Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01378/11.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:ARGUIÇÃO DE NULIDADE E REQUERIMENTO DE RECTIFICAÇÃO E REFORMA DE ACÓRDÃO;
Sumário:
I – É para garantir a discussão sobre se nada obsta à apreciação imediata das questões não apreciadas na 1ª instância pela sentença revogada, isto é, que seja objecto de contraditório esta decisão de apreciar, em substituição do tribunal recorrido, as questões deliberadamente descartadas pela sentença revogada (nº 2 do artigo 665º do CPC) que o nº 3 do mesmo determina que o Relator ouça as partes antes de ser proferida essa decisão em substituição.

II – O nº 3 do artigo 665º não se refere ao nº 1, em que o Tribunal de apelação conhece da apelação apesar de ter declarado nula a sentença.

III - Não sendo invocada qualquer razão lógica para se ter de concluir que, a decisão deste Tribunal só poderia ter sido a oposta ou diversa, o pedido de reforma é indeferido.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Indeferir a arguição de nulidade do Acórdão.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
M..., SA, apelante nos autos em epígrafe, veio arguir, em articulado próprio, a nulidade processual invalidante do acórdão proferido nestes autos, nos termos do artigo 195º nº1do CPC.
Alega que, uma vez que apreciou o mérito da causa em substituição da 1ª instância, nos termos do artigo 665º nº 1 do CPC, quanto às questões da indevida liquidação adicional de IVA a entregar ao Estado (pontos 653. a 681. da PI), e do IVA indevidamente regularizado a favor da «X» pela utilização de vouchers /vales de desconto «Z», no sentido da improcedência, o Tribunal devia ter ouvido as partes nos termos do nº 3 do mesmo artigo, e que tal omissão se mostra capaz de influir no resultado da causa, desde logo porque foi suprimido um grau de jurisdição. Pede a anulação do acórdão, em consequência.
Em outro requerimento pede a rectificação e a reforma do mesmo acórdão, em termos redutíveis ao seguinte:
Quanto à rectificação:
A) A, a fls. 66 do Acórdão é feita referência ao ano de 2005, por manifesto lapso, já que, como se retira dos sinais dos autos, designadamente da factualidade provada, os anos em causa eram/são outrossim os anos de 2006 e 2007.
B) Nas conclusões 6. a 8 a Impugnante/Recorrente invocou também/adicionalmente a omissão indevida, na matéria de facto provada, do procedimento contabilístico da «X», ou seja, que:
“i - Na venda inicial a «X» regista a débito da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pelo valor bruto do desconto, ficando a aguardar a efectivação do reembolso com o rebate.
ii - Na utilização do desconto em venda ulterior são efectuados os seguintes registos:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 119 (transferências de caixa) pelo valor bruto;
2. débito da conta 2434 (IVA regularizações) por contrapartida da conta 716 (IVA das vendas com imposto incluído);
3. o montante do IVA regularizado é calculado com base na taxa efectiva do IVA do produto transaccionado e alvo do desconto.
iii - Caso os vales de desconto não sejam rebatidos no prazo limite dos 38 dias para a sua utilização, são efectuados os seguintes registos:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas), anulando-se assim o lançamento inicial;
2. débito da conta 716 (IVA das vendas com imposto incluído) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pela anulação do IVA estimado aquando da emissão do talão de desconto.”
Diz que importa fazer a concomitante “rectificação” do Acórdão, no sentido da inclusão adicional desta matéria de facto provada.
Quanto à reforma:
A) Segundo o Acórdão (fls. 52/53), “Por outro lado, a tramitação do processo mostra que a recorrente, notificada para dizer se se opunha ao aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo 2526/09.1BEPRT, da mesma juiz titular, apresentou requerimento no qual terminava por deixar isso ao critério da Juiz e, sem que tivesse havido despacho o ordenar a sua notificação para o efeito, apresentou as alegações finais, com o que dá a entender também ela dispensar a produção da sua prova testemunhal. Visto isto, é ao dispositivo da Impugnante, e não, afinal, a uma qualquer hipótese de omissão do dever inquisitório, que se deve a não inquirição das testemunhas da Impugnante.”. Ora, conforme se retira dos sinais dos autos, a Impugnante/Recorrente foi expressamente notificada de Despacho de 19.03.2019, para apresentar alegações. Por conseguinte, só por mero lapso conclui o Acórdão que a Impugnante/Recorrente dispensou a produção da sua prova testemunhal.
B) Finalmente, segundo a sentença recorrida, quanto ao pedido de indemnização pelos danos causados pela prestação da garantia, diz que “a Recorrente nem mesmo especifica as questões de facto em crise. Designadamente, em vez de indicar os factos indevidamente julgados não provados, limita-se a remeter o leitor, genericamente, para a petição inicial. Muito menos enuncia a decisão que sobre cada questão devia ter sido tomada e os meios de prova que a determinariam, fosse logicamente, fosse pelas regras da experiência comum. Como assim, por não vir minimente cumprido o sobredito ónus do recorrente em matéria de facto não se conhece desta questão, o que implica ficar prejudicada a apreciação de um erro de direito, no indeferimento da indemnização pela prestação de garantia. Dir-se-á, ainda que, esta questão tal como a coloca a Recorrente, releva de uma confusão entre factos a provar e meios de Prova. Na verdade, o fundamento da decisão quanto ao pedido de indemnização pela prestação de garantia não residiu na falta de prova de danos, mas na falta de alegação dos mesmos de modo definido e determinado, pelo que não é uma eventual existência, nos autos, de documentos capazes de provar prejuízos sofridos por causa da prestação de garantia, que se pode retirar o bom fundamento do decidido nessa matéria pela Mª Juiz a qua.”
Ora, também aqui constam dos autos documentos e outros sinais dos quais resulta necessariamente decisão diversa e que certamente só por mero lapso não foram tidos em consideração.
Uma vez que, tal como resulta dos sinais dos autos, através de requerimento e documentos juntos em 18.02.2019, a Recorrente comprovou documentalmente os encargos
suportados com a garantia, de cujas facturas se extrai claramente encargos com comissões,
para além do imposto de selo pago com a emissão da fiança reproduzida em L. dos factos provados, como resulta do teor da própria fiança: “Imposto do Selo pago por guia (Verba 10.3 da T.G.I.S.)”.
Pelo que também neste segmento decisório, os elementos documentais dos autos impunham e impõem decisão diversa da proferida - e que certamente só por mero lapso não foram considerados, ou seja, deve ser aditado à matéria de facto provada que a Recorrente, com a emissão e manutenção daquela garantia, teve e tem encargos com imposto de selo e comissões.

A Recorrida, notificada, veio opor-se apenas à reforma quanto ao dispositivo do acórdão, sustentando que a Requerente mais não faz do que repetir a sua argumentação no recurso, causando deliberadamente a demora de um processo que já leva mais de 10 anos, pelo que deve ser condenada como litigante de má fé, em indemnização a favor da recorrente e multa.

II- Apreciação do pedido
a) Da arguição de nulidade processual
1 – Segundo decorre do invocado artigo 195º nº 1do CPC 1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
A arguente dá de barato que a alegada omissão influi na apreciação do mérito da causa.
Contudo, antes de mais há que apreciar se efectivamente houve a alegada omissão.
Cuidamos que não.
Porque a questão é exactamente a mesma que se colocou no acórdão de 6/7/2023 proferido no processo nº 694/11.1BECBR, que relatámos, passamos a transcrevê-lo no que para aqui interessa.
“Posto o que vai dito, em face dos termos do nº 1 do artigo 195º do CPC, há que ver, primeiro, se era legalmente devida a notificação das partes antes de este Tribunal conhecer da questão indevidamente ignorada pelo Tribunal recorrido, nos termos do nº 1 do artigo 665º do CPC. No caso afirmativo, haverá, ainda, que apreciar se a omissão dessa notificação podia influenciar a decisão da causa.
Desde já adiantamos que tal notificação não era devida, pois o nº 3 do artigo 665º do CPC refere-se à decisão de conhecer em substituição preconizada no nº 2 do mesmo artigo, já não ao “conhecimento do objecto da apelação” considerado no nº 1.
Vejamos o teor de todo o artigo 665º do CPC.
“Regra da substituição ao tribunal recorrido
1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.”
Dir-se-ia, prima facie, que este nº 3 vem garantir o contraditório relativamente às questões que o tribunal de recurso se propõe conhecer em substituição, determinando, em especial para este caso, o que o nº 3 do artigo 3º do CPC já determinava em geral, ao dispor a proibição da decisão de “quaisquer questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Mas isso seria admitir uma redundância num diploma que se pretende um sistema.
Além disso o resultado dessa interpretação do nº 3 sub juditio seria outra redundância, a saber, a repetição do contraditório já acontecido ou facultado junto da primeira instância e constante dos articulados e das alegações finais.
Se se tratasse desse sentido, o nº 3 do artigo 665º seria uma disposição prejudicial à economia processual e até à estabilidade da instância, o que o legislador não pode ter querido.
Com efeito, no julgamento em substituição nos termos do artigo 665º do CPC, são apreciadas questões que ab initio integram o objecto da causa, já definidas e discutidas nos articulados.
Com o nº 3 do artigo 665º do CPC o legislador tem de ter querido determinar algo diverso de uma “reedição, revista a aumentada” do contraditório já exercido nos articulados. Mas o quê?
Vejamos:
O Nº 2 do artigo 665º do CPC, acima citado, prevê que o tribunal de recurso aprecie as questões que a sentença recorrida e revogada deliberadamente não conheceu, se o tribunal ad quem “entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas”.
Esta “decisão de decidir em substituição” é uma decisão bem susceptível de ser controvertida, desde logo porque a instrução da causa, ainda que indevidamente, pode ter sido dirigia apenas para os factos relevantes do ponto de vista das questões efectivamente apreciadas e não das deliberadamente não apreciadas. Com efeito, não é de modo nenhum uma necessidade que o processo esteja pronto para este conhecimento em substituição, pode ser necessário ampliar a matéria de facto, em ordem à apreciação das questões prejudicadas, designadamente nos termos do nº 2 alª c) do artigo 662º do CPC.
Porém, sobre esta questão as partes não tiveram a possibilidade de se pronunciar.
Pois bem, é para garantir, antes de mais, a discussão sobre se nada obsta à apreciação imediata das questões não apreciadas na 1ª instância pela sentença revogada, isto é, que seja objecto de contraditório esta decisão de apreciar, em substituição do tribunal recorrido, as questões deliberadamente descartadas pela sentença revogada, que o nº 3 do artigo 664º Lapso: certamente queria-se dizer 665º. do CPC determina que o Relator ouça as partes antes de ser proferida essa decisão em substituição.
Como já se disse no acórdão reclamado, o nº 1 do artigo 665º determina que o tribunal de recurso, que concedeu provimento ao recurso por julgar procedente uma arguição de nulidade da sentença feita em sede de recurso, não se limite a julgar nula a sentença recorrida e, portanto, procedente, sem mais, o recurso, com o consequente regresso do processo ao tribunal recorrido, para nova sentença, impondo-lhe outrossim que aprecie toda a matéria do recurso, incluída – enquanto “objecto do recurso” – a questão cuja indevida omissão determinou a nulidade da sentença recorrida.
O caso que o legislador aqui se representa é aquele em que foi arguida, como fundamento ou como um dos fundamentos do recurso e julgada procedente uma nulidade da sentença. Nestas circunstâncias, deseja, o legislador, que o mérito do recurso, em todo o seu objecto, seja desde logo apreciado.
Desta feita não se coloca qualquer indeterminação, qualquer objecto novo, carecido de contraditório. Não há que ajuizar se estão ou não estão reunidas as condições para o tribunal decidir, o Tribunal “deve julgar a apelação”, mesmo que tenha declarado nula a sentença, mesmo que o julgamento, no limite, resulte numa decisão nos termos do artigo 662º nº 2 do CPC.
Quanto à questão silenciada, essa, tal como aquelas a que se refere o nº 2, já foi contraditada ou contraditável nos articulados – ou não seria considerada omissa.
Tanto basta para se perceber que o nº 3 do artigo 665º não se refere ao nº 1, mas apenas ao nº 2.
Ora, in casu o tribunal de recurso não revogou a sentença recorrida nem conheceu de qualquer questão que o tribunal recorrido tivesse valida, mas erradamente, deixado de julgar, antes, dando provimento ao recurso, declarou nula a sentença recorrida, na parte em que omitira pronunciar-se sobre o erro de direito na qualificação do facto tributado, mas, conhecendo desta questão, nos termos do nº 1 do artigo 665º, julgou a impugnação improcedente.
Pelo exposto, julgamos que não foi omitido o cumprimento do nº 3 do artigo 665º do CPC….”
Pelo exposto, haver-se-á de julgar improcedente a arguição de nulidade processual.

III
Do pedido de rectificação
O pedido no que respeita à correcção da menção do ano de 2005 tem toda a acuidade, em face do alegado e do disposto no artigo 614º do CPC, pelo que deverá o pedido ser deferido, de maneira que onde se lê, a fs. 66 do acórdão, “2005” passe a ler-se 2006 e 2007”.
Quanto ao mais:
Se bem entendemos, a Apelante pretende haver omissão, no acórdão rectificando, de uma decisão no sentido de ter ficado provada determinada factualidade.
Ora, semelhante vício, a falta de uma decisão sobre matéria de facto relevante, inclusive sobre a admissibilidade e a necessidade da sua inclusão na discriminação dos factos provados e não provados, contende com toda a concepção do acórdão, pelo que de nenhum modo pode ser assimilado aos conceitos de erro de escrita ou de lapso material manifesto, de supressão óbvia, representado pelo Legislador no artigo 614º nº 1 do CPC.
Como assim, nesta parte, o pedido de rectificação deverá der ser indeferido.

IV
Do pedido de reforma
A reforma da sentença é possível, nos termos do artigo 616º nºs 1 e 2 alª b) do CPC, quando “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.
Ora, se porventura há erro na afirmação, no acórdão reformando, de que a Apelante apresentou alegações finais espontaneamente, tal não implica, necessariamente, decisão diversa, quer quanto à questão que ali era discutida (a segunda), quer quanto à sorte da lide, desde logo porque ao lado dessa proposição foram aduzidas outras a se stantibus no sentido da aceitação, pela apelante, da não inquirição das testemunhas, mas também porque não foi esse juízo o único fundamento da improcedência da 2ª questão.
Como assim, o pedido da reforma do acórdão com tais fundamentos e objecto só pode improceder.
Finalmente, no que tange o decidido em matéria do pedido de indemnização pela prestação de garantia indevida (artigo 171º do CPPT) a Apelante não vem fazer mais do que discutir o mérito da decisão recorrida, como se de um recurso se tratasse, insistindo em que havia alegado, quantificado e provado danos. Não é invocada qualquer razão lógica para se ter de concluir que foi por lapso e não por convicção devidamente ou erradamente instruída, que o Tribunal decidiu como decidiu. Por outro lado, não se concretiza, desde logo, quantitativamente, a decisão diversa que devia ter sido tomada.
Quer dizer, não são sequer alegados os pressupostos legais para um pedido de reforma do acórdão quanto ao mérito.
Como assim, o pedido de reforma haverá de ir indeferido também quanto a este objecto.

V - Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em:
- Julgar improcedente a arguição de nulidade processual.
- Indeferir o pedido de rectificação e de reforma do acórdão, excepto no tocante à menção do ano de 2005 a fs. 66 do acórdão, de maneira que onde se lê “2005” deverá ler-se, por rectificação, “2006 e 2007”.
Custas dos incidentes pela Requerente, fixando-se a Taxa de Justiça em 1 e 4 UCs, respectivamente, em função do grau de ponderabilidadade das respectivas fundamentações (tabela II do RCP).
*
Se nada for requerido no prazo legal, sejam os autos remetidos ao Tribunal Constitucional: artigo 75º nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82 de 15/11).
Porto, 12/10/2023

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Maria Santos da Nova
Cristina Travassos Bento