Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01228/16.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA;
RECURSO HIERÁRQUICO;
59º DO CPTA;
Sumário:
I. Estando em causa acção administrativo especial de condenação à prática de acto devido em matéria tributária, que não comporte a apreciação da legalidade da liquidação, o regime aplicável decorre, directamente, do CPA e do CPTA (cfr. artigo 97.º, n.º 2 do CPPT).

II. O prazo de 30 dias, estabelecido no artigo 175.º, n.º 1, do CPA, (ou de 60 dias, estabelecido no artigo 66.º, n.º 5 do CPPT), para a decisão do recurso hierárquico, conta-se a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do acto se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA)

III. Nos casos em que a remessa do processo ao órgão competente para decidir não seja notificada ao requerente, impõe-se manter o termo do prazo legal de 15 dias para efeito de se iniciar a contagem do prazo a que alude o artigo 175º, n.º 1 do CPA (66º, n.º 5 do CPPT).*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
2.
1.1. A Recorrente ([SCom01...], E.M., S.A.), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que, no âmbito da acção administrativa por si intentada, foi julgada procedente a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A) O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a exceção dilatória de caducidade do direito invocada pelo Ministério das Finanças no âmbito da ação administrativa intentada pela Recorrente na qual se peticionou a anulação do indeferimento do pedido de isenção de IMT relativamente à aquisição de prédio por expropriação, bem como a condenação do réu a reconhecer aquela isenção;
B) Entendeu o Tribunal a quo que, não obstante não ter resultado provado que a remessa do recurso hierárquico ao órgão competente para decidir do mesmo foi notificada à Recorrente, esse facto será irrelevante na suspensão do prazo de impugnação contenciosa (dedução da ação administrativa) por força da utilização da impugnação administrativa, nos termos do artigo 59.°, n.° 4 do CPTA;
C) Considerou o Tribunal a quo que, na contagem do prazo de três meses para deduzir ação administrativa e respetiva suspensão nos termos do artigo 59.°, n.° 4 do CPTA, deve apenas ter-se em conta (i) a data de notificação do indeferimento do pedido de isenção de IMT, (ii) a data e interposição do recurso hierárquico; (iii) o termo do prazo para a remessa do recurso hierárquico ao órgão competente para a sua decisão e (iv) o prazo para a decisão do recurso hierárquico;
D) Na perspetiva sancionada pelo Tribunal a quo, independentemente de a remessa do recurso hierárquico para o órgão competente para a sua decisão ser efetuada antes do prazo de 15 dias previsto no artigo 172.º, n.º 1 do CPA sem notificação ao destinatário ou já depois de esgotado esse prazo, para efeitos de suspensão do prazo para a impugnação contenciosa apenas releva o termo do prazo de 15 dias, dele se retomando a contagem do prazo para decidir o recurso hierárquico e daí o prazo para propor ação administrativa nos termos do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA;
E) A Recorrente não aceita tal entendimento, porquanto o mesmo se apoia numa parte da jurisprudência que não pode prevalecer atento o princípio do acesso ao direito consagrado pelo artigo 20.º da CRP;
F) A jurisprudência que deve colher é aquela segundo a qual, sendo utilizada a impugnação administrativa e não tendo sido notificada ao contribuinte a remessa da mesma para o órgão competente para a sua decisão (como sucedeu in casu), o efeito suspensivo do prazo de caducidade da ação administrativa, nos termos do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, somente se esgota com a notificação ao contribuinte da decisão que recair sobre a citada impugnação administrativa, ainda que o prazo legal para decidir a mesma tenha terminado em momento anterior.
G) Esta é a jurisprudência que vai de encontro às garantias dos contribuintes, sobretudo atendendo a que é entendimento pacífico dos tribunais superiores que a falta de menção na notificação dos atos administrativos em matéria tributária à suspensão do prazo da ação administrativa é sanada caso o destinatário não lance mão da faculdade incluída no artigo 37.º do CPPT e que a notificação do recurso hierárquico se dá numa fase do procedimento em que não é obrigatória a constituição de mandatário judicial;
H) Por todos estes motivos, deve a matéria de facto ser alterada, passando a dar-se como não provado o facto de a Recorrente ter sido notificada da remessa do recurso hierárquico ao órgão competente para a sua decisão;
I) Em face da ausência de notificação da remessa do recurso hierárquico, apenas com a notificação da decisão do projeto de indeferimento do recurso hierárquico, por Ofício de 18.07.2016, retomou a contagem do prazo de três meses (ao qual deveria ser deduzido o prazo decorrido entre a notificação do indeferimento do pedido de isenção e a data de interposição do recurso hierárquico);
J) A petição inicial deu entrada em 03.05.2018 (ainda antes de notificado o indeferimento do recurso hierárquico), pelo que é a presente ação tempestiva, devendo a questão de mérito ser conhecida pelo Tribunal de recurso;
K) A questão de mérito, que se dá por integralmente reproduzida nos termos em que foi aduzida na petição inicial, tem que ver com o pedido de reconhecimento de isenção de IMT apresentado pela Recorrente relativamente ao prédio sito na Praça ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...2, correspondente à Parcela ...3 da Unidade de Intervenção das ...;
L) Este pedido foi apresentado dentro do limite temporal consagrado na lei, nos termos dos artigos 10.°, n.° 1 e 36.°, n.° 3 do Código do IMT, porquanto o que releva para efeitos de contagem de prazo para apresentação do pedido de isenção é a data em que o despacho de adjudicação se tomou definitivo, na medida em que, até esse momento, a adjudicação da propriedade pode ser contestada;
M) Apenas com o trânsito em julgado do despacho de adjudicação se produz o efeito de transferência da propriedade para o expropriante, no caso a Recorrente, pelo que antes do decurso desse prazo não teria a Recorrente legitimidade para requerer a isenção do pagamento do IMT sobre a aquisição de um prédio que desconhecia se lhe iria, definitivamente, ser adjudicado ou não;
N) O pedido de reconhecimento de isenção de IMT de imóveis adquiridos nas referidas condições poderia ser solicitado, nos termos do n.° 3 do artigo 36.° do Código do IMT, dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do despacho que determinou a adjudicação (que ocorreu em 18.09.2008), i.e., até 20.10.2008, muito embora a Recorrente o tenha submetido antes, em 08.10.2008, ou seja, tempestivamente;
O) O despacho de indeferimento do pedido de reconhecimento da isenção de IMT deve assim ser anulado por incorrer em vício de violação de lei e deve ser reconhecida a requerida isenção de IMT.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE CONHEÇA A QUESTÃO DE MÉRITO E:
a) ANULE O ATO ADMINISTRATIVO CONSUBSTANCIADO NA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ISENÇÃO DE IMT, RESULTANTE DA AQUISIÇÃO DE PRÉDIO POR EXPROPRIAÇÃO, COM FUNDAMENTO NA ALÍNEA G), DO ARTIGO 6.º DO CIMT, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E;
b) CONDENE A RÉ AO RECONHECIMENTO DA ISENÇÃO DE IMT, POR TEMPESTIVIDADE DO RESPETIVO PEDIDO DE RECONHECIMENTO, NOS TERMOS DO N.º 1, DO ARTIGO 10.º DO CIMT; COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
«III - CONCLUSÕES:
A - Considera a Recorrente que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 13/07/2018 que considerou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu a Autoridade Tributária da instância incorre em erro de julgamento. Contudo, salvo melhor entendimento não lhe assiste razão, senão vejamos:
B - Alega que o n.º 4 do art.º 59º do CPTA não pode ser transposto, sem mais, para o contencioso tributário sob pena de comprometer as garantias dos contribuintes, invocando ainda a violação do princípio de acesso ao direito.
C - A redacção ao artigo 59.º do CPTA introduzida pela reforma de 2004 veio conceder aos particulares uma nova garantia consubstanciada na possibilidade de impugnação administrativa graciosa sem ver precludido o direito de posteriormente recorrer para os tribunais.
D - Como bem decidiu a sentença recorrida rebatendo ponto por ponto todos os argumentos aduzidos pela ora Recorrente a cuja fundamentação se adere na totalidade e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, não se verifica qualquer diminuição de garantias dos particulares ou violação de princípios constitucionais.
E - Resulta claro da aplicação da legislação aplicável que, quando a Recorrente deduziu a presente acção administrativa já tinha passado o prazo legal de interposição da acção, pelo que se verifica a caducidade do direito de acção. *
F - Alega a Recorrente que, por não ter sido notificada da remessa do recurso hierárquico ao órgão competente para dele conhecer conforme previsto no artigo 172.º do CPA, a notificação não produz efeitos.
G - Sucede que o âmbito do recurso é circunscrito ao conteúdo decisório da sentença e não da decisão impugnada.
H - Sem conceder, o legislador do procedimento tributário criou regras próprias e específicas relativas ao prazo de decisão e à subida do recurso hierárquico para o órgão ad quem o que denota uma intenção específica e materializada, na matéria que expressamente regulou, em se afastar do regime previsto no Código do Procedimento Administrativo.
I - O facto de não ter previsto a notificação do recorrente da remessa do processo administrativo ao órgão competente para dele conhecer foi intencional e justificada pelo facto de o prazo de decisão ter sido ampliado de 30 para 60 dias, ampliação essa que inclui desde logo o prazo relativo à instrução do processo.
J - Resulta assim que no âmbito do procedimento gracioso dos recursos hierárquicos previstos e regulados pelo CPPT não há lugar há notificação prevista no n.º 1 do artigo 172.º, nem se aplica o n.º 1 do artigo 175.º, todos do CPA.
K - Neste sentido vejam-se as decisões proferidas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de primeira instância Processo n.º 279/14.0BELRS da 3.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, de 9 de julho de 2015 e Processo n.º 1576/14.0BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
L - Como se pode ver pelo teor da notificação da decisão de indeferimento a que se refere o ponto C dos factos dados como assentes, a intempestividade da acção não foi de algum modo induzida pela Autoridade Tributária, antes sendo apenas imputável à Recorrente.
M - Com efeito, no caso concreto, o recurso hierárquico indicado na notificação correspondia a um dos meios adequados à impugnação da decisão em crise, pelo que não se verificam dificuldades na identificação do ato impugnado ou na sua qualificação como acto administrativo ou como norma.
N - Do atrás aduzido resulta assim, a improcedência total infundados os vícios da sentença e da decisão impugnada arguidos pela Recorrente na sua petição de Recurso.
Nestes termos e nos mais de Direito, doutamente supridos por V.ªs Ex.ªs, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta decisão proferida pelo douto Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tudo com as devidas e legais consequências.».

1.3. Foi notificado o Ministério Público junto deste Tribunal.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importa decidir, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consiste em saber se a sentença recorrida errou no julgamento que efectuou da excepção de caducidade do direito de acção.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«A) Em 08.10.2008, a autora apresentou pedido de concessão de isenção de IMT relativamente ao prédio urbano composto de casa com seis pavimentos, pátio e quintal, sito na Praça ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...57 – ..., e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...2 – cfr. fls. 6 do PA apenso.
B) Em 19.04.2010, foi proferido despacho que indeferiu o requerimento que antecede (acto impugnado) – cfr. fls. 26 do processo físico.
C) Em 12.05.2010, a autora é notificada do indeferimento que antecede – cfr. fls. 8 do PA apenso.
D) Em 11.06.2010, a autora apresenta recurso hierárquico do acto impugnado – acordo
E) Em 29.06.2010, o recurso hierárquico foi remetido ao órgão competente para o decidir – cfr. fls. 21 do PA apenso
F) Em 06.06.2016, foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto – cfr. fls. 73 do processo físico
G) Em 03.05.2016, foi remetida a este tribunal a p.i. que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 1 do processo físico.»

2.2. De direito
A Recorrente ([SCom01...], E.M., S.A.) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, absolvendo o réu da instância, mais concretamente da presente acção administrativo especial de condenação à prática de acto devido, tendo em vista o reconhecimento de isenção de IMT.
Para julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção, o tribunal a quo julgou o seguinte:
«(…) No caso, a autora foi notificada do indeferimento do seu pedido de isenção em 12.05.2010, pelo que, a partir de tal data, começou a contar-se o referido prazo de três meses para impugnar judicialmente o acto. Tendo apresentado recurso hierárquico, para efeitos de contagem do prazo de impugnação judicial importa atentar no disposto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA, norma de onde decorre que a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, se o mesmo ocorrer antes.
Assim, aquele prazo que se iniciaria em 13.05.2010, ao fim de 30 dias, ficou suspenso em 11.06.2010 em virtude da interposição de recurso hierárquico.
Nos termos do n.º 5 do artigo 66.º do CPPT, “Os recursos hierárquicos serão decididos no prazo máximo de 60 dias.”, prazo este que se conta a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer – cfr. n.º 1 do artigo 175.º do CPA. Importa ainda considerar que, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, “Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.” Importa ainda ter em conta que aquele prazo de decisão do recurso hierárquico se conta “o caso da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer se verificar depois de decorrido o prazo de 15 dias previsto no artigo 172.º, n.º 1, do mesmo Código, ou no caso desta remessa ser feita antes do termo desse prazo de 15 dias, mas sem notificação da remessa ao recorrente – a partir do termo do referido prazo de 15 dias.” – cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28.09.2017, processo n.º 00580/14.3BEPRT.
Dado que a remessa do processo em causa ao órgão competente para o decidir ocorreu em 29.06.2010, e que não resultou provada a notificação da remessa à autora, o prazo para a decisão do recurso hierárquico terminou em 14.09.2010. Assim, a partir do dia seguinte – 15.09.2010 – retomou-se a contagem do prazo de três meses para a impugnação do acto, o qual - considerando o decurso de 30 dias entre a notificação do indeferimento e a interposição do recurso hierárquico - terminou em 15.11.2010.
Assim, à data da entrada da p.i. em juízo – 03.05.2016 -, é manifesto que há muito que já havia decorrido o referido prazo de três meses.
Sem embargo, sempre se diga que não procede o argumento da autora no sentido de obstar à caducidade com a circunstância de a notificação do indeferimento não conter a possibilidade de impugnação judicial do acto. Efectivamente, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.07.2015, processo n.º 0389/15, “I - A insuficiência do acto de notificação por falta de indicação dos meios de defesa não conduz à nulidade do acto, mas faculta ao notificado o direito de requerer a notificação dos elementos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, dentro do prazo fixado no nº 1 do art. 37º do CPPT; usando dessa faculdade, o prazo para reagir contra o acto tributário conta-se a partir da notificação dos requisitos omitidos ou da passagem de certidão que os contenha. II - Não sendo exercida a faculdade prevista no art. 37º nº 1 do CPPT, a aludida omissão irreleva para afastar os efeitos normais da notificação já efectuada.” Quanto à inaplicabilidade ao caso do disposto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA, a argumentação da autora também não procede pois que é indubitável que a tramitação aplicável à forma processual da acção administrativa segue as regras do CPTA – cfr. artigo 97.º, n.º 2, do CPPT -, não havendo qualquer razão para afastar a aplicabilidade daquela norma quando está em causa um acto administrativo em matéria tributária.”
Atento o exposto, procede a excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual, o que obsta ao conhecimento do mérito da acção.» (fim de transcrição)
Contra este entendimento, argumenta a Recorrente, que a sentença se apoia numa parte da jurisprudência que não pode prevalecer atento o princípio do acesso ao direito consagrado pelo artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. A Jurisprudência que deve colher é aquela segundo a qual, sendo utilizada a impugnação administrativa e não tendo sido notificada ao contribuinte a remessa da mesma para o órgão competente para a sua decisão (como sucedeu in casu), o efeito suspensivo do prazo de caducidade da ação administrativa, nos termos do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, somente se esgota com a notificação ao contribuinte da decisão que recair sobre a citada impugnação administrativa, ainda que o prazo legal para decidir a mesma tenha terminado em momento anterior. (vide conclusões E) a J))
Para sustentar a sua posição, traz à colação a jurisprudência do TCA Sul, emanada em pelo menos três arrestos, no sentido que não obstante se reconheça que o decurso do prazo legal para a decisão de impugnação administrativa deverá determinar a cessação do efeito suspensivo da contagem do prazo da acção administrativa caso se esgote sem que haja uma decisão sobre aquela impugnação, a verdade é que esse termo do efeito suspensivo não se afigura oponível ao contribuinte quando não lhe for notificada a remessa do processo ao órgão competente para a decisão da impugnação (Neste sentido, cfr. Acórdãos do TCAS, de 30.01.2014, processo n.º 05953/12; de 04.02.2016, processo n.º 08726/15; de 08.06.2017, processo n.º 09284/16).
Em face do exposto, a questão central a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar caducado o direito de acção da Recorrente com fundamento na tese segundo a qual nos casos em que haja recurso à impugnação administrativa e não tendo sido notificada ao requerente a remessa do processo ao órgão competente para dela conhecer (artigo 172.º n.º 1, do CPA), o efeito suspensivo do prazo de caducidade da acção, associado à interposição da impugnação administrativa, previsto no artigo 59.º, n.º 4, do CPTA, esgota-se com o decurso do prazo de 90 dias acrescido de 15 dias, independentemente da notificação ao requerente da remessa do recurso hierárquico a entidade competente e, da notificação da decisão proferida na mencionada impugnação administrativa se o prazo legal de decisão houver sido consumido em momento anterior.
Vejamos.
Efectivamente, nos acórdãos indicados pelo Recorrente, refere-se que o esgotamento do prazo de decisão do recurso hierárquico, como termo ad quem do efeito suspensivo da sua dedução, nos termos do artigo 59.º, n.º 4, do CPTA, não é oponível ao seu destinatário, dado que não lhe foi notificada a remessa do processo ao órgão ad quem, o que significa que apenas através da notificação da decisão tomada pelo referido órgão foi acessível ao destinatário do acto o decurso do respectivo prazo legal de decisão e o exaurimento do efeito suspensivo previsto no artigo 59.º, n.º 4, do CPTA.
Cumpre, no entanto, salientar que, daquele normativo legal in fine decorre que a referida suspensão cessa com a notificação da decisão proferida sobre esse recurso hierárquico ou com o decurso do respectivo prazo legal, isto é, retoma o seu curso com o primeiro dos eventos que ocorra.
Por outras palavras, se o decurso do prazo legal de decisão do recurso hierárquico se esgotou antes de a entidade administrativa competente ter proferido decisão, é exactamente aquele evento, e não a notificação da decisão, que faz cessar a suspensão e o consequente recomeço do decurso do prazo de impugnação contenciosa – neste sentido cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 27.02.2008, in proc. n.º 848/06.
In casu, tendo sido o recurso hierárquico instaurado interposto em 11.06.2010, o autor (Subdiretor Geral dos Impostos) do acto tinha 15 dias úteis para sobre ele se pronunciar e para o remeter ao órgão competente para decidir, isto é, até 29.06.2010, data em que se iniciou o prazo de 60 dias úteis para essa decisão, o qual findou em 20.09.2010- ou seja, antes da data em que foi proferida decisão sobre o recurso hierárquico, que só viria acontecer em 06.06.2016, pelo que, logo em 01.09.2010 (após final do período das férias judiciais – cfr. artigo 58º, n.º 3, do CPTA e 138.º, n.º 1 do CPC) se retomou a contagem do prazo para interposição da acção administrativa especial.
Temos, pois, que, o recurso hierárquico foi indeferido em 06.06.2016 (cfr. ponto J) do probatório). Ora, tal recurso hierárquico devia ter sido decidido no prazo de 60 dias úteis (cfr. artigos 72.º, n.º 1, alínea b) do CPA, 66.º, n.º 5 do CPPT e 175.º, n.º 1, do CPA), o qual se contaria a partir do termo do prazo de 15 dias úteis previsto no artigo 172.º n.º 1, do CPA (e artigo 66.º, n.º 3 do CPPT) – cfr. neste sentido, entre outros, acórdãos do STA, de 20.11.2002, in proc. n.º 46 077, e de 25.02.2010, proc. n.º 0320/08, e acórdãos do TCA Norte, de 22.04.2010, proc. n.º 353/09.5BECBR, de 13.01.2011, proc. n.º 816/10.0BEPRT, 01.04.2011, proc. n.º 249/10.8 BEAVR e, de 28.09.2017, in proc. n.º 580/14.3BEPRT.
Mais se diga, de encontro com o decidido em 1ª instância, que tal entendimento sufragado pela jurisprudência e, por nós, não é posto em causa pelo facto de o Recorrente não ter sido notificado da remessa do processo à entidade competente para dele decidir (notificação que se encontra prevista no artigo 172.º, n.º 1, parte final, do CPA).
Esta questão já foi analisada pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.06.2014, proferido no âmbito do processo n.º 1954/13, nos seguintes termos que aqui recuperamos «(…) nem se argumente que não tendo havido notificação da remessa do processo ao superior hierárquico, tal regime de impugnação representa um atentado contra as garantias de defesa do particular que fica impossibilitado de conhecer o início da contagem do prazo para a formação do acto de indeferimento.
Ao contrário da tese da Recorrente, o legislador é taxativo na fixação do momento em que se considera o recurso hierárquico indeferido, ou seja, no prazo de 30 dias que se eleva até ao máximo de 90 dias quando haja lugar à realização de nova instrução ou diligências instrutórias (cfr. art. 175º, nºs 1 e 2, do CPA).
Quanto ao momento inicial da contagem do prazo, deve entender-se que é a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do acto se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA), “que se conta o prazo, de 30 dias, fixado no questionado nº 1 do art. 175º CPA, para decisão do recurso hierárquico, sempre que, como no caso dos presentes autos, não seja respeitado o prazo legalmente estabelecido, para a remessa do processo ao órgão competente para decidir” (cfr. o Acórdão do STA, de 25/2/2010, proc nº 320/08).
Ainda segundo o mesmo Acórdão, nos casos em que “cumprindo o estabelecido no art. 172º do CPA, a autoridade recorrida remeta o processo dentro do prazo fixado, o prazo para a decisão do recurso conta-se a partir da data dessa remessa…”, relevando apenas a data da remessa do processo quando a mesma seja efectuada antes dos 15 dias.
A tese apontada, ao evitar que se caia num indefinido protelamento da data em que, por falta de decisão, o recurso hierárquico se possa considerar tacitamente indeferido, é a que melhor garante a protecção equilibrada, por um lado, do princípio da tutela judicial efectiva, e, por outro lado, os princípios da confiança e da segurança jurídica.
No fundo, na interpretação dos preceitos em jogo, em especial, os constantes dos arts. 171º, nº 1, 172º, nº 1, e 175º, nº 3, do CPA, deve ser tido em conta o estatuído no art. 59º, nº 4, do CPTA, preceito pensado para as impugnações administrativas facultativas, como é o caso, e que determina:
“A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal”.
Como ficou consignado no Acórdão deste STA, de 27/2/2008, proc nº 848/06:
“(…) para o termo da suspensão do prazo de impugnação, o legislador elegeu dois factos: (i) a notificação da decisão da impugnação administrativa e (ii) o decurso do respectivo prazo legal”, estando estas duas causas de cessação da suspensão do prazo de impugnação contenciosa “em situação de paridade”.
E, mais adiante, no mesmo Acórdão pode ler-se que “a caducidade do direito de acção é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo”. (…) “A certeza jurídica é, seguramente, o fim da norma do art. 59º, nº 4, enquanto estabelece um termo final para a suspensão. Se a impugnação administrativa suspende e, na medida da respectiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança jurídica, impor um limite à duração da suspensão”.
Em face do exposto, não se afigura existirem razões para se considerar que a tese do Acórdão recorrido é atentatória do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva [artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP].
Com efeito, como já ficou dito, no âmbito do modelo do CPTA, a impugnação administrativa emerge como uma faculdade dos interessados, não sendo os mesmos obrigados a deduzir impugnação administrativa prévia para abrir a via judicial, além de que não estão igualmente impedidos de proceder à impugnação contenciosa na pendência da impugnação administrativa.
Neste contexto, a interpretação sufragada é, repete-se, a que melhor permite conciliar de forma equilibrada os interesses da certeza e segurança jurídicas com o direito à tutela judicial efectiva dos interessados.» (fim de transcrição)
Interpretação diferente, como a que faz a Recorrente, impediria o funcionamento dos prazos de impugnação contenciosa previstos no artigo 58.º do CPTA, colocando nas mãos da Administração, e no âmbito de actuação ilegal, quer a contagem do prazo do indeferimento tácito, quer a contagem do prazo de impugnação judicial.
Ora, in casu a remessa prevista no artigo 172.º, n.º 1, do CPA, ocorreu em 29.06.2010, ou seja, quando se esgotou o prazo de 15 dias nele previsto para o efeito, pelo que o prazo de 60 dias, para decisão do recurso hierárquico, conta-se a partir do termo desse prazo de 15 dias, isto é, em 29.06.2010 iniciou-se o prazo de 60 dias úteis para a decisão do recurso hierárquico, o qual se considera tacitamente indeferido, já que a decisão expressa sobre o mesmo só foi proferida em 06.06.2016. [neste mesmo sentido veja-se o acórdão deste TCA Norte de 27.04.2022, relatado pela aqui relatora no âmbito do processo n.º 1226/16.0BEPRT]
Efectivamente, e conforme explica Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2010, pág. 315, “Uma vez utilizada a impugnação administrativa, o interessado deve aguardar a sua resolução ou o decurso do prazo dentro do qual, nos termos da lei, ela deve ser decidida. Quando lei especial não fixe prazo diferente, o prazo para decisão das reclamações e recursos hierárquicos é de 30 dias (cfr. artigos 165.º e 175.º, n.º 1, do CPA). Uma vez decorrido o prazo para decisão sem que haja sido proferida, considera-se rejeitada a impugnação administrativa (cfr. artigo 175.º, n.º 3, do CPA). Retoma, pois, nesse momento, o seu curso o prazo de propositura da acção em tribunal, que se encontrava suspenso desde o momento em que foi utilizada a impugnação administrativa”.
Assim, a partir do momento em que se considera rejeitado o recurso hierárquico, cessa nessa data o efeito suspensivo decorrente da sua interposição, retomando-se a contagem do prazo de 90 dias para interposição da presente acção, in casu 21.09.2010.
Em face do exposto, não relevando nos termos expostos a falta de notificação da remessa da impugnação administrativa ao órgão decisor, mostra-se manifesto que os 90 dias se esgotaram antes de ser intentada a presente acção administrativa especial em 03.05.2016, a qual deveria ter sido intentada até 22.11.2010 (considerando o decurso de 30 dias entre a notificação do indeferimento e a interposição do recurso hierárquico).
Nesse contexto, a interpretação e fundamentação consagrada na sentença sob recurso não nos merece qualquer reparo, mas antes o nosso total acolhimento, sendo aquela interpretação a que melhor permite conciliar de forma equilibrada os interesses da certeza e segurança jurídica com o direito à tutela judicial efectiva dos interessados.
Conclui-se, assim, pela caducidade do direito de acção, pelo que a decisão recorrida ao ter concluído nesse sentido não enferma de erro de julgamento, razão pela qual deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, assim, fica prejudicado o conhecimento das demais questões no mesmo colocadas, nomeadamente o aditamento à matéria de facto pretendida e, bem assim, o conhecimento do mérito dos autos.
2.3. Conclusões
I. Estando em causa acção administrativo especial de condenação à prática de acto devido em matéria tributária, que não comporte a apreciação da legalidade da liquidação, o regime aplicável decorre, directamente, do CPA e do CPTA (cfr. artigo 97.º, n.º 2 do CPPT).
II. O prazo de 30 dias, estabelecido no artigo 175.º, n.º 1, do CPA, (ou de 60 dias, estabelecido no artigo 66.º, n.º 5 do CPPT), para a decisão do recurso hierárquico, conta-se a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do acto se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA)
III. Nos casos em que a remessa do processo ao órgão competente para decidir não seja notificada ao requerente, impõe-se manter o termo do prazo legal de 15 dias para efeito de se iniciar a contagem do prazo a que alude o artigo 175º, n.º 1 do CPA (66º, n.º 5 do CPPT)

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 12 de outubro de 2023

Irene Isabel das Neves
Paula Moura Teixeira
Paulo Moura