Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01146/22.0BELRA
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/03/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
FORNECIMENTO DE COMPUTADORES PORTÁTEIS;
ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS;
Sumário:
1- A exclusão de uma proposta em virtude da omissão quanto ao cumprimento de alguma exigência do caderno de encargos só pode ser imposta quando conste do programa do procedimento a obrigação de apresentar qualquer tipo de informação ou esclarecimento adicional em face do compromisso genérico que já se encontra previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP. Quando o programa do procedimento seja omisso quanto a essa exigência, deve entender-se que as propostas são contratualmente aceitáveis com a simples apresentação da declaração prevista nessa alínea a).

2-Nos termos alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, a Entidade Adjudicante podia ter previsto/incluído nas peças do procedimento a exigência de entrega de documentos adicionais, máxime, de documento que contivesse a descrição dos computadores portáteis a fornecer, através da concreta identificação desse equipamento, por referência à marca/modelo, se essa indicação fosse de particular relevância para a mesma e aquela não se bastasse com a declaração prevista na al. a) do art.º 57.º do CCP ( Anexo i).

3-Resultando da Cláusula 23.ª do CE, que a Entidade Adjudicante não obrigou os concorrentes ao concurso para o fornecimento de 100 computadores portáteis (Lote1), a indicarem nas respetivas propostas os concretos computadores que se propunham fornecer para cumprir com as especificações técnicas exigíveis, não podia exigir à Apelante a apresentação de um documento adicional com a descrição do tipo de equipamento em concreto que se dispunha a fornecer.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:PROCESSO N.º 1146/22.0BELRA

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO.

1.1.[SCom01...], SA. moveu o presente processo de contencioso pré-contratual contra a Comunidade Intermunicipal ... e ..., pedindo a anulação, ou da decisão da Ré que excluiu a sua proposta do procedimento para a “Aquisição de equipamento informático por lotes – lote 1” ou, da decisão da Ré que adjudicou esse procedimento à Contrainteressada [SCom02...], Lda.
Para tanto alega, em síntese, que apresentou uma proposta para o lote 1 do procedimento para a “Aquisição de equipamento informático por lotes”, a qual foi excluída, tendo esse procedimento sido adjudicado à concorrente [SCom02...], Lda.;
Considera que decisão que excluiu a sua proposta é ilegal dado que o caderno de encargos nada exige quanto às especificações técnicas dos equipamentos a fornecer e a sua proposta cumpre com todos os documentos exigidos pelo artigo 15º do programa do procedimento, pelo que é demonstrado que a Autora se propõe e obriga a apresentar os 100 equipamentos exigidos para o lote 1 de acordo com as caraterísticas técnicas definidas na cláusula 23ª do caderno de encargos;
Se o júri tivesse dúvidas quanto ao teor da sua proposta deveria ter optado por lhe pedir esclarecimentos ao invés de optar pela sua exclusão liminar e precipitada;
Assim, a decisão que adjudicou o procedimento à Contrainteressada [SCom02...], Lda. é ilegal, pelo que, considerando que a sua proposta terá de ser admitida ao concurso e tendo em consideração o critério de adjudicação definido, o fornecimento terá de ser-lhe adjudicado a si dado que a sua proposta apresenta o preço mais baixo.
Pede a procedência da ação.
1.2. Citada, a Ré apresentou contestação, na qual alegou, em síntese, que a Autora apresentou para o lote 1 uma proposta imprestável, dado que se limitou a apresentar uma tabela de preços unitários onde se pode ler: “computadores portáteis”, nada mais dizendo sobre os equipamentos que pretendia oferecer;
Consequentemente, se lhe adjudicasse o procedimento estaria a comprar um equipamento “às cegas”, sem que a Autora se vinculasse à entrega de um concreto tipo de computador, com as respetivas caraterísticas técnicas;
Mais refere que todas as demais propostas indicaram expressamente o computador que pretendiam fornecer;
O caderno de encargos fixava um conjunto de características técnicas para os equipamentos a fornecer, pelo que, as propostas dos concorrentes teriam, sob pena de violação dessas especificações do caderno de encargos, de indicar que concreto equipamento se propunha fornecer;
Não teria cabimento um pedido de esclarecimento por parte do júri do procedimento, dado que assim a Autora estaria a indicar o concreto equipamento que forneceria após conhecer as propostas dos demais concorrentes, o que seria permitir uma alteração material e substancial à sua proposta, como se estaria a distorcer gravemente a concorrência;
1.3. Citadas, nenhuma das seis Contrainteressadas indicadas pela Autora, apresentaram contestação.
1.4.Proferiu-se despacho saneador-sentença, no qual o Tribunal a quo dispensou, por desnecessária, a realização de quaisquer outras diligências probatórias para o apuramento da verdade material, dispensou a realização da audiência prévia (artigo 87º-A, n.º 1, alínea b) e 87º-B, n.º 2 do CPTA), e conheceu do mérito da ação, tendo julgado a ação improcedente, sendo o respetivo segmento decisório do seguinte teor:
«Face a todo o exposto, e com base nas razões de facto e de Direito aduzidas:
1) Julgo o presente processo improcedente;
2) Fixo o valor da causa em € 71.500,00;
3) Condeno a Autora nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em duas UC;
4) Registe e notifique a Autora e a Ré, assim como as Contrainteressadas (artigo 249º, n.º 5 do CPC).»
1.5. Inconformada com o saneador-sentença que julgou a ação de contencioso pré-contratual improcedente, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, que termina com a formulação das seguintes CONCLUSÕES:
«1. A presente iniciativa recursiva destina-se a suscitar a ponderação do que se crê constituir erro de julgamento de direito por parte do Tribunal a quo.
2. A questão em apreço nos autos foi claramente identificada pelo Tribunal a quo: “a questão a dirimir prende-se com a circunstância da Autora, na sua proposta, ter referido que se dispunha a fornecer “Computadores portáteis”, sem, contudo, ter especificado nenhuma característica dos mesmos, o que foi razão para a Ré ter entendido que a proposta da Autora não especificava as características técnicas dos equipamentos a fornecer e, como tal violava o caderno de encargos.
3. Ora, para dirimir a referida questão, importa então, e salvo melhor opinião, aferir se era efetivamente necessário a aqui Recorrente ter especificado, na sua proposta, as características dos computadores portáteis que se comprometia a fornecer.
4. Começando, por analisar, o artigo 15.º do Programa do Procedimento, constata-se que a proposta da Recorrente é composta, na íntegra, pelos documentos exigidos na referida cláusula do Programa do Procedimento.
5. O mesmo é dizer que, em momento algum, a Entidade Adjudicante, aqui Recorrida, exigiu que os concorrentes apresentassem um documento onde descreviam ou referiam expressamente as características técnicas dos portáteis a fornecer.
6. E, a bem da verdade se diga, essa opção da Recorrida faz todo o sentido porque foi a própria que fixou, na cláusula 23.ª caderno de encargos, as características técnicas que os computadores portáteis a fornecer deviam ter.
7. Em consequência era, na verdade, e ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, absolutamente irrelevante (até porque, reitera-se, não era exigido) que os concorrentes apresentassem um documento que expressamente indicasse as características técnicas dos portáteis a fornecer, pois, na verdade, essas características já estavam vertidas nas próprias peças procedimentais, correspondendo, na verdade e ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, a verdadeiros termos e condições (e não a atributos da proposta).
8. Pelo que, tendo fixado a própria Entidade Adjudicante as características que queria que os portáteis a adquirir tivessem, bastar-lhe-ia que os concorrentes se comprometessem a fornecer aquilo que havia solicitado, ou seja, que se comprometessem a cumprir com os termos e condições que a própria havia fixado.
9. E foi exatamente isso que a Autora, aqui Recorrente, fez ao apresentar na sua proposta:
a. O Anexo I onde a aqui Recorrente declarou que se [o]briga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas;
b. O Anexo III onde a aqui Recorrente se propôs executar [t]odos os trabalhos a que se refere o procedimento de contratação pública designado “Aquisição de equipamento informático, por lotes”, em conformidade com o Caderno de Encargos.
10. Em consequência, a proposta da aqui Recorrente demonstra de forma clara que esta se propunha e obrigava a apresentar os 100 equipamentos exigidos para o LOTE 1 de acordo com as características técnicas definidas na clausula 23.ª do Caderno de Encargos.
11. De facto, veja-se como, por várias vezes, a aqui Recorrente aceitou e se comprometeu a executar o contrato nos moldes vertidos no Caderno de Encargos, peça procedimental onde se encontram expressamente previstas as características dos portáteis a fornecer.
12. Não se pode, por isso compreender, que o Tribunal a quo tenha afirmado que era obrigatório que a Autora tivesse especificado, na sua proposta, qual o tipo de computador portátil que se dispunha fornecer.”.
13. Pergunta-se: mas havia alguma margem de liberdade na opção do computador portátil a fornecer? Poderia a Autora, aqui Recorrente, ter optado por uma ou outra característica técnica?
14. A resposta é negativa – as características técnicas do contrato a executar estavam elencadas e fechadas no caderno de encargos pelo que, não se compreende como é que a Entidade Demandada ou o próprio Tribunal a quo podiam ter dúvidas, em relação ao tipo de computadores portáteis que a Autora, aqui Recorrente, ia fornecer! De facto, ao comprometer-se as respeitar as cláusulas contratuais, a Recorrente estava a comprometer-se a fornecer os computadores portáteis com as características técnicas previstas nas peças procedimentais.
15. E, repare-se que em lado algum, da proposta da aqui Recorrente, se retira que os bens a fornecer não seriam exatamente aqueles solicitados pela Entidade Demandada – bem, pelo contrário, atentas as declarações tecidas pela Recorrente na sua proposta, conforme já se referiu – não havendo, por isso, qualquer desconformidade entre a proposta apresentada e o teor do caderno de encargos que pudesse eventualmente justificar a sua exclusão.
16. Em suma, no caso sub judice está em causa determinar “até onde chega o dever de cada concorrente no sentido de demonstrar o cumprimento das exigências do caderno de cadernos. Sob a perspetiva contrária, importa verificar em que casos se pode concluir que a falta de informação ou densificação de uma proposta – nomeadamente no caso absoluto de silêncio quanto ao cumprimento de um ou mais requisitos do caderno de encargos – deve ser considerada como suficientemente relevante para motivar a exclusão da sua proposta.”.
17. Uma vez que seria desrazoável exigir que os concorrentes tivessem que demonstrar, pela positiva, o cumprimento de cada um dos requisitos constantes do caderno de encargos, o legislador previu a obrigação dos concorrentes entregarem a declaração constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º em qualquer procedimento, evitando assim que o concorrente estivesse condenado à tarefa interminável de incluir na sua proposta uma resposta expressa a cada uma das exigências previstas no caderno de encargos. Ao invés, prevê assim que a proposta deva incluir uma declaração de compromisso relativa ao cumprimento total e integral de todo o conteúdo do caderno de encargos que, reitera-se, foi entregue pela aqui Recorrida na sua proposta.
18. Em consequência veja-se que, no caso sub judice, a Entidade Demandada não exigiu expressamente que os concorrentes descrevem expressamente o modo de cumprimento do contrato nem exigiu que entregassem um documento específico para esse efeito – o que significa dizer que era obrigação da Entidade Demandada, aqui Recorrida, considerar suficiente o compromisso contratual assumido pela Recorrente, nomeadamente nos Anexos I e III da sua proposta e, em consequência, julgar a sua proposta válida.
19. Aliás, se a aqui Recorrida sabia de antemão que não se contentaria com a declaração genérica de compromisso entregue pelos concorrentes deveria ter previsto a entrega de um documento que correspondesse a uma confirmação adicional quanto ao modo de cumprimento, neste caso, das características técnicas dos portáteis a fornecer.
20. De facto, a Recorrida podia ter, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, previsto nas peças do procedimento a exigência de entrega de documentos adicionais, mormente com a descrição dos computadores portáteis a fornecer, se isso assumisse particular relevância.
21. Neste caso, ao não ter previsto qualquer exigência adicional, “a proposta é aceitável, quanto a essa exigência, logo que o concorrente apresente a declaração genérica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º, não se prevendo no programa do procedimento a apresentação de qualquer elemento adicional”.
22. Aliás, tanto assim é que na fundamentação de ambos os Relatórios, preliminar e final, a Recorrida não invocou (nem o Tribunal a quo diga-se) sequer qualquer disposição normativa do Caderno de Encargos que a tanto exigisse e que tivesse sido violada pela Recorrente – porque ela, simplesmente não existe.
23. Em suma, a exclusão de uma proposta “em virtude da omissão quanto ao cumprimento de alguma exigência do caderno de encargos só pode ser imposta quando conste do programa do procedimento a obrigação de apresentar qualquer tipo de informação ou esclarecimento adicional em face do compromisso genérico que já se encontra previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP. Quando o programa do procedimento seja omisso quanto a essa exigência, deve entender-se que as propostas são contratualmente aceitáveis com a simples apresentação da declaração prevista nessa alínea a).15
15 Ibidem, p. 111.
24. Assim, e ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, uma vez que a aqui Recorrida já havia, na cláusula 23.ª do Caderno de Encargos, definido as características técnicas dos computadores portáteis a fornecer, a aqui Recorrente não tinha obrigação de especificar aquilo que, na verdade, já se encontrava por natureza especificado.
25. Resultando, inequivocamente, que a proposta da Recorrente cumpre integralmente o exigido nas peças do presente procedimento, sendo ilegal a sua exclusão e, em consequência, ilegal o ato de adjudicação proferido.
26. E esta posição vai ao encontro da jurisprudência nacional maioritária – vejam-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. n.º 07691/11, de 12.08.2011; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proc. n.º 01199/14.4BEAVR, de 22.05.2015; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proc. n.º 02701/14.3BEBRG, de 05.06.2015; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proc. n.º 2872/19.6BEBJA, de 28.05.2020; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. n.º 700/20.9BELSB, de 12.10.2020; Acórdão do Tribunal Administrativo Central Sul, proc. n.º 175/21.5BELSB, de 11.04.2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
27. Em suma, só pode concluir-se que resulta, inequivocamente, que a proposta da Recorrente cumpre integralmente o exigido nas peças do presente procedimento, sendo ilegal a sua exclusão, determinada pela Recorrida e corroborada pelo Tribunal a quo, com base na alínea a) do n.º do artigo 70.º do CCP.
28. Até porque essa mesma norma remete para as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP – inaplicáveis no caso sub judice, pois, reitera-se, não foram exigidos documentos adicionais, para verificação dos atributos ou para verificação do cumprimento dos termos e condições do contrato (ou do objeto do contrato, conforme lhe queiramos chamar).
29. No caso sub judice apenas se pode falar da aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo do 57.º do CCP, pois esse foi, na verdade, o único documento exigido pela aqui Recorrida.
30. Em consequência, a proposta da aqui Recorrente nunca poderia ter sido excluída pela não apresentação de documentos que não foram exigidos! E qualquer solução em contrário será completamente desrazoável e desproporcional, contrária às regras do direito.
31. Acresce que, e mais uma vez ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, a proposta da aqui Recorrente também não poderia ter sido excluída, mormente por “violação do objeto do contrato”, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea a) do CCP.
32. Veja-se, em primeiro lugar, que o Tribunal a quo invoca uma norma que não é sequer aplicável ao caso vigente tendo antes sido aditada posteriormente com o DL n.º 78/2022, de 07/11.
33. Não obstante, nunca se poderia considerar que a proposta da aqui Recorrente violava o objeto do contrato, pois, já ficou supra demonstrado que, na verdade, verifica-se exatamente o oposto, ou seja, a proposta aceita e é conforme com o objeto do contrato tal qual como ele é definido no Caderno de Encargos, nomeadamente, na sua cláusula 23.ª.
34. E, na verdade, o Tribunal a quo apesar de reconhecer esta circunstância, ao alegar que “o Caderno de Encargos tem de definir, clara e especificadamente, todos os requisitos a que deve obedecer o objeto concursado”, esquece-se depois que isso foi precisamente o que aconteceu neste caso – de facto, o Caderno de Encargos balizou, na totalidade, o objeto do contrato a executar, dando nenhuma margem de manobra aos concorrentes para apresentar portáteis com outro tipo de características que não as características previstas nas peças procedimentais.
35. Acresce que a referida causa de exclusão é apenas aplicável, conforme decorre literalmente da norma, aos casos em que o objeto do contrato é manifestamente desrespeitado – o que nunca se poderia aqui verificar. De facto, esta norma abarca apenas situações em que a “proposta vai além de uma simples violação do caderno de encargos (já coberta pela alínea b) desse n.º 2), incorrendo numa desconformidade tão grave que nem sequer respeita, de forma aproximada, o objeto do contrato”16, considerando-se, por isso, que a cláusula dificilmente terá aplicação.
16 A revisão de 2022 do Regime de Formação e Execução dos Contratos Públicos, AAFDL, p. 128.
36. Assim, a aqui Recorrida nunca poderia ter excluído a proposta da aqui Recorrente, pois a sua proposta não contém nenhum elemento (seja atributo, mas em especial termo e condição) que desrespeite o caderno de encargos.
37. Por fim, também se diga que a proposta da aqui Recorrente naturalmente não poderia ter sido excluída por violar alguma cláusula meramente hipotética e não atual – visto que, de acordo com as peças procedimentais, não foi prevista nenhuma exigência adicional, mormente a apresentação de documentos que descrevessem o modo de execução do contrato.
38. E sempre se acrescente, que, em última análise, se o júri tivesse dúvidas (algo que seria difícil de compreender, mas que se admite por mera cautela de patrocínio) quanto ao teor da proposta apresentada pela Recorrente, ao invés de optar pela sua exclusão liminar e totalmente precipitada, sempre deveria ter optado por pedir esclarecimentos a esta concorrente, ao abrigo do disposto no artigo 72.º do CCP.
39. De facto, o instituto dos pedidos de esclarecimentos, previsto no artigo 72.º do CCP, autoriza o júri do procedimento “a obter todas as informações de que carece para a perfeita compreensão das condições contratuais propostas e dos restantes elementos das propostas”.
40. E, como esclarece o n.º 1 do artigo 72.º, os esclarecimentos podiam versar sobre elementos necessários à aceitabilidade das propostas. E, “podendo tais esclarecimentos revelar-se decisivos para uma correta formulação das decisões do júri, não deve este coibir-se de solicitar todas as informações de que carece a todo o tempo e pelo número de vezes que considere necessárias.”
41. E, no mesmo sentido, veja-se a posição dos tribunais nacionais, nomeadamente no douto Acórdão proferido pelo STA em 29.09.2016, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
42. Em consequência, e ao contrário do concluído pelo Tribunal a quo, o júri deste procedimento tinha o dever de, sentindo-se “inseguro” em relação à proposta apresentada pela Recorrente, confirmar junto da mesma as dúvidas que subsistissem após a sua análise.
43. E, de acordo com o n.º 2 do artigo 72.º do CCP, isso só não seria admissível se os esclarecimentos (i) contrariassem os elementos constantes dos documentos inicialmente entregues pela Recorrente; (ii) alterassem ou completassem os atributos das propostas ou (iii) visassem suprir omissões que determinassem a exclusão das suas propostas, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.
44. Ora, no caso, os esclarecimentos serviriam para confirmar o que já havia sido declarado pela Recorrente na sua proposta; confirmação essa que em nada contenderia com os atributos da proposta (que recorde-se correspondia, neste caso, apenas ao preço) e que também não iria suprir quaisquer omissões visto que, na verdade, conforme explicado no ponto supra, a proposta da aqui Recorrente não é de forma alguma omissa quanto ao cumprimento das exigências do Caderno de Encargos.
45. E, em relação a este ponto, veja-se no Acórdão já referido e citado, do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. n.º 175/21.5BELSB, de 11.04.2021, disponível em www.dgsi.pt, onde estava em causa uma situação muitíssimo semelhante à dos autos, mas na qual, ao invés do que sucedeu no caso sub judice, o júri decidiu solicitar os devidos esclarecimentos ao concorrente; esclarecimentos esses que o Tribunal a quo entendeu que deviam ter sido solicitados (como efetivamente foram nesse caso) e, por isso, foram julgados lícitos e oportunos pelo Tribunal, sem terem colocado em causa o princípio da imutabilidade das propostas.
46. Acresce que, e invocando à semelhança do Tribunal a quo, a última alteração ao CCP, aprovada através do Decreto-Lei n.º 78/2022, a alteração ao artigo 72.º do CCP veio comprovar exatamente aquilo que já anteriormente se defendia, mormente de que a competência do júri para prestar esclarecimentos corresponde a “um poder-dever (e não a uma opção discricionária do júri)”, poder-dever esse que incide, atualmente, sobre qualquer tipo de formalidade possivelmente violada pelos concorrentes.
47. Em consequência, também naturalmente a situação do caso sub judice, poderia, havendo essa necessidade por parte da Recorrida, ter sido alvo de um pedido de esclarecimentos.
48. Em suma, ao não cumprir com o poder-dever que lhe incumbia, nos termos do artigo 72.º do CCP, a decisão de adjudicação também se tornou, por isso ilegal, justificando-se a sua anulação, nos termos e para os efeitos do disposto no do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.
49. Em consequência, a proposta da aqui Recorrida demonstra à saciedade que esta se propunha e obrigava a apresentar os 100 equipamentos exigidos para o LOTE 1 de acordo com as características técnicas definidas na clausula 23.ª do Caderno de Encargos.
50. Por fim, dúvidas não restam de que, ao admitir-se a proposta da aqui Recorrente no presente procedimento pré-contratual, a decisão de adjudicação da proposta contrainteressada [SCom02...], LDA., viola o critério de adjudicação definido no artigo 23.º do Programa de Procedimento, pois a proposta da Recorrente apresenta um preço inferior, tendo de ser obrigatoriamente ordenada em primeiro lugar.
51. De facto, a necessária adjudicação da proposta da aqui Recorrente corresponde, no fundo, a uma situação de discricionariedade zero, sendo, por isso, neste caso admissível que o Tribunal se substitua à Administração, ordenando a adjudicação da proposta da aqui Recorrente.
52. Assim, sendo ilegal a adjudicação da proposta da Contrainteressada [SCom02...], LDA., tal implica a anulação da decisão de adjudicação aqui impugnada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º do CPA – tendo em conta que a proposta da aqui Recorrente cumpre com as exigências constantes das peças procedimentais e apresenta um preço mais baixo (único critério de adjudicação).
TERMOS EM que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo e anulando-se a decisão de adjudicação proferida pela Entidade Demandada, determinando-se, ao invés, a adjudicação da proposta da aqui Recorrente.»
1.6. O Réu contra-alegou, apresentado as seguintes CONCLUSÕES:
«1. A douta Sentença a quo está devidamente fundamentada, fazendo apelo à factualidade relevante e ao adequado enquadramento legal do caso;
2. A ora Recorrente limitou-se a apresentar uma tabela de preços unitários onde ser pode ler: “computadores portáteis”. Nada mais disse sobre os equipamentos que pretendia fornecer, caso lhe fosse adjudicada a proposta;
3. Se a sua proposta fosse adjudicada, a entidade adjudicante estaria a comprar um equipamento “às cegas”, sem que, portanto, o proponente se vinculasse à entrega de um concreto tipo de computador, com as respetivas características técnicas;
4. Todas as demais propostas indicaram expressamente o computador que pretendiam fornecer;
5. O caderno de encargos, na cláusula 3.ª, n.º 1 e na cláusula 23.º, Lote 1, fixava um conjunto de características técnicas para os equipamentos a fornecer. As propostas dos concorrentes teriam, assim, sob pena de violação dessas especificações do caderno de encargos, indicar que concreto equipamento se propunham fornecer, para que o Júri do procedimento pudesse analisar se esse equipamento proposto respeitava as características técnicas exigidas;
6. Ao não apresentar, sequer por uma referência geral, esse equipamento, a proposta da Recorrente violou o caderno de encargos, concretamente a cláusula 3.9, n.º 1 e na cláusula 23.º, Lote 1, na medida em que este exigia que os concorrentes indicassem um concreto equipamento, que respeitasse as características técnicas definidas, a cuja entrega se vinculavam;
7. Ademais, note-se que não teria cabimento, aqui, um pedido de esclarecimento por parte do Júri;
8. Os esclarecimentos não devem conduzir a uma alteração da proposta, só podendo ser considerados se, como já clarificado pelo Supremo Tribunal Administrativo, se destinarem a “tornar mais compreensível o que nela já se encontrava, ainda que deforma menos inteligível e, por isso, a aclarar ou fixar o sentido de algo que já lá estava e não a alterar o seu conteúdo ou os elementos que com ela tenham sido juntos” (Acórdão do STA, datado de 10/07/2013, processo n.º 498/2013);
9. Ao admitir-se que a Recorrente viesse, após conhecer as propostas dos demais concorrentes, indicar o concreto equipamento que forneceria, não só estaria a permitir-se uma alteração material e substancial à sua proposta, como estaria a distorcer-se gravemente a concorrência;
10. Assim, bem andou o Júri quando considerou, por unanimidade, que a proposta da Recorrente não apresentava as características técnicas dos equipamentos a fornecer, o que constituía uma violação do Caderno de Encargos, deliberando propor a exclusão da proposta da A., ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, e bem andou a entidade adjudicante ao homologar tal relatório.
Em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado em todos os seus fundamentos de facto e de Direito e ser a douta Sentença a quo confirmada, absolvendo-se a Recorrida dos pedidos, julgando-se válido e eficaz o ato impugnado e o contrato celebrado.»
1.7. As Contrainteressadas não contra-alegaram.
1.8. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
1.9.Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a dita decisão padece de erro quanto ao julgamento da matéria de direito nela realizado pela 1ª instância, o que passa por saber se :
b.1. A decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que a proposta da Apelante não cumpre com a Cláusula 23.ª do CE, e ao decidir, consequentemente, a sua exclusão, com base na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP;
b.2. na improcedência do primeiro fundamento de recurso, saber se o júri do procedimento devia ter lançado mão do pedido de esclarecimentos a fim de remover as dúvidas que tinha em relação à proposta que apresentou, pelo que, não o tendo feito, e tendo o Tribunal a quo corroborado essa decisão, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento por violação do disposto no artigo 72.º do CCP.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. Sem prejuízo dos factos que se aditarão, a 1.ª Instância deu como assentes os seguintes factos:
«1) No dia 11/07/2022 a Ré, na qualidade de entidade adjudicante, publicitou o concurso público para a aquisição de equipamento informático por lotes, sendo o lote 1 referente a computadores portáteis – Intel Core i5 ou similares (conforme anúncio de procedimento n.º ...22 constante da Parte L da II Série do Diário da República n.º 132 constante de Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...42) Pág. 11 de 12/01/2023 15:25:14; quanto à caraterização dos computadores portáteis do lote 1, artigo 10º do programa do procedimento constante de Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...39) Pág. 11 de 12/01/2023 15:12:05 e clausula 3ª do Caderno de Encargos constante de Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...42) Pág. 2 de 12/01/2023 15:25:14);
2) A Ré definiu as seguintes especificações técnicas dos computadores portáteis a fornecer:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(conforme cláusula 23 do caderno de encargos referido no ponto anterior);
3) Foi estabelecido que o critério de adjudicação do lote 1 seria o da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através da modalidade monofator, de acordo com o qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato, neste caso, o preço (conforme cláusula 23 do programa do procedimento constante em Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...39) Pág. 14 de 12/01/2023 15:12:05);
4) A Autora apresentou proposta para o lote 1; no anexo referente à lista de preços unitários apresentou a seguinte tabela:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(conforme proposta da Autora constante em Requerimento (...38) Documento(s) (...14) Pág. 4 de 13/06/2023 16:17:44);
5) No anexo I e III da proposta que apresentou a Autora declarou que “se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas” e que “propõe-se a execução todos os trabalhos ... em conformidade com o Caderno de Encargos”, respetivamente (conforme anexos constantes da proposta da Autora em Requerimento (...38) Documento(s) (...14) Pág. 1 e 3 de 13/06/2023 16:17:44);
6) As demais concorrentes ao lote 1 indicaram os seguintes computadores portáteis nas suas propostas: concorrente [SCom03...]: Dell Latitude 3420 e respetivas caraterísticas; concorrente [SCom04...]: Asus ExpertBook B2402CBA – EK0561W 14” FHD e respetivas caraterísticas; concorrente [SCom02...]: Dell Latitude 3420; concorrente Base 2: Portátil LENOVO modelo ThinkPad L14 Gen 2 e respetivas caraterísticas; concorrente [SCom05...]: Computador portátil de 14”-Fujitsu LIFEBOOK E5411 (conforme propostas das concorrentes constantes em Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...57) Pág. 14 de 12/01/2023 15:24:39; Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...54) Pág. 7 de 12/01/2023 15:24:47; Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...51) Pág. 2 de 12/01/2023 15:24:58; Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...48) Pág. 13 de 12/01/2023 15:25:06 e Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...46) Pág. 8 de 12/01/2023 15:25:06, respetivamente);
7) O júri do procedimento elaborou o relatório preliminar de análise e avaliação das propostas apresentadas, no qual “entendeu que a proposta do concorrente [SCom01...], S.A., não apresenta as características técnicas dos equipamentos a fornecer, o que constitui uma violação do Caderno de Encargos”, pelo que “por unanimidade, deliberou propor a exclusão da proposta do concorrente [SCom01...] S.A., ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP”, do lote 1; mais propôs a adjudicação do procedimento à concorrente [SCom02...], Lda., assim como fixou o prazo de cinco dias úteis a fim das concorrentes se pronunciarem em sede de audiência prévia (conforme relatório preliminar constante de Requerimento (...37) Documento(s) (...90) de 10/05/2023 18:06:02);
8) A Autora apresentou pronúncia ao relatório preliminar (conforme requerimento constante de Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...62) de 12/01/2023 15:24:31);
9) A Autora foi excluída do procedimento referente ao lote 1 com os seguintes fundamentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(conforme relatório final de análise e avaliação das propostas constante de Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...65) Pág. 4 e 5 de 12/01/2023 15:24:31, conjugado com o despacho de homologação referido no ponto seguinte);
10) O lote 1 foi adjudicado à Contrainteressada [SCom02...], Lda. (conforme relatório final de análise e avaliação das propostas constante de Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...65) Pág. 6 de 12/01/2023 15:24:31 e despacho de homologação do mesmo constante de Petição Inicial (248309) Processo Administrativo “Instrutor” (...66) de 12/01/2023 15:24:31);
II. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem outros factos ou ocorrências processuais, com interesse para a presente decisão, que importe destacar como não provados.»
3.2. Ao abrigo da faculdade concedida pelo n.º1 do artigo 662.º do CPT, adita-se aos factos assentes a seguinte matéria:
11) Teor do Programa de Procedimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, em cujos artigos 15.º e 23º se consigna:
-«Artigo 15.º
(…)
1. A proposta para qualquer um dos lotes deverá ser constituída pelos seguintes documentos e elementos, sob pena de exclusão:
a) Documento referido na alínea a) do nº 1 do artigo 57º do Código dos Contratos Públicos, em conformidade com o Anexo I ao presente programa do concurso e que constitui a declaração do concorrente de aceitação, sem reservas, do conteúdo do caderno de encargos e que deverá ser assinada pelo concorrente ou por representante com poderes para o obrigar;
b) Declaração contendo o valor do preço contratual proposto, para cada lote, elaborado de acordo com o Anexo III a este Programa de Procedimento, o qual deve ser devidamente assinado com recurso a assinatura eletrónica qualificada, devendo ser anexada a lista de preços unitário, para cada lote;
c) Cópia da certidão do registo comercial ou código de acesso à "Certidão Permanente", ou cópia da ata de tomada de posso dos titulares dos órgãos e respetivos estatutos, no caso de se tratar de pessoa coletiva sem carácter comercial ou industrial;»- cfr. processo Programa do Procedimento que consta do processo instrutor.»
- « Artigo 23.º
(…)
«1- A adjudicação em cada um dos lotes será feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através da modalidade monofator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato, neste caso, o preço.
(…)».
**
III.B.DE DIREITO
3.3.A presente apelação vem interposta da decisão proferida pela 1.ª Instância que manteve a decisão de exclusão da proposta apresentada pela Autora ao concurso público para aquisição de equipamento informático por lotes, concretamente, do lote 1 destinado à aquisição de computadores portáteis, julgando improcedente a ação de contencioso pré-contratual movida pela Autora.
3.4.O Tribunal a quo identificou como questão essencial a dirimir na ação, saber se o facto da Autora, na proposta que apresentou ao concurso em apreço, apenas ter referido que se dispunha a fornecer “Computadores portáteis”, constituía fundamento para que a Ré tivesse entendido, como sucedeu, que a proposta da Autora não especificava as características técnicas dos equipamentos a fornecer e, que, consequentemente, violava o caderno de encargos.
3.5. O Tribunal quo, de acordo com a decisão recorrida, como melhor veremos, julgou que impendia sobre a Autora/ Apelante a obrigação de especificar, na sua proposta, as características dos computadores portáteis que se comprometia a fornecer, para o que tinha de indicar o tipo de computador que se dispunha a fornecer, só assim permitindo à entidade adjudicante condições para aferir se o concreto tipo de computador a fornecer, possuía as características técnicas explicitadas na cláusula 23.ª do Caderno de Encargos, pelo que, não o tendo feito, omitiu a identificação do objeto do contrato, o que só podia determinar a exclusão da proposta, nos termos da alínea a) do n.º2 do artigo 70.º do CCP.
3.6.A Apelante impetra à decisão recorrida erros de julgamento em matéria de direito, dissentindo da decisão recorrida, prima facie, por considerar que a proposta que apresentou integra todos os documentos exigidos pela Cláusula 15.ª do Programa do Concurso (PP) e respeita as exigências relativas às especificações técnicas do equipamento a fornecer indicadas na Cláusula 23.ª do CE; secundo, por o júri do procedimento não ter lançado mão do pedido de esclarecimentos, nos termos do consentido pelo artigo 73.º do CCP, a fim de remover as dúvidas que tinha em relação à proposta que apresentou.
Vejamos.
b.1. do erro de julgamento decorrente de se considerar que a proposta da Apelante não cumpre com a Cláusula 23.ª do CE, e da consequente exclusão, com base na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.

3.7. Para melhor compreendermos o itinerário cognoscitivo percorrido pelo Senhor Juiz a quo, que o conduziu à decisão recorrida consideramos útil começar por transcrever o seguinte segmento da mesma:
«[…] “a proposta é uma peça fundamental no procedimento de contratação pública”, dado que “é com base nelas que a Administração forma o seu juízo e profere a sua decisão adjudicatória”.
Pelo que, “se a proposta se destina a revelar as condições em que o concorrente está disposto a contratar e se é com base nela que a Administração formula o seu juízo e toma a sua decisão não se compreenderia que, nos concursos destinados ao fornecimento de bens ou prestação de serviços, se admitisse que o bem ou o serviço que a entidade promotora do concurso escolheu e que constitui objecto do contrato não estivesse devidamente identificado”.
Tal “significa que o seu conteúdo é relevantíssimo e que dele devem fazer parte todos os elementos exigidos pelo PC e CE pois que, se assim não for, não só se está a violar o disposto naquelas peças concursais como também a sonegar à Administração elementos fundamentais para a sua decisão, impedindo-a de poder fazer uma escolha criteriosa e acertada” (conforme põe em evidência o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido no processo n.º 0867/16, de 29/09/2016, disponível em www.dgsi.pt – tal como os demais citados sem outra referência).
Posto assim em evidência a importância que as propostas dos concorrentes representam no âmbito de um procedimento para a formação de contratos, há que articular as mesmas com a relevância que o caderno de encargos assume num concurso público como o dos autos, em que – atente-se – o critério de adjudicação do lote 1 foi o da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através da modalidade monofator, de acordo com o qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato, neste caso, o preço (de acordo com o artigo 74º, n.º 1, alínea b) do CCP).
É que “Nestes concursos – em que o que está em causa é, apenas e tão só, o preço e, por isso, em que este é o único elemento diferenciador e o único critério a determinar a escolha da proposta vencedora – o Caderno de Encargos tem de definir, clara e especificadamente, todos os requisitos a que deve obedecer o objecto concursado e os concorrentes têm de apresentar propostas que respeitem rigorosamente tais especificações”.
De facto, “Só nessas circunstâncias, isto é, só quando todos os requisitos do bem a fornecer estão previamente definidos e em que as propostas os observem é que se poderá afirmar que o critério de adjudicação é o do mais baixo preço” (conforme evidencia o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão citado).
Daí que, o artigo 49º, n.º 1 do CCP estabeleça que “As especificações técnicas, tal como definidas no anexo vii ao presente Código, do qual faz parte integrante, devem constar no caderno de encargos e devem definir as características exigidas para as obras, bens móveis e serviços”.
Ou seja, “As especificações técnicas traduzem-se na definição, pela entidade adjudicante, efetuada no caderno de encargos e segundo as suas necessidades, das caraterísticas que deve ter o material, produto ou serviço objeto do contrato a celebrar de modo a poderem satisfazer o fim a que se destinam, sendo, portanto, verdadeiras cláusulas contratuais, como tais de observância obrigatória para ambas as partes contratantes” (conforme salienta Jorge Andrade da Silva, em Código dos Contratos Públicos anotado e comentado, 6.ª edição, Almedina, 2017, anotação ao artigo 49º, páginas 179/180).
E há que ter presente que “O caderno de encargos contém as cláusulas que definem o objeto do contrato (a obra, o produto ou o serviço); essas cláusulas correspondem às especificações técnicas do objeto do contrato”, em que está “em causa, em si mesma, na sua substância, a obra, o produto ou o serviço”.
Ou seja, “as especificações técnicas definem o objeto do contrato, não as condições ou aspetos da execução do contrato” (conforme delimita Pedro Costa Gonçalves, em Direito dos Contratos Públicos, Almedina, Volume I, 2.ª edição, 2018, páginas 549, 558 e 831, respetivamente).
Deste modo, constata-se que não estão em causa nem os atributos da proposta relativos a aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência (artigo 56º, n.º 2 do CCP), nem os termos e condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos (artigo 57º, n.º 1, alínea c) do CCP).
É a própria definição do objeto do contrato que se encontra em causa com o estabelecimento das especificações técnicas.
Ora, no caso dos autos, a Ré, na cláusula 23ª do Caderno de Encargos, definiu que os computadores portáteis a fornecer deviam cumprir determinadas especificações técnicas, tais como – e nomeadamente – , serem de 14``, o processador ser i5 ou equivalente e qual a memória RAM, o Disco SSD, microfone, colunas, portas USB, leitor de cartões de memória e teclado em causa.
Daí que, era obrigatório que a Autora tivesse especificado, na sua proposta, qual o tipo de computador portátil que se dispunha fornecer.
Tal era o mínimo que se lhe exigia de forma a que a Ré pudesse confirmar que os computadores portáteis que lhe iriam ser fornecidos cumpriam com as especificações técnicas que definiu e, portanto, eram consonantes com o fim a que se destinavam de acordo com a necessidade que a Ré pretendeu satisfazer.
E podia ter identificado unicamente o computador portátil em causa – tal como fizeram as concorrentes [SCom02...] e [SCom05...], que indicaram o Dell Latitude 3420 e Fujitsu LIFEBOOK E5411, respetivamente – possibilitando, dessa forma, que a Ré consultasse as respetivas caraterísticas técnicas e conferisse se cumpriam com as especificações técnicas que definiu no Caderno de Encargos.
Ou, como fizeram as concorrentes [SCom03...], [SCom04...] e Base 2, complementar a indicação do computador portátil em causa com as respetivas caraterísticas técnicas, possibilitando igualmente essa aferição por parte da Ré.
É que é essencial que assim se proceda, dado que “se o que se pretende na fase de execução do contrato é concretizar a decisão que elegeu uma proposta e determinou a celebração do contrato, então importa que a apreciação das mesmas seja exigente e rigorosa por assim se evitar que a execução do contrato seja conflituosa e possa suceder que tenha de ser negociada a sua alteração” (conforme salienta o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão citado).
Pelo que, não é suficiente que a Autora declare nos anexos da sua proposta que “se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas” ou que “propõe-se a execução [de] todos os trabalhos ... em conformidade com o Caderno de Encargos”.
A lógica é exatamente a inversa: é a Autora que tem que especificar detalhadamente os computadores portáteis que se dispõe a fornecer de modo a possibilitar à Ré apreciar se os mesmos cumprem com as especificações técnicas que determinou.
Atente-se que uma das cláusulas que tem de obrigatoriamente constar no contrato é “A descrição do objeto do contrato” (artigo 96º, n.º 1, alínea c) do CCP), pelo que apenas mediante a definição específica das caraterísticas dos computadores portáteis por ambas as Partes, se minimizam ou neutralizam os eventuais conflitos na fase da execução do contrato.
Daí que, a Autora não respeitou – na proposta que apresentou – o objeto do contrato tal como foi definido pela Ré no Caderno de Encargos.
E a consequência legal para essa irregularidade é a exclusão da respetiva proposta nos termos do artigo 70º, n.º 2, alínea a) do CCP: “São excluídas as propostas cuja análise revele: Que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º”.
Embora esta norma – na redação em vigor à data dos factos – não referisse expressamente a irregularidade das propostas relativamente ao objeto do contrato, deve-se-lhe aplicar-se por analogia de situações.
De facto, há que atender que “Propostas irregulares são aquelas que não cumprem as condições estabelecidas na lei e nas peças do procedimento como condições ou requisitos de regularidade” e, “Na medida em que a lei faça corresponder a essa anomalias esse efeito, impõe-se a exclusão das propostas irregulares”, sendo que “Este desfecho apresenta-se incontornável para as propostas com irregularidades substanciais”, isto é, “Os vícios de fundo conduzem à exclusão das propostas, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 70.º” (de acordo com Pedro Costa Gonçalves, obra citada, páginas 824 e 734).
Em abono da compreensão normativa efetuada, propende a alteração legislativa efetuada pelo Decreto-Lei n.º 78/2022, de 07/11 ao artigo 70º, n.º 2, alínea a) do CCP, a qual previu expressamente que “São excluídas as propostas cuja análise revele: Que desrespeitam manifestamente o objeto do contrato a celebrar”, que é exatamente a situação problemática dos autos.»
3.8. A Apelante, diferentemente do sustentado na decisão recorrida, advoga que para cumprir o CE não necessitava de ter especificado na sua proposta as características dos computadores portáteis que se comprometia a fornecer. E isso, porque, a proposta que apresentou integra todos os documentos exigidos pelo artigo 15.º do PP, sendo que em momento algum a Entidade Adjudicante exigiu aos concorrentes que apresentassem um documento onde descrevessem ou referissem expressamente as características técnicas dos portáteis a fornecer. Trata-se, a seu ver, de uma opção da Entidade Adjudicante que faz todo o sentido, na medida em foi a própria que fixou, na cláusula 23.ª caderno de encargos, as características técnicas que os computadores portáteis a fornecer deviam ter, não exigindo aí que fosse também indicado qual o concreto tipo de computador a fornecer.
3.9.Assim, entende que contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, era absolutamente irrelevante, até porque, não era exigido, que os concorrentes apresentassem um documento que expressamente indicasse as características técnicas dos portáteis a fornecer, pois, na verdade, essas características já estavam vertidas nas próprias peças procedimentais, correspondendo, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, a verdadeiros termos e condições (e não a atributos da proposta).
4.Insiste que tendo a própria Entidade Adjudicante indicado as características que queria que os portáteis a adquirir tivessem, bastar-lhe-ia que os concorrentes se comprometessem a fornecer aquilo que havia solicitado, ou seja, que se comprometessem a cumprir com os termos e condições que a própria havia fixado, tendo sido exatamente isso que fez, ao apresentar na sua proposta o Anexo I e o Anexo III, em que declara aceitar e executar o contrato de fornecimento nos moldes vertidos no CE.
4.1. Assevera que a Entidade Demandada não exigiu expressamente que os concorrentes descrevessem expressamente o modo de cumprimento do contrato nem exigiu que entregassem um documento específico para esse efeito, pelo que, a seu ver, será de concluir que era obrigação da Entidade Demandada, considerar suficiente o compromisso contratual assumido pela Recorrente, nomeadamente nos Anexos I e III da sua proposta e, em consequência, julgar a sua proposta válida.
4.2. De contrário, então deveria a Entidade Demandada, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, ter previsto nas peças do procedimento a exigência de entrega de documentos adicionais, mormente, com a descrição dos computadores portáteis a fornecer, se isso assumisse particular relevância.
4.3. Daí que, ao não ter previsto qualquer exigência adicional, não possa senão considerar-se que “a proposta é aceitável, quanto a essa exigência, logo que o concorrente apresente a declaração genérica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º, não se prevendo no programa do procedimento a apresentação de qualquer elemento adicional”.
4.4. Na ótica da Apelante, a proposta que apresentou cumpre integralmente o exigido nas peças do presente procedimento, sendo ilegal a sua exclusão, com base na alínea a) do n.º do artigo 70.º do CCP, tanto mais que essa norma remete para as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP – que são inaplicáveis no caso sub judice, na medida em que não foram exigidos documentos adicionais, para verificação dos atributos ou para verificação do cumprimento dos termos e condições do contrato.
4.5.Ademais, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, entende que sua proposta também não poderia ter sido excluída, mormente por “violação do objeto do contrato”, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea a) do CCP, primeiro, porque essa norma não estava em vigor ao tempo dos factos; e segundo, porque a proposta que apresentou respeita o objeto do contrato nos moldes em que o mesmo é definido no Caderno de Encargos, nomeadamente, na sua cláusula 23.ª.
Assim sendo, quid iuris?
4.6.Como bem nota a Apelante nas suas conclusões de recurso, está em causa saber, nesta instância, se no âmbito do concurso público para a aquisição de 100 computadores portáteis (Lote 1), era efetivamente necessário que a mesma tivesse especificado, na sua proposta, as características dos computadores portáteis que se comprometia a fornecer, ou seja, o tipo de computador a fornecer.
Ora, a resposta a esta questão passa por determinar, citando a Apelante, “até onde chega o dever de cada concorrente no sentido de demonstrar o cumprimento das exigências do caderno de cadernos. Sob a perspetiva contrária, importa verificar em que casos se pode concluir que a falta de informação ou densificação de uma proposta – nomeadamente no caso absoluto de silêncio quanto ao cumprimento de um ou mais requisitos do caderno de encargos – deve ser considerada como suficientemente relevante para motivar a exclusão da sua proposta.”.
4.7.Antes de nos pronunciarmos sobre o presente fundamento de recurso, e como é timbre proceder-se neste tipo de processos, começaremos por efetuar uma incursão sobre o regime a que se encontra subordinada a contratação pública nacional, tudo para melhor nos inteirarmos sobre o sentido e alcance das soluções legais gizadas no Código da Contratação Pública (CCP).
Avançando.
4.8.É consabido que a contratação pública está sujeita a procedimentos administrativos, que a diferenciam dos procedimentos relativos à contratação privada, fortemente marcada pelo princípio da autonomia privada, ou seja, pelo poder reconhecido aos particulares de auto- regulamentação dos seus interesses, de auto- governo da sua esfera jurídica. Essa autonomia manifesta-se, desde logo, na celebração de negócios jurídicos, em que os privados ditam a regulamentação das suas relações jurídicas, constituindo-as, modificando-as, extinguindo-as e determinando o seu conteúdo.
Por palavras que não são nossas mas que subscrevemos, a autonomia privada «corresponde à ordenação espontânea ( não autoritária) dos interesses das pessoas, consideradas como iguais, na sua vida de convivência-ordenação auto- formulada que é a zona reservada ao direito privado»- cfr. Carlos Alberto Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág.90 .
4.9.No caso da contratação pública, a realidade é completamente outra, na medida em que estão em causa relevantes interesses públicos que cumpre salvaguardar.
5.A contratação pública, como se sabe, está submetida a procedimentos administrativos, regulados pelos princípios e regras de direito público, o mesmo é dizer, sujeita a procedimentos « da iniciativa oficiosa de uma entidade adjudicante, tendo em vista a escolha de um concorrente e da sua proposta para a celebração de um contrato ou para a prática de um ato administrativo envolvendo compromissos sinalagmáticos similares»- cfr. Mario Esteves Oliveira e Rodrigo Esteves Oliveira, in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina 2014, pág.20/21.
5.1.Trata-se de procedimentos típicos ou obrigatórios, uma vez que as entidades públicas, para os contratos sujeitos ao regime do CCP, não podem socorrer-se de procedimentos que não os que se encontram disciplinados/previstos no CCP, e apenas podem utilizar um determinado tipo de procedimento se estiverem verificados os pressupostos para a sua adoção, não podendo «amputar a modalidade procedimental adotada das formalidades ou trâmites legalmente previstos de forma imperativa, nem recorrer a formalidades alternativas não incluídas no leque daquelas que o Código prevê – só as formalidades complementares, suplementares ou acessórias das aí estabelecidas»- ob. cit.pág.24.
5.2.Compreende-se que os procedimentos de contratação pública sejam procedimentos vinculativos para a entidade adjudicante, o que significa para a entidade pública o compromisso de observar e exigir dos concorrentes que observem e cumpram as regras que constam das peças do procedimento, apresentando, para o efeito, propostas que respeitem as exigências estabelecidas nas peças do procedimento, em ordem à posterior adjudicação e celebração do respetivo contrato.
5.3.O procedimento administrativo de contratação pública inicia- se com a decisão de contratar, a qual deve ser fundamentada e cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, podendo essa decisão estar implícita nesta última – cfr. n.º1 do art.º 36.º do CCP.
5.4.Também a decisão de escolha do procedimento de formação de contratos, de acordo com as regras fixadas no CCP, deve ser fundamentada e cabe ao órgão competente para a decisão de contratar- cfr. art.º 38.º do CCP.
5.5.Quanto às “Peças do Procedimento”, o art.º 40.º do CCP estatui o seguinte:
«1 - As peças dos procedimentos de formação de contratos são as seguintes:
a) No ajuste direto, o convite à apresentação das propostas e o caderno de encargos, sem prejuízo do disposto no artigo 128.º;
b) Na consulta prévia, o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos;
c) No concurso público, o anúncio, o programa do procedimento e o caderno de encargos;
d) No concurso limitado por prévia qualificação, o anúncio, o programa do procedimento, o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos;
e) No procedimento de negociação, o anúncio, o programa do procedimento, o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos;
f) No diálogo concorrencial, o anúncio, o programa do procedimento, a memória descritiva, o convite à apresentação de soluções, o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos;
g) Na parceria para a inovação, o anúncio, o programa do procedimento, o convite à apresentação de propostas e o caderno de encargos.
2 - As peças do procedimento referidas no número anterior, com exceção da minuta do anúncio, são aprovadas pelo órgão competente para a decisão de contratar.
3 - Nos concursos de conceção, os termos de referência constituem a única peça do procedimento, sendo aprovados pelo órgão competente para a decisão de selecionar um ou vários trabalhos de conceção.
4 - As indicações constantes do programa do procedimento, do caderno de encargos e da memória descritiva prevalecem sobre as indicações do anúncio em caso de divergência.
5 - As peças do procedimento prevalecem sobre as indicações constantes da plataforma eletrónica de contratação, em caso de divergência.»
5.6. Resulta deste preceito, que as peças do procedimento constituem os “documentos conformadores do procedimento”, ou seja « os documentos escritos e desenhados, com caráter ( direta ou indiretamente) normativo ou meramente informativo( depende dos casos), em que se fixam, na parte não coberta por disposições imperativas de normas de grau superior ao seu, as formalidades a respeitar ao longo do procedimento pré-contratual, os requisitos subjetivos e objetivos necessários para aí aceder e as condições (técnicas, jurídicas e económico-financeiras) de acordo com as quais ou com base nas quais os concorrentes hão -de elaborar as suas propostas e a entidade adjudicante se dispõe a celebrar o contrato respetivo- nomeadamente, quanto às qualidades dos respetivos pretendentes, à forma e atributos das suas propostas e aos fatores da sua qualificação ( ou seleção) e adjudicação»- cfr. ob. cit. pág. 270/271.
5.7.O elenco das peças do procedimento tem carácter taxativo e imperativo, embora a sua natureza e o número das peças dependam do tipo de procedimento em causa. Assim, excetuando a situação relativa ao diálogo concorrencial -cfr. artigos 207.º e 209.º do CCP- as peças do procedimento são o Caderno de Encargos (CE), o Programa do Procedimento- exceto nos procedimentos por ajuste direto- e o Convite à apresentação das propostas- exceto no concurso público.
5.8.A noção legal de Programa do Procedimento (PP) é-nos dada pelo artigo 41.º do CCP, onde se consigna que «é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração».
5.9.Quanto ao Caderno de Encargos (CE), o artigo 42.º do CCP, define-o como a peça do procedimento onde estão previstas as cláusulas a incluir no contrato a celebrar.
Esse preceito tem a seguinte redação:
«1 - O caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar.
2 - Nos casos de manifesta simplicidade das prestações que constituem o objeto do contrato a celebrar, as cláusulas do caderno de encargos podem consistir numa mera fixação de especificações técnicas e numa referência a outros aspetos essenciais da execução desse contrato, tais como o preço ou o prazo.

3 - As cláusulas do caderno de encargos relativas aos aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência podem fixar os respetivos parâmetros base a que as propostas estão vinculadas.
4 - Os parâmetros base referidos no número anterior podem dizer respeito a quaisquer aspetos da execução do contrato, tais como o preço a pagar ou a receber pela entidade adjudicante, a sua revisão, o prazo de execução das prestações objeto do contrato ou as suas características técnicas ou funcionais, bem como às condições da modificação do contrato, devendo ser definidos através de limites mínimos ou máximos, consoante os casos, sem prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis.
5 - O caderno de encargos pode também descrever aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, nomeadamente mediante a fixação de limites mínimos ou máximos a que as propostas estão vinculadas.
6 - Os aspetos da execução do contrato, constantes das cláusulas do caderno de encargos, podem dizer respeito, desde que relacionados com tal execução, a condições de natureza social, ambiental, ou que se destinem a favorecer:
a) A aplicação de medidas de promoção da igualdade de género e da igualdade salarial no trabalho;

b) O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho;
c) A conciliação da vida profissional com a vida familiar e pessoal de todos os trabalhadores afetos à execução do contrato;
d) A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho;

e)(Revogada.)
f) A promoção da economia circular e dos circuitos curtos de distribuição;

g) A promoção da sustentabilidade ambiental;
h) A valorização de processos, produtos ou materiais inovadores;
i) A contribuição para a promoção da inovação ou de emprego científico ou qualificado;
j) A promoção de atividades culturais e a dinamização de património cultural;
k) A valorização da contratação coletiva;
l) O combate ao trabalho precário;
[…]»
6. Conforme se extrai da norma transcrita, o CE é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato, de modo que pode mesmo dizer-se que o CE é uma espécie de “pré-contrato”. Por outras palavras, dir-se-á que é o documento no qual a entidade adjudicante indica o tipo, a espécie, das prestações principais ou acessórias que pretende e na qual estabelece os aspetos ou especificações técnicas ou outras inerentes à realização das prestações sobre que as propostas devem debruçar-se e, bem assim, aqueles que são vinculados para a entidade adjudicante.
Como se sumariou no Acórdão do TCAS, de 18/12/2014, proferido no processo n.º 11390/14, relatado pela Senhora Desembargadora Helena Canelas : «II- O Caderno de Encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar, definindo os aspetos essenciais da sua execução, tais como o preço ou o prazo, bem como explicitando os demais aspetos da execução do contrato ( mormente as especificações técnicas ou funcionais das prestações objeto do contrato), quer os que estejam quer os que não estejam submetidos à concorrência, os quais devem ser definidos através de limites máximos ou mínimos, consoante os casos, em conformidade com o disposto no artigo 42.º do CCP».
6.1. Assim, o CE tem de se harmonizar com as normas legais aplicáveis ao procedimento em causa e ao contrato a celebrar, isto é, com as exigências e condicionamentos de caráter técnico, jurídico, documental e substantivo previstos no CCP e observar os ditames que decorrem dos princípios gerais do direito da contratação pública e das demais normas de grau hierárquico superior ao seu, assim como aos seus antecedentes jurídicos não normativos.
6.2.Tal não significa que a entidade adjudicante não detenha poderes conformativos relevantes, como é reconhecido pelo CCP, no n.º4 do artigo 132.º, ao estabelecer que: «4 - O programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.».
6.3.Em resumo « o programa do procedimento e o caderno de encargos constituem as peças que, no âmbito de um procedimento de formação de contratos, estabelecem, respetivamente, os termos e condições a que obedece o procedimento e as obrigações a assumir pelo candidato/concorrente, futuro adjudicatário, em sede contratual, quanto ao modo como se propõe executar o contrato objeto do procedimento adjudicatório»- cfr. Pedro Costa Gonçalves, in “Direito dos Contratos Públicos”, Almedina, 2015, pág.209. ( sublinhado nosso).
6.4.Nos termos do n.º1 do art.º 46-A, as entidades adjudicantes podem prever, nas peças do procedimento, a adjudicação por lotes, como sucedeu no caso.
6.5.Quanto às “ Especificações técnicas” o artigo 49.º do CCP dispõe o seguinte:
«1 - As especificações técnicas, tal como definidas no anexo vii ao presente Código, do qual faz parte integrante, devem constar no caderno de encargos e devem definir as características exigidas para as obras, bens móveis e serviços.
2 - As características exigidas para as obras, bens móveis e serviços podem também incluir uma referência ao processo ou método específico de produção ou execução das obras, bens móveis ou serviços solicitados ou a um processo específico para outra fase do seu ciclo de vida, mesmo que tais fatores não façam parte da sua substância material, desde que estejam ligados ao objeto do contrato e sejam proporcionais ao seu valor e aos seus objetivos.
3 - As especificações técnicas podem concretizar se é exigida a transmissão de direitos de propriedade intelectual.
4 - As especificações técnicas devem permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e não devem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.
5 - Em relação a todos os contratos cujo objeto se destine a ser utilizado por pessoas singulares, quer seja o público em geral quer o pessoal da entidade adjudicante, as especificações técnicas devem, salvo em casos devidamente justificados, ser elaboradas de modo a ter em conta os critérios de acessibilidade para as pessoas com deficiência ou de conceção para todos os utilizadores.

\6 - Sempre que existam normas de acessibilidade obrigatórias adotadas por ato legislativo da União Europeia, as especificações técnicas devem ser definidas por referência a essas normas, no que respeita aos critérios de acessibilidade para as pessoas com deficiência ou de conceção para todos os utilizadores.
7 - Sem prejuízo das regras técnicas nacionais vinculativas, na medida em que sejam compatíveis com o direito da União Europeia, as especificações técnicas devem ser formuladas segundo uma das seguintes modalidades:
a) Em termos de desempenho ou de requisitos funcionais, que podem incluir critérios ambientais, desde que os parâmetros sejam suficientemente precisos para permitir que os concorrentes determinem o objeto do contrato e que a entidade adjudicante proceda à respetiva adjudicação;

b) Por referência a especificações técnicas definidas e, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais e a outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização ou, quando estes não existam, a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais em matéria de conceção, cálculo e execução das obras e de utilização dos fornecimentos, devendo cada referência ser acompanhada da menção «ou equivalente»;
c) Em termos do desempenho ou dos requisitos funcionais a que se refere a alínea a), com referência às especificações técnicas a que se refere a alínea b) como meio de presunção de conformidade com esse desempenho ou com esses requisitos funcionais;
d) Por referência às especificações técnicas a que se refere a alínea b), para determinadas características, e por referência ao desempenho ou aos requisitos funcionais a que se refere a alínea a), para outras.
8 - A menos que o objeto do contrato o justifique, as especificações técnicas não podem fazer referência a determinado fabrico ou proveniência, a um procedimento específico que caracterize os produtos ou serviços prestados por determinado fornecedor, ou a marcas comerciais, patentes, tipos, origens ou modos de produção determinados que tenham por efeito favorecer ou eliminar determinadas empresas ou produtos.
9 - As referências mencionadas no número anterior só são autorizadas, a título excecional, no caso de não ser possível uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objeto do contrato nos termos do n.º 7, devendo, no entanto, ser acompanhada da menção «ou equivalente».

10 - Sempre que a entidade adjudicante recorra à possibilidade de remeter para as especificações técnicas a que se refere na alínea b) do n.º 7, não pode excluir uma proposta com o fundamento de que as obras, bens móveis ou serviços dela constantes não estão em conformidade com as suas especificações técnicas de referência, se o concorrente demonstrar na sua proposta por qualquer meio adequado, nomeadamente os meios de prova referidos no artigo seguinte, que as soluções propostas satisfazem de modo equivalente os requisitos definidos nas especificações técnicas.
11 - Sempre que a entidade adjudicante recorra à possibilidade, prevista na alínea a) do n.º 7, de formular especificações técnicas em termos de exigências de desempenho ou de requisitos funcionais, não deve excluir uma proposta que esteja em conformidade com uma norma nacional que transponha uma norma europeia, uma homologação técnica europeia, uma especificação técnica comum, uma norma internacional ou um sistema técnico de referência estabelecido por um organismo de normalização europeu, quando essas especificações corresponderem aos critérios de desempenho ou cumprirem os requisitos funcionais impostos.
12 - O concorrente pode demonstrar na sua proposta, por qualquer meio adequado, incluindo os meios referidos no artigo 49.º-A, que a obra, bem móvel ou serviço em conformidade com a norma em questão corresponde ao desempenho exigido ou cumpre os requisitos funcionais da entidade adjudicante.
13 - (Revogado.)
14 - (Revogado.)».
6.6. A este respeito, como bem sintetiza Jorge Andrade da Silva, dir-se-á que « As especificações técnicas traduzem-se na definição, pela entidade adjudicante, efetuada no caderno de encargos e segundo as suas necessidades, das caraterísticas que deve ter o material, produto ou serviço objeto do contrato a celebrar de modo a poderem satisfazer o fim a que se destinam, sendo, portanto, verdadeiras cláusulas contratuais, como tais de observância obrigatória para ambas as partes contratantes”- in Código dos Contratos Públicos anotado e comentado, 6.ª edição, Almedina, 2017, anotação ao artigo 49º, páginas 179/180. ( sublinhado nosso)
6.7.Quanto à proposta, convém reter que a mesma é a declaração (negocial) pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pela qual se dispõe a fazê-lo – cfr. art.º 56.º do CCP-, a qual encerra um complexo de declarações heterogéneas, em que os concorrentes procuram responder às diversas solicitações da entidade adjudicante quanto ás questões consideradas procedimentalmente relevantes para aferir das vantagens que cada proposta trará.
6.8.Corresponde « a um processo documental em que, além da manifestação da pretensão (“modelada”) de celebrar o contrato objeto do procedimento e da aceitação do conteúdo do caderno de encargos, o concorrente há – de incluir, basicamente, os documentos- qualquer que seja a sua forma ( escrita, desenhada, maquetas, etc.)-nos quais exprime os atributos e características das prestações que se propõe realizar e (ou) receber, em função do objeto do contrato e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, bem como, se for o caso, os termos e condições relativos a aspetos desses, mas subtraídos à concorrência» - cfr. Mário Esteves de Oliveira e outro, in ob. cit., pág.570.
6.9. Frise-se que sendo a proposta uma declaração negocial (art.º 56.º, n.º 1 do CCP), a sua interpretação está sujeita às regras interpretativas do negócio jurídico ( art.º 236.º do CC), enquanto atividade destinada a determinar o significado juridicamente relevante do respetivo conteúdo declarativo.
7.Interessa à economia do presente recurso, ter ainda em consideração que nos termos do n.º1 do art.º 57.º do CCP, constituem documentos da proposta:
a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;”.
7.1.Ainda com relevo para o caso, dispõe o art.º 70.º do CCP, sob a epígrafe “ Análise das propostas” que:
«1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º;
b) Que apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 10 a 12 do artigo 49.º;
c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos;

d)Que o preço contratual seria superior ao preço base, sem prejuízo do disposto no n.º 6;
e) Um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte;
f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
g) A existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.

[…]»
7.2.A al. a) do n.º2 do artigo 70.º do CCP, foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 78/2022, a qual, em consequência, para além das situações de omissão ilícita de atributos ou de termos ou condições das propostas, passou a prever expressamente uma causa de exclusão atípica, que consiste no desrespeito manifesto pelo objeto do contrato a celebrar.
7.3.Como bem refere PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, «não existe qualquer intenção legislativa de inovar no elenco de causas de exclusão previsto na lei portuguesa. Não é difícil entender que o novo aditamento à alínea a) do n.º2 do artigo 70.º não apresenta qualquer conteúdo que, desde logo, não se encontrasse já coberto pela cláusula de exclusão que se encontra inserida logo na subsequente alínea b).» - cfr. in “ A Revisão de 2022 do Regime de Formação e Execução de Contratos Públicos”, AAFDL Editora, pág.127.
7.4.O que sucedeu é que por força de exigências comunitárias « a lei portuguesa precisou de isolar, nos casos de exclusão previstos no n.º2 do artigo 70.º do CCP, uma situação em que se autonomizasse as hipóteses em que uma proposta vai além de uma simples violação do caderno de encargos ( já coberta pela alínea b) desse n.º2), incorrendo numa desconformidade tão grave que nem sequer respeita, de forma aproximada, o objeto do contrato»- ob. cit. pág. 128.
7.5.De notar, como assinala o referido autor, que o aditamento inserido na alínea a) do n.º2 do artigo 70.º do CCP apresenta uma função instrumental, quiçá, artificial, impondo-se contudo «uma séria advertência ás entidades adjudicantes quanto á tentação, que pode agora surgir com este aditamento, de atribuir ao conceito de desrespeito manifesto pelo objeto do contrato um alcance que ele não pode ter:…esta cláusula…não pode ser utilizada para salvar a entidade adjudicante de adjudicar uma proposta que considera indesejável mas que não incorre em qualquer outra cláusula de exclusão em virtude de uma lacuna das peças do procedimento»- ob. cit. pág. 128.
7.6.Ainda com relevo, o art.º 146.º do CCP, sob a epígrafe “Relatório Preliminar”, estabelece que:
«1 - Após a análise das propostas, a utilização de um leilão eletrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
a) Que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação;
b) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto no n.º 2 do artigo 54.º;
c) Que sejam apresentadas por concorrentes relativamente aos quais ou, no caso de agrupamentos concorrentes, relativamente a qualquer dos seus membros, a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.º;
d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º
e) Que não cumpram o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.os 1 e 2 do artigo 58.º;
f) Que sejam apresentadas como variantes quando estas não sejam admitidas pelo programa do concurso, ou em número superior ao número máximo por ele admitido;
g) Que sejam apresentadas como variantes quando não seja apresentada a proposta base;
h) Que sejam apresentadas como variantes quando seja proposta a exclusão da respetiva proposta base;
i) Que violem o disposto no n.º 7 do artigo 59.º;
j) (Revogada);
k) (Revogada)
l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º;
m) Que sejam constituídas por documentos falsos ou nas quais os concorrentes prestem culposamente falsas declarações;
n) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto nas regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente;
o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º
3 - Nos casos previstos nas alíneas f) e i) do número anterior, o júri deve propor a exclusão de todas as propostas variantes, a qual não implica a exclusão da proposta base.
4 - Do relatório preliminar deve ainda constar referência aos esclarecimentos prestados pelos concorrentes nos termos do disposto no artigo 72.º.
5 - Quando, nos termos do disposto na secção seguinte, seja adotada uma fase de negociação aberta a todos os concorrentes cujas propostas não sejam excluídas, o júri não deve aplicar o critério de adjudicação nem propor a ordenação das propostas no relatório preliminar para efeitos do disposto no n.º 1.»
Feito o enquadramento que antecede, vejamos se assiste razão à Apelante.
7.8.É um facto inabalável, que a Apelante não indicou na proposta que apresentou no âmbito do concurso em causa nos autos o concreto tipo de computador, vulgo, marca, a fornecer à Entidade Adjudicante, realidade que a própria admite, apenas refutando que estivesse vinculada a essa indicação em face do conteúdo da Cláusula 23.ª do CE e do artigo 15.º do PP.
7.9.A proposta, recorde-se, é a declaração/ato jurídico através do qual o concorrente ( art.º 53.º do CCP) revela à entidade adjudicante as condições em que se compromete a contratar, devendo o conteúdo da proposta integrar todos os elementos exigidos pelo PC e CE. Como se escreveu no recente Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0462/22, relatado pela Senhora Conselheira Ana Celeste: «29. Devendo a proposta dar pontual cumprimento ao que tiver sido exigido nas peças do procedimento, o seu respetivo conteúdo é determinado pela vontade manifestada pela entidade adjudicante e pelo que haja sido previsto como aspetos de execução do contrato, seja quanto aos seus atributos [elementos da proposta que, à luz do critério de adjudicação e modelo de avaliação definidos no programa do procedimento, irão ser submetidos à concorrência ou alvo da avaliação, para efeitos de escolha da melhor proposta – artigos 42.º, n.ºs 3 e 4, 56.º, n.ºs 1 e 2, 57.º, n.º 1, al. b) e 70.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do CCP], seja quanto aos termos ou condições [elementos da proposta relativos a aspetos da execução do contrato inseridos nas peças do procedimento, mormente em cláusulas do Caderno de Encargos, não submetidos à concorrência e que a entidade adjudicante pretende que os concorrentes se vinculem – artigos 42.º, n.º 5, 57.º, n.º 1, al. c) e 70.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do CCP].»
8. In casu, foi estabelecido que a «adjudicação em cada um dos lotes será feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através da modalidade monofator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato, neste caso, o preço»- artigo 23.º, n.º1 do PP.
8.1.Note-se que, conforme decorre do conteúdo desta norma do PP, o preço constitui – nos termos da al. b) do art.57.º do CCP- o único atributo das propostas a apresentar pelos concorrentes.
8.2.Já as especificações técnicas exigidas pela Entidade Adjudicante na Cláusula 23.ª do CE são, atento o disposto na al. c) do art.º 57.º do CCP, termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.
8.3.Prosseguindo, como já dissemos, está em causa saber se o CE impunha que os concorrentes indicassem o concreto tipo de computador a fornecer, quanto ao Lote 1, como entendeu o Tribunal a quo e sustenta a Apelada, ou se, ao invés, tal indicação não era exigível, como preconiza a Apelante.
8.4.Prima facie, importa ter presente que a interpretação das cláusulas das peças do procedimento- Caderno de Encargos (CE) e Programa do Procedimento ( PP)- que comportam verdadeiras normas, na medida em que têm um conteúdo regulativo do procedimento concursal, está sujeita à disciplina atinente à interpretação da lei, consignada, em particular, no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.
8.5.Ora, a interpretação jurídica tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.
8.6.O artigo 9.º , n.º1 do Cód. Civil prescreve que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1).
Resulta deste preceito, que o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que, conforme estabelece o n.º2 dessa norma, não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2).
8.7.Ademais, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
8.8.Ora, resulta do artigo 9.º que o ponto de partida de toda a interpretação é a apreensão literal do texto, pese embora, se imponha ainda ao interprete uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» - cfr. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392.
8.9.Neste exercício de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica- sobre este tema, cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes.
9.«O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
9.1.O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
9.2.O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.»-
cfr. Ac.STJ, de 04/05/2011, processo n.º 4319/07.
9.3.Voltando ao caso em análise, conforme provado no ponto 2 do elenco dos factos assentes, a Apelada incluiu no Caderno de Encargos, a Cláusula 23.ª, na qual, em relação ao “Lote 1- Computadores portáteis com acesso à internet”, tendo em vista a aquisição de 100 computadores, definiu as seguintes especificações técnicas dos computadores portáteis a fornecer:
«-computador portátil de 14”:
.Processador i5 ou equivalente;
. 8 GB de memória RAM;
.Disco SSD de 256 GB, memória não volátil;
. Microfone duplo;
.Colunas altifalantes integradas com sistema estéreo;
.2 portas USB 3.1;
.1 porta USB tipo C;
.Leitor de cartões memória Micro SD;
. Teclado QWERTY Português, resistente a derrames líquidos;
.Conectividade a rede móvel terrestre;
. Webcam integrada;
. Wi-Fi».
Todos os computadores deverão ter instalado e a funcionar os seguinte software, com as respetivas licenças de utilização, nomeadamente:
.sistema operativo Windows ou equivalente;
.Microsoft Office ou Open Office».
9.4. Não ignoramos, como nota Pedro Fernández Sanchézcfr. Direito da Contratação Publica, Vol. II, p. 255-, e subscrevemos, que “é apenas entre as propostas que satisfazem as condições contratuais impostas pela entidade adjudicante que será selecionada aquela que se mostrar como a proposta mais vantajosa à luz do critério de adjudicação; qualquer proposta que desrespeite uma única das cláusulas contratuais previstas no caderno de encargos tem de ser excluída. […]. Assim, cada uma das cláusulas que, no momento da abertura das propostas, vigora no caderno de encargos representa um verdadeiro parâmetro de aceitabilidade contratual; o seu desrespeito conduz à imediata exclusão da proposta. […]
Não seria relevante alegar que o concorrente apresentou uma declaração genérica de aceitação do caderno de encargos (alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º), o que poderia compensar uma declaração específica de incumprimento de um dado aspeto contratual obrigatório, eventualmente imputando essa desconformidade com o caderno de encargos a um mero lapso. Com efeito, na interpretação de qualquer texto jurídico, a declaração especial prevalece sobre a geral pelo que a declaração de aceitação não pode cobrir desconformidades específicas com as peças do procedimento – as quais precisamente desmentem essa aceitação e a derrogam nesse concreto aspeto contratual”.
9.5. Através da Cláusula 23.ª do CE, como claramente se extrai do seu teor literal, a Entidade Adjudicante não obriga os concorrentes ao concurso para o fornecimento de 100 computadores portáteis (Lote1), a indicarem nas respetivas propostas os concretos computadores que se propõem fornecer para cumprir com as especificações técnicas exigíveis, uma vez que, não exige essa vinculação aos concorrentes.
9.6.Para que essa obrigação existisse impunha-se à Entidade Adjudicante que tivesse providenciado, como verificamos suceder em vários procedimentos de que temos conhecimento funcional, pela inclusão/adição de uma cláusula que vinculasse expressamente os concorrentes a apresentarem um documento onde descrevessem o tipo de equipamento em concreto que se dispunham a fornecer.
9.7. A comprovar o que se acabou de explanar, veja-se, a título meramente exemplificativo, a situação sobre que versou o recente Acórdão do STA, proferido no processo 0462/22, já anteriormente citado, em que relativamente aos documentos que deviam instruir a proposta a apresentar pelos concorrentes ao procedimento concursal em discussão nesse processo, a aí Entidade Adjudicante estabeleceu a obrigação para os concorrentes de no “Anexo B, no qual deve ser incluída informação geral do concorrente”, ponto 13, os mesmos indicarem as “ Características técnicas dos telemóveis a disponibilizar por tipologia A e B, com menção expressa da capacidade de armazenamento e de memória, entre outras”. Essa exigência tem enquadramento, por sua vez, na Cláusula 15.ª do CE desse procedimento, que sob a epígrafe “Objeto do contrato” previu que: « 4 - Para os lotes 1 e 3, e quando solicitado pela entidade adjudicante, os contratos a celebrar abrangem os serviços indicados nos números 1 a 3 do presente artigo e ainda o fornecimento de telemóveis (terminais do Tipo A e do Tipo B), com as características mínimas definidas no presente caderno de encargos, e equipamentos de banda larga móvel.» ( sublinhado nosso).
9.8. De facto, nos termos alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, a Entidade Adjudicante podia ter previsto/incluído nas peças do procedimento a exigência de entrega de documentos adicionais, máxime, de documento que contivesse a descrição dos computadores portáteis a fornecer, através da concreta identificação desse equipamento, por referência à marca/modelo, se essa indicação fosse de particular relevância para a mesma e aquela não se bastasse com a declaração prevista na al. a) do art.º 57.º do CCP ( Anexo i).
9.9.Acontece que, na situação em apreço, a Entidade Adjudicante, não exigiu expressamente que os concorrentes descrevessem expressamente o modo de cumprimento do contrato nem exigiu que entregassem um documento específico para esse efeito.
10. Se assim é, não se pode aquiescer com a 1.ª Instância, quando sustenta que impendia sobre a Apelante a obrigação de indicar o tipo concreto de computador que se dispunha a fornecer à entidade adjudicante, uma vez que, essa exigência, não foi feita nas peças do procedimento, contrariamente ao que vimos suceder na situação tratada pelo citado Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0462/22.5BELSB, de 07/09/2023.
10.1. Neste acórdão do STA, compreende-se que se tenha decidido pela verificação de causa de exclusão da proposta apresentada pela aí recorrente, na medida em que aquela se limitou a «indicar apenas uma marca/modelo de telemóvel para o Tipo A e para o Tipo B, sem indicar qualquer outra opção», quando o CE exigia que apresentasse duas marcas/modelo de telemóvel para o Tipo A e para o Tipo B, assim violando o CE.
10.2. Lê-se nesse aresto, com relevância para o nosso caso, a contrário, que: «Tal desrespeito pela norma do Caderno de Encargos constitui fundamento de exclusão da proposta apresentada, previsto na al. a), do n.º 2, do artigo 70.º do CCP, conjugada com a al. c), do n.º 1, do artigo 57.º do CCP, pois estando em causa uma exigência específica de tal peça do procedimento, a concreta proposta apresentada não cumpre, nem satisfaz a exigência que é imposta na peça do procedimento, relativa a condição de execução do contrato não submetida à concorrência, que a entidade adjudicante pretendia que os concorrentes se vinculassem especificadamente.
[…]
Tal como assumido em anteriores Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo, constatada a não apresentação ou inclusão na proposta de algum termo ou condição violador de aspeto da execução do contrato a celebrar inscrito em peça procedimental, designadamente, no Caderno de Encargos, como no presente caso, “isso deve conduzir à sua exclusão, sabido que é através do procedimento de contratação pública que se visa escolher um cocontratante e uma proposta que, nas condições económicas e financeiras definidas como adequadas pela entidade adjudicante, satisfaça as necessidades públicas.” (vide Acórdãos de 29/09/2016, Proc. n.º 0876/16; de 18/09/2019, Proc. n.º 02178/18.8BEPRT; de 22/04/2021, Proc. n.º 076/20.4BEMDL e de 06/07/2023, Procs. 01941/22.0BEPRT e 03085/22.5BELSB).
52. Apurando-se, sem controvérsia, que a proposta apresentada pela Recorrente é realmente omissa quanto à indicação de opção prevista no n.º 1 do artigo 15.º do Caderno de Encargos e que não foi junto qualquer outro documento integrante da proposta contendo tal elemento, e que essa indicação de opção constitui uma verdadeira exigência da peça do procedimento, essa falta da proposta conduz à sua respetiva exclusão, por infringir o disposto nos artigos 42.º, n.º 5, 57.º, n.º 1, al. c), 70.º, n.º 2, al. a) e 146.º, n.º 2, al. o), todos do CCP, em articulação com os artigos 15.º, n.º 1 e 16.º, n.º 8, al. l), ambos do Caderno de Encargos do Acordo Quadro e artigo 15.º, n.º 1 do Caderno de Encargos do procedimento, por não satisfazer o termo ou condição de execução do contrato não submetida à concorrência que a entidade adjudicante pretendia que os concorrentes se vinculassem especificadamente.»
10.3. Daí que, não se possa concordar com o Tribunal a quo, quando ajuizou que a proposta da Apelante, assim apresentada, sem indicação do concreto tipo de computador a fornecer, não identifica o objeto do contrato, devendo por isso ser excluída, nos termos da alínea a) do n.º2 do art.º 70.º do CCP.
10.4. É que, e avançando, o objeto do contrato a celebrar consubstancia-se, no caso, no fornecimento à Entidade Adjudicante de 100 computadores portáteis com as características técnicas indicadas e exigidas na Cláusula 23.ª do CE, e em relação a estes elementos a proposta da Apelante não comporta nenhuma omissão. Em boa verdade, a Apelante apresentou uma proposta clara e firme, como resulta dos Anexos i e iii que subscreveu e integrou na sua proposta.
10.5. No caso, tendo a Apelante subscrito a declaração a que se reporta a al. a) do art.º 57.º do CCP tanto bastava para que a Entidade Adjudicante tivesse a garantia de que a Apelante se vinculou a fornecer computadores portáteis com as características técnicas exigidas e pretendidas pela mesma.
10.6. É certo que através da proposta apresentada pela Apelante, a Entidade Adjudicante não ficou a saber qual o concreto tipo de computador que a Apelante lhe iria fornecer, mas a verdade é que essa indicação não foi por si considerada relevante quando elaborou as peças do procedimento, na medida em que não exigiu aos concorrentes que nas respetivas propostas, fizessem a referência ao concreto tipo de computador que se dispunham a fornecer, que contivesse aquelas características técnicas que teve o cuidado de prever no CE e, sendo assim, não pode à posteriori exigir o que não teve o cuidado de prever como obrigatório. Se alguns concorrentes, nas propostas que apresentaram, indicaram o concreto tipo de computador que se dispunham a fornecer, como sucede com a proposta apresentada pela CI, daí não decorre que o fizeram porque a tal estavam obrigados pelo CE.
10.7. Em suma, com a proposta apresentada pela Apelante, a Entidade Adjudicante ficou a saber aquilo que previu como necessário saber nas peças do procedimento: o preço ( único atributo da proposta- artigo 23.º do PP) pelo qual a Apelante se dispunha a fornecer 100 computadores portáteis e a assunção pela proponente da obrigação de fornecer tais computadores com as características técnicas indicadas na Cláusula 23.ª do CE.
10.8.Como já supra se afirmou, e bem nota a Apelante, se a Entidade Adjudicante sabia de antemão que não se contentaria com a declaração genérica de compromisso entregue pelos concorrentes deveria ter previsto a entrega de um documento que correspondesse a uma confirmação adicional quanto ao modo de cumprimento, neste caso, das características técnicas dos portáteis a fornecer.
10.9.E não se diga que uma adjudicação à proposta da Apelante, nestas condições, era uma adjudicação às cegas. No caso, como bem observa a Apelante, não havia qualquer margem de liberdade na opção quanto ás especificações técnicas do computador portátil a fornecer, uma vez que a Apelante não podia deixar de fornecer um equipamento com todas as características técnicas estabelecidas no CE e tais características técnicas do contrato a executar, estavam elencadas e fechadas no caderno de encargos.
11. Não tendo a Entidade Adjudicante estabelecido a exigência aos concorrentes quanto à indicação da marca ou tipo concreto do computador a fornecer, bastava à Apelante, apresentar, como fez, a declaração genérica prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 57.º.
11.1.Conforme se retira do elenco dos factos assentes, a Apelante apresentou os Anexos i) e iii).
No Anexo I, declarou que se [o]briga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas;
No Anexo III, propôs-se executar [t]odos os trabalhos a que se refere o procedimento de contratação pública designado “Aquisição de equipamento informático, por lotes”, em conformidade com o Caderno de Encargos.
11.1. Ao comprometer-se a respeitar as cláusulas contratuais, é incontornável que a Apelante se comprometeu de forma expressa e sem qualquer tibieza, a fornecer os computadores portáteis com as características técnicas previstas nas peças procedimentais. Note-se, ademais, que em lado algum da sua proposta se retira que os bens a fornecer não seriam exatamente aqueles que foram solicitados pela Entidade Demandada.
11.2. Ora, a exclusão de uma proposta “em virtude da omissão quanto ao cumprimento de alguma exigência do caderno de encargos só pode ser imposta quando conste do programa do procedimento a obrigação de apresentar qualquer tipo de informação ou esclarecimento adicional em face do compromisso genérico que já se encontra previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP. Quando o programa do procedimento seja omisso quanto a essa exigência, deve entender-se que as propostas são contratualmente aceitáveis com a simples apresentação da declaração prevista nessa alínea a).
11.3.A declaração de compromisso relativa ao cumprimento total e integral de todo o conteúdo do caderno de encargos que foi entregue pela Apelante na sua proposta não é irrelevante. Na situação em análise, não é de todo despiciendo o facto de as características técnicas do contrato a executar estarem elencadas e fechadas no caderno de encargos, e de a Apelante se ter vinculado a observar essas características técnicas nos computadores a fornecer, conforme resulta do Anexo i e Anexo iii , documentos que integrou na proposta.
11.4. Assim, reafirma-se, não podemos aquiescer com o Tribunal a quo quando decide que a proposta apresentada pela Apelante deve ser excluída com fundamento na falta de identificação do objeto do contrato de fornecimento, por não revelar qual concreto tipo de computadores que se propunha fornecer. Em relação ao computadores que pretendia adquirir a Entidade Adjudicante, na Cláusula 23.ª do CE, apenas definiu que os computadores portáteis a fornecer deviam cumprir determinadas especificações técnicas, tais como – e nomeadamente – , serem de 14``, o processador ser i5 ou equivalente e qual a memória RAM, o Disco SSD, microfone, colunas, portas USB, leitor de cartões de memória e teclado em causa, sem exigir também a indicação do tipo/marca dos equipamentos a fornecer. Como tal, contrariamente ao decidido pela 1.ª Instância, não era obrigatório que a Apelante tivesse especificado, na sua proposta, qual o tipo de computador portátil que se dispunha fornecer.
11.5. É certo que a decisão recorrida apoiou-se na jurisprudência veiculada pelo STA, no seu Acórdão de 29/06/2016, proferido no processo n.º 0867/16, relatado pelo Senhor Conselheiro Costa Reis, em cujo sumário se escreveu designadamente que: « V- Deve ser rejeitada a proposta que seja omissa no tocante aos termos ou condições respeitantes a aspetos da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência, termos ou condições esses que as peças concursais exigiam que constassem da proposta».
11.6.Mas a situação objeto dos presentes autos não se reconduz à que foi decidida nesse aresto, tendo o Senhor Juiz a quo tirado ilações que não podia transpor para o caso em análise.
11.7.No caso sobre o qual recaiu o referido Acórdão do STA, como se escreveu no mesmo:
«(…) o PC exigia que as propostas contivessem um mapa de controlo de receção da mercadoria indicando a categoria dos alimentos, as observações a efetuar, os limites de aceitabilidade do produto e as ações a desencadear em caso de não conformidade [al.ª e)] e um documento relativo à formação específica do pessoal que acompanharia os alunos no período da refeição nomeadamente na componente pedagógica [al.ª g)].
A Recorrente não cumpriu essas exigências visto dos documentos referentes a tais especificações juntos com a sua proposta serem omissos nessa matéria o que levou o Recorrido a excluí-la com o fundamento nessa omissão. E a Recorrente, admitindo que os mapas que apresentou não continham tais indicações, desvaloriza essa falta e contesta que a mesma possa ser sancionada com a exclusão da sua proposta visto os elementos em falta naqueles documentos poderem ser encontrados noutras peças integrantes da sua proposta e que, sendo assim, nenhuma razão havia para a excluir. E pretendeu demonstrar essa alegação com recurso ao depoimento das testemunhas que arrolou. Pretensão que as instâncias rejeitaram o que, também, a levou a interpor esta revista».
11.8. Sendo estes os contornos da situação em causa, entendeu o STA que não assistia razão à aí “Recorrente”, concluindo aquela Alta Instância que «também deve ser rejeitada a proposta que seja omissa no tocante aos termos ou condições respeitantes a aspetos da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência.
Desde logo, porque se a entidade adjudicante fez constar dos respetivos PC ou CE a obrigatoriedade das propostas conterem determinados termos ou condições não submetidos à concorrência relativos à execução do contrato foi porque os considerou decisivos para a boa execução deste. De contrário não tornaria obrigatória essa indicação. E, porque assim, não faz sentido admitir-se ao concurso uma proposta que viole essa prescrição, colocá-la em pé de igualdade com as corretamente elaboradas, proceder à sua análise e – quem sabe – declará-la vencedora. Porque tal significaria colocar propostas incomparáveis em pé de igualdade e obrigar a entidade adjudicante a tratá-las como se as mesmas pudessem ser comparadas.
É para evitar a possibilidade de ocorrência de uma situação dessa natureza que a lei obriga a que a proposta contenha “os termos ou condições, relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos,
aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule” (al.ª c) do n.º 1 do art.º 57.º do CCP, com sublinhado nosso), obrigatoriedade que faz todo o sentido já que só dessa forma a entidade adjudicante pode conhecer a real valia da proposta e está em condições de exigir que o contrato seja executado de acordo com o previamente fixado. Se assim não fosse, aquela entidade ficaria impossibilitada de controlar a correcta execução do contrato na medida em que, perante ausência de regras claras, o adjudicatário executá-lo-ia da forma que melhor conviesse aos seus interesses o que, certamente, conduziria, a conflitos cuja resolução pacífica seria difícil.».
11.9.Não podemos estar mais de acordo com esta jurisprudência. Acontece que in casu não estamos perante uma situação em que a Apelante tenha omitido na proposta que apresentou qualquer condição ou termo da mesma- como vimos-, pelo que, na situação sub judice, não se verifica a referida causa de exclusão da proposta apresentada pela Apelante.
12.Com interesse para a situação em análise não podemos deixar de convocar o também recente Acórdão do STA, de 06/07/2023, proferido no processo n.º 01941/22, relatado pelo Senhor Conselheiro Adriano Cunha, em cujo sumário se escreveu, designadamente que:
«III – Os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, aos quais a Entidade Adjudicante pretende que o concorrente se vincule, devem, por princípio, conter-se em documentos das propostas exigidos no Programa do Procedimento ou em Convite - cfr. arts. 57º nº 1 c) e 70º nº 2 a) do CCP.
IV - Ainda que se admita que, exclusivamente no Caderno de Encargos, a Entidade Adjudicante possa impor aos Concorrentes compromissos, nas suas propostas, quanto a tais termos ou condições (cfr. Acórdãos deste STA de 18/9/2019, proc. 02178/18, e de 22/4/2021, proc. 076/20),
deve tratar-se de exigências, formuladas de forma clara, de compromissos expressos e específicos, já que para a generalidade dos termos ou condições impostos no Caderno de Encargos para a execução do contrato é suficiente a declaração de compromisso genérico apresentado pelos Concorrentes de acordo com o modelo de declaração constante do Anexo I do CCP, que a tal fim se destina.» ( sublinhado nosso).
12.1. Na situação sobre que recaiu este Acórdão do STA, concluiu-se que a ««18. […] a cláusula 4ª do Caderno de Encargos limita-se a estabelecer requisitos mínimos para a equipa a afetar pelo adjudicatário à execução do contrato, nos seguintes termos (cfr. facto provado E), transcrito no ponto 11 supra, que aqui se relembra):
«Cláusula 4.ª
Requisitos mínimos da equipa a afetar à execução do contrato
A composição da equipa a afetar à execução do objeto contratual deve cumprir os seguintes requisitos mínimos:

- Cada um dos elementos que integra a equipa deve apresentar o mínimo de um ano de experiência, na construção de objetos semelhantes, designadamente no que se refere às características dos materiais e técnicas construtivas preconizadas no projeto de execução;
- 50% dos elementos que integram a equipa deve apresentar experiência conjunta, na construção de objetos semelhantes, designadamente no que se refere às características dos materiais e técnicas construtivas preconizadas no projeto de execução, sendo um dos elementos, obrigatoriamente, o responsável pela equipa»».

12.2.Prosseguindo, e a respeito desta cláusula o STA ajuizou que: «Como se vê não consta da mesma, nem consta de nenhum outro local do Caderno de Encargos ou de outra peça do procedimento, uma exigência de apresentação, nas propostas, de uma declaração específica ou expressa relativamente à composição das equipas a afetar à execução do contrato.
[…]
É que, na inexistência, nas peças do procedimento – Programa do Procedimento, Convite ou Caderno de Encargos e seus anexos - de uma obrigatoriedade de as propostas dos concorrentes se manifestarem, expressa e especificamente, quanto a alguma ou algumas das várias especificações ou condições constantes do Caderno de Encargos, a adesão dos concorrentes a todas essas regras (estabelecidas por forma “fechada” ou por limites mínimos ou máximos) resulta, como já se referiu, da genérica Declaração de compromisso subscrita nos termos do Anexo I do CCP, a qual só será insuficiente perante uma solicitação de manifestação expressa e específica.
Isto, sob pena de aquela declaração genérica não ter qualquer utilidade própria, e sob pena de os concorrentes se verem confrontados com a exigência de se manifestarem relativamente a todas e cada uma das especificações e condições estabelecidas, correndo o risco de exclusão se falharem alguma, ainda que essa obrigatoriedade não conste de nenhuma das peças procedimentais.»
12.3.Nesse douto Acórdão, o STA cita a seguinte doutrina que consideramos útil aqui reproduzir e com a qual concordamos:
««Como refere Pedro Fernández Sánchez, ob. cit., pág. 245:
«7. (…) Já acima se notou que a entidade adjudicante recebe um grau de autonomia para a fixação de exigências muito variáveis quanto ao detalhe que as propostas devem apresentar na resposta a aspetos contratuais não submetidos à concorrência e não relevantes para avaliação. Ninguém discutiria que o número de exigências presentes em muitos cadernos de encargos pode facilmente ascender a centenas ou até milhares, não sendo razoável exigir aos concorrentes a resposta positiva e expressa a cada um deles. A declaração de aceitação do caderno de encargos, previsto no Anexo I do CCP, destina-se justamente a evitar que o concorrente precise de cumprir a tarefa esgotante de incluir na proposta uma resposta expressa a cada uma das exigências previstas no caderno de encargos.
Assim, só é obrigatória a menção expressa da proposta ao modo de cumprimento de um determinado aspeto da execução do contrato quando a entidade adjudicante especificamente o exigir; quanto aos demais aspetos contratuais, o compromisso contratual assumido através da apresentação de uma declaração genérica é tudo quanto se exige para a aceitação da proposta (…)».

Em sentido idêntico, Pedro Costa Gonçalves in “Direito dos Contratos Públicos”, vol. I, 3ª edição, 2018, Almedina, págs. 801/802 (ponto 120.3.2):

«Além de definir os aspetos da execução do contrato a submeter à concorrência – que vão dar origem aos atributos das propostas -, o caderno de encargos define aspetos da execução do contrato que não submete à concorrência.
Em relação a estes aspetos do caderno de encargos, inseridos em cláusulas a incluir no contrato que vier a ser celebrado, salvo se existir uma indicação diferente nas peças do procedimento, a proposta não tem de se pronunciar».
Também Gonçalo Guerra Tavares in “Comentário ao CCP”, Almedina, janeiro/2019, pág. 306, nota 337:
«Compreende-se a opção pela existência desta declaração genérica, por não fazer sentido estar a obrigar os concorrentes a declarar especificamente, de forma individualizada, a aceitação de todas e cada uma das vinculações do caderno de encargos – isto quando sabemos que em muitos casos os cadernos de encargos se encontram pejados de disposições imperativas, nomeadamente ao nível das especificações técnicas contratuais»».
12.4. E conclui o STA, no identificado aresto, que: «salvo se exigida nas peças do procedimento uma manifestação expressa e específica de compromisso dos concorrentes, a constar das suas propostas, relativamente a termos ou condições constantes do caderno de encargos, é suficiente o compromisso assumido através da subscrição da declaração genérica prevista no Anexo I do CCP.
E isto quer os termos ou condições se encontrem formulados por forma “fechada” quer se encontrem formulados por exigência de limites mínimos ou máximos – como é o caso, nos presentes autos, da Cláusula 4ª do Caderno de Encargos -, já que os concorrentes, através daquele compromisso genérico, garantem quer as especificações “fechadas” quer as exigências mínimas, ou máximas, estabelecidas. Não estipulando as peças procedimentais qualquer outra obrigatoriedade de manifestação compromissória, não pode verificar-se uma consequente “omissão”.

20. Não constando da Cláusula 4ª da Parte II do Caderno de Encargos, nem de nenhum outro local do Caderno de Encargos ou de outra peça do procedimento, uma exigência de apresentação, nas propostas, de uma declaração específica ou expressa relativamente à composição das equipas a afetar à execução do contrato, a proposta da Autora/Recorrente, tal como esta advoga, não poderia ter sido excluída, desde logo por inexistir qualquer omissão face ao que era procedimentalmente solicitado pela Entidade Adjudicante aos concorrentes.». ( negrito nosso).
12.5. Perfilhando o entendimento vertido neste Acórdão do STA, e reportando-nos aos presentes autos, temos por certo que a deliberação de adjudicação impugnada nos presentes autos deve ser anulada por vício de violação de lei, decorrente da ilegal exclusão da proposta apresentada pela Apelante, e em face do critério de adjudicação, determinar-se a adjudicação à proposta da Apelante.
12.6.Relembre-se que a Autora, aqui Apelante, na p.i. que apresentou, pediu a anulação do ato proferido pelo Presidente do Conselho Intermunicipal da Entidade Demandada de 28/11/2022, que determinou a exclusão da sua proposta e a adjudicação da proposta da Contrainteressada [SCom02...], LDA, ou caso, assim não se entenda, a anulação do ato administrativo que aprovou o relatório final do júri na parte que determinou a adjudicação da proposta da Contrainteressada [SCom02...], LDA.; e bem assim, que seja fixado o prazo de 20 dias para o cumprimento das determinações contidas na sentença.
12.7.Perante o enquadramento fáctico- legal exposto, a proposta apresentada pela Autora/Apelante devia ter sido admitida, uma vez que não violava qualquer termo ou condição imposto pelo CE. Não tendo sido admitida, a exclusão da sua proposta padece de ilegalidade, a qual inquina o subsequente ato de adjudicação à proposta apresentada pela CI, praticado pela Entidade Adjudicante, que é, por esse motivo, anulável, nos termos do artigo 163º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo.
12.8. Por outro lado, considerando que o critério de adjudicação definido no artigo 23.º do PP, que é o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através da modalidade monofator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato, neste caso, o preço, não havendo por conseguinte ouros atributos a ponderar, tratando-se de um caso em que a discricionariedade está reduzida a zero, impõe-se a adjudicação à proposta apresentada pela Autora.
12.9. Na verdade, considerando que a proposta da CI [SCom02...], LDA., apresenta o preço de 71,939,00€ (setenta e um mil novecentos e trinta e nove euros), ao passo que a proposta da Apelante apresenta o preço 71.500,00€ (setenta e um mil e quinhentos euros), perante o critério de adjudicação, sendo o preço mais baixo relativo à proposta apresentada pela Apelante, é claro como a água que não pode manter-se a adjudicação na proposta da contrainteressada [SCom02...], LDA., o que violaria frontalmente o critério de adjudicação definido no artigo 23.º do PP.
13.Note-se que não ignoramos que a apreciação e valoração das propostas constitui uma tarefa do júri do procedimento, a quem se reconhece discricionariedade para tal, onde apenas se justifica a ingerência do Tribunal em caso de existência de erro grosseiro. Acontece que, na situação vertente, sendo o critério de adjudicação a “proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante”, determinada pela modalidade do “monofator preço” [cfr. artigo 23º do Programa do Procedimento], revela-se como única atuação legalmente possível a adjudicação do contrato à aqui Apelante.
13.1. De acordo com a factualidade provada, o ato de adjudicação à proposta da Apelante tem carácter vinculado, uma vez que a discricionariedade da entidade adjudicante se encontra, nas circunstâncias do caso, reduzida a zero: apenas resta essa proposta no procedimento e a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cfr. artigos 36º e 76º do CCP), salvo as exceções previstas no artigo 79º do CCP.
Assim, de acordo com o disposto nos artigos 71º, nºs 1 e 2 (a contrario) e 95º, nºs. 5 e 6 (ambos, a contrario sensu) do CPTA, uma vez que o ato de adjudicação a praticar tem um carácter vinculado, deve este tribunal condenar nos precisos termos do pedido [cfr. artigos 552º, nº 1, alínea e) e 609º, nº 1 do CPC].
Termos em que se impõe julgar procedente o presente recurso, revogar a decisão recorrida, e julgar procedente a ação intentada pela Autora.
13.2. Em face da decisão que se impõe proferir de procedência da ação movida pela Autora, aqui Apelante, não se justifica conhecer do segundo fundamento de recurso, qual seja, saber se perante as dúvidas que a proposta apresentada pela Autora suscitou ao Júri do Procedimento, se impunha que antes de ter proposto a exclusão dessa mesma proposta, tivesse solicitado à proponente esclarecimentos nos termos previstos no artigo 72.º do CCP.
13.3.É que, concluindo-se como se concluiu que a proposta da Autora, aqui Apelante, não omitiu qualquer elemento que dela devesse constar por força do disposto no CE e no PP, não tem qualquer utilidade a questão de saber se havia ou não que solicitar esclarecimentos ao abrigo do disposto no artigo 72.º do CCP.
Assim sendo, não se conhece desse fundamento de recurso, que na economia da decisão que se impõe proferir, não tem qualquer relevância/ utilidade.
**
IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, subsecção de Contratos Públicos, em conceder provimento ao recurso interposto pela apelante e, em consequência:
(i) revogam a decisão recorrida;
(ii) julgam a ação movida pela Autora, procedente por provada e, em consequência:
a) Anulam o ato de adjudicação, com as legais consequências;
b) Condenam a Entidade Adjudicante a admitir a proposta apresentada pela Autora;
c) Condenam a Entidade Adjudicante a adjudicar à Autora o contrato relativo ao fornecimento de 100 computadores portáteis- Lote 1.
e) Condenam a Apelada no pagamento das custas processuais a que houver lugar ((art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*

Porto, 03 de novembro de 2023

Helena Ribeiro
Luís Migueis Garcia, em substituição
Ricardo de Oliveira e Sousa