Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00856/05.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/10/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO
IRS
MAIS VALIAS
FUNDAMENTAÇÃO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
SIMULAÇÃO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
Sumário:I) Quando se pondera a Informação que inequivocamente suporta o despacho posto em crise, tem de entender-se que a realidade apontada pela Recorrida foi considerada, ainda que sem a virtualidade de alterar o realidade depois vertida na Informação, sendo apontados os elementos que, no entender da AT, constituem o suporte da sua conduta e ultrapassam o exposto pela ora Recorrida, de modo que, embora se entenda que a AT só terá a ganhar com uma apreciação o mais abrangente possível da situação, importa sublinhar que, neste domínio, a AT não tem de responder ponto por ponto a todas as impugnações dos administrados, já que não vigoram aqui as regras adjectivas relacionadas com ónus de impugnação ou com omissões de pronúncia.
II) Por outro lado, é também patente que o despacho em apreço ancorado na Informação que o precede está também devidamente fundamentado, nele se indicando os elementos que determinam a posição da AT, sendo que tal matéria é mais do que suficiente e perfeitamente capaz de ser compreendida por um destinatário normal.
III) Além disso, é manifesto que o exercício do direito de audiência não se mostra diminuído ao ponto de ficar descaracterizado, sendo de concluir pela não verificação do vício formal correspondentemente arguido, até porque a AT começou por aludir à exposição da ora Recorrida, contrapondo ao exposto os facto por si apurados e que, no seu entender, conduzem a uma diferente conclusão para a situação em causa, não podendo dizer-se que a AT não considerou a situação exposta pela Recorrente.
IV) Nos termos do art. 39º nº 2 da LGT os actos ou negócios jurídicos nulos ou anuláveis constantes de documentos autênticos produzem os correspondentes efeitos jurídico - tributários enquanto não houver decisão judicial a declará-los nulos ou anuláveis, salvo as excepções expressamente previstas nas leis tributárias, sendo que a AT não pode ignorar tais negócios jurídicos enquanto não for declarada a sua nulidade ou anulabilidade, mas não está impedida de proceder a correcções à matéria colectável, introduzindo as que forem pertinentes face aos elementos apurados.
V) Se é própria Recorrente que, em tempo oportuno, aceitou que estava em causa um negócio simulado, ideia que não é afastada no âmbito dos presentes autos, resulta claro que a situação de facto permanece inalterada e não é o simples decurso do tempo que pode alterar esta realidade, além de que a AT sabe qual é o negócio efectivamente em causa, verificando-se que, tal como se refere no RIT, a sua tributação incidirá, sim, nos termos do referido art. 39º, como se de uma permuta se tratasse, mostrando-se necessárias diligências junto das entidades competentes para apuramento e tributação do negócio jurídico real.
VI) Ora, se a AT tem uma clara noção do que está em causa e tem todas as condições para avançar com a correspondente tributação, é manifesto que a conduta prosseguida é totalmente incompreensível, para não dizer inaceitável, pois que, detendo o domínio do facto, enveredou por um caminho que estava condenado ao insucesso, na medida em que, apesar de se reconhecer que a tributação em sede de mais-valias não deveria existir, por não ser esse o negócio real celebrado entre as partes, avançou com a liquidação impugnada, o que significa que a mesma padece de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:M...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 12-10-2015, que julgou procedente a pretensão deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO por M…, contribuinte n.º 1…, residente na Rua…, Esmoriz, relacionada com a liquidação de IRS de 2001, no montante de € 5.166,63.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 124-130), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1. A douta decisão recorrida concluiu que, por um lado, ocorreu vicio de forma por violação do disposto no artigo 60.º n.º 1 alínea a) da LGT e, por outro lado, que a Administração Tributária reconheceu que a tributação em sede de mais-valias não deveria existir, por não ter sido esse o negócio real celebrado entre as partes.
2. Ora, em nosso entender, o Tribunal a quo, ressalvado o devido e merecido respeito, não terá aplicado correctamente o Direito aos factos e documentos subjacentes ao caso em apreço.
3. Relativamente a questão da violação do artigo 60.º n.º 1 alínea a) da LGT, como demonstram os autos, a Impugnante foi notificada para proceder à substituição da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2001, para além da possibilidade de exercício do direito de audição no prazo de 10 dias.
4. Nessa sequência, a Impugnante apresentou simultaneamente um requerimento de audição prévia, bem como a declaração de alterações, com o Anexo G a registar a venda dos imóveis.
5. Em resposta ao requerimento da Impugnante, para efeitos de audição prévia, foi proferido o despacho de 24/01/2005, que a sentença recorrida entendeu estar mal fundamentado, para além de se referir apenas ao arquivamento do requerimento por falta de enquadramento legal.
6. Ora, o despacho de 24/01/2015 encontra-se suportado pela Informação de 20/01/2005, que foi notificada à Impugnante para que esta pudesse conhecer toda a fundamentação que conduziu a negação da sua pretensão.
7. O despacho, que integra o mesmo documento da informação, teve por base os dados explicados na informação, que revelam expressamente, de uma forma sucinta e clara, que se teve em consideração a escritura de compra e venda e os elementos presentes na certidão da Conservatória do Registo Predial de Ovar.
8. Perante a certeza da existência de uma escritura de compra e venda e registo na Conservatória do Registo Predial, a favor do comprador, e, tendo em conta que a Impugnante entregou uma declaração modelo 3 corrigida em que admite a venda desses bens, o único caminho possível para a Administração tributária seria prosseguir com o apuramento de imposto.
9. A sentença de 22/12/2012, no âmbito do processo n.º 949/05.4BEVIS, favorável à AT, em que está em causa o mesmo despacho, confirma exactamente esta conclusão.
10. É Importante também sublinhar que os argumentos expostos pela AT são mais do que suficientes e perfeitamente capazes de serem compreendidos por um destinatário normal.
11. Relativamente à questão da violação de lei, pelo facto de a AT ter admitido que reconheceu que a tributação em sede de mais-valias não deveria existir, por não ter sido esse o negócio real celebrado entre as partes, somos de parecer, salvo melhor entendimento, que não se pode remeter para o conteúdo do relatório omitindo o regime legal a que a Administração Tributária se encontra obrigada a cumprir.
12. Perante a existência de uma simulação de negócio sujeito a documento autêntico, a Administração Tributária apenas poderia tributar o negócio jurídico real depois de decisão judicial que declarasse a nulidade do contrato simulado (artigo 39.º n.º 2 da LGT).
13. Por outro lado, existe uma declaração de recebimento parcial do preço por parte dos Impugnantes que, por torça dos artigos 352.º e 358.º do Código Civil (CC), tem que ser considerada como uma confissão extrajudicial com força probatória plena.
14. Já se passaram mais de 12 anos e não ocorreu qualquer permuta de bens, pelo que, para todos os efeitos, a situação que ainda existe actualmente é uma compra e venda de imóveis.
15. A Impugnante alienou o seu direito de propriedade à sociedade S... que, de acordo com registo da Conservatória, continua a ser proprietária de facto e de direito dos bens em causa.
16. Os Impugnantes não requereram a anulação do contrato e também nem sequer exigiram o integral cumprimento do mesmo por parte da sociedade S..., Lda.
17. Conformaram-se com a manutenção de uma compra e venda e registo a favor do comprador e entregam a declaração de substituição de IRS que comprova a ocorrência da compra e venda.
18. Como refere a sentença de 20/12/2012, proferida no âmbito do processo n.º 949/05.4BEVIS, a situação que acabou por subsistir na realidade da vida (e que se manterá enquanto o contrato resultante da vontade declarada não for anulado nem o contrato simulado for integralmente cumprido) equivale a uma compra e venda.
19. Perante estas circunstâncias, ou seja, com a manutenção do contrato de compra e venda e entrega da declaração de IRS corrigida a dar conta da alienação dos bens, a Autoridade Tributária nada podia fazer, senão proceder à emissão da liquidação adicional de IRS.
***
Nos termos vindos de expor e nos que Vªs. Exªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, com a sua substituição por outra que julgue a oposição totalmente improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.”

A recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões (cfr. fls. 137-º149):
“1ª - Vem este recurso interposto, pela FP, da douta sentença de fls. 95/112, a qual julgou totalmente procedente, por provada, a impugnação de fls. 2/50, com as legais consequências;
2ª - Na sua p.i. a ora Recorrida pediu a anulação da liquidação impugnada com base em dois fundamentos - Preterição de formalidade legal/Falta de fundamentação legalmente exigida (VÍCIO DE FORMA) e Erro no lançamento e liquidação do imposto/Tributação de rendimento inexistente (VIOLAÇÃO DE LEI DE FUNDO);
3.ª - De fls. 96 a 107 encontra-se feito o julgamento da matéria de facto
4.ª - e a fls. 107 (último parágrafo) a respectiva motivação.
5.ª - Obtida a confiança do processo para a elaboração das presentes alegações, verificou a Recorrida que em lugar algum (do processo ou do PAA) se mostra ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 111.º/1-b) do CPPT, isto é, não existem informações oficiais,
6.ª - o que constitui a nulidade insanável prevista no art. 98º/1-b) do CPPT.
SEM PRESCINDIR
7.ª - É, a todos os títulos, evidente que o despacho de fls. 39, consubstancia um duplo vício de forma - preterição de formalidade legal e falta de fundamentação legalmente exigida,
8.ª - ambos fundamentos de impugnação judicial - art. 99º do CPPT, alínea d) e e), respectivamente.
9.ª - Na verdade, nem na mais benévola das interpretações que se pudessem fazer do despacho de fls. 39, jamais se podia ver nele a decisão dada sobre o direito de audição exercido pela ora Recorrida a fls. 36/37, na sequência da notificação que, para o efeito lhe foi efectuada pelo ofício de fls. 30.
10.ª - Pura e simplesmente, o despacho de fls.39 não apreciou o direito de audição exercido a fls. 36/37 pela ora Recorrida, como atrás se demonstrou e lhe competia fazer.
11.ª - É aqui evidente o vício de forma, por preterição de formalidade legal.
12.ª - Como evidente é a ausência total de fundamentação quando no dito despacho se ordena o arquivamento da petição por falta de enquadramento legal... que não explica.
13.ª - O despacho de fls. 39 viola, entre outras, as normas do nº 5 do art. 267º e do n.º 3 do art. 268º, ambos da CRP; do n.º 7 do art. 60.º e dos n.ºs 1 e 2 do art. 77º, ambos da LGT; e dos n.º 1 do art. 124º e dos nºs 1 e 2 do art. 125.º do Código de Procedimento Administrativo tais como vigoravam á época, a que correspondem actualmente os mesmos nºs do art. 152º e do art. 153.º daquele Código.
14.ª - A violação da lei de fundo é, igualmente, patente.
15.ª - A liquidação adicional aqui impugnada tem origem nas conclusões do RIT (que constitui o PAA) que atribuem à ora Recorrida rendimentos da categoria G, de IRS, sem que na sua esfera patrimonial se tenha verificado qualquer aumento inesperado ou fortuito do valor dos seus bens, pressuposto da tributação em mais-valias (incrementos patrimoniais).
16.ª - É que nem a Recorrida recebeu o que quer que fosse da S... nem esta lhe pagou qualquer valor, como expressamente declararam uma e outra (fls. 106).
17.ª - E não procede o argumento da Recorrente, de que a AT só poderia tributar o negócio jurídico real depois de obtida decisão judicial que declarasse a nulidade do negócio simulado,
18.ª - simplesmente porque não é isso que se encontra dito no texto do n.º 2 do art. 39.º da LGT, invocado pela Recorrente, nem é esse o entendimento de, pelo menos, alguma jurisprudência dos Tribunais Superiores do Contencioso Tributário, desconhecendo-se mesmo qualquer jurisprudência em sentido contrário;
19.ª - E ainda sobre este tema, é oportuno o esclarecimento de que a norma do nº 2 do art. 39º da LGT foi revogada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
20.ª - A liquidação impugnada, a manter-se, violava, entre outros os arts. 103.º/1 e 2 e 104.º/1 da CRP: 1.º e 10.º/1-a) do CIRS; e 6.º do RCPIT.
21.ª - Julgando como julgou, e douta sentença de fls. 95/112 fez correcta interpretação e aplicação da LEI e do DIREITO, não merecendo qualquer reparo ou censura.
Nestes termos e nos mais, de Direito, aplicáveis, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a douta sentença de fls. 95/112, para que assim se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA.”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 198 a 204 dos autos, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar se o procedimento da AT levou ou não em conta os elementos apontados pela impugnante aquando do exercício do direito de audição prévia e se o despacho correspondente se encontra devidamente fundamentado e bem assim apreciar a bondade e alcance do procedimento da AT que redundou na emissão da liquidação adicional de IRS apontada nos autos.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A). A Impugnante foi objecto de acção inspectiva, relativa aos períodos de 1999, 2000 e 2001, cfr. Relatório da Inspecção Tributária de fls. 2 a 8 do Processo Administrativo (PA).
B). Foi seguidamente elaborado o respectivo Relatório, que se encontra junto a fls. 2 a 8 do PA, e aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como os seus anexos, do qual consta o seguinte:
- imagem omissa -

C). Por carta datada de 06-12-2004 foi a Impugnante notificada do seguinte:
- imagem omissa -
Cfr. teor de fls. 30 dos autos (p.f.).

D).Em 17-12-2004, a Impugnante apresentou a seguinte declaração de alterações de IRS (anexo G):
- imagem omissa -
Cfr. teor dos docs. de fls. 31 a 35 dos autos (p.f.).

E). Na mesma data, a Impugnante apresentou o seguinte requerimento no SFde Ovar-2:
- imagem omissa -

Cfr. teor de fls. 36 a 38 dos autos (p.f.).

F). Aquele requerimento foi objecto do seguinte despacho:
- imagem omissa -
Cfr. teor de fls. 39 a 41 dos autos (p.f.).

G).Seguidamente, foi emitida a seguinte liquidação:
- imagem omissa -
Cfr. teor de fls. 15 e 16 dos autos (p.f.).

H).Em 15-11-2001 foi celebrado o seguinte contrato:
- imagem omissa -
Cfr. teor de fls. 43 a 45 dos autos (p.f.).

I). A Sociedade S...- Emp. Urb. e Turísticos, Lda requereu na CM de Ovar projecto de loteamento relativo aos prédios 7…, 1… e 2…, de Esmoriz, cfr. teor de fls. 47 e 48 dos autos (p.f.).

J). A presente impugnação deu entrada no TAF de Viseu em 14-06-2005, cf. teor de fls. 2 dos autos (p.f.).
III-B – Factos não provados
Inexistem, com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A factualidade supra referida, foi apurada com base nos documentos juntos aos autos e no Processo Administrativo apenso.”

3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se, desde logo, abordar a questão de saber se ocorreu vicio de forma por violação do disposto no artigo 60.º n.º 1 alínea a) da LGT e bem assim preterição de formalidade legal, por violação do disposto no art. 77º da LGT.

Na decisão recorrida foi entendido que:
“…
A Impugnante foi notificada para entregar declaração de alterações, podendo, se assim o entendesse, exercer previamente o seu direito de audição prévia, no prazo de 10 dias.
E foi o que a mesma fez. Apesar de ter entregue a declaração de alterações, a mesma apresentou no SF requerimento no qual expunha os motivos pelos quais pensava que não deveria ser feita a liquidação impugnada.
Surpreendentemente, o SF resolveu arquivar o seu requerimento por falta de “enquadramento legal, nesta fase do processo”.
Como resulta da análise daquele despacho, o mesmo padece dos dois vícios apontados pela Impugnante: primeiro, recusa-se a apreciar o direito de audição prévia apresentado pela mesma (após convite ao exercício do mesmo, na notificação feita), o que configura negação do exercício de tal direito de audição prévia, já que, apesar da já referida notificação à Impugnante, depois da mesma o ter efectivado, o SF resolveu “arquivá-lo” sem o apreciar. Acresce que o despacho do Sr. Chefe do SF padece ainda manifestamente de falta de fundamentação, já que refere apenas que o arquivamento se deve a “falta de cabimento legal”, sem que se entende, de todo, o iter cognoscitivo que conduziu a tal conclusão.
Ora, não tendo sido concedido à Impugnante o direito de audição antes da liquidação, os actos subsequentes enfermam de vício de forma como acima já foi dito, por violação do disposto no art. 60º, nº 1 alínea a) da LGT. Por outro lado, a falta de fundamentação constitui preterição de formalidade legal, por violação do disposto no artº 77º da LGT.
Pelo que, a presente impugnação teria de proceder face à verificação daqueles vícios.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que a Impugnante foi notificada para proceder à substituição da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2001, para além da possibilidade de exercício do direito de audição no prazo de 10 dias e, nessa sequência, a Impugnante apresentou simultaneamente um requerimento de audição prévia, bem como a declaração de alterações, com o Anexo G a registar a venda dos imóveis, sendo que, em resposta ao requerimento da Impugnante, para efeitos de audição prévia, foi proferido o despacho de 24/01/2005, que a sentença recorrida entendeu estar mal fundamentado, para além de se referir apenas ao arquivamento do requerimento por falta de enquadramento legal.
Ora, o despacho de 24/01/2015 encontra-se suportado pela Informação de 20/01/2005, que foi notificada à Impugnante para que esta pudesse conhecer toda a fundamentação que conduziu a negação da sua pretensão, verificando-se que o despacho, que integra o mesmo documento da informação, teve por base os dados explicados na informação, que revelam expressamente, de uma forma sucinta e clara, que se teve em consideração a escritura de compra e venda e os elementos presentes na certidão da Conservatória do Registo Predial de Ovar, de modo que, perante a certeza da existência de uma escritura de compra e venda e registo na Conservatória do Registo Predial, a favor do comprador, e, tendo em conta que a Impugnante entregou uma declaração modelo 3 corrigida em que admite a venda desses bens, o único caminho possível para a Administração tributária seria prosseguir com o apuramento de imposto.

Nesta matéria, importa apurar se o procedimento da AT levou ou não em conta os elementos apontados pela impugnante aquando do exercício do direito de audição prévia e se o despacho correspondente se encontra devidamente fundamentado.
Numa primeira análise, temos de reconhecer a bondade da decisão recorrida quando manifesta a sua estranheza pelo teor do despacho em apreço, pois que, na verdade, tendo notificado a ora Recorrida para exercer o direito de audição, acaba por mandar arquivar a petição, por falta de enquadramento legal, nesta fase do processo.
Na verdade, considerando o tal enquadramento, promovido de acordo com a notificação da AT, a segunda parte do despacho em apreço revela-se totalmente despropositado quanto ao seu teor literal.
No entanto, importa ir mais longe, considerando que o despacho pretende fazer a síntese conclusiva da Informação que o suporta e que foi transmitida à ora Recorrente com o despacho em causa e que conclui no sentido de a pretensão não ter provimento, o que significa que o despacho em causa traduz uma infeliz síntese da situação em análise, podendo mesmo dizer-se que está em causa uma decisão que antes de ser já o era, porquanto, refere, desde logo, a notificação para pagar, o que supõe dar como adquirida a pertinência da liquidação a realizar.
A partir daqui, quando se pondera a Informação que inequivocamente suporta o despacho posto em crise, tem de entender-se que a realidade apontada pela Recorrida foi considerada, ainda que sem a virtualidade de alterar o realidade depois vertida na Informação, sendo apontados os elementos que, no entender da AT, constituem o suporte da sua conduta e ultrapassam o exposto pela ora Recorrida, de modo que, embora se entenda que a AT só terá a ganhar com uma apreciação o mais abrangente possível da situação, importa sublinhar que, neste domínio, a AT não tem de responder ponto por ponto a todas as impugnações dos administrados, já que não vigoram aqui as regras adjectivas relacionadas com ónus de impugnação ou com omissões de pronúncia.
Deste modo, é manifesto que o exercício do direito de audiência não se mostra diminuído ao ponto de ficar descaracterizado, sendo de concluir pela não verificação do vício formal correspondentemente arguido, até porque a AT começou por aludir à exposição da ora Recorrida, contrapondo ao exposto os facto por si apurados e que, no seu entender, conduzem a uma diferente conclusão para a situação em causa, não podendo dizer-se que a AT não considerou a situação exposta pela Recorrente.
Por outro lado, é também patente que o despacho em apreço ancorado na Informação que o precede está também devidamente fundamentado, nele se indicando os elementos que determinam a posição da AT, sendo que tal matéria é mais do que suficiente e perfeitamente capaz de ser compreendida por um destinatário normal.
Se o fez bem ou mal isso não se traduzirá em qualquer vício de forma, mas em algo mais substancial e que constitui a matéria que será abordada em seguida, o que significa que, por ora, a posição da Recorrente tem de ser acolhida nesta sede.

Em termos substanciais, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Mesmo que assim não entendesse, e quanto ao segundo vício apontado à liquidação impugnada pela Impugnante, de violação de lei, devido a tributação de rendimento inexistente, teria também de proceder a presente acção, já que, como a própria AT reconhece no relatório da inspecção tributária que consta do probatório, “a escritura não reflectiu efectivamente a vontade das partes, tendo sido um negócio jurídico simulado. (…) A verdade material e a intenção das partes nunca foi a compra e venda, mas sim uma permuta por bens futuros. (…) À luz dos artºs 38º e 39º da LGT, será de considerar o negócio jurídico praticado (escritura de compra e venda) como ineficaz no âmbito tributário, afastando-se assim a sua tributação dentro da categoria G/Incrementos patrimoniais (Mais-Valias) do IRS; (…) A sua tributação incidirá, sim, nos termos do referido artº 39º, como se de uma permuta se tratasse, mostrando-se necessárias diligências junto das entidades competentes para apuramento e tributação do negócio jurídico real”
Ora, face a tal posição assumida pela AT, torna-se incompreensível a decisão de proceder à liquidação de IRS em sede de categoria G, pela realização da compra e venda “simulada”, sem, pelo menos, apreciar o direito de audição exercido pela Impugnante, que ia de encontro à posição já assumida pela própria AT em momento anterior, tendo-se antes processado a declaração de substituição entregue pela mesma simultaneamente ao exercício do direito de audição prévia e liquidado posteriormente o IRS agora impugnado. Isto tudo apesar de se reconhecer que a tributação em sede de mais-valias não deveria existir, por não ser esse o negócio real celebrado entre as partes, verificando-se, assim, vício violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
E por tal facto, a presente Impugnação terá também de proceder quanto ao segundo vício invocado pela Impugnante. …”.

Neste âmbito, a Recorrente defende que perante a existência de uma simulação de negócio sujeito a documento autêntico, a Administração Tributária apenas poderia tributar o negócio jurídico real depois de decisão judicial que declarasse a nulidade do contrato simulado (artigo 39.º n.º 2 da LGT) e, por outro lado, existe uma declaração de recebimento parcial do preço por parte dos Impugnantes que, por força dos artigos 352.º e 358.º do Código Civil (CC), tem que ser considerada como uma confissão extrajudicial com força probatória plena e já se passaram mais de 12 anos e não ocorreu qualquer permuta de bens, pelo que, para todos os efeitos, a situação que ainda existe actualmente é uma compra e venda de imóveis.
Assim, a Impugnante alienou o seu direito de propriedade à sociedade S... que, de acordo com registo da Conservatória, continua a ser proprietária de facto e de direito dos bens em causa e os Impugnantes não requereram a anulação do contrato e também nem sequer exigiram o integral cumprimento do mesmo por parte da sociedade S..., Lda., conformaram-se com a manutenção de uma compra e venda e registo a favor do comprador e entregam a declaração de substituição de IRS que comprova a ocorrência da compra e venda e como refere a sentença de 20/12/2012, proferida no âmbito do processo n.º 949/05.4BEVIS, a situação que acabou por subsistir na realidade da vida (e que se manterá enquanto o contrato resultante da vontade declarada não for anulado nem o contrato simulado for integralmente cumprido) equivale a uma compra e venda, de modo que, perante estas circunstâncias, ou seja, com a manutenção do contrato de compra e venda e entrega da declaração de IRS corrigida a dar conta da alienação dos bens, a Autoridade Tributária nada podia fazer, senão proceder à emissão da liquidação adicional de IRS.

Que dizer?
Quanto ao primeiro elemento apontado, há que ter em conta que art. 39º nº 2 da LGT normativo que dispõe que:
1 - Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.
2 - Sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a sua nulidade."
Assim, deste nº 2 decorre que os actos ou negócios jurídicos nulos ou anuláveis constantes de documentos autênticos produzem os correspondentes efeitos jurídico - tributários enquanto não houvesse decisão judicial a declará-los nulos ou anuláveis, salvo as excepções expressamente previstas nas leis tributárias.
Assim sendo, a AT não pode ignorar tais negócios jurídicos enquanto não for declarada a sua nulidade ou anulabilidade, mas não está impedida de proceder a correcções à matéria colectável, introduzindo as que forem pertinentes face aos elementos apurados.
No Manual dos Contratos em Geral, fls. 151 e segs., definia o Prof. Galvão Teles os vários tipos de simulação. Assim:
l. - simulação: divergência entre a vontade e a declaração, estabelecida por acordo entre as partes com o intuito de enganar terceiros;
2. - simulação absoluta: quando na aparência se celebra um contrato, mas na realidade nenhum contrato se quer;
3. - simulação relativa: dá-se quando as partes pretendem realizar, e de facto realizam, um contrato, mas para iludir terceiros o ocultam, o encobrem, com um contrato diverso pela sua função e natureza, ou divergente em algum aspecto.
O Prof. Leite de Campos (Simulação dos negócios jurídicos, Problemas fundamentais do Direito Tributário, fls. 224), após referir a necessidade da via judicial para declarar a nulidade do negócio jurídico simulado, escreve “Isto não impede, nos termos da primeira parte do nº2 (do artigo 39º da Lei Geral Tributária), que a Administração Fiscal corrija a matéria tributável revelada pelo negócio real, nos termos indicados na última parte do nº2”.
Aliás, mal se compreenderia que, consagrando a Lei Geral Tributária a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas à Administração Fiscal, e nem por isso lhe proibindo o recurso a métodos presuntivos (artigo 75°), atribuísse às declarações prestadas perante outro oficial público - o notário - valor superior, tal que a Administração ficasse manietada, dependente da obtenção de uma declaração judicial de nulidade. Não se vislumbra razão para conferir maior força à declaração feita perante um notário do que àquela que é produzida perante a Administração Fiscal.
Tal realidade é, aliás, a acolhida pelo art. 39º da LGT, onde, como se viu, se estipula o seguinte:
"l. Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.
2. Sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a nulidade".
Como se diz no nº 2 desse preceito, a tributação do negócio constante de documento autêntico é feita sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à AF, poderes que, lhe são conferidos nos termos dos artigos 58º, 74º e 90º da LGT.

Ora, é isto de que fala a AT na passagem do RIT citada na decisão recorrida quando se aponta que “a escritura não reflectiu efectivamente a vontade das partes, tendo sido um negócio jurídico simulado. (…) A verdade material e a intenção das partes nunca foi a compra e venda, mas sim uma permuta por bens futuros. (…) À luz dos artºs 38º e 39º da LGT, será de considerar o negócio jurídico praticado (escritura de compra e venda) como ineficaz no âmbito tributário, afastando-se assim a sua tributação dentro da categoria G/Incrementos patrimoniais (Mais-Valias) do IRS; (…) A sua tributação incidirá, sim, nos termos do referido artº 39º, como se de uma permuta se tratasse, mostrando-se necessárias diligências junto das entidades competentes para apuramento e tributação do negócio jurídico real”, sendo totalmente inoperante o argumento utilizado para ultrapassar uma realidade que a mesma tinha já devidamente reconhecido, parecendo agora querer inverter a situação, impondo aos interessados o ónus de obter tal declaração de nulidade, matéria que, como vimos, não tem qualquer sentido a partir do momento em que a AT tinha todas as condições para actuar em conformidade com o supra exposto.

Depois, não vemos que a entrega da declaração de substituição traduza o reconhecimento pela Recorrida de que haja praticado qualquer acto que a devesse sujeitar à tributação em IRS, por realização de mais-valias, conforme pretende a AT, pois que a entrega da aludida declaração é acompanhada pelo exercício do direito de audição em que a ora Recorrida sustenta a inexistência de fundamento para tributação de mais-valias, sendo que a leitura da Recorrente, tal como defende a Recorrida, viola o princípio da indivisibilidade da confissão (art. 360º do Código Civil).

Finalmente, temos o argumento da situação de facto que se prolonga no tempo, sem que os interessados tenham providenciado pela alteração da mesma, de modo que, subsiste aquilo que a Recorrente denomina como realidade da vida por referência ao exposto em decisão judicial a que faz apelo ao longo das suas alegações.
No entanto, não cremos que este seja o caminho mais adequado em termos de análise, porquanto, não se vislumbra que o decurso do tempo possa alterar a tal realidade da vida.
A partir daqui, se é própria Recorrente que, em tempo oportuno, aceitou que estava em causa um negócio simulado, ideia que não é afastada no âmbito dos presentes autos, resulta claro que a situação de facto permanece inalterada e não é o simples decurso do tempo que pode alterar esta realidade, além de que a AT sabe qual é o negócio efectivamente em causa, verificando-se que, tal como se refere no RIT, a sua tributação incidirá, sim, nos termos do referido art. 39º, como se de uma permuta se tratasse, mostrando-se necessárias diligências junto das entidades competentes para apuramento e tributação do negócio jurídico real.
Ora, se a AT tem uma clara noção do que está em causa e tem todas as condições para avançar com a correspondente tributação, é manifesto que a conduta prosseguida é totalmente incompreensível, para não dizer inaceitável, pois que, detendo o domínio do facto, enveredou por um caminho que estava condenado ao insucesso, na medida em que, como bem refere a decisão recorrida, apesar de se reconhecer que a tributação em sede de mais-valias não deveria existir, por não ser esse o negócio real celebrado entre as partes, avançou com a liquidação impugnada, o que significa que a mesma padece de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que tem um verdadeiro efeito de implosão sobre o presente recurso, dado que, este elemento é suficiente para suportar a decisão recorrida, de nada valendo a bondade do exposto quanto às questões formais acima analisadas, ficando ainda prejudicado o conhecimento da nulidade suscitada pela Recorrida em sede de contra-alegações.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 10 de Março de 2016
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova