 a 35).
As restantes situações de guias de remessa duplicadas foram dados a conhecer à AT através de uma denúncia efectuada por um ex trabalhador da sociedade impugnante, já falecido (Conclusões 9 a 11).
E no que respeita aos “recados” manuscritos nos quais eram dadas orientações para trazer o original e duplicado das guias de remessa que estavam na posse do cliente e que continham as quantidades e produtos que efetivamente acompanharam a mercadoria e que procedesse à sua substituição mediante a entrega do original e duplicado das guias de remessa com o mesmo número, mas com quantidades adulteradas e da correspondente fatura subvalorizada, bem como a quantia em dinheiro que era necessário trazer e que corresponderia ao valor facturado, tais recados são absolutamente alheios à sociedade recorrente, apenas um se encontrando em papel timbrado da empresa (Conclusões 36 a 42).
Face à impugnação de tais documentos, o tribunal “a quo” deveria ter determinado oficiosamente exame pericial a tais documentos para aferir da sua autenticidade (Conclusões 4 a 14).
Quanto ao ficheiro designado “estrt.decustos_07.xls” no qual se vislumbra um mapa de desmonstração de resultados e de cash-flows, do qual consta uma linha onde se calculam resultados e outra resultados líquidos corrigidos, que a AT considera corresponder a vendas não declaradas, são conclusões precipitadas pois tais correções especiais mais não eram do que determinadas correções que ainda não estavam refletidas na contabilidade e que eram importantes para a análise dos resultados mensais (Conclusões 16º a 26).
Aliás, na ação de inspeção a AT recolheu cópia de um ficheiro informático relativo a 2004 do qual consta a afirmação de que “Em março/04 foi vendida uma grande quantidade de pontas o que originou um prejuízo neste mês de 57.131,00 € que coincide com o valor que a AT corrigiu em relação à sociedade recorrente em ao exercício de 2004. Esse documento foi ignorado porque corrobora todas as explicações dadas pela sociedade Recorrente para as referidas “correções especiais”. Deveria o MMº juiz ter dado como provado que o valor de € 57.131,00 se ficou a dever a um prejuízo causado pela venda de pontas de sucata ocorrida em março/2004 (Conclusões 27 a 35).
A única testemunha que afirmou que a sociedade recorrente efectuava vendas sem fatura foi o Eng. José…. Esta testemunha é genro e cunhado dos administradores da sociedade, o qual mantém um clima de ódios e vinganças plasmados em vários processos judiciais que s encontram a correr termos em tribunais. Esta testemunha apenas trabalhou na sociedade recorrente até finais de maio de 2001 e desconhece completamente o que aconteceu depois de ter saído da empresa, não merecendo o seu depoimento qualquer credibilidade (Conclusões 37 a 43º).

Não houve quaisquer vendas não declaradas, mas caso assim não se entender, o presente caso deveria ter concduzido a uma tributação por métodos indiretos (Conclusões 44º a 64º).

A sentença é nula por que o MMº juiz não se pronunciou sobre a ilegalidade invocada pela sociedade no art. 69º da petição inicial (conclusões 66º e 67º).

Começando a nossa análise pelo erro de julgamento da matéria de facto, que no fundo preenche quase todo o recurso com exceção do recurso à avaliação indireta e da nulidade da sentença por omissão de pronúncia em relação à matéria alegada no art.º 68º da petição inicial (1), a Recorrente alega que a sentença errou no julgamento da matéria de facto nos seguintes pontos:

1. As testemunhas confirmam que as guias de remessa apenas podem ser alteradas até à emissão da correspondente fatura e que simultaneamente servem como documentos de transporte e documentos internos de verificação e controlo de cargas;
2. As testemunhas confirmam que as três situações de guias de remessa duplicadas têm justificações concretas, coerentes e razoáveis, devidamente explicadas (alegações -artigos 13 a 36).
3. As testemunhas confirmam que os “recados manuscritos” são alheios à sociedade (alegações 36º a 42).
4. A supressão de um ou mais números de talões deve-se a anulação de talões, causadas por desistências de clientes (47 e 48)
5. As testemunhas confirmam que as correções constantes do ficheiro Excel designado “estrut.decustos_05.xls” mais não eram do que determinadas correções que não estavam refletidas na contabilidade e que eram importantes para a análise dos resultados mensais. Tratava-se revalorizações de artigos que se sabia à partida que estavam mal valorizados.
6. Deveria ter sido provado que o valor de € 57.131,00 ficou a dever-se a um prejuízo causado pela venda de pontas de sucata ocorrida em março de 2004 (70º)
7. O depoimento da testemunha Eng. José… não merece credibilidade (arts. 71 a 79).

No recurso da matéria de facto a Recorrente não cumpre o disposto no art. 640º/2-a, (primeira parte) do CPC, ao não indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, o que se deve ao facto de na ata da inquirição das testemunhas (fls. 134 e segs. e fls. 141 e segs.) não constar o registo temporal da inquirição de cada testemunha. Ainda assim, uma vez que foram transcritos os depoimentos das testemunhas, dever-se-á considerar satisfatoriamente cumprida a segunda parte do mesmo n.º 2, alínea a) do art. 640º do CPC (2).
Iniciando então a nossa análise do recurso, a primeira questão acima sintetizada é a de que as testemunhas confirmam que as guias de remessa apenas podem ser alteradas até à emissão da correspondente fatura e que simultaneamente servem como documentos de transporte e documentos internos de verificação e controlo de cargas.

Ora não está em causa que as GRs apenas possam ser alteradas até à emissão da factura. Isso é verdade e foi confirmado pela Autoridade Tributária (pp. 26 do Relatório, em pronúncia sobre o direito de audição) e consta da alínea T) dos factos provados da sentença.

Mas a questão não é essa. A questão é que a Impugnante só emite a factura depois de efetuar a substituição da GR original pela GR adulterada, o que lhe possibilita retificar o conteúdo da guia inicial até à emissão da fatura.

E o facto de as testemunhas confirmarem que as três situações de guias de remessa duplicadas têm justificações concretas, coerentes e razoáveis, devidamente explicadas (alegações -artigos 13 a 36), também não lhes acrescenta qualquer credibilidade face a toda a prova recolhida pela AT (3).

No RIT descreve-se que as guias de remessa podem ser alteradas após a sua emissão e impressão. Esta evidência, diz a AT, “resulta da recolha de cópias de Guias de Remessa, com o mesmo número e data mas com nome de cliente e referências ao número de Talão diferentes”
O documento emitido pelo Armazém (Talão), que comprova a disponibilidade em stock e a preparação para expedição dos produtos ou mercadorias solicitadas pelo cliente, suporta o descritivo das Guias de Remessa. Ou seja, para emitir uma Guia de Remessa, o funcionário indica o número do Talão e a sua existência demonstra que o material está pronto para expedição.
(...)
Por exemplo, a omissão dos Talões 522125 e 522126 está claramente evidenciada nas duas versões das Guias de Remessa n.º 5540 e 55411, em que na primeira versão constam os Talões n.º 55123, 55124, 55125 e 55126 e na segunda versão apenas constam os talões n.º 5523 e 5524

Na tese da Impugnante, quando se emite uma GR para determinado cliente, o sistema informático chama automaticamente todos os talões que se encontram em aberto, pelo que nas situações em que a primeira encomenda não foi totalmente satisfeita, a quando do segundo período aparece a referência ao primeiro Talão.

Assim, a GR n.º 56215 refere-se ao pedido interno 050772 que fazia referência a manga flexível 50 azul e vermelha e a manga rígida 25 também azul e vermelha, produtos que se encontravam esgotados em armazém.

Entretanto, foi adquirida a manga rígida 25 que só seguiu para o cliente em 28/11/2005, como se comprova pela guia de remessa 56215 e factura n.º 55368, ambas datadas de 25/11/2005.

Mas porque ficou pendente o pedido de “manga flexível 50”, quando foi efetuado novo pedido (50817) pelo mesmo cliente no respetivo talão (526492) foram acrescidos a este os produtos constantes do pedido anterior e ainda não entregues, acumulando os produtos constantes dos dois pedidos.

Assim, a manga flexível 50 seguiu para o cliente no dia 14 de dezembro de 2005 a que corresponde a guia de remessa n.º 56555 e factura n.º 055642, ambas de 14/12/2005.

Contudo, esta “explicação” não merece credibilidade, porque na verdade nada explica neste caso concreto, antes confunde, como veremos de seguida.

O RIT a AT aludiu a “cópias de Guias de Remessa (...) com o mesmo número e data mas com nome de cliente e referências ao número de Talão diferentes” para demonstrar que este tipo de documento poderia ser alterado após a sua emissão e impressão. Juntou cópias das Guias de Remessa n.º 65789 e 056215 (entre outros documentos).

Ora em relação à Guia de Remessa n.º 056215, ambas têm a mesma data (25/11/2005) e foram expedidas no mesmo veículo (88-24-JH) mas a de fls. 38 (que está junta a fls. 38 do PA como “triplicado”) tem como data de vencimento 2006/01/27 e refere-se a Manga Cr. Rig. Vermelha 25 e Manga Cor. Rig. Azul 25 e talão n.º 525415.

A outra Guia de Remessa com o mesmo número tem como data de vencimento 2006/01/23 e refere-se a Manga Cor. Flex. Azul 50, Manga Cor. Flex. Verm. 50, Manga Cor. Rig. Vermelha 25 e Manga Cor. Rig. Azul 25 e talão n.º 525263.

A Impugnante não esclarece a razão para haver duas guias de remessa com o mesmo número relativa a produtos diferentes e datas de vencimento diferentes.

Diz que na primeira parte ficou por satisfazer parte do pedido (manga flexível 50) pelo que quando foi efetuado novo pedido pelo cliente foram acrescidos os produtos constantes do pedido anterior e ainda não entregues acumulando os pedidos constantes dos dois pedidos.
Assim, a Manga flexível seguir para o cliente no dia 14 de dezembro de 2005, como se comprova pela guia de remessa n.º 56555 e factura n.º 055642 ambas de 14/12/2005.

Contudo, a Impugnante/Recorrente não contestou, no direito de audição ou mesmo na petição inicial, que a emissão do “Talão comprova a disponibilidade em stock e a preparação para expedição dos produtos ou mercadorias solicitados pelo cliente” (fls. 11 da sentença), pelo que a anotação manuscrita constante de outra cópia da GR com o teor “Não vai” (art. 21 das alegações) não corrobora a tese da Impugnante, que aliás, afirma que as “GRs constituem os documentos de transporte que acompanham as mercadorias” (art. 8º das alegações de recurso).

Por outro lado, a GR n.º 056555 não só faz referência a Talões diferentes como contém quantidades diferentes das que constam na GR n.º 056215. Nesta referem-se Manga Flex Azul 50 8 Rol e Manga Flex.Verm 50 14 Rol enquanto na GR n.º 56555 as quantidades são, respetivamente, de 14 Rol e 26 Rol.

Ou seja, para além de não explicar a razão pela qual são emitidas duas GRs com o mesmo número e diferentes conteúdos, a GR n.º 56555 nada tem a ver com a GR 056215 em qualquer uma das versões recolhidas pela AT.

Vejamos um quadro sintético do que acabámos de expor em relação à “explicação” dada quanto à GR 056215:

GRs duplicadas Recolhidas pela ATGR 056555 (Tese da Impt)
N.ºTalãoDescritivoVolQuant.N.ºTalãoDescritivoVolQuant.
056215 (fls. 38)525415Manga Cor. Rig.
Vermelha 25
10 At.500,00
Manga Cor. Rig.
Azul 25
10
rol
500,00
056215 (fls. 39)525263Manga Cor. Flex. Azul 50.8 Rol200,00056555526328, 526329, 526492Manga Cor. Flex. Azul 50.14 Rol350,00
Manga Cor. Flex. Verm. 50.14 Rol350,00Manga Cor. Flex. Verm. 50.26 Rol650,00
Maq. Sold. c/Est.PPR20-25-32 S/sup2 sac2,00 un
Manga Cor. Rig. Verm. 2510 at.500,00
Manga Cor. Rig. Azul 2510 Rol500,00

A alegação de que a GR 56555 “recuperou” parte do pedido não satisfeito também não colhe desde logo porque nenhum dos talões referidos nesta GR corresponde aos talões que originaram a GR 56215 em qualquer uma das suas versões.

No que respeita à Gr n.º 065789 a Impugnante defende que houve engano na satisfação do pedido efectuado pelo cliente (que consistia em polimento de material) e que por engano constam do pedido 748,48m quando o pedido era de 747,48m e que tal pedido foi prestado ao cliente conforme se comprova através da GR 064255 de 25/7/2006 e factura 063713 de 31/07/2006.

Todavia, a GR 064255 (e a factura n.º 063713) nada têm a ver com a GR 065789, pelo que nenhum benefício probatório acrescentam à tese da Impugnante, antes pelo contrário.

Com efeito, na GR 065789 o descritivo refere-se a “Isoltubo 43x6 Nu – 1 cx 130,00m” enquanto na GR 064255 o descritivo é completamente diferente:
“Operação de polimento de acordo com V/ Requisição CP 060000393 referente a 435,42 mts de tubo 60,3 X1,2 (164 tubos com 2.655 mts cada).
95,98 mts de tubo (...)
216,48 mts de tubo (...).

A GR 066456 constitui outra das guias recolhidas pela AT desta feita para demonstrar que duas GRs com mesmo número referem-se a pessoas diferentes.

A Impugnante alega que neste caso o cliente para quem foi emitida a primeira guia (Aceros…, S.L.) pediu que se procedesse à alteração da factura para “Pulidos…, S.L.”. Como após validação do documento é impossível fazer qualquer alteração ao mesmo, foi solicitado ao fornecedor de software que alterasse o número de cliente, pois o material já estava carregado e não era possível ter acesso às etiquetas dos códigos de barras que seguem junto com o material.

Mas tal “explicação” também não procede. Não só porque o conteúdo das duas GRs não é idêntico (numa consta “Expedição -nossa viatura”, noutra consta “Expedição -Transportador”), matéria que não tem a ver com impressão em modelos de impressoras distintas, como afirma a Recorrente – art. 35º das alegações, mas também porque não se esclarece qual a razão para a emissão de duas GRs com o mesmo número para entidades diferentes, nem porque razão não se anulou simplesmente a GR emitida em nome de “Pulidos...” e se emitiu outra em nome de “Aceros...” para satisfazer o pedido do cliente, como seria mais “razoável” e correto do ponto de vista contabilístico

Para além de tudo o que já foi referido, a AT verificou a existência de «recados» manuscritos num pequeno bloco de notas, aludindo ao esquema evasivo da Impugnante. “Estes «recados» são manuscritos e redigidos com uma caligrafia que, aparentemente, corresponde à do Técnico Oficial de Contas J... (NIF 1…). Neles, eram dadas orientações para trazer original e duplicado das Guias de Remessa que estavam na posse do cliente e que continham as quantidades e produtos que efectivamente acompanharam a mercadoria, e que se procedesse à sua substituição mediante a entrega do Original e duplicado das guias de remessa, com o mesmo número mas com as quantidades adulteradas para menos, e da correspondente factura subvalorizada.” (fls. 10 da sentença, Factos Provados n.º 7)

A Impugnante/Recorrente, contudo não reconhece estes “recados”. Não sabe quem os preencheu, defende que são absolutamente alheios à sociedade recorrente e que apenas um se encontrando redigido em papel timbrado da mesma, sendo que a sua maioria nem sequer contem qualquer identificação. E porque tais documentos são fotocópias, alega que “inclusivamente podem ter sido obtidas através de montagens”.

Mas a circunstância de as testemunhas da Impugnante não reconhecerem estes “recados” não os elimina da averiguação realizada pela AT nem retira o benefício colhido pela Impugnante através do circuito da duplicação das guias de remessa, em que uma delas era adulterada para menos e a correspondente factura subvalorizada, permitindo sonegar à tributação o montante correspondente ao valor não faturado.
Note-se que “Nestes «recados» mencionava-se, ainda, na maioria das situações documentadas, a quantia em dinheiro que era necessário trazer e que corresponderia ao valor não facturado e, nalguns casos, o valor em cheque e que corresponderia à factura emitida após a adulteração das guias, subvalorizada no montante correspondente à quantia em dinheiro.” (Fls. 10 da sentença).

Embora as testemunhas não reconheçam a existência destes “recados”, a sua existência e imputação à sociedade não nos deixa margem para quaisquer dúvidas.
Nem vemos que fosse necessário realizar qualquer exame pericial a tais documentos para aferir da sua autenticidade, pois ao tribunal “a quo” não se levantaram quaisquer dúvidas de autenticidade dos documentos, nem este TCA tão pouco as descortina.

No tocante à supressão de um ou mais números de talões, a Impugnante/Recorrente sustenta que tal se deve exclusivamente a “anulações de talões, muito frequentes, causadas por desistências de encomendas por parte dos clientes ou por a própria empresa não conseguir satisfazer todas as encomendas, por ruptura de stocks, vendo-se obrigada a optar por satisfazer os pedidos dos melhores clientes (artigos 47º e segs. das alegações).

Ora nem a AT nem o tribunal “a quo” assumiram que a omissão de 431 e 557 Talões (relativos a 2005 e 2006, respetivamente) resultam da adulteração das Guias de Remessa, havendo casos em que se tratam de efetivas anulações, como consta de fls. 13 do RIT e resulta provado na alínea R) da sentença.

Continuando a reanálise da produção de prova, foram localizadas no «servidor\contabilidade\p…\dados\balanços» pastas com a designação «balanços de 2005» e «balanços de 2006».
Na localização «servidor\contabilidade\p…\dados\balanços\balanços de 2005» constavam um conjunto de ficheiros, entre os quais um ficheiro de Excel, designado «ESTRUT.DE CUSTOS_05.xls», do qual consta uma única folha de cálculo «folha 1», na qual se vislumbra um mapa de demonstração de resultados e de cash-flows, no qual se encontra uma linha onde se calculam resultados líquidos e outra designada resultados líquidos corrigidos (...). Ora, estes resultados líquidos corrigidos resultam de, entre outras coisas, da adição ao resultado líquido inicial dos valores apelidados de «correcções especiais», que mais não são que as vendas não declaradas. Os valores mensais inscritos no referido mapa ou nalguns casos os valores parciais da célula da linha «correcções especiais» de determinado mês correspondem a alguns dos valores referentes à quantia em dinheiro que os «recados» aludem e que corresponderão à diferença entre o montante correspondente à Guia de Remessa original e o montante inerente à Guia de Remessa posteriormente adulterada. Este facto está comprovado no Anexo 11, em que se verifica, a título de exemplo que o valor do mês de Agosto de 2005 das «correcções especiais» inscrito na «folha 1» do ficheiro de Excel «ESTRUT.DE CUSTOS_05.xls» (ver Anexo 10), no valor de 3.953,01 euros, corresponde à quantia em dinheiro mencionada no «recado» relativo ao fornecimento através da Guia de Remessa n.º 54554 à empresa S…, Lda (NIF 5…) e cuja Factura n.º 53929 emitida no valor de 683,71 euros corresponde ao valor solicitado através de cheque pré-datado, conforme se corrobora pelos documentos do Anexo 7. O mesmo se passa com o valor parcial de 18.975,42 euros constante da célula do mês de Outubro de 2005, no valor global de 23.159,38 euros (18.975,42 euros + 4.183,96 euros), que corresponde ao valor não facturado ao cliente A… SA (NIF 5…), cujo «recado» refere claramente «material não facturado 18.975,42€ penso que não é para trazer dinheiro» e «recebido pelo Dr. P… ». A diferença de quantidade de materiais entre a versão original e a versão adulterada das Guias de Remessa n.º 55410 e 55411 (ver documentos do Anexo 9) é abismal, justificando o elevado montante de omissão em causa, tendo-se inclusive já demonstrado a omissão dos respectivos Talões. A análise da Base de Dados recolhida junto do servidor da empresa, permite constatar que às Guias de Remessa n.º 5541 e 55411, atrás referidas, corresponde apenas a Factura n.º 54638, conforme quadro abaixo, e o detalhe da Factura n.º 54638, também obtido da Base de Dados, evidencia que o valor debitado ao cliente
A… se resume a 1.990,66 euros.
Já o valor do mês de Dezembro de 2005 das «correcções especiais» inscrito na «folha 1» do ficheiro de Excel «ESTRUT.DE CUSTOS_O5.xls» (ver Anexo 10), no valor de 4.433,03 euros, corresponde à quantia em dinheiro mencionada no «recado» relativo ao fornecimento através da Guia de Remessa n.º 56714 à empresa S…, Lda (NIF S…) e cuja Factura n.º 55774 emitida no valor de 2.403,21 euros corresponde ao valor solicitado através de cheque pré-datado, conforme se corrobora pelos documentos do Anexo 7. A análise comparativa da primeira e segunda versão das Guias de Remessa atrás referidas, complementada pela análise de situações idênticas ocorridas nas guias de outra empresa do grupo (C…), permitem concluir que a versão adulterada detém determinadas características, tais como a não inscrição da matrícula do veículo que efectuou a expedição, o não preenchimento da data e hora de início do transporte, letra do número da guia em negrito, entre outras. Ora, a análise exaustiva de todas as Guias de Remessa arquivadas na empresa, relativas aos exercícios de 2005 e 2006, demonstram existir no arquivo outras Guias de Remessa com as referidas características da segunda versão do documento adulterado, indiciando a existência de outros casos de subversão de documentos fiscais relevantes, com implicações no volume de negócios declarado, (fls. 12 e 13 da sentença)

A Recorrente alega que as correções especiais constantes do ficheiro “estrut.decustos_05.xls” mais não eram do que determinadas correções que não estavam refletidas na contabilidade e que eram importantes para a análise dos resultados mensais,
Tratava-se revalorizações de artigos que se sabia à partida que estavam mal valorizados.
E devido à flutuação dos preços do aço inox, as matérias primas e os produtos acabados eram ajustados aos valores de mercado.
Por vezes também, as despesas de despachos de mercadorias eram pagas em determinado mês, mas as mercadorias só chegavam nos meses seguintes.
Nalguns casos, os clientes apresentavam reclamações e a sociedade efectuava o respetivo crédito, mas só posteriormente estas reclamações eram creditadas pelos fornecedores das mercadorias.
E na venda de monos para a sucata, geralmente vendidos abaixo do preço de custo registado no inventário, a diferença entre o preço de venda e o preço de custo era aqui imputada para efeitos de análise da respetiva administração.

Embora as testemunhas oferecidas pela Impugnante/Recorrente tenham confirmado este procedimento “interno”, o seu depoimento não nos merece qualquer credibilidade. Não vislumbramos nenhuma razão técnica para que as correções encontradas naquele ficheiro Excel não estivessem devidamente reflectidas na contabilidade, sendo manifesto que só não estavam reflectidas na contabilidade porque tais correções especiais correspondem a vendas não declaradas. É por isso, aliás, que “Os valores mensais inscritos no referido mapa ou nalguns casos os valores parciais da célula da linha «correcções especiais» de determinado mês correspondem a alguns dos valores referentes à quantia em dinheiro que os «recados» aludem e que corresponderão à diferença entre o montante correspondente à Guia de Remessa original e o montante inerente à Guia de Remessa posteriormente adulterada.” (fls. 13 da sentença e fls. 13 do RIT).

No que respeita à afirmação constante do ficheiro segundo a qual “Em Março/04 foi vendida uma grande quantidade de pontas o que originou um prejuízo neste mês de 57.131,00 €”, que coincide precisamente com o valor que a Administração Fiscal corrigiu em relação à sociedade recorrente e ao respectivo exercício de 2004” e que deveria ter sido provado “o facto do valor de 57.131,00 € ter ficado a dever-se a um prejuízo causado pela venda de pontas de sucata ocorrida em Março de 2004” (art. 70º das alegações).

Ora, além de não estarem em causa as liquidações relativas ao exercício de 2004, o que só por si retira relevância à afirmação constante do ficheiro, a verdade é que a Impugnante/Recorrente também não esclarece porque é que se deteta correspondência com a quantia em dinheiro mencionada nos «recados» manuscritos que também não reconhece (por exemplo, no caso relativo ao fornecimento através da Guia de Remessa n.º 56714 à empresa S…, Lda. e cuja Factura n.º 55774 emitida no valor de 2.403,21 euros corresponde ao valor solicitado através de cheque pré-datado).

Quanto ao erro de direito, defende a Impugnante/Recorrente que a AT recorreu à aplicação de métodos indiretos de avaliação mas não respeitou a exigência legal quanto aos respetivos requisitos. Convenceu-se de que o montante de € 49.599,91 € mencionado na linha “Correções – Outros/Especiais” do mapa de “Estrut.DeCustos_05.xls” que constitui o anexo X do Relatório, corresponde ao acumulado de valores não facturados no ano de 2005.
Mas esse método assentou numa série de indícios e testemunhos externos, ponderados de acordo com critérios com alguma subjectividade que após um complexo processo cognitivo permitiu extrair uma presunção natural ou judicial com o conteúdo acima referido.
Ou seja, não há dúvidas de que a AT recorreu à aplicação de métodos indiretos de avaliação, pelo que a liquidação é ilegal.

Na douta petição inicial, a Impugnante alegava que a AT “não recorreu formalmente à aplicação de métodos indiretos, conforme lhe é legalmente imposto, limitando-se a efectuar meras correções técnicas ao lucro tributável da sociedade impugnante, não obstante na prática tivesse presumido determinados valores de vendas não declaradas” (art. 67º da petição inicial).

A este propósito, a MMª juiz referiu que “A avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cf. artigo 85.º, n.º 1, da LGT). O respectivo regime só se aplica quando se verifique a falta dos elementos necessários para comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria tributável (cf. artigo 87.º, alínea b), da LGT). A impossibilidade da avaliação directa só pode resultar das anomalias e incorrecções taxativamente indicadas nas várias alíneas do artigo 88.º da LGT (cf. artigo 81.º, n.º 1, da LGT). Nestes casos, a avaliação da matéria tributável é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha, de entre os taxativamente indicados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT.
No caso vertente, as correcções efectuadas resultaram da verificação directa de uma situação reflectida em documentação que não se demonstrou ser alheia à Impugnante, de que a AT se serviu para aceder ao verdadeiro valor das vendas não declaradas e, por conseguinte, à verdadeira situação tributária da Impugnante. A AT não tinha necessidade de recorrer a métodos indirectos se reunia indicadores de que os dados inscritos nessa documentação correspondiam aos rendimentos realmente auferidos pela Impugnante e registava o valor exacto da matéria tributável. Nestas circunstâncias, não pode a Impugnante invocar um pretenso direito à avaliação indirecta. Tal conclusão conduz à improcedência do vício assacado, em segunda linha, à liquidação impugnada.”

Embora entre o alegado na pi e o defendido neste recurso quanto à questão da avaliação não haja inteira coincidência, afigura-se-nos que a Recorrente não tem razão.

Efetivamente o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais.

Como é bem de ver o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte. É que, se por um lado o sistema parte do princípio da boa fé dos contribuintes na revelação dos seus reais e efectivos rendimentos tributáveis, por outro, não pode ignorar que a simples existência de regras parte do pressuposto da possibilidade do seu incumprimento que, nessa medida, não pode deixar de se mostrar acautelada pelo legislador.

Por isso, o sistema do princípio da veracidade do declarado pelos distintos sujeitos passivos deverá ser «temperado» velo verdadeiro dever de cooperação que, sobre eles impende de prestarem todos os esclarecimentos e revelarem todos os elementos que, nos casos menos “transparentes”, desde logo por inusuais, permitam esclarecer e eventualmente confirmar, dentro do que lhes seja exigível, a aderência do declarado à realidade.

Daí que, nos casos em que se mostre ilegitimamente violado aquele dever de cooperação, como será, v.g. e designadamente, o caso de não se não disponibilizar, sem justificação atendível, os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, se dê a automática legitimação desta entidade no recurso aos referidos meios alternativos disponibilizados por lei, desde que com observância dos restantes pressupostos, por esta, estipulados.

Ou seja e sinteticamente, o alcançar da tributação dos rendimentos reais auferidos, por via do aludido sistema declarativo pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos.

Quando assim não suceda, isto é, quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração, designadamente pela não apresentação daqueles referidos elementos, cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência á realidade do declarado, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo valor tributável, a AF ficará legitimada automaticamente a recorrer a meio alternativo de tributação.
Isto tendo presente que nos movemos no âmbito tributário, em que, por um lado e por força de aí imperarem os princípios do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, tendo por desiderato último, a descoberta da verdade material é inexistente uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, por outro, tal não significa que neste contencioso, em particular, não exista um direito probatório que regulamente quem tem que provar o quê para que se alcance uma qualquer pretensão formulada.

Daí que, porque a questão que se controverte não pode deixar de ser objecto de definição, se os factos relevantes se não provarem, seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do Tribunal, ela não possa deixar de ser decidida de forma que seja desfavorável àquele sobre quem impender, nos termos legais, o respectivo ónus probatório (4).

Assim, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante.

Dito de outra forma, é à AT que cabe fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...” (5).

Do que resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu, - pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal -, a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, de se servir dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.

Tal não preclude o princípio de que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...” (6).

Isto é, sempre que esteja em causa, apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, na medida em que estes sejam efectivamente do domínio da AT, porque incontroversos, desde logo porque revelados pelos contribuintes ou porque cheguem ao seu conhecimento através de terceiros, o Fisco, concluindo pela falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, apenas os poderá corrigir através de meras correcções técnicas/aritméticas.

Ou seja, o pressuposto inultrapassável para que a AF, vinculadamente, lance mão de uma ou de outra de tais metodologias, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos, – caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente -, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação.

Ora, tendo presente que o imposto foi apurado através dos documentos obtidos na auditoria informática, concretamente através do ficheiro (o tal ficheiro “ESTRUT.DE CUSTOS_05.xls” que contém uma coluna relativa ao ano 2005, contendo uma linha relativa a “correcções - Outros/especiais”, no montante de € 49.599,91), identificado no RIT que contém o acumulado dos valores não facturados no ano de 2005, que integra o anexo 10 do relatório, resulta claro que a AT apurou da existência de rendimentos auferidos pelo contribuinte em causa e que não foram declarados.

O que também significa que a AT ficou habilitada a efectuar correcções na declaração do contribuinte, não se justificando o recurso a métodos indirectos na medida em que não estamos perante factos incertos.

Por outro lado, a questão de os elementos estarem integrados na contabilidade da empresa em causa ou, neste caso, fora dela, não pode servir para afastar o recurso a correcções aritméticas, até porque tratando-se de omissão de proveitos aos registos contabilísticos, resulta natural que tais elementos não estejam relevados na contabilidade, o que significa que aquilo que interessa é se os elementos apurados pela Inspecção permitem, de forma inequívoca, porque incontroversa, afirmar a falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, com o consequente recurso a meras correcções técnicas/aritméticas, não podendo olvidar-se o conjunto de situações apontadas no RIT e que inculcam a tal convicção de que o ficheiro identificado no RIT contém o acumulado dos valores não facturados no ano de 2005.

O que quer dizer que a AT apurou da existência de rendimentos auferidos pelo contribuinte em causa e que não foram declarados, situação que constitui uma via aberta para apurar a matéria tributável de forma directa, sem qualquer necessidade de recorrer a métodos indirectos, que neste caso seriam até proibidos considerando a regra enunciada no art. 81º/1 LGT.

Neste contexto, também não ocorre qualquer omissão de pronúncia relativamente ao facto alegado no art. 68º da petição inicial (7), porque não constitui uma questão a conhecer. Sendo que para efeitos de contencioso tributário, questão é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado (8). Ora a questão suscitada foi a da ilegalidade do recurso à avaliação directa quando deveria ter lançado mão da avaliação indireta.
E esse vício foi apreciado pela MMª juiz.

Além disso, conhecer uma questão não significa debater todos os argumentos ou razões utilizados pelas partes para sustentar a sua posição. Se a metodologia de abordagem adoptada pelo tribunal para conhecer da questão não conduzir à necessidade de apreciação deste ou daquele argumento, ou razão, apresentado pelas partes, isso não porá em causa a suficiência da pronúncia (9).

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 25 de janeiro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles

(1) A Recorrente diz que a omissão de pronúncia é relativa ao alegado no art. 69º da petição inicial, mas deverá ser lapso porque no art. 69º pede o pagamento de indemnização pela prestação indevida de garantia bancária, enquanto no art. 68º se refere que nos termos do art. 75º/3 da LGT a força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar, o que não aconteceu.
(2) Ac. do STJ n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1 7ª SECÇÃO, de 29-10-2015 Relator: LOPES DO REGO Sumário :
1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes ( e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC) .
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso.
(3) E note-se que, por exemplo, a testemunha António José Regadas Machado não encontra justificação nenhuma para haver duas guias de remessa com o mesmo número. É “... estranho, realmente é estranho a mesma numeração, faz um bocado de confusão mas não sei sei...”, diz.
(4) Neste sentido, entre muitos outros e a título meramente exemplificativo, veja-se o Ac. do TCA Sul de 99.12.14, Rec. Nº. 2.467/99.
(5) Cfr. Ac. do TCA Sul, de 02.06.04, tirado no Rec. 3.279/00.
(6) Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303.
(7) Que diz o seguinte: “Para além disso, nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo preceito legal [Art.º 75º LGT] a força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar, o que mais uma vez não sucedeu no caso concreto”
(8) Ac. do TCAN n.º 01258/05.4BEVIS de 11-04-2014 (relator Pedro Nuno Pinto Vergueiro)
Sumário: I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
(9) Ac. do STA n.º 0844/14 de 26-02-2015 (Relator: JOSÉ VELOSO)