Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00190/16.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/16/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; CONTRADIÇÃO; ALÍNEA C) DO N.º 1, DO ARTIGO 615º DO ACTUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
VIOLAÇÃO DO CADERNO DE ENCARGOS; EXCLUSÃO DE PROPOSTAS; CONVOLAÇÃO OBJECTIVA DO PROCESSO; ARTIGO 45º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:1. A contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do artigo 615º do actual Código de Processo Civil (artigo 668º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1995) é uma incongruência lógica ou jurídica. Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar. O erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso.
2. Exigindo a cláusula 6ª da parte II do caderno de encargos a encenação de 3 momentos com a contextualização histórica no tempo do Rei d. Sancho I, não satisfaz esta exigência e, por isso, deve ser excluída a proposta que num dos eventos históricos refere apenas “a visita da nobreza ao burgo”.
3. Não satisfaz a cláusula 7ª da parte do II do caderno de encargos – que exige a apresentação de entre 7 e 9 áreas temáticas – a proposta que, para além de 9 áreas temáticas que descreve, apresentou uma 10ª área temática, traduzida em dois postos de controlo, devendo por isso ser excluída.
4. Tendo o acto impugnado sido anulado - com trânsito em julgado nessa parte - pela ilegal fixação dos “Parâmetros avaliativos”) e pelo ilegal método de avaliação do factor preço, impor-se-ia a repetição do procedimento concursal desde um momento anterior ao da avaliação das propostas e permitindo até a apresentação de novas propostas.
5. Tal já não será possível, sob pena de, necessariamente, serem violados os princípios da concorrência, da igualdade e da transparência porque, apesar de ser possível, face ao momento a que se reporta a anulação, as concorrentes apresentarem novas propostas, já é conhecido o universo provável das concorrentes e o conteúdo das propostas (eventualmente corrigido de forma a evitar a exclusão).
6. O que determina a convolação objectiva do processo para a fixação de uma indemnização, tendo em conta o disposto no artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Companhia de Teatro V... Laboratório de Recriação Histórica, Associação Privada
Recorrido 1:Município de Bragança e Outros(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Companhia de Teatro V... Laboratório de Recriação Histórica, Associação Privada veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela de 17.08.2016 que julgou apenas parcialmente procedente a acção intentada pela ora Recorrente contra o Município de Bragança e em que indicou como Contra-Interessadas as empresas CM – Gestão e Produção de Eventos Culturais, L.da., e PV, L.da”, para anulação do acto de adjudicação à ora Recorrida “CM, da aquisição de serviços para a organização e realização da Festa da História 2016 “O Reinado de D. Sancho I (1185-1211)” e exclusão das propostas apresentadas pelas Contra-Interessadas e que ficaram melhor qualificadas que a da ora Recorrente.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida é nula por contradição entre a matéria de facto provada e a decisão em si; em todo o caso, a decisão recorrida violou o disposto na cláusula 6.ª, n.º 1, da parte II do caderno de encargos; violou o previsto na cláusula 7.ª, n.º 1, da parte II do caderno de encargos e nos artigos 146.º, n.º 2, al. o), 70.º, n.º 2, al. b) e 72.º do Código de Contratos Públicos; afronta os princípios da inalterabilidade do modelo avaliativo, da transparência e da imparcialidade; errou na apreciação da proposta da Contra-Interessada CM (subfactor “Actividades de participação do público”); impunha-se a modificação do objecto do processo nos termos do artigo 45.º, n.º 1 (e, eventualmente, do artigo 45.º-A, n.º 1) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que resulta violado; deve o Tribunal ad quem determinar a modificação objectiva do processo por, tendo em conta a data prevista para o evento, já se ter executado o contrato, verificando-se assim os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 45.º e, inclusive, ao abrigo dos princípios da eficiência, eficácia e economia processuais e pro actione, proferindo-se decisão nos termos do n.º 1 do artigo 45.º e mandando-se descer os autos para fixação do montante indemnizatório.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Da violação da cláusula 6.ª, n.º 1, da parte II do caderno de encargos: o que releva e tinha que ser considerado pelo Tribunal a quo é o conteúdo da proposta da Contra-Interessada CM, pois a mesma faz parte do processo instrutor junto pelo Réu e não foi arguida a sua falsidade, logo, tem força probatória plena enquanto documento autêntico ou autenticado – cfr. artigos 371.º, n.º 1, 372.º, 377.º, 383.º, n.º 1, 385.º, 387.º, n.º 1, do Código Civil.

2. Do seu teor decorre expressamente que a proposta não apresentava três momentos de contextualização histórica no tema da festa, pois um dos momentos contemplados não tem qualquer contextualização temporal (cfr. proposta a fls. 19-20, constante do processo administrativo).

3. Isso mesmo resulta do ponto 5) dos factos dados como provados pela sentença recorrida, que reproduz o conteúdo da proposta, sendo óbvio que a mesma viola o parâmetro-base da cláusula 6.ª, n.º 1, da parte II do caderno de encargos e tinha que ser excluída.

4. Assim, a sentença recorrida é nula por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, ex vi artigos 140.º, n.º 3 e 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), incorre em erro de julgamento quanto aos factos, por violação dos artigos 371.º, n.º 1, 372.º, 377.º, 383.º, n.º 1, 385.º, 387.º, n.º 1, do Código Civil, e em erro de julgamento por violação da cláusula 6.ª, n.º 1, da parte II do Caderno de Encargos e dos artigos 146.º, n.º 2, al. o) e 70.º, n.º 2, al. b) do Código de Contratos Públicos, impondo-se a sua revogação.

5. Acresce que, por estar em causa um parâmetro-base estabelecido pelo caderno de encargos (o que o Tribunal a quo reconhece), não bastava que os candidatos apresentassem nas suas propostas quaisquer momentos que, em abstracto e genericamente, pudessem acontecer em qualquer reinado ou em diversos reinados ou períodos históricos da História de Portugal, que não no preciso reinado de D. Sancho I, balizado concreta e especificamente entre os anos de 1185 e 1211.

6. Ou seja, os três momentos históricos apresentados tinham obrigatória, expressa e claramente que se situar no período histórico exigido, o que não sucedia com a proposta da Contra-Interessada quanto a um dos momentos, logo, a mesma tinha que ser excluída (e a sentença, que ajuíza em sentido diverso, incorre duplamente nos vícios já assacados supra).

7. Da violação da cláusula 7.ª, n.º 1, da parte II do caderno de encargos: desde logo, independentemente das razões que lhe subjazem, está em causa um termo ou condição do contrato determinado pelo caderno de encargos, que não pode de modo algum ser violado, pelo que a mera existência de 10 áreas temáticas na proposta da Contra-Interessada é ilegal e a sentença é, a este passo (porque reconhece a existência do parâmetro-base vinculativo), nula por contradição entre fundamentos e decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, ex vi artigos 140.º, n.º 3 e 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), devendo ser revogada.

8. Sem conceder: nos termos expressos da cláusula, só podiam ser criadas entre sete a nove áreas temáticas, porque, determinantemente, era esse o número de áreas temáticas comportado pela área disponível para realizar o evento, questão esta (do preenchimento do espaço) da máxima importância por garantir a atractividade, a agradabilidade e a segurança das pessoas, logo, a exequibilidade e o sucesso do evento.

9. Assim, por esta razão, porque se visava com a limitação mínima e máxima “a utilização racional e eficiente do espaço destinado ao evento”, jamais pode admitir-se o raciocínio do Tribunal a quo, que permitiria a admissão de propostas inexequíveis dentro do espaço disponível para o evento (com dezenas de áreas temáticas, ainda que repetidas), impondo-se a exclusão da Contra-Interessada.

10. Nem podia admitir-se que o júri viesse pedir esclarecimentos à Contra-Interessada sobre a matéria, porque da proposta (mapa das áreas temáticas) ostensivamente resulta que não se trata de qualquer lapso, nem pode dizer-se que existe qualquer dúvida a este propósito – um pedido de esclarecimentos violaria, assim, os princípios da imparcialidade, isenção e boa-fé administrativas e, ainda, o princípio da inalterabilidade das propostas.

11. A sentença incorre, pois, em erro de julgamento por violação da cláusula 7.ª, n.º 1, da parte II do caderno de encargos e dos artigos 146.º, n.º 2, al. o), 70.º, n.º 2, al. b) e 72.º do Código de Contratos Públicos, impondo-se a sua revogação.

12. Do erro na apreciação da proposta da Autora (subfactor “Actividades de participação do público”): o júri reporta-se expressamente, no relatório final, ao número de workshops a realizar (ou ao número de workshops por tema), para fundamentar a classificação atribuída aos diversos concorrentes, logo, é óbvio que a realização de workshops diários está a ser valorada quantitativamente pelo júri.

13. Por outro lado, é óbvio que o subfactor não integra elementos quantitativos de valoração das propostas (não determina que as diferentes pontuações sejam dadas em função do número de workshops diários realizados por áreas temáticas ou quantas áreas temáticas devem ser abrangidas por workshops diários para se obter as diferentes pontuações).

14. Assim, a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao decidir no sentido exposto, incorrendo nas mesmas violações que se imputaram ao acto impugnado (erro nos pressupostos de facto e de direito, afronta aos princípios da inalterabilidade do modelo avaliativo, da transparência e da imparcialidade), impondo-se a sua revogação.

15. Do erro na apreciação da proposta da Contra-Interessada CM (subfactor “Actividades de participação do público”): a “Visita à Ladeira dos Ofícios” surge sempre na proposta na Contra-Interessada como uma só actividade ou workshop, e o que resulta da proposta é que a actividade se centra na “cozinha medieval”, nunca se dizendo de forma cabal quais os demais ofícios retratados que podem ser efectivamente experimentados pelos visitantes – cfr. pontos 7) e 8) dos factos dados como provados na sentença recorrida e a proposta da CM a pp. 43, 49, 53, 54, 55, 56, 57, 134, 135, 136, 137, a fls… do processo administrativo.

16. Por outro lado, o subfactor em questão reporta-se, expressamente, à avaliação da “adequação da proposta de actividades a realizar nas áreas temáticas ao quotidiano da época (…)”, logo, se as concorrentes apresentaram actividades desenquadradas das áreas temáticas propostas, como terá sido o caso da CM, não podiam sequer ser avaliadas quanto a essas actividades.

17. A sentença recorrida padece dos mesmos vícios que se assacaram ao ato impugnado, também a este passo (erro quanto aos pressupostos de facto e afronta aos princípios da transparência e imparcialidade), impondo-se a sua revogação.

18. Considerando que as Contrapartes não deram cumprimento ao artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, tanto quanto se sabe, prosseguiram com a realização do evento (desconhecendo-se, sem ter obrigação de se conhecer, se foi celebrado contrato), tendo o Tribunal a quo conhecimento disso mesmo porque a A. o disse e a sentença recorrida foi proferida após as datas para as quais estava aprazado o evento, impunha-se a modificação do objecto do processo nos termos do artigo 45.º, n.º 1 (e, eventualmente, do artigo 45.º-A, n.º 1) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que resulta violado.

19. Deve, pois, este Tribunal ad quem determinar isso mesmo, por se verificarem os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 45.º para o efeito e, inclusive, ao abrigo dos princípios da eficiência, eficácia e economia processuais e pro actione, proferindo-se decisão nos termos do n.º 1 do artigo 45.º e mandando-se descer os autos para fixação do montante indemnizatório.
*

II – Matéria de facto.

Ficaram provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem reparos nesta parte:


1. O Município de Bragança publicitou em 14.03.2016 concurso para «aquisição de serviços para a organização e realização de “O Reinado de D. Sancho I (1185-1211)» (documento 2 junto com a petição inicial).

2. O Caderno de Encargos previa, entre o mais, o seguinte na Parte II (documento 7 junto com a petição inicial):

“ (…)

Cláusula 6.ª
Momentos de recreação histórica
1. A aquisição de serviços para a organização da Festa da História contempla a criação e encenação de, pelo menos, 3 (três) momentos de contextualização histórica no tema da festa, a apresentar nos quatro dias do evento.
(…)

Cláusula 7.ª
Áreas temáticas
1 - A organização do evento implica a demonstração do quotidiano da época, devendo esta ser distribuída por diferentes áreas temáticas que, atendendo à área disponível, poderão ser criadas entre sete a nove.
(…)
(…)
Cláusula 12.ª
Ambientação
(…)
3. A concretização da ambientação implica:
a. Pré-Produção, Produção, Montagens e Desmontagens;
(…)
c. Criação de fichas técnicas de todos os elementos de ambientação;
d. Produção de todos os elementos de ambientação e sinalética;
e. Identificação, contratualização e gestão do processo de guarda-roupa;
(…)
k. Fiscalização do uso obrigatório da louça pelos mercadores;
(…)”

3. E o Programa do Procedimento previa para efeitos de avaliação que a valia técnica da proposta tivesse em consideração, entre outros aspectos (documento 8 junto com a petição inicial):



(…)






(…)”

4. A autora e as Contra-Interessadas concorreram ao referido concurso (processo administrativo – propostas).

5. A proposta da Contra-Interessada CM, prevê, entre o mais, o seguinte (processo administrativo – proposta da Contra-Interessada CM):

(…)

(…)

(…)

6. A Contra-Interessada CM apresentou na sua proposta 10 áreas temáticas, sendo que só descreve 9 (prevendo a instalação de dois Postos de Controlo), a Contra-Interessada PV apresentou 12 áreas temáticas e a concorrente C... apresentou 10 áreas temáticas (processo administrativo – propostas).

7. A proposta da Contra-Interessada CM, no que respeita às actividades com participação do público prevê 4 actividades com necessidade de inscrição (“visita à ladeira dos ofícios”, “na pele de um guerreiro”, “o pau de cebo” e “a cota de malha”) e 2 sem necessidade de inscrição (“a arte de caçar com aves”, “mesa militar pedagógica” e “tiro com arco e com besta”) (processo administrativo – proposta da Contra-Interessada).

8. Na proposta da referida Contra-Interessada a “Ladeira dos Ofícios” tem 1 ferreiro, um destilador, 1 marceneiro e 1 cozinheira, sendo que na “visita à ladeira dos ofícios” se prevê que os participantes possam terminar a visita «na cozinha medieval, com a partilha de um pequeno repasto preparado pelo próprio participante», podendo experimentar todos ou apenas alguns dos ofícios (processo administrativo – proposta da Contra-Interessada.

9. A 18.04.2016, a autora foi notificada do relatório preliminar revelando que a sua proposta fora admitida juntamente com a de mais quatro concorrentes, entre as quais as duas Contra-Interessadas, que a proposta da Contra-Interessada CM deveria ser objecto de adjudicação por ser a proposta economicamente mais vantajosa, e que num universo de quatro concorrentes a sua proposta fora graduada em último lugar (documento 3 junto com a petição inicial).

10. A autora pronunciou-se em sede de audiência prévia pela exclusão das demais propostas e pela adjudicação do contrato objecto do concurso à sua proposta (documento 4 junto com a petição inicial).

11. Foi elaborado relatório final onde era excluída a proposta apresentada pela sociedade C..., propondo a adjudicação do contrato à Contra-Interessada CM (documento 5 junto com a petição inicial).

12. O referido relatório final contém, entre o mais, o seguinte (documento 5 junto com a petição inicial):

(…)

[imagem omissa]

(…)

[imagem omissa]

(…)”

13. A autora apresentou nova pronúncia solicitando a exclusão das demais propostas e a adjudicação do contrato à sua proposta (documento 6 junto com a petição inicial).

14. O júri elaborou novo relatório final propondo que a adjudicação à Contra-Interessada CM (documento 1 junto com a petição inicial).

15. Sobre o relatório final recaiu despacho de 07.06.2016 de teor «aprovo o documento» (documento 1 junto com a petição inicial).


*

III - Enquadramento jurídico.

Previamente há que balizar o conteúdo decisório da sentença recorrida para que melhor se aprenda a respectiva análise.

É o seguinte o dispositivo decisório da sentença:

“Pelas razões e fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, anula-se o ato impugnado, determinando-se a exclusão da proposta da contrainteressada PV”.

Foi assim definido como pressuposto imediato o conteúdo e alcance da decisão:

“Em conclusão, é de anular o ato impugnado, não sendo, porém, possível determinar a exclusão da proposta da concorrente CM nem concluir pela adjudicação do contrato à autora”.

Sendo estes o conteúdo, alcance e sentido da decisão recorrida, vejamos.


*

1. A nulidade da sentença.

Invoca a Recorrente a este propósito nas suas conclusões que:

“2. Do seu teor decorre expressamente que a proposta não apresentava três momentos de contextualização histórica no tema da festa, pois um dos momentos contemplados não tem qualquer contextualização temporal (cfr. proposta a fls. 19-20, constante do processo administrativo).

3. Isso mesmo resulta do ponto 5) dos factos dados como provados pela sentença recorrida, que reproduz o conteúdo da proposta, sendo óbvio que a mesma viola o parâmetro-base da cláusula 6.ª, n.º 1, da Parte II do caderno de encargos e tinha que ser excluída.

4. Assim, a sentença recorrida é nula por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, ex vi artigos 140.º, n.º 3 e 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), incorre em erro de julgamento quanto aos factos, por violação dos artigos 371.º, n.º 1, 372.º, 377.º, 383.º, n.º 1, 385.º, 387.º, n.º 1, do Código Civil, e em erro de julgamento por violação da cláusula 6.ª, n.º 1, da Parte II do Caderno de Encargos e dos artigos 146.º, n.º 2, al. o) e 70.º, n.º 2, al. b) do Código de Contratos Públicos, impondo-se a sua revogação.”

(…)

7. Da violação da cláusula 7.ª, n.º 1, da Parte II do caderno de encargos: desde logo, independentemente das razões que lhe subjazem, está em causa um termo ou condição do contrato determinado pelo caderno de encargos, que não pode de modo algum ser violado, pelo que a mera existência de 10 áreas temáticas na proposta da Contra-Interessada é ilegal e a sentença é, a este passo (porque reconhece a existência do parâmetro-base vinculativo), nula por contradição entre fundamentos e decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, ex vi artigos 140.º, n.º 3 e 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), devendo ser revogada.”

Mas sem razão.

A contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do artigo 615º do actual Código de Processo Civil (artigo 668º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1995) é uma incongruência lógica ou jurídica.

Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar.

Ver neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.11.2005, no processo n.º 01051/05.

A nulidade aqui prevista pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984, reimpressão, p. 141: “nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, n.º 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 690; “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p.670).

Como diz Alberto dos Reis, obra citada, nas páginas 130 e 141, convirá notar que a contradição entre os fundamentos e a decisão nada tem a ver, seja com o erro material – contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra –, seja com o erro de julgamento – decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei; o erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso.

“Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável…” - Antunes Varela, obra citada, página 686.

Ora dos factos provados não se impõe, ao contrário do que pretende a Recorrente, como decorrência lógica, necessária, que a proposta da Contra-Interessada, ora Recorrida, viole as indicadas disposições das cláusulas 6ª e 7ª do Caderno de Encargos, quer quanto aos três momentos de contextualização histórica no tema da festa quer quanto ao número de áreas temáticas apresentadas, respectivamente.

Na decisão recorrida, discorre-se, sobre estes temas:

Quanto ao primeiro tema:

“Entende a autora que a proposta apresentada pela contrainteressada CM deveria ter sido excluída porque apesar de contemplar três momentos históricos um deles não se contextualiza na condição temporal fixada.

Analisada a alegação da autora não se pode acompanhar a autora na sua conclusão. Conforme assinalada a contrainteressada, a autora entende que um momento ocorrido em 1199 não se contextualiza na condição temporal fixada no concurso (artigo 17º da p.i.). Porém, sendo a limitação temporal entre 1185 e 1211, afigura-se evidente que um momento ocorrido em 1199 compreende o contexto temporal em causa.

Assim, não se vislumbra a violação de lei invocada pela autora. Do mesmo modo, não se pode acompanhar a autora quando alega a violação dos princípios da concorrência, da justiça e da boa fé, já que não resulta dos autos que o primeiro momento histórico indicado pela contrainteressada CM se reporte ao período histórico em causa, sendo que própria autora no artigo 17º da p.i. reconhece expressamente que tal momento histórico se reporta a 1199, pelo que integra o período do reinado de D. Sancho I, que ocorreu entre 1185 e 1211.”

Quanto ao segundo tema:

“Entende também a autora que as propostas em causa devem ser excluídas por ultrapassarem o número de áreas temáticas previstas no Caderno de Encargos.

A cláusula 7.ª n.º 1 da parte II do Caderno de Encargos previa a criação de diferentes áreas temáticas para demonstração do quotidiano da época, determinando-se que em função da área disponível pudessem ser criadas entre 7 a 9 áreas temáticas. O caderno de encargos prevê que na área disponível «poderão ser criadas entre sete a nove» áreas temáticas para demonstração do quotidiano da época.

(…)

Ora, conforme resulta dos autos a contrainteressada CM propôs-se instalar 10 áreas temáticas, mas apenas descreve 9, já que prevê a instalação de 2 postos de controlo. A contrainteressada PV apresentou na sua proposta 12 áreas temáticas e a concorrente C... 10 áreas temáticas.

Assim, relativamente à proposta da contrainteressada CM, embora se faça referência à existência de 10 áreas temáticas, apenas 9 são descritas, já que existem dois postos de controlo. Esta circunstância não é determinante da imediata exclusão da proposta em causa, já que sendo apenas 9 áreas temáticas descritas está garantida a comparabilidade para efeitos de avaliação da sua proposta.

O que é relevante quanto a este aspeto é a existência de 9 áreas temáticas diversas e não o facto de se prever a instalação de duas áreas temáticas que correspondem à recriação do mesmo e único aspeto histórico.

E se dúvidas houvesse, o júri não poderia determinar a exclusão da proposta em causa, já que se lhe impunha pedir esclarecimento à referida contrainteressada de forma a apurar o número exato de áreas propostas de forma a perceber se a indicação de 10 áreas temáticas constitui ou não um mero lapso”.

Poderá concordar-se ou não com este raciocínio, com este enquadramento jurídico. E a Recorrente, naturalmente, não concorda.

O que não se pode dizer é que se trata de um discurso incongruente, absolutamente incompatível, por imperativo lógico, com os factos.

De resto, a própria Recorrente reconhece, pelo menos quanto à primeira apontada contradição, que não se trata de uma contradição lógica mas antes de um erro na interpretação dos factos e no respectivo enquadramento jurídico.

Mas também quanto à segunda questão não existe contradição lógica: a decisão recorrida refere, por outros termos, que de um ponto de vista formal foram apresentadas 10 áreas temáticas pela ora Recorrida mas que do ponto de vista material apenas foram apresentadas 9 porque apenas 9 foram descritas.

Não existem, pois, as apontadas contradições lógicas entre os factos provados e os fundamentos jurídicos da decisão ou a própria decisão, determinantes de qualquer nulidade.

Improcede, pois, o recurso por esta via.


*

2. O mérito da sentença.

2.1. Da violação da cláusula 6.ª, n.º 1, da parte II do caderno de encargos. Os momentos de contextualização histórica da Contra-Interessada “CM”.

Invoca nesta parte a Recorrente (conclusões das alegações):

“Do seu teor decorre expressamente que a proposta não apresentava três momentos de contextualização histórica no tema da festa, pois um dos momentos contemplados não tem qualquer contextualização temporal (cfr. proposta a fls. 19-20, constante do processo administrativo).

3. Isso mesmo resulta do ponto 5) dos factos dados como provados pela sentença recorrida, que reproduz o conteúdo da proposta, sendo óbvio que a mesma viola o parâmetro-base da cláusula 6.ª, n.º 1, da Parte II do caderno de encargos e tinha que ser excluída.”

E tem razão nesta parte.

A mencionada cláusula 6.ª dispõe (ponto 1 dos factos provados):

“Momentos de recreação histórica

1. A aquisição de serviços para a organização da Festa da História contempla a criação e encenação de, pelo menos, 3 (três) momentos de contextualização histórica no tema da festa, a apresentar nos quatro dias do evento.”

Refere-se na decisão recorrida, quanto a este tema:

“Analisada a alegação da autora não se pode acompanhar a autora na sua conclusão. Conforme assinalada a contrainteressada, a autora entende que um momento ocorrido em 1199 não se contextualiza na condição temporal fixada no concurso (artigo 17º da p.i.). Porém, sendo a limitação temporal entre 1185 e 1211, afigura-se evidente que um momento ocorrido em 1199 compreende o contexto temporal em causa”.

Sucede que esta afirmação não tem correspondência com os factos provados – o que traduz um erro de leitura dos factos – em particular sob o n.º 5 em que não aparece explicitada qualquer data.

Nem na apreciação que é feita da proposta da “CM” pelo Júri do concurso, na análise da reclamação apresentada pela ora Recorrente.

A data de 1199 aparece referida na petição inicial mas não como reprodução da proposta da ora Recorrida:

“Sucede, todavia, (e entre o mais que se poderia alegar), que a proposta apresentada pela concorrente CM contempla três momentos, sim, mas em que pelo menos um deles se não contextualiza na condição temporal fixada (o primeiro momento, referente que é a de 1199) – fls. 19-20 da sobredita proposta, constante que é do p. a. a fls. ..”

O que aqui se afirma é que um dos temas não se contextualiza na data de 1199.

E, na verdade, no que diz respeito ao primeiro momento de recriação histórica apresentado na proposta da “CM”, para a sexta-feira dia 12 de Agosto, não é referida qualquer data ou época da História portuguesa nem sequer o período de D. Sancho I (período a recriar).

Refere-se apenas um evento histórico (a visita da nobreza ao burgo) que não é específico de qualquer época mas geral do período da monarquia – ver facto provado sob o n.º5.

Pelo que a proposta da “CM” deveria ter sido excluída, sendo também nessa vertente o acto anulável, por ter adjudicado o contrato de prestação de serviços a uma empresa cuja proposta deveria ter sido excluída, por violação da cláusula 6.ª, n.º 1, da parte II do caderno de encargos.

2.2. Da violação da cláusula 7.ª, n.º 1, da parte II do caderno de encargos. As 10 áreas temáticas apresentadas pela Contra-Interessada “CM”.

Invoca a Recorrente a este propósito (conclusão 7ª das alegações):

“Da violação da cláusula 7.ª, n.º 1, da Parte II do caderno de encargos: desde logo, independentemente das razões que lhe subjazem, está em causa um termo ou condição do contrato determinado pelo caderno de encargos, que não pode de modo algum ser violado, pelo que a mera existência de 10 áreas temáticas na proposta da Contra-Interessada é ilegal e a sentença é, a este passo (porque reconhece a existência do parâmetro-base vinculativo), nula por contradição entre fundamentos e decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, ex vi artigos 140.º, n.º 3 e 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), devendo ser revogada”.

A mencionada cláusula 7.ª dispõe (ponto 1 dos factos provados):

“Áreas temáticas

1 - A organização do evento implica a demonstração do quotidiano da época, devendo esta ser distribuída por diferentes áreas temáticas que, atendendo à área disponível, poderão ser criadas entre sete a nove”.

Refere-se na decisão recorrida, quanto a este tema:

“Repare-se que para efeitos de avaliação no item relativo às áreas temáticas a valoração é relativa ao interesse do tema de cada área temática. Ou seja, a delimitação entre 7 e 9 áreas temáticas, fixada no Caderno de Encargos, constitui um aspeto não submetido à concorrência, que os concorrentes devem respeitar, sob pena de ficar em causa a comparabilidade das várias propostas.

Conforme referem Mário Esteve de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, «Em relação à hipótese de atributos que violem os parâmetros base do caderno de encargos, ela explica-se por os aspectos nele submetidos à concorrência poderem estar, mesmo assim - como se admite no art. 42°/3 e 4 - limitados por valores (ou características) máximos e/ou mínimos, só se permitindo que os correspondentes atributos das propostas fiquem abaixo e/ou acima dessas barreiras. (...) O que releva aqui, note-se, não é a importância ou relevo da violação, a sua maior ou menor danosidade para os interesses da entidade adjudicante, mas o mero facto da violação» – in Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, págs. 932 e 933.

Na mesma linha, a jurisprudência tem decidido que «Sob cominação de exclusão, as propostas estão vinculadas a situar-se nos estritos limites do parâmetro-base fixado no caderno de encargos, não podendo apresentar soluções que fiquem aquém ou vão além desses limites - vd. Arts. 42. °,n.° 5 e 70. °, n. ° 2, b), 2.ª parte do CCP» – Acórdão do TCA Sul de 10.10.2013, Proc. 10271/13.

Ora, não há dúvida que a existência de áreas temáticas constitui um aspeto relevante no concurso em causa, sendo que o interesse do tema das áreas temáticas é um dos elementos avaliativos, pelo que a referência ao número 7 e 9 apenas tem sentido se for entendido como um limite mínimo e máximo que visa assegurar a comparabilidade das propostas e a utilização racional e eficiente do espaço destinado para o efeito.

E conforme refere a autora, se se permitisse que o júri escolhe-se de entre as várias áreas apresentadas apenas 7 ou 9 áreas temáticas, colocar-se-ia em causa o princípio da concorrência, já que a apresentação de mais áreas potenciaria uma maior pontuação neste critério já que o júri escolheria de entre as áreas propostas as que apresentassem temas com maior interesse.

Ora, conforme resulta dos autos a contrainteressada CM propôs-se instalar 10 áreas temáticas, mas apenas descreve 9, já que prevê a instalação de 2 postos de controlo. A contrainteressada PV apresentou na sua proposta 12 áreas temáticas e a concorrente C... 10 áreas temáticas.

Assim, relativamente à proposta da contrainteressada CM, embora se faça referência à existência de 10 áreas temáticas, apenas 9 são descritas, já que existem dois postos de controlo. Esta circunstância não é determinante da imediata exclusão da proposta em causa, já que sendo apenas 9 áreas temáticas descritas está garantida a comparabilidade para efeitos de avaliação da sua proposta.

O que é relevante quanto a este aspecto é a existência de 9 áreas temáticas diversas e não o facto de se prever a instalação de duas áreas temáticas que correspondem à recriação do mesmo e único aspecto histórico.

E se dúvidas houvesse, o júri não poderia determinar a exclusão da proposta em causa, já que se lhe impunha pedir esclarecimento à referida contrainteressada de forma a apurar o número exato de áreas propostas de forma a perceber se a indicação de 10 áreas temáticas constitui ou não um mero lapso”.

Também aqui consideramos assistir razão à Recorrente.

A circunstância de a “CM” ter descrito apenas 9 das dez áreas temáticas apresentadas na sua proposta não significa, sequer de um ponto de vista material, que apresentou apenas 9 áreas temáticas.

Apresentou 10 áreas temáticas, a última das quais aparece suficientemente descrita: dois postos de controlo.

Deveria a proposta da “CM” ser excluída também por violação da citada cláusula 7ª da II parte do caderno de encargos, ao contrário do decidido.

3. Os erros na apreciação das propostas da Autora e da Contra-Interessada “CM”.

O acto impugnado foi anulado pela decisão recorrida, nessa parte não atacada e, portanto, transitada em julgado, pela não exclusão das propostas das Contra-Interessadas C... e PV (ponto IV.2.1. da sentença), pela fixação dos “Parâmetros avaliativos” (ponto IV.2.2 da sentença) e pelo método de avaliação do facto preço (ponto IV.2.4. da sentença).

Concluindo-se agora, como se conclui, que o acto deve também pela não admissão da outra concorrente que restava além da ora Recorrente, a Contra-Interessada “CM”, mostra-se inútil apreciar o eventual erro de julgamento na avaliação das propostas.

Pelo que se considera prejudicado o conhecimento destas questões.

4. A convolação objectiva do processo.

Alega, finalmente, a Recorrente (conclusões):

“18. Considerando que as Contrapartes não deram cumprimento ao artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, tanto quanto se sabe, prosseguiram com a realização do evento (desconhecendo-se, sem ter obrigação de se conhecer, se foi celebrado contrato), tendo o Tribunal a quo conhecimento disso mesmo porque a A. o disse e a sentença recorrida foi proferida após as datas para as quais estava aprazado o evento, impunha-se a modificação do objecto do processo nos termos do artigo 45.º, n.º 1 (e, eventualmente, do artigo 45.º-A, n.º 1) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que resulta violado.

19. Deve, pois, este Tribunal ad quem determinar isso mesmo, por se verificarem os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 45.º para o efeito e, inclusive, ao abrigo dos princípios da eficiência, eficácia e economia processuais e pro actione, proferindo-se decisão nos termos do n.º 1 do artigo 45.º e mandando-se descer os autos para fixação do montante indemnizatório”.

Na verdade verifica-se uma situação que determina a convolação objectiva do processo mas não exactamente a referida pela Recorrente.

Determina o artigo 45.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na sua actual redacção:

“Modificação do objecto do processo

1 - Quando se verifique que a pretensão do autor é fundada, mas que à satisfação dos seus interesses obsta, no todo ou em parte, a existência de uma situação de impossibilidade absoluta, ou a entidade demandada demonstre que o cumprimento dos deveres a que seria condenada originaria um excecional prejuízo para o interesse público, o tribunal profere decisão na qual:

a) Reconhece o bem fundado da pretensão do autor;

b) Reconhece a existência da circunstância que obsta, no todo ou em parte, à emissão da pronúncia solicitada;

c) Reconhece o direito do autor a ser indemnizado por esse facto; e

d) Convida as partes a acordarem no montante da indemnização devida no prazo de 30 dias, que pode ser prorrogado até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se dentro daquele prazo.

E o artigo 45.º-A do mesmo diploma:

Extensão de regime

1 - O disposto no artigo anterior é aplicável quando, tendo sido deduzido pedido respeitante à invalidade de contrato por violação das regras relativas ao respectivo procedimento de formação, o tribunal:

a) Verifique que já não é possível reinstruir o procedimento pré-contratual, por entretanto ter sido celebrado e executado o contrato;

b) Proceda, segundo o disposto na lei substantiva, ao afastamento da invalidade do contrato, em resultado da ponderação dos interesses públicos e privados em presença”.

A provável – tendo em conta a data do evento em apreço, mas não documentada – execução do contrato seria uma circunstância que obstaria à anulação do procedimento concursal, por se ter entretanto extinto o objecto dessa pedida pronúncia ao Tribunal, determinando a convolação objectiva, nos termos da última disposição citada.

Sucede que uma outra circunstância, lógica, cronológica e legalmente anterior, determina essa convolação, prejudicando a investigação sobre se o contrato está ou não já executado.

Na verdade, como se referiu, o acto foi anulado pela ilegal fixação dos “Parâmetros avaliativos” (ponto IV.2.2 da sentença) e pelo ilegal método de avaliação do factor preço (ponto IV.2.4. da sentença).

O que imporia a repetição do procedimento concursal desde um momento anterior ao da avaliação das propostas, o da fixação dos parâmetros e critérios de classificação ou avaliação das propostas.

Permitindo até a apresentação de novas propostas.

Sucede que tal já não será possível, sob pena de, necessariamente, serem violados os princípios da concorrência, da igualdade e da transparência.

Na verdade, apesar de ser possível, face ao momento a que se reporta a anulação, as concorrentes apresentarem novas propostas, já é conhecido o universo provável das concorrentes e o conteúdo das propostas (eventualmente corrigido de forma a evitar a exclusão).

Pelo que existe o risco de o critérios e parâmetros de avaliação serem acondicionados a essas prováveis propostas.

O que bastaria par pôr em causa os aludidos princípios.

Como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 17.11.2005, no processo 06301/02, a propósito dos concursos de pessoal mas válido para todos os concursos:

“Um dos princípios fundamentais que regem o procedimento dos concursos públicos é o da publicidade, princípio este que se encontra ligado a outros princípios que devem conformar o mesmo procedimento, precisamente os princípios da imparcialidade, da transparência e da igualdade (veja-se a este propósito Margarida Olazabal Cabral, Concurso Público nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1997, pp. 82-85).

Só com a divulgação atempada dos métodos e critérios de selecção se pode assegurar uma apreciação objectiva, isenta, imparcial e em plano de igualdade do mérito dos candidatos.

E o respeito por estes princípios impõe que se afaste qualquer procedimento que, objectivamente, possa dar sequer a ideia de que os resultados possam ter sido foram previamente manipulados.

À Administração não basta ser imparcial: precisa também de o parecer.

Não é preciso sequer que o júri conheça em concreto os candidatos e respectivos currículos antes de definir e divulgar os critérios de selecção e classificação, basta que exista essa possibilidade, para que se tenha por violado o princípio da transparência.

É por isso unânime o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que se impõe nos concursos públicos – mesmo ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 498/88 – a definição e divulgação dos critérios de selecção e classificação antes de se terem apresentado ou serem conhecidos os candidatos e respectivos currículos (ver os acórdãos de 31.1.2002, recurso 42.390, de 13.1.2005, recurso 730/04, e de 2.2.2005, recurso 1541/03).”

Termos em que se impõe a requerida convolação objectiva do processo, embora por circunstância diversa da alegada.


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida na parte ora impugnada.

B) Anulam o acto impugnado, também, na parte em que não decidiu a exclusão da proposta da ora Recorrida “CM”.

C) Determinam a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que as partes sejam convidadas a acordar na indemnização devida seguindo-se os ulteriores termos previstos no artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Não é devida tributação por não terem sido apresentadas contra-alegações.


Porto, 16.12.2016.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro