Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00013/08.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL; FUNDO SOCIAL EUROPEU;
COMPENSAÇÃO DA DÍVIDA DE CAPITAL; JUROS DE MORA;
PRESCRIÇÃO; PARCIAL INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I – À dívida respeitante a reembolso de subsídio atribuído no âmbito da “Ajuda à Destilação Crise” é aplicável o prazo prescricional de três anos, como decorre do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias.
II - Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva e as causas de suspensão e interrupção são regidas pelas disposições pertinentes do direito nacional, ou seja, pelo Código Civil.
III - Quanto à prescrição dos juros de mora, à míngua de regulamentação especial, deve igualmente aplicar-se o regime geral, constante do Código Civil, designadamente no que respeita ao prazo aplicável, que é de cinco anos, previsto no artigo 310.º, alínea d), deste código.
IV – Se, apesar de não ter sido entregue à Recorrente, o valor a reembolsar foi usado para compensação de outras dívidas suas, tal valor existiu enquanto crédito a seu favor e, a partir do momento em que foi utilizado para compensar outras dívidas suas, consolidou-se na sua esfera jurídica o direito de propriedade sobre aquele valor e, no caso, constituiu-se o dever de o restituir à entidade credora.
V – A sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, conforme dispõe o artigo 611º do Código de Processo Civil.
VI - Sendo incontestável que, posteriormente à propositura da oposição, ocorreu um facto extintivo da dívida de capital (a compensação), com influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida, e tendo o OEF determinado o prosseguimento da execução apenas para cobrança dos juros de mora, ocorre parcial inutilidade superveniente da lide.*
* Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:V..., Ld.ª.
Recorrido 1:Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução Fiscal - Oposição - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Desp. 11/2016]
Decisão:Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.RELATÓRIO
1.1. V..., Ld.ª. (anteriormente designada C..., Lda), devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em 03.04.2017, pela qual foi julgada improcedente a oposição à execução fiscal n.º ..., contra si instaurada para cobrança do valor de €71.292,75 (sendo €64.569,37 de capital e €6.723,38 de juros de mora vencidos), proveniente de subsídio atribuído no âmbito da Ajuda à Destilação de Crise, campanha 2000/2001, devido ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P..

1.2. A Recorrente V..., Ld.ª. terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a oposição à execução fiscal relativa ao processo de execução fiscal n.º ...17 relativos ao reembolso de apoios concedidos no âmbito do Programa de Apoio à Destilação Crise 2000/2001, no valor de € 64.569,37 (sessenta e quatro mil, quinhentos e sessenta e nove euros e trinta e sete cêntimos).
I – Erro de julgamento da matéria de facto
A) Da Prescrição
2. A V..., Ld.ª invocou no seu articulado de oposição à execução fiscal que a obrigação de restituição dos apoios concedidos no âmbito do Programa de Apoio à Destilação Crise 2000/2001, em execução nos presentes autos, já prescreveu por terem decorrido mais de cinco anos após o seu recebimento.
3. O Tribunal a quo considerou que o prazo de prescrição da obrigação de restituição de apoios comunitários irregularmente concedidos, como os que estão em execução nos presentes autos, é de quatro anos contados desde a data em que foram cometidas as irregularidades, entendimento esse com o qual a V..., Ld.ª concorda.
4. Sucede que o Tribunal a quo, certamente por lapso, não contemplou no elenco dos factos provados ou não provados a data em que a irregularidade que deu origem à obrigação de restituição dos apoios comunitário foi praticada, apenas fazendo referência à data em que tal irregularidade foi dada a conhecer à V..., Ld.ª (17/02/2005).
5. Ora, para que o Tribunal a quo pudesse conhecer da prescrição da obrigação de restituição dos apoios irregularmente concedidos no âmbito do Programa de Apoio à Destilação Crise 2000/2001, deveria o tribunal ter conhecido da data em que foram praticadas as irregularidades.
6. Não o tendo feito, o Tribunal a quo incorreu no vício de fundamentação insuficiente da matéria de facto, o que se requer a V. Exas. que seja declarado, nos termos do artigo 662.º do CPC, devendo os autos baixar à primeira instância, para que o Tribunal procede às diligências necessárias para determinar a data em que data foram praticadas as irregularidades que deram origem à obrigação de restituição dos apoios concedidos à V..., Ld.ª, a fim de se verificar se, à data da citação (9/11/2007) já teriam, ou não, prescrito os créditos do IFAP sobre a V..., Ld.ª, em execução nos presentes autos.
B) Da compensação dos apoios concedidos no âmbito do Programa de Apoio à Destilação Crise 2000/2001
7. O Tribunal a quo considerou que não foi provado pela V..., Ld.ª que os valores em execução nos presentes autos são os mesmos que constam do Doc.1 como tendo sido utilizados pelo IFAP na compensação de uma alegada dívida que esta sociedade teria com este instituto.
8. Como se pode verificar pelos Docs.1 a 5 juntos aos autos, TODOS os apoios concedidos no âmbito do Programa de Apoio à Destilação Crise 2000/2001, onde se incluem os montantes em execução nos presentes autos, foram compensados para pagamento da dívida que a V..., Ld.ª teria sobre o IFAP, relativo às restituições à exportação, no montante de € 10.579.027,45.
9. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao julgar não provado que a V..., Ld.ª nunca recebeu os valores em execução nos presentes autos, impondo-se, desde já, a sua alteração para o elenco dos factos provados, nos termos do artigo 662.º do CPC
C) Da extinção da obrigação de restituição pela compensação operada em 2008.
10. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não se ter pronunciado, na sentença de que se recorre, sobre a compensação do valor de € 64.569,37, ocorrida no ano de 2008, através do ofício ...08, de 29/07/2008.
11. O IFAP notificou a V..., Ld.ª que, em 02/07/2008 e 16/07/2008, procedeu a duas compensações, nos montantes de € 16.835,17 e € 47.734,20, que extinguiram a execução da totalidade do capital em dívida, devendo a execução prosseguir apenas para cobrança dos juros vencidos, conforme se pode comprovar dos documentos correspondentes às fls. 202 a 207 do processo administrativo junto aos autos.
12. Ou seja, ainda antes de o IFAP vir contestar a presente oposição à execução fiscal, veio este instituto operar a compensação do capital em dívida nos presentes autos.
13. A compensação, enquanto forma alternativa de extinção das obrigações, é fundamento de oposição à execução fiscal, devendo ser equiparada ao pagamento, para os efeitos da alínea f) do artigo 204.º do CPPT.
14. Pelo que ao ter conhecimento destes factos, como teve, o Tribunal a quo deveria ter-se sobre eles pronunciado, decidindo a final pela procedência da presente oposição à execução fiscal, nos termos do artigo 204.º, n.º 1, al. f), do CPPT.
15. Ao não tê-lo feito, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto, pois, que deveria ter julgado provado que o montante em execução já se encontra pago, em virtude da compensação operada pelo ofício ...08, de 29/07/2008, impondo-se a respetiva ampliação da matéria de facto e respetiva adição ao elenco dos factos provados, o que aqui respeitosamente se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
16. Sendo certo que, no modesto entendimento da V..., Ld.ª, tais factos, conjugados com a restante matéria assente, impunham uma decisão diferente daquela que veio a ser, a final, proferida: impunham a procedência da oposição à execução fiscal, o que ora se requer.
Termos em que deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida, com todas as consequências legais.».

1.3. O Recorrido Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
«A. Do invocado no Ponto II, a) das doutas alegações e, bem assim, das conclusões formuladas sob os 2 a 6, resulta que a Recorrente pretende a alteração da matéria de facto, designadamente que seja aditado ao elenco dos factos provados a data em que foi cometida a irregularidade, para, assim, determinar se decorreu ou não o prazo prescricional previsto no Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95, do Conselho, devendo da mesma forma ser entendido relativamente à discussão encetada pela Recorrente no Ponto II c) das alegações e nºs 10 e seguintes das conclusões, (à qual nos referiremos mais adiante) também aqui pretendendo a Recorrente a ampliação da matéria de facto dada por provada.
B. Pese embora pretenda alterar a matéria de facto dada por provada, a Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia decorrente do preceituado no artigo 640º do NCPC, aplicável por força do artigo 2º do CPPT, já que não indicou expressamente os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os meios probatórios que impunham decisão diversa da produzida, e a decisão que na sua ótica deveria ser proferida sobre cada das questões de facto impugnadas.
C. O prazo de prescrição de 4 anos, a contar da data da prática da irregularidade, previsto no artigo 3º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95, do Conselho, é aplicável ao procedimento administrativo e não há prescrição da divida exequenda, enquanto fundamento da oposição á execução.
D. Prescrição do procedimento administrativo e prescrição da divida exequenda são conceitos jurídicos distintos, que não se confundem, sendo que, o primeiro se reconduz à discussão da legalidade da dívida, cuja discussão, em sede de oposição, apenas é admitida se inexistir meio processual de impugnação do acto através do qual foi criada a divida exequenda, o que nunca ocorre nos casos em que a execução fiscal tem na sua génese ato administrativo através do qual foi ordenada a reposição de ajudas comunitárias.
E. Por outro lado, a prescrição das dívidas exequendas, podendo encontrar fundamento noutros preceitos legais, não o encontrará certamente nas normas invocadas pela Oponente/Recorrente, porquanto aquelas respeitam à questão da prescrição procedimental e não da divida...., devendo ter-se presente o estatuído na parte final do 4º§ do n1 do artigo 3º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95, do Conselho que prevê que: “O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.”
F. Tendo a execução fiscal sido instaurada, a pedido da autoridade administrativa que proferiu a decisão final, no prazo assim previsto (conforme decorre da factualidade dada por provada), não se poderá considerar a prescrição da divida exequenda, pese embora o aqui Recorrido considere que o prazo de prescrição das dividas em causa, será, não o previsto no Regulamento, mas sim o que decorre do regime previsto no Código Civil.
G. Não pode proceder o argumento aduzido pela Recorrente no sentido de que não recebeu o valor da divida exequenda, porque o mesmo foi usado para compensação de outras dividas que detinha perante o IFAP, aqui Recorrido.
H. Embora não tenha havido a efetiva transferência do dinheiro para a conta da Recorrente, a verdade é que o crédito que lhe foi apurado pelo Recorrido integrou a sua esfera jurídica, ficando aquela assim imbuída da qualidade de credora do IFAP, o qual, sendo simultaneamente seu credor, usou, nos termos da lei, tal quantia para deduzir em dívidas existentes daquele credor, nos exatos termos previstos no Código Civil.
I. Pese embora a questão suscitada pela Recorrente no Ponto II, c) das suas doutas alegações e 10 e seguintes das conclusões, seja questão nova cuja apreciação não foi submetida ao escrutínio do tribunal de primeira instância, e que, por isso, à partida, atentas as normas e princípios processuais aplicáveis, não deveria ser conhecida, o Recorrido concorda com a Recorrente no sentido de que se impõe o seu conhecimento,
J. Por respeito ao princípio da descoberta da verdade material.
K. Devendo dar-se assim por assente, nos autos, que em julho de 2008, o IFAP, compensou com quantias que, entretanto, apurou a favor da aqui Recorrente, a quantia global de €64.569,37, tendo daqueles, sido compensados, em 2 de julho de 2008, €16.835,17 e em 16 de julho de 2008, €47.734,20.
L. Mais devendo ficar assente que de tal facto foi dado o devido conhecimento ao Serviço de Finanças, requerendo o IFAP, o prosseguimento da execução apenas para cobrança coerciva dos juros de mora vencidos.
M. Porém, tal facto não tem como consequência o pretendido pela Recorrente, no sentido da extinção da execução fiscal, já que o valor compensado, como visto, corresponde apenas ao valor do capital, havendo aquela que prosseguir para cobrança do remanescente, correspondente ao valor dos juros de mora vencidos sobre aquele capital, desde a data em que se tornou definitiva a decisão e até às datas em que se operou cada uma das compensações parciais.
N. Devendo assim, manter-se a decisão proferida no sentido da improcedência da oposição à execução fiscal, ordenando-se, consequentemente o seu prosseguimento, mas apenas para cobrança coerciva do valor dos juros de mora que se venceram até às datas em que ocorreram as compensações.
Termos em que não deverá o presente recurso merecer provimento, devendo mantendo-se a douta decisão recorrida que julgou improcedente a oposição apresentada, mais devendo ser determinada a redução da quantia exequenda e o prosseguimento dos ulteriores termos da execução fiscal, de forma a que seja alcançada a já costumada
JUSTIÇA».

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:
«V..., Ld.ª vem interpor recurso da sentença da Mmª do TAF de Viseu que no âmbito de oposição à execução fiscal para cobrança de dívidas provenientes do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (IFAP), a julgou improcedente.
*
É jurisprudência pacífica que o âmbito é definido pelas conclusões extraídas pela recorrente das respectivas alegações.
O IFAP, IP contra-alegou.
*
Alega V..., Ld.ª, em resumo, que a sentença enferma de erro de julgamento ao não considerar verificada a prescrição da divida e que esse montante em causa já se encontra pago, em virtude de compensação, impondo-se quanto a tal a ampliação da matéria de facto.
Cremos que não lhe assiste razão
No que concerne à prescrição, o julgador conheceu de tal e em face do que considerou como provado e da fundamentação expendida, concluiu que a mesma se não verifica, em termos que não merecem censura.
Já em relação à aludida compensação, tal é uma questão nova, só mencionada pela primeira vez na alegação de recurso, mostrando-se, até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitada na petição e não tendo, por isso, sido apreciada na sentença.
O recurso só pode incidir sobre questões que tenham sido ou devessem ter sido apreciadas pelo tribunal recorrido.
Citando o Ac. do STA de 29/10/2014 no processo 0833/14 in www.dgsi.pt:
“Os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais.
Por isso, têm por fim, para além de questões de conhecimento oficioso, a apreciação da correcção das decisões recorridas e não a produção de decisões, em primeiro grau de jurisdição, sobre matérias não conhecidas por elas.”
Face ao exposto, em nosso entender, o TCAN não deve dela conhecer.
*
É nosso parecer que se deve negar provimento ao recurso.».

1.5. As partes foram notificadas do douto parecer do DMMP.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe vêm apontados, por não ter julgado verificada a prescrição invocada nem apreciado a questão do pagamento da dívida de capital, por compensação.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«IV.1. Factos Provados:
Com interesse para a decisão a proferir considero provados os seguintes factos:
1. No âmbito do programa de controlos para aplicação em Portugal de Reg. (CEE) n.º 4045/89, de 21 de dezembro, a Divisão de Inspeção e Controlo do Instituto da Vinha e do Vinho, detetou irregularidades nas entregas de vinho na destilaria levadas a cabo pela Oponente porque não respeitou as condições previstas pelas disposições comunitárias de acordo com o previsto no artigo 74.º do Reg. (CE) n.º 1623/2000 de 25 de julho. – Cfr. fls. 80 e ss. do processo administrativo apenso (doravante PA), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. As irregularidades detetadas nas entregas de vinho na destilaria referidas em 1., relativamente às ajudas à destilação em crise da campanha de 2000/2001, levaram a que a Oponente tivesse que repor a quantia de € 65.495,53 euros, recebidos indevidamente. – Cfr. fls. 90 a 81 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Pelo ofício datado de 15.10.2004, enviado pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (antes IFADAP), através de correio registado com aviso de receção assinado em 18.10.2004, a Oponente foi notificada “que dispõe de 20 dias úteis para se pronunciar, por escrito, sobre todas as questões que constituem objecto do presente procedimento, podendo no mesmo prazo requerer diligências complementares ou juntar novos documentos”. – Cfr. fls. 99/97 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Através de fax enviado ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (antes IFADAP) em 21.10.2004, a Oponente pediu que lhe facultassem o nome das adegas envolvidas nas irregularidades. – Cfr. fls. 96/95 doPA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Em 25.10.2004, o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (antes IFADAP) respondeu à Oponente quais as adegas envolvidas nas irregularidades. – Cfr. fls. 94 doPA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Pelo ofício datado de 16.02.2005, enviado pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (antes IFADAP), através de correio registado com aviso de receção assinado em 17.02.2005, a Oponente foi notificada, de entre o mais, do seguinte: “Pelo exposto e para efeitos de reposição voluntária da quantia de 65.495,53 euros, fica V. Exaª. notificado que a mesma poderá ser efectuada por meio de cheque a enviar para a Tesouraria deste Instituto, fazendo referência ao número de processo indicado neste ofício, no prazo de trinta dias a contar da data de recepção do mesmo.”. – Cfr. fls. 118/115 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Por ofício datado de 15.10.2007, enviado através de correio registado com aviso de receção, dirigido ao Serviço de Finanças ..., o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP requereu a instauração do competente processo de execução fiscal contra a Oponente, juntando certidão de dívida no valor de € 71.292,75 euros, quantia esta, relativa a reposição de quantias indevidamente recebidas, detetadas no âmbito da inspeção referida em 1. – Cfr. fls. 134/133 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. A Oponente foi citada em 09.11.2007, para o processo executivo n.º ...17, instaurado para cobrança coerciva de dívidas provenientes do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, respeitante a subsídio atribuído no âmbito da Ajuda à Destilação de Crise, campanha 2000/2001, no valor global de € 71.292,75 euros referido em 7. – Cfr. fls. 21 do processo físico, doravante PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. O processo executivo referido em 1., tem por base a certidão de dívida emitida pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP. – Cfr fls. 20 do PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Em 10.12.2007, foi apresentada a petição inicial que deu origem aos presentes autos no Serviço de Finanças .... – Cfr. fls. 4 e ss. do PF, concretamente o carimbo aposto na página inicial da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
IV.2. Factos não Provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
IV.3. Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e juntos ao processo administrativo apenso, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.».

3.1.2. Aditamento à matéria de facto
Em face da prova documental constante dos autos, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º do CPC, vamos proceder ao seguinte aditamento ao elenco da factualidade provada:
11. Em 25.07.2008, a entidade credora remeteu ao OEF um fax com o seguinte teor: «No seguimento do nosso Fax nº 271/DJU/UDEV/2008 somos a informar que as compensações operadas em 02.07.2008 e 16.07.2008 saldaram o capital em dívida no N/Processo nº 6472/20... devendo a Execução Fiscal prosseguir para cobrança dos juros vencidos.» - cfr. fls. 205 do PA e 237 do suporte físico dos autos.
12. Consequentemente, o OEF emitiu as anulações n.º 318 e 321 anulando, respetivamente, as quantias de €16.835,17 e de €47.734,20 – cfr. tramitação do PEF de fls. 238 do suporte físico dos autos.
3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da prescrição da dívida exequenda
Resulta da factualidade assente que, com a presente execução fiscal, se pretendia a restituição da verba de €64.569,37, referente a subsídio atribuído no âmbito da Ajuda à Destilação Crise, campanha 2000/2001, e respetivos juros de mora que, até 15.10.2007, foram computados em €6.723,38.
A Recorrente entende que a dívida se encontra prescrita, imputando à sentença erro de julgamento, de facto e de direito, em virtude da omissão da data em que ocorreu a infração, entendendo que, para fixação desta, os autos devem baixar à 1.ª instância.
A entidade recorrida sustenta que tal aditamento à matéria de facto não se justifica, por não ter sido adequadamente impugnada a matéria de facto e que o prazo prescricional aplicável é de três anos, e não quatro.
Sucede que, como resulta do que adiante exporemos, tal factualidade é inútil para o conhecimento da questão da prescrição, pelo que, sem mais considerandos, vamos avançar na análise desta.
Tem razão a Recorrida quando refere que o prazo prescricional aplicável é de três anos e não de quatro, como decorre do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, cujo teor passamos a transcrever:
«1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.º 1 do artigo 1.º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.
O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.
A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.
Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.º 1 do artigo 6.º
2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se toma definitiva.
Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.
3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respectivamente nos n.ºs 1 e 2.» – o destacado é da nossa autoria.
Entendemos que resulta patente das normas do n.º 1 e do n.º 2 deste artigo que o prazo prescricional de 4 anos respeita ao procedimento, ao passo que o prazo de 3 anos está, ele sim, previsto para a execução da decisão administrativa. Assim, se a decisão administrativa determinar a reposição das quantias atribuídas, o prazo para a respetiva cobrança é de 3 anos.
Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva e os casos de suspensão e interrupção são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional. Significa isto que as causas de interrupção e suspensão da prescrição destas dívidas serão as reguladas pela lei geral – o Código Civil.
Aplicado este quadro normativo à situação dos autos temos que a decisão se tornou definitiva decorrido o prazo geral de impugnação da decisão notificada à Recorrente em 17/02/2005 (cfr. ponto 6 do probatório), sendo que, antes de corridos 3 anos sobre esta última data, ocorreu a sua citação (em 9/11/2007) que interrompeu o prazo prescricional em curso.
No sentido da conformidade deste entendimento com o direito comunitário, escreveu-se no acórdão do TJUE de 7.04.2022, proc. C-447/20, o seguinte:
«110. Há que considerar, portanto, que, com a segunda parte da sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o prazo de execução previsto no primeiro parágrafo deste número é interrompido pela citação para a cobrança coerciva da dívida objeto de uma decisão de cobrança.
111. A este respeito, há que salientar que o artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 dispõe que incumbe aos Estados-Membros determinar, através do seu direito nacional, os casos de interrupção e de suspensão do prazo de execução previsto no primeiro parágrafo desse número.
112. Além disso, contrariamente ao artigo 3.°, n.° 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, que impõe um limite absoluto aplicável à prescrição do procedimento contra uma irregularidade (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.° 63), o n.° 2 deste artigo não contém tal limite.
113. Assim, os Estados-Membros conservam um amplo poder de apreciação quanto à determinação dos casos de interrupção e de suspensão do prazo de execução previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2988/95.
114. No entanto, neste âmbito, devem respeitar os limites impostos pelo direito da União, no sentido de que as regras previstas pelo direito nacional não podem impossibilitar, na prática, ou dificultar excessivamente a recuperação das ajudas indevidas e que a aplicação da legislação nacional deve fazer-se de modo não discriminatório em relação aos processos destinados a decidir litígios nacionais do mesmo tipo (v., por analogia, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Erzeugerorganisation Tiefkühlgemüse, C-516/16, EU:C:2017:1011, n.° 96).
115. Além disso, os Estados-Membros têm de respeitar os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2017, Glencore Céréales France, C-584/15, EU:C:2017:160, n.° 72).
116. No que se refere ao princípio da proporcionalidade, a duração dos prazos de prescrição e de execução aplicáveis não deve ir manifestamente além do necessário para se atingir o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2017, Glencore Céréales France, C-584/15, EU:C:2017:160, n.° 74). Quanto ao princípio da segurança jurídica, este exige, nomeadamente, que estes prazos devem ser fixados antecipadamente e que qualquer aplicação «por analogia» de tais prazos deve ser suficientemente previsível para o particular (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C-349/17, EU:C:2019:172, n.° 112).
117. Nos casos em apreço, tendo em conta os elementos que resultam dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça e sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, não se afigura que a regulamentação nacional que rege a interrupção do prazo de execução das decisões de cobrança seja suscetível de tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil a cobrança dos montantes indevidamente recebidos.
118. Quanto ao princípio da segurança jurídica, a descrição do direito português, tal como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, não permite considerar que a interrupção desse prazo pela citação para a cobrança coerciva da dívida objeto de uma decisão de cobrança não seja previsível para os particulares.
119. Além disso, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, há que salientar que uma regulamentação nacional que prevê essa interrupção do prazo de execução não vai além do necessário para alcançar o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União, uma vez que não é suscetível de retardar indefinidamente o termo desse prazo.
120. Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda parte da quarta questão que o artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o prazo de execução previsto no primeiro parágrafo deste número é interrompido pela citação para a cobrança coerciva da dívida objeto de uma decisão de cobrança.».
Tal interrupção teve por efeito a inutilização, para a prescrição, de todo o tempo decorrido anteriormente, não começando a correr novo prazo enquanto não transitar em julgado a decisão que ponha termo ao processo onde tal citação ocorreu (cfr. artigos 326.º e 327.º do Código Civil).
Uma vez que o processo de execução fiscal ainda não se encontra findo, o prazo de prescrição da dívida exequenda não se mostra transcorrido.
Acresce deixar claro que, conforme pronúncia do TJUE, proferida no âmbito do reenvio prejudicial efetuado pelo STA no processo 56/13.0BEMDL, a prescrição do procedimento (esta sim, de 4 anos) deve ser analisada na ação de impugnação deduzida contra a decisão determinativa da restituição dos valores recebidos.
Atentemos no que se consignou naquele aresto do STA:
«A questão foi suscitada perante o TJUE para apurar, no essencial, se o disposto no artigo 204.º n.º 1, al. h) do CPPT pode ser interpretado no sentido de que a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, fundamentada na prescrição do procedimento administrativo para a determinação da existência ou não de irregularidade na aplicação/uso dos subsídios atribuídos ao abrigo de programas financeiros da União, não constitui fundamento válido da oposição à execução, uma vez que tal fundamento mesmo apenas pode ser invocado perante a jurisdição administrativa, sendo a acção administrativa o meio judicial adequado, à luz do direito nacional, para reagir contra a (in)validade do acto de liquidação, in casu, do acto que determina a restituição das quantias pagas com fundamento em irregularidade.
No acórdão de 07.04.2022, o TJUE veio esclarecer claramente que o direito europeu não se opõe a esta interpretação do artigo 204.º n.º 1, al. h) do CPPT, pelas seguintes razões:
Primeiro, porque o Regulamento n.º 2988/95 “não determina as vias de recurso disponíveis para impugnar as decisões que impõem medidas e sanções administrativas, nem os órgãos jurisdicionais competentes para delas conhecer, e também não prevê prazo de caducidade ou de prescrição no termo do qual essas decisões, por não terem sido impugnadas perante o juiz competente, adquirem carácter definitivo” (§52 do acórdão C-447/20 e C-448/20), o que significa que, para efeitos de impugnação da legalidade do acto que exige a restituição das quantias pagas valem aqui as regras do artigo 58.º do CPTA, cabendo ao beneficiário da subvenção impugnar juntos dos tribunais administrativos, mediante acção administrativa, a eventual prescrição do procedimento que exige aquela restituição por irregularidade;
Segundo, porque esta solução – a de que a prescrição do procedimento tem de fazer-se valer junto da jurisdição administrativa e não pode ser invocada no processo de execução fiscal em sede de oposição à execução – cumpre as exigências do princípio da equivalência, ou seja, “não é uma solução menos favorável do que as soluções análogas do direito interno” (§52 do acórdão C-447/20 e C-448/20). Com efeito, constitui jurisprudência uniforme entre nós que a legalidade do acto tributário que serve de título executivo não pode ser questionada na fase de execução fiscal, a não ser nos casos em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra aquele acto de liquidação (v., por último acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Junho de 2021, proc. n.º 0254/12.0BELRA 0599/17). Existindo, como existe, a possibilidade de o executado atacar judicialmente o acto que exige a restituição da subvenção e que serve de título à dívida exigida no processo de execução fiscal, vale aqui o regime regra do processo executivo, segundo a qual não pode, nesta sede, conhecer-se de um fundamento de ilegalidade do referido acto que determina a reposição da subvenção.
Aliás, o acórdão do TJUE afirma expressamente a este respeito, no §54, o seguinte: “Nos casos em apreço, nenhum elemento contido nas decisões de reenvio permite considerar que o prazo de três meses, previsto no artigo 58.°, n.° 1, do CPTA, para impugnar uma decisão administrativa, como as decisões de cobrança impugnadas, a título incidental, nos processos principais, é contrário ao princípio da equivalência”.
Terceiro, porque a defesa dos direitos do beneficiário da subvenção não se revela impossível, nem sequer excessivamente difícil, em razão da aplicação do regime regra do 204.º n.º 1, al. h) do CPPT, ou seja, este ónus de impugnação em sede de acção administrativa dos fundamentos que ditam a ilegalidade do acto que determina a reposição dos subvenções com fundamento na prescrição do procedimento não afecta o princípio da efectividade das garantias dos administrados.
Neste sentido concluiu também o TJUE no § 55 do acórdão que estamos a seguir ao afirmar o seguinte: “No que respeita ao princípio da efetividade, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que a fixação de prazos razoáveis de recurso, sob pena de caducidade, satisfaz, em princípio, a exigência de efetividade, na medida em que constitui uma aplicação do princípio fundamental da segurança jurídica. Com efeito, tais prazos não são suscetíveis de tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União, embora, por definição, o termo desses prazos acarrete a improcedência, total ou parcial, da ação intentada (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de fevereiro de 2008, Kempter, C-2/06, EU:C:2008:78, n.° 58, e de 14 de fevereiro de 2019, Nestrade, C-562/17, EU:C:2019:115, n.° 41).
E o aresto do Tribunal Europeu vai mais longe a este propósito e acrescenta ainda nos §§ 57 e 58 o seguinte: “A este respeito, disposições nacionais, como o artigo 58.º, n.º 1, e o artigo 59.º, n.º 2, do CPTA, que preveem que o destinatário de uma decisão administrativa, como as decisões de cobrança impugnadas, a título incidental, nos processos principais, dispõe de um prazo de três meses a contar da notificação da referida decisão para a contestar, sob pena de caducidade, não parecem ser contrárias ao princípio da efetividade. Com efeito, esse prazo tem caráter razoável se permitir ao interessado avaliar se existem motivos para contestar a decisão que lhe diz respeito e, se for caso disso, preparar o recurso da mesma. Além disso, o seu início a partir da notificação do ato garante que o interessado não se encontra numa situação em que esse prazo tenha decorrido, mesmo que tenha tido conhecimento da sua adoção (v., por analogia, Acórdão de 11 de setembro de 2019, Cãlin, C-676/17, EU:C:2019:700, n.ºs 47 e 48).».

Quanto à prescrição dos juros de mora, à míngua de regulamentação especial, deve igualmente aplicar-se o regime geral, constante dos artigos já mencionados e, no que respeita ao prazo aplicável, do artigo 310º, alínea d) do Código Civil, que prevê o prazo de cinco anos.
Os juros de mora são devidos desde o momento em que terminou o prazo de pagamento voluntário (30 dias após a notificação para pagamento, referida no ponto 6 do probatório), data a partir da qual a Recorrente se constituiu em mora (artigo 805º, nº 1, do Código Civil). Assim, o prazo prescricional de 5 anos iniciou-se em 18/03/2005, foi interrompido com a citação da Recorrente em 9/11/2007, e não voltou a retomar o seu curso, atento que o já considerámos quanto à dívida de capital.
Concluímos, pois, que nem a dívida de capital, nem a de juros de mora se encontram prescritas, pelo que improcedem as conclusões 2 e 6 das alegações de recurso.

3.2.2. Do não recebimento do valor exequendo pela Recorrente
Nas conclusões 7 a 9, a Recorrente sustenta que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto ao não ter dado como provado que nunca foram por si recebidos os valores em execução nestes autos.
Ora, como é sabido, o Tribunal apenas deve levar ao probatório a factualidade relevante para a decisão a proferir e não todos os factos alegados pelas partes e aceitando a Recorrente que, apesar de o valor exequendo não lhe ter sido entregue, foi usado para compensação de outras dívidas suas, está a admitir que o mesmo existiu na sua esfera jurídica.
Ou seja, tal valor existiu na sua esfera jurídica enquanto crédito a seu favor e, a partir do momento em que foi utilizado para compensar outras dívidas suas, consolidou-se o seu direito de propriedade sobre o mesmo.
Nesta perspetiva, é inútil a alteração da matéria de facto pretendida pelo Recorrente, improcedendo também as conclusões em análise.
3.2.3. Da extinção da dívida operada por efeito de compensação em 2008
Já nas conclusões 10 a 15, a Recorrente alega ter sido notificada pelo IFAP de que, em 02.07.2008 e em 16.07.2008, procedeu a duas compensações, nos montantes de €16.835,17 e €47.734,20, que extinguiram a totalidade do capital em dívida, e que ao ter conhecimento destes factos o Tribunal a quo deveria ter-se sobre eles pronunciado, decidindo a final pela procedência da oposição.
Nas suas contra-alegações, a Recorrida entende que, a bem da verdade material, deve dar-se como provado que tais compensações ocorreram, que delas foi dado conhecimento ao OEF, requerendo o IFAP o prosseguimento da execução quanto aos juros de mora. No entanto, sustenta que, desta factualidade apenas se pode extrair a improcedência da oposição, ordenando-se o seu prosseguimento para cobrança dos ditos juros.
O DMMP junto deste Tribunal considerou que esta é uma questão nova, sobre a qual não cabe emitir pronúncia.
Como se depreende da factualidade assente, na pendência desta oposição, foi totalmente extinta a dívida de capital, objeto da execução fiscal instaurada contra a Recorrente, por efeito da compensação, tendo o OEF anulado aquela parte da dívida exequenda e, conforme solicitado pela entidade credora, fez prosseguir os autos apenas para cobrança da dívida proveniente de juros de mora.
Não há notícia no PA, nem nos presentes autos, de quando a entidade credora deu conhecimento dessa compensação à Recorrente, apenas sendo possível presumir que tal facto chegou à sua esfera de conhecimento após a sua (isto é, do seu Ilustre Mandatário) notificação da apensação do PA aos presentes autos (a fls. 173, remetida em 23.02.2017).
Sucede que a Recorrente nada arguiu na sequência da notificação da junção aos autos do PA, e podia tê-lo feito, tendo em vista aproveitar-se de tal facto que, como ela reconhece, é fundamento de oposição, nos termos da alínea i), do artigo 204.º, do CPPT, pelo que esta questão não foi apreciada na sentença agora recorrida.
Não obstante, dispõe o artigo 611º do Código de Processo Civil do seguinte modo:
«1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
2 - Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.
3 - A circunstância de o facto jurídico relevante ter nascido ou se haver extinguido no decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas, de acordo com o disposto no artigo 536.º.».
A nosso ver, é incontestável que, posteriormente à propositura da oposição, ocorreu um facto extintivo da dívida de capital (a compensação), com influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.
Face ao vertido no ponto 12 do probatório, por nós aditado, na pendência desta oposição, o OEF emitiu anulações das dívidas de capital e determinou o prosseguimento da execução apenas para cobrança dos juros de mora.
Tal facto implica a inutilidade superveniente, ainda que apenas parcial, da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, porquanto a Recorrente obteve a satisfação de parte da sua pretensão fora do esquema da ação por si intentada.
O conhecimento desta inutilidade não prejudica, a nosso ver, a apreciação já realizada da prescrição da dívida exequenda, pois esta vem invocada como primeiro fundamento da oposição e, a verificar-se antes da extinção por compensação, poderia eventualmente ter reflexos na esfera jurídica da Recorrente, designadamente em matéria de juros moratórios.
Acresce dizer que, para efeito de custas, tal inutilidade não pode ser imputável à Recorrida, pelo que caberá à Recorrente a responsabilidade pelas custas, nesta parte (artigo 536º, nº 3, do Código de Processo Civil).

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, declarar parcialmente extinta a lide por inutilidade superveniente e, no mais, negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação.
Custas a cargo da Recorrente, que sai vencida neste recurso, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º e 536º, nº 3, do CPC.
*
Porto, 14 de julho de 2022
Maria do Rosário Pais
José Coelho
Irene Isabel das Neves