Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00401/18.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO; PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO;
ARQUIVAMENTO;
DEDUÇÃO INDEVIDA DE IVA;
Sumário:
I - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.

II – A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.

III - A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

IV – No caso concreto, da norma contida no n.º 3 no artigo 28.º do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional tributário é de seis anos, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.

V - No entanto, por força do artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Julgar extinto o procedimento de contra-ordenação.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 28/01/2021, que julgou procedente o recurso da decisão de aplicação de coima, no montante de €17.931,38, deduzido por [SCom01...], S.A., proferida no âmbito do processo de contra-ordenação n.º ...34, pela prática de infração ao artigo 19.º, n.º 1 e n.º 2 do CIVA - dedução indevida de IVA -, punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4 do RGIT

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. Incide o presente recurso jurisdicional sobre a decisão do Tribunal a quo que julgou procedente o recurso interposto pela arguida contra a decisão de fixação da coima no Processo de Contraordenação n.º ...34, por considerar verificados os três requisitos previstos no art.32.º, n.º1 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e, em consequência, dispensar a Arguida da aplicação da coima.
B. A Fazenda Pública não põe em causa o preenchimento, no caso, dos dois primeiros pressupostos ínsitos no referido normativo referentes à inexistência de prejuízo efetivo à receita tributária e à regularização da falta cometida, mas já não pode assentir com o Tribunal a quo quando considera verificado o terceiro pressuposto para a dispensa de coima, ao expôr na sua decisão que: “Quanto ao terceiro pressuposto – de a conduta da Arguida revelar um grau diminuto de culpa – a Autoridade Tributária qualificou a mesma como tendo sido cometida a título de negligência simples e não resultam dos autos quaisquer circunstâncias suscetíveis de pôr em causa essa qualificação que, de resto, encontra-se em consonância com as alegações da Arguida, de ter sido por mero lapso dos prestadores dos serviços em causa que essa situação se verificou.”.
C. Isto porque, não obstante constar da decisão administrativa de fixação da coima a qualificação da culpa como “negligência simples”, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, resultam dos autos, quer circunstâncias suscetíveis de pôr em causa essa qualificação, quer, convém realçar, o reconhecimento pela própria arguida de ter cometido um “lapso grosseiro”, ao não observar o regime de reverse charge na liquidação e dedução do IVA nos serviços de construção civil (cfr. ponto 15 do direito de audição prévia exercido pela Arguida, na sequência da notificação do projeto do relatório inspetivo e ponto 8 da defesa escrita apresentada pela arguida na sequência da instauração do presente PCO – doc. integrante dos presentes autos - pp.1 e ss. e pp. 89 e ss. do SITAF).
D. Neste contexto, considera a Fazenda Pública que o decisor para aferir o terceiro pressuposto cumulativo previsto no art.32.º n.º 1 do RGIT, não levou ao probatório toda a factualidade relevante, nem valorou corretamente todos os meios de prova constantes dos autos, incorrendo, deste modo, em erro de julgamento da matéria de facto e de direito.
E. De acordo com o disposto no art. 32.º, n.º 1 do RGIT, a dispensa de coima pressupõe a verificação cumulativa das seguintes circunstâncias: i) a prática da infração não ocasionar prejuízo efetivo à receita tributária; ii) estar regularizada a falta cometida; iii) a falta revelar um diminuto grau de culpa.
F. Como já acima se expôs, a discordância da Fazenda Pública com o decisor da 1.ª instância incide sobre o terceiro requisito previsto no citado art.32.º, n.º1 do RGIT atinente ao “diminuto grau de culpa”, que a Fazenda Pública considera não verificado, ao contrário da posição assente na sentença em análise.
G. Em suporte da sua decisão, o Tribunal a quo considerou que “não resultam dos autos quaisquer circunstâncias suscetíveis de pôr em causa essa qualificação” (de negligência simples), mas tal asserção é, desde logo, desmentida pelos factos constantes do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) elaborado na sequência do procedimento inspetivo desencadeado ao abrigo da ordem de serviço n.º ...06, junto aos autos – pp. 89 e ss. do SITAF.
H. Conforme resulta do direito de audição prévia exercido pela arguida, na sequência da notificação do projeto do relatório inspetivo id., a arguida assume ter incorrido em todas as infrações sinalizadas pelos serviços de inspeção tributária, respeitantes à dedução indevida de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), tendo em conta o preceituado no art.19.º, n.º8 do Código do IVA, que determina que “nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação”.
I. Como apurado em sede inspetiva a arguida, sujeito passivo de IVA, além de ter deduzido indevidamente, no período de 2016/02, o IVA de € 51.750,00, relativo à fatura n.º FA2016/...5, emitida pela sociedade [SCom02...], L.da, correspondente ao montante liquidado por esta última a título de IVA pela prestação de serviços de construção civil (empreitada referente a aquecimento, ventilação e climatização) - infração que determinou a instauração do PCO e a coima em discussão nos presentes autos, incorreu no mesmo tipo de infração, nos períodos de 2016/01 e 2016/06, tendo deduzido, indevidamente, nesses três períodos, o montante total de € 60.509, 75, cf. indicado no quadro resumo ínsito no ponto III.1.2, do RIT (OI........706), junto aos autos.
J. Seguindo de perto a factualidade descrita no RIT e a informação prestada pela Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças ... (cfr. docs. juntos aos autos para cujo teor integral se remete para maior clareza expositiva – pp. 89 e ss. e 256 e ss.do SITAF), na sequência do solicitado pelo próprio Tribunal a quo, importa reter que a arguida deduziu, indevidamente, não só o IVA, constante da fatura identificada no presente processo contraordenacional, mas também o imposto constante de faturas emitidas por outros fornecedores, relativas a diversos serviços de construção civil e reportadas a períodos distintos.
K. Como sinalizado na informação prestada pela DF de ..., além da infração objeto dos presentes autos (PCO ...34), a arguida incorreu no mesmo tipo de ilícito sete vezes, infrações essas que foram detetadas pelos serviços inspetivos que levantaram os respetivos autos de notícia e determinaram a instauração dos processos de contraordenação ...89, ...28, ....................44. A informação integrante da decisão de fixação da coima indica, igualmente, que a prática da infração pela arguida é frequente - v. o quadro com os critérios de ponderação da medida da coima, cf. o art.27.º do RGIT.
L. Ora, o circunstancialismo atrás referido evidencia que a infração cometida pela arguida não pode deixar de ser censurável.
M. Em primeiro lugar, não se trata de um “lapso” ocasional, pois considerando apenas as infrações detetadas no procedimento inspetivo desencadeado ao abrigo da OI........706, cuja incidência temporal abrangeu o período compreendido entre janeiro e julho de 2016, a arguida cometeu o mesmo ilícito (infrações ao disposto no art.19.º, n.º1 e 2 do CIVA, puníveis nos termos do art.114.º, n.º2 e 66.º, n.º4 do RGIT), nos meses de janeiro, fevereiro e junho, cfr. ponto III do RIT (já no PCO ....................44 acima mencionado, a infração cometida reporta-se ao mês de agosto de 2016). Sendo de referir que, na própria decisão de fixação da coima, é indicado que a prática da infração pela arguida é frequente.
N. Não se trata, igualmente, de um “lapso” imputável a um fornecedor específico, antes se verifica em relação a outros prestadores de serviços de construção civil relacionados com empreitadas e serviços de instalações elétricas e climatização – segundo a factualidade descrita no RIT, a arguida deduziu, indevidamente, o IVA das faturas emitidas pelas sociedades [SCom02...] L.da (...90), [SCom03...] L.da (...54) e [SCom04...] SA (...45).
O. Assim, o facto da arguida cometer, reiteradamente, o mesmo tipo de infração em diversos períodos, obsta a que se possa considerar que a mesma atuou com culpa diminuta, neste sentido, veja-se o Ac. do TCAN, de 03-02-2005 (Processo n.º 00316/04), no qual se declara que: “Como é sabido, a culpa é a censura de que o agente é susceptível na sua actuação. Ora, se o agente vem adoptando o mesmo comportamento repetidamente em situações idênticas à dos autos, tem de entender-se que actua deliberadamente em certo sentido e não por mero acaso. […] Se o mesmo comportamento for repetido já a culpa não poderá ser diminuta.”.
P. O circunstancialismo atrás descrito torna a atuação da arguida censurável, tanto mais que está em causa uma sociedade anónima, obrigada a dispor de contabilidade organizada e que é assessorada por um Contabilista Certificado (CC) que, no exercício das suas funções, acompanha os registos, documentação e declarações fiscais da arguida, bem como por um Revisor Oficial de Contas (ROC), que no âmbito das suas funções de revisão ou auditoria, é responsável pela elaboração da certificação legal das contas da sociedade - neste mesmo sentido pode ver-se o teor da informação subjacente à decisão de fixação da coima, em especial, os seus pontos 38 a 42 que acima se transcreveram.
Q. No seguimento do exposto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo fez uma seleção parcial da factualidade documentada nos autos e não valorou corretamente todos os meios de prova nele integrados, devendo, em consequência, ser aditado ao probatório, com vista à boa decisão da causa, os seguintes itens:
- A arguida é uma sociedade anónima, tem contabilidade organizada e é assessorada por um Contabilista Certificado (CC) que acompanha os seus registos, documentação e declarações fiscais, bem como por um Revisor Oficial de Contas (ROC), que no âmbito das suas funções de revisão ou auditoria, é responsável pela elaboração da certificação legal das contas da sociedade – cf. RIT e decisão de fixação da coima id. nos autos;
- A arguida tinha pleno conhecimento do regime de reverse charge na liquidação e dedução do IVA nos serviços de construção civil (cf. art.2.º, n.1, al.j) e 19.º do CIVA) - cfr. RIT(OI........706), o auto de notícia e a notificação, nos termos do art.70.º do RGIT, juntos aos autos (pp.1 e ss. e pp. 89 e ss. do SITAF) – estes dois últimos documentos referem, expressamente que “O sujeito passivo procedeu da forma descrita, tinha conhecimento dos normativos legais que regulamentam a sua atividade e a cujo cumprimento integral estava e está vinculada.”;
- A arguida, ao não observar o regime de reverse charge na liquidação e dedução do IVA nos serviços de construção civil, assume ter cometido um “lapso grosseiro” e a prática de todas as infrações (dedução indevida de imposto) sinalizadas pelos serviços de inspeção tributária - cfr. direito de audição prévia exercido pela Arguida, na sequência da notificação do projeto do relatório inspetivo id. e ponto 8 da defesa escrita apresentada pela Arguida na sequência da instauração do presente PCO integrantes do presente processo - pp.1 e ss. e pp. 89 e ss. do SITAF;
- Além da infração objeto dos presentes autos (PCO n.º ...34), a arguida incorreu no mesmo tipo de ilícito sete vezes- cfr. informação prestada pela Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças ... que identifica os correspondentes processos contraordenacionais (PCOs n.ºs ...89, ...28, ....................44)- pp.256 e ss. do SITAF, constando da decisão de fixação da coima a informação de que a prática da infração pela arguida é frequente;
- No ano de 2016, considerando apenas as infrações detetadas no procedimento inspetivo desencadeado ao abrigo da OI........706, cuja incidência temporal abrangeu o período compreendido entre janeiro e julho de 2016, a arguida cometeu o mesmo ilícito (infrações ao disposto no art.19.º, n.º1 e 2 do CIVA, puníveis nos termos do art.114.º, n.º2 e 66.º, n.º4 do RGIT), nos meses de janeiro, fevereiro e junho, tendo deduzido, indevidamente, nesses três períodos, o montante total de € 60.509,75 - cfr. ponto III do RIT e informação da DF de ... relativa aos PCOs instaurados contra a Arguida (docs. juntos aos autos), sendo ainda possível constatar nesta última informação que no PCO ....................44 a arguida cometeu a mesma infração no mês de agosto de 2016.
R. De reter que a culpa pressupõe um juízo de reprovabilidade imputável ao infrator, por este ter cometido o facto ilícito, quando lhe era exigível, nas circunstâncias em que agiu, ter atuado em conformidade com a norma legal, revelando, por isso, uma disposição contrária ao direito – no mesmo sentido pode ver-se o Acórdão do STA, de 26-03-2007 (Processo n.º01168/06) que no seu sumário firma que: “A culpa analisa-se na possibilidade de um juízo de censura ou de reprovação da conduta do agente, por, em face das circunstâncias, poder e dever agir de outro modo”.
S. Ora, a gravidade da atuação da arguida revela-se ainda mais impressiva por estarem em causa as regras legais que estabelecem o método da inversão do sujeito passivo nos casos em que o adquirente de serviços de construção civil é sujeito passivo de IVA, regras essas que foram introduzidas no Código do IVA, pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29/01, que aditou a alínea j) ao n.º1 do art.2.º, do CIVA.
T. Tais regras foram instituídas no sentido de combater a fraude e evasão fiscais, que se vinham verificando nas prestações de serviços relativas a bens imóveis. Como referido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 21/2007 de 29-01:“O presente decreto-lei procede à introdução na legislação do IVA de um conjunto de medidas destinado a combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se vêm verificando na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação, seguindo, nesta matéria, a experiência anteriormente adquirida e as melhores práticas adoptadas em outros Estados membros da União Europeia”, sendo que, “no domínio de algumas prestações de serviços relativas a bens imóveis, nomeadamente nos trabalhos de construção civil realizados por empreiteiros e subempreiteiros, o presente decreto-lei vem adoptar, de igual modo, uma outra faculdade conferida pela Directiva n.º 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de Julho. Assim, por via da inversão do sujeito passivo, passa a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando se configurem como sujeitos passivos com direito à dedução total ou parcial do imposto, proceder à liquidação do IVA devido, o qual poderá ser também objecto de dedução nos termos gerais. Com esta medida, visam acautelar-se algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, actualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado”.
U. A importância do cumprimento das regras de reverse charge, enquanto medida destinada a combater a fraude e evasão fiscais, bem como o facto de tal regime já estar instituído desde 2007 e de existirem instruções administrativas desde essa data sobre a aplicação do art.2.º, n.1, al.j) do CIVA, designadamente, o Ofício n.º...01, de 24-05-2007, da Direção de Serviços do IVA, obsta a que se possa considerar diminuta a culpa da arguida.
V. Aqui, não é despiciendo notar que o citado Ofício, entre outras questões, esclarece o conceito de serviços de construção civil e anexa uma lista exemplificativa de serviços aos quais se aplica a regra de inversão, sendo que tal lista inclui os serviços prestados à arguida - “Instalações eléctricas” e “Sistemas de ar condicionado, de refrigeração, de aquecimento e de comunicações, que sejam partes integrantes do imóvel”.
W. Acresce notar que a gravidade da conduta também é de asseverar quando o art.19.º, n.º8 determina que apenas o imposto que seja, efetivamente, (auto)liquidado pelo adquirente pode ser objeto de dedução - norma que foi introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31-12 (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2013).
X. Todo o circunstancialismo atrás exposto, torna exigível à arguida, enquanto sociedade anónima, provida de serviços de contabilidade e auditoria, o pleno conhecimento e cumprimento das suas obrigações fiscais decorrentes da situação de reverse charge em causa nos autos, quer por se tratar de um regime legal instituído desde 2007, quer por o mesmo pressupor exigências acrescidas de prevenção geral e especial subjacentes à salvaguarda da mecânica do funcionamento do imposto e ao combate à fraude e evasão fiscais.
Y. A exigibilidade de respeitar os normativos referentes ao direito de dedução do IVA nas situações de reverse charge, em causa nos autos, é reconhecida pela arguida (somente) após a deteção pelos serviços de inspeção Tributária da dedução indevida do imposto, ao admitir no seu direito de audição que a infração praticada constituiu um “lapso grosseiro”, lapso esse que, convém acrescentar, se revela não desculpável, por tudo o que acima se expôs.
Z. De relembrar que estamos perante um sujeito passivo sujeito a acompanhamento permanente, por parte dos serviços de inspeção, para efeitos de prevenção tributária ou assistência no cumprimento das suas obrigações acessórias ou de pagamento, nos termos do art.12.º, n.º2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), que faz pressupor, da parte da arguida, um maior cuidado no cumprimento das suas obrigações fiscais, até porque como já acima reportado aquela dispõe de um contabilista certificado e de um revisor oficial de contas.
AA. Mais, no auto de notícia e na notificação dos factos apurados no PCO, nos termos do art.70.º do RGIT, é referido, expressamente, que: “O sujeito passivo procedeu da forma descrita, tinha conhecimento dos normativos legais que regulamentam a sua atividade e a cujo cumprimento integral estava e está vinculada” – constatação que não é posta em causa pela arguida.
BB. Contudo, não obstante esse conhecimento e de lhe ser exigível um comportamento conforme ao direito, a arguida, cometeu em períodos distintos e face a diversos fornecedores, o mesmo tipo de ilícito contraordenacional – circunstancialismo que, junto com os demais já atrás elencados, revelam uma conduta gravosa por parte da arguida, que impede a aplicabilidade, no caso, do instituto da dispensa da coima.
CC. Isto dito, uma vez mais se reitera que, apesar de constar na decisão de fixação da coima, no quadro referente aos elementos que servem à ponderação da medida da coima (cf. art.27.º do RGIT), a indicação de “negligência simples”, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo resultam dos autos diversas circunstâncias que obstam a que se considere diminuto o grau de culpa da arguida.
DD. Em suma, considera a Fazenda Pública que decorre do melhor exame crítico de todos os documentos juntos aos autos que, no caso, a culpa da Arguida no cometimento da infração não é diminuta, não se encontrando preenchido o terceiro pressuposto da aplicação da dispensa da coima previsto no art. 32.º, n.º1 do RGIT, pelo que a sentença aqui sindicada, padece de erro de julgamento de facto e de direito, devendo ser substituída por outra, que mantenha a coima, administrativamente, fixada e julgue improcedente o peticionado pela arguida.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da decisão judicial recorrida por outra que mantenha na ordem jurídica a coima fixada pela Administração Tributária, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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A Recorrida respondeu ao recurso, concluindo da seguinte forma:
“1. A AT veio instaurar o processo de contra-ordenação supra mencionado, identificando como norma violada o artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do CIVA, quanto a inexactidões praticadas nas declarações periódicas relativas à dedução indevida de imposto, tendo por normas punitivas o disposto nos artigos 119.º, n.ºs 1 e 2, e 26.º, n.º 4, todos do RGIT.
2. Foi dada total procedência à pretensão da ora Recorrida por se considerarem verificados os três requisitos previstos no art.º 32.º, n.º 1 do RGIT e, em consequência, dispensar a Recorrida da aplicação da coima.
3. Muito embora o recurso interposto, perante a Recorrente apenas está em causa a aplicação do terceiro requisito para a dispensa da aplicação da coima: “c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.”
4. Porém, foi a própria AT que no seu Despacho de fixação da coima, proferido em 18 de Maio de 2018, pelo Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direcção de Finanças ..., do qual a ora Recorrida foi notificada pelo Ofício n.º 2018 ...... N .....91, que afirmou a “Negligência – Simples” da Recorrida.
5. É assim surpreendente que, contrariando a sua própria interpretação e distorcendo a assunção de culpa pela ora Recorrida, que reconheceu o seu lapso, manifestando não ter adoptado o procedimento adequado, mas sem ter qualquer interesse de com isso obter qualquer benefício económico ou intenção de praticar um procedimento tributário desadequado, sejam agora esses argumentos utilizados para a Recorrente defender uma qualquer culpa acrescida da Recorrida.
6. Importa ainda referir que a Recorrida é, desde há muitos anos, uma empresa tipicamente credora de IVA, e que por tanto nunca a AT ficaria numa situação de falta de pagamento de imposto.
7. Este lapso, reconhecido pela ora Recorrida, ocorreu num período específico de tempo e relacionado com uma sequência de prestação de serviços de construção civil, serviços excepcionais de construção civil e não uma prática normal e corrente da Recorrida, o que conduziu a este tipo de lapso, porém, reitera-se, como devidamente reconhecido, sem qualquer prejuízo para o Estado ou obtenção de benefício económico para a Recorrida, o que foi incontestado.
8. Mais acrescem ainda os termos actuais do artigo 29.º, n.º 2 do RGIT sobre a dispensa de coima, que não exigem qualquer grau diminuto de culpa, pelo que também estes permitiriam dar-se lugar à dispensa de coima.
9. Logo, encontram-se preenchidos de todos os requisitos constantes do artigo 32.º, n.º 1, do RGIT, para a dispensa de aplicação de coima, assim como os constantes da nova redação legal exigida para a dispensa da coima.
NESTES TERMOS, nos demais de Direito aplicáveis e com o douto suprimento do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, que desde já se invoca, deve o recurso interposto ser julgado improcedente e, consequentemente, ser confirmada a douta sentença recorrida.
Assim agindo cumprirão V. Ex.as, Ilustres Desembargadores, a Lei, fazendo a costumada e sã JUSTIÇA!
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Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado pronunciou-se no sentido de os mesmos deverem ser remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que a matéria objecto do recurso se cinge unicamente a matéria de direito - no que concerne ao terceiro requisito de dispensa de aplicação da coima.
Contudo, adiantamos, desde já, que a conclusão D das alegações do recurso infirma esta conclusão do Ministério Público, dado aí considerar a Fazenda Pública que o decisor, para aferir o terceiro pressuposto cumulativo previsto no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT, não levou ao probatório toda a factualidade relevante, nem valorou correctamente todos os meios de prova constantes dos autos, incorrendo, deste modo, em erro de julgamento da matéria de facto e de direito. Pelo que inexiste qualquer necessidade de nos alongarmos na apreciação da questão da competência deste TCA Norte.
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Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
In casu, tudo indica verificar-se a prescrição do procedimento contra-ordenacional, por se relacionar com infracção cometida em 2016, estando em causa, portanto, a apreciação de um pressuposto processual negativo, que constitui excepção peremptória, e que, sendo de conhecimento oficioso, obsta ao conhecimento do mérito do recurso, dado que a prescrição gera o arquivamento do procedimento contra-ordenacional.
Resultando das disposições conjugadas dos artigos 33.º, 61.º e 77.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que a extinção do procedimento de contra-ordenação, por efeito da prescrição, é determinante de arquivamento dos autos, e uma vez que do exame preliminar do processo ressaltou a presença desta questão que foi suscitada, notificaram-se previamente todos os intervenientes processuais para se pronunciarem antes da decisão acerca da eventual existência de causa extintiva do procedimento – cfr artigo 417.º, n.º 6, alínea c) do CPP.
Todos os intervenientes processuais silenciaram.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevo para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
1) A Arguida é sujeito passivo de IVA e, com início em 06/12/2016 e término em 09/12/2016, os serviços de inspeção da Direção de Finanças ... realizaram uma ação de fiscalização à Arguida a fim de analisarem o pedido de reembolso de IVA efetuado pela mesma no montante de € 878.243,76 na declaração periódica de IVA do período de 2016/08, correspondente ao acumular de crédito de imposto de IVA desde janeiro a agosto de 2016; com referência ao mês de fevereiro de 2016 constataram que a Arguida havia deduzido o IVA de € 51.750,00 relativo à fatura n.º FA2016/...5 emitida por [SCom02...], Lda. e correspondente ao montante liquidado por esta última a título de IVA pela prestação de serviços de construção civil que forneceu à Arguida (conforme projeto de relatório da inspeção tributária constante do documento com a referência Ofício (208787) Ofício (004632427) Pág. 6 de 21/11/2018 15:19:50; a fatura referida consta do documento com a referência Ofício (208787) Ofício (004632427) Pág. 19 de 21/11/2018 15:19:50);
2) Considerando que, nos termos legais, o IVA deveria ter sido liquidado pela Arguida na qualidade de adquirente de um serviço de construção civil e não pelo prestador desse serviço, os serviços de inspeção consideraram a dedução de IVA de € 51.750,00 indevida e corrigiram o montante que a Arguida podia deduzir no período em causa; em resultado dessa correção resultou para a Arguida um montante de reembolso inferior (mas, ainda assim, positivo) ao que havia pedido na respetiva declaração periódica de IVA (conforme relatório da inspeção tributária constante do documento com a referência Ofício (208787) Ofício (004632427) Pág. 98 de 21/11/2018 15:19:50);
3) A Arguida não entregou qualquer declaração periódica de IVA em substituição da que entregou para o período de 2016/08 (conforme confissão judicial escrita da Arguida no artigo 12º da petição inicial – artigos 355º, n.º 1 e n.º 2, 356º, n.º 1 e 358º, n.º 1 do Código Civil);
4) Em 05/12/2016 a sociedade [SCom02...], Lda. anulou a fatura n.º FA2016/...5 mediante a emissão da nota de crédito n.º 2016/....8 a favor da Arguida e emitiu nova fatura em substituição dessa fatura, onde não liquidou qualquer montante a título de IVA e tendo aposto na mesma a expressão “IVA – autoliquidação” (conforme nota de crédito e fatura de substituição constantes do documento com a referência Ofício (208787) Ofício (004632427) Pág. 86 de 21/11/2018 15:19:50);
5) Em 24/04/2017 o Serviço de Finanças ... instaurou à Arguida o processo de contraordenação n.º ...34 por infração ao artigo 19º, n.º 1 e n.º 2 do CIVA - dedução indevida de IVA -, punida pelos artigos 114º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) e 26º, n.º 4 do RGIT (conforme autuação e auto de notícia constantes do documento com a referência Petição Inicial (206718) Petição Inicial (004619136) Pág. 6 de 17/09/2018 15:33:59);
6) Em 07/02/2018 o Serviço de Finanças ... comunicou à Arguida a instauração do processo de contraordenação referido no ponto antecedente e para apresentar defesa (conforme ofício n.º ...35 constante do documento com a referência Petição Inicial (206718) Petição Inicial (004619136) Pág. 10 de 17/09/2018 15:33:59 e registo de entrega dos CTT – Correios de Portugal constante do documento com a referência Petição Inicial (206718) Petição Inicial (004619136) Pág. 26 de 17/09/2018 15:33:59);
7) Em 19/02/2018 a Arguida apresentou defesa escrita (conforme comprovativo de entrega de documentos e requerimento constantes do documento com a referência Petição Inicial (206718) Petição Inicial (004619136) Pág. 14 de 17/09/2018 15:33:59);
8) Em 17/05/2018 a Direção de Finanças ... aplicou à Arguida a coima única no montante de € 17.931,38, acrescida de € 76,50 a título de custas administrativas; na graduação da coima aplicada qualificou a conduta da Arguida como tendo sido cometida a título de negligência simples (conforme decisão de fixação da coima e respetiva informação constantes do documento com a referência Petição Inicial (206718) Petição Inicial (004619136) Pág. 29 de 17/09/2018 15:33:59);
C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
A convicção do tribunal baseou-se nos articulados e documentos constantes dos autos, assim como no relatório da inspeção tributária, referidos a propósito de cada ponto do probatório, os quais ou foram presentes ao Tribunal com a dedução de acusação por parte do Ministério Público contra a Arguida ou requeridos oficiosamente pelo Tribunal à Fazenda Pública.”
*
2. O Direito

A Recorrente veio insurgir-se contra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente o recurso apresentado pela Recorrida da decisão de aplicação de coima, dispensando essa aplicação de coima à Recorrida pela dedução indevida de IVA na factura FA2016/...5.
Nos presentes autos, a sociedade [SCom02...], Lda., em 2016, prestou serviços de construção civil à Recorrida, a qual é sujeito passivo de IVA. Contudo, na factura que foi emitida em Fevereiro de 2016 relativamente a esses serviços, foi liquidado IVA no montante de €51.750,00, tendo a Recorrida deduzido esse valor na declaração periódica de IVA que entregou relativamente ao período de 2016/08. Ora, ao fiscalizarem o pedido de reembolso de IVA efectuado pela Recorrida na declaração periódica de IVA referente ao período de 2016/08, os serviços de fiscalização da Autoridade Tributária aperceberam-se da situação e, considerando essa dedução ilegal – dado que, de acordo com a regra de inversão do sujeito passivo prevista no artigo 2.º, alínea j) do CIVA, deveria ter sido a Recorrida, como adquirente dos serviços de construção civil, a autoliquidar o IVA - corrigiram o montante do reembolso em consonância, ou seja, que a Recorrida não podia deduzir o montante de €51.750,00.
Na linha do que já adiantámos supra, verifica-se causa de extinção de procedimento de contra-ordenação, que obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
A questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional tem vindo a ser abordada, de forma reiterada, por este tribunal, pelo que seguiremos essa jurisprudência.
Vejamos.
A prescrição é de conhecimento oficioso em qualquer momento ou fase do processo e implica a extinção do procedimento e da responsabilidade contra-ordenacional, nos termos do artigo 33.º n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) – vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/05/2020, proferido no âmbito do processo n.º 01901/15.7BELRA.
Impõe-se, então, saber se já se completou o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional em causa.
Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos.
Estabelece-se na norma do artigo 33.º do RGIT:
1 - O procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.
Sendo que nos termos do disposto no artigo 119.º do Código Penal, aplicável por força do artigo 32.º do RGIMOS, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
Significa, então, que, em regra, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção dependa daquela liquidação.
Conforme doutrinam Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2.ª edição. 2003, pág. 283: “A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor”.
In casu, sendo a infracção que fundamentou a aplicação de coima à Recorrida punida pelo artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a), do RGIT [não tendo a Arguida cumprido com o disposto no artigo 36.º, n.º 13 do CIVA, cometeu a infração prevista no artigo 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) do RGIT, que considera que “Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: A falta de liquidação, … ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, …”], encontra-se, necessariamente, dependente do apuramento do imposto em falta, liquidado indevidamente, donde o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, n.º 4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, concernindo, no caso do IVA, o respectivo cômputo ao início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (Vide acórdão do STA, de 28/04/2010, proferido no processo n.º 0777/09).
No sentido, ora, propugnado importa chamar à colação, entre outros, a doutrina vertida no Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo n.º 679/11, de 30 de Abril de 2019, do qual se extracta o seguinte:
As contra-ordenações p.p. nos artigos 114.º, 118.º e 119.º do RGIT dependem da prévia determinação do valor da prestação tributária devida para a determinação da coima aplicável, pois que os limites mínimo e máximo se determinam tendo por referência o valor do imposto em falta, no caso da p.p. no artigo 114.º, ou tais limites dependem de haver ou não imposto a liquidar, nos casos das previstas nos artigos 118.º e 119.º do RGIT, sendo-lhes aplicável o prazo de prescrição do procedimento correspondente ao prazo de caducidade do direito à liquidação.
Assim, aplicando os aludidos conceitos ao caso dos autos, e tendo presente a infracção respeitante ao período de 2016/08, temos que o dies a quo, é o dia 01 de Janeiro de 2017, em conformidade com o consignado no artigo 45.º, n.º4 da LGT e artigo 7.º do CIVA.
Significa isto que, aplicando o aludido prazo de prescrição (4 anos) e na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contra-ordenacional prescreveria em 01 de Janeiro de 2021.
Porém, na contagem do referido prazo de prescrição tem de ser ressalvado o tempo de interrupção e suspensão da prescrição.
De relevar, neste particular, que existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cf. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RGIMOS, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).
Por seu turno, a suspensão do prazo de prescrição impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo de prescrição só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n.º 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RGIMOS, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).
Atentemos, ora, nas causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.
É que, em matéria de interrupção do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, preceitua-se no artigo 28.º do RGIMOS, na redacção resultante da Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, expressamente que:
1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
Em matéria de suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação, o normativo contido no artigo 27.º-A do RGIMOS, aplicável ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT, estabelece o seguinte:
1. A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do artigo 40º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Por sua vez, a norma do artigo 33.º n.º 3 do RGIT prevê causas específicas de suspensão do procedimento contra-ordenacional tributário consignando-se aí que a suspensão da prescrição se verifica também:
- Por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º;
- No caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.
Visto o direito aplicável ao caso sub judice, façamos a competente transposição para a situação fáctica dos autos.
No caso concreto, como já referimos, tendo por referência o período de dedução indevida de IVA de 2016/08, temos que a infracção imputada à Arguida/Recorrida se consumou a 01 de Janeiro de 2017.
A partir desta data iniciou-se a contagem do prazo de prescrição, a qual terá sido interrompida com a notificação da aqui Recorrida para exercer o seu direito de defesa nos termos do artigo 70.º do RGIT e, mais tarde, com a decisão da autoridade administrativa que aplicou as coimas.
A interrupção da prescrição, ao contrário do que sucede com a suspensão, tem como consequência que o tempo decorrido antes da causa de interrupção fique sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se novo prazo logo que desapareça essa mesma causa, tal como resulta da norma contida no artigo 121.º, n.º 2 do Código Penal.
No entanto, como bem se compreende, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, indesejavelmente, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra o arguido.
Em ordem a evitar uma tal situação, estabeleceu-se no RGIMOS (como, de resto, já sucedia no Código Penal) um limite à admissão de um número infinito de interrupções e à ideia de que cada interrupção da prescrição implica um novo decurso da totalidade do prazo, através da norma do n.º 3 no artigo 28.º, supra citada, na qual, expressamente, se consagra que “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
Desta norma resulta que o prazo máximo de prescrição em procedimento contra-ordenacional tributário in casu é de seis anos (4+2).
Importa considerar, no entanto, que na contagem do referido prazo máximo de prescrição (seis anos) deve ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.
No caso dos autos, a única causa de suspensão que se verifica é a prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A, ou seja, a pendência do procedimento após a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima.
No entanto, em tal situação, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, como resulta do estatuído no artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código Penal – neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto, de 08/02/2006, no âmbito do processo n.º 0545259.
Contudo, excepcionalmente, no presente caso, temos de considerar mais uma causa de suspensão da prescrição que decorreu de leis especiais emanadas no âmbito da pandemia COVID19, que fez suspender todos prazos de prescrição, no âmbito do confinamento ocorrido nos anos de 2020 e 2021.
Assim, todos os prazos de caducidade e de prescrição estiveram suspensos entre o dia 09 de Março de 2020 e o dia 02 de Junho de 2020, num total de 86 dias, conforme as disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e do artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que determinou o seguinte:
«Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.».
E, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, ocorreu nova suspensão relativa no período temporal de 22 de Janeiro de 2021 a 05 de Abril de 2021, num total de 74 dias.
Não obstante não ter havido encurtamento ou ampliação do prazo de prescrição previsto no regime geral em vigor à data da prática da infracção, a modificação legal dos factos interruptivos ou suspensivos que resultaram daquelas alterações influi na contagem concreta do prazo de prescrição do procedimento, visto que as concretas causas de interrupção e de suspensão constituem factores imprescindíveis a ter em conta na determinação do prazo máximo de prescrição do procedimento.
Portanto, por força das referidas leis, o prazo de prescrição esteve suspenso durante um período total de 160 dias [vide, entre outros, acórdãos deste TCAN, proferido a 31/03/2022, processo n.º 2035/21.5BEBRG, e de 19/05/2022, processo n.º 131/19.3BEMDL e vastíssima jurisprudência emitida pelas Relações e STJ].
Atente-se que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma extraível da conjugação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, segundo a qual a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contra-ordenacional estabelecida no sobredito artigo 7.º, n.º 3, é aplicável aos prazos (de prescrição) que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, se encontravam já em curso.
Tendo vindo a considerar, em síntese, que a suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, configura uma medida, entre várias, tomadas no âmbito da legislação de emergência para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de excepção constitucional. O período que mediou entre 9 de Março (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março) e 3 de Junho de 2020 (Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) foi tido como causa de suspensão do prazo prescricional de procedimentos criminais (e contra-ordenacionais), em grande medida como decorrência da paralisação da actividade judiciária lato sensu durante esse período.
Numa lógica de diferenciação entre tipos de retroactividade no domínio penal, distinguindo os conceitos de retroactividade directa ou de primeiro grau e “retrospectividade”, também conhecida por “retroactividade inautêntica”, (nesta última a norma não se aplica retroactivamente – aplica-se para o futuro a processos-crime ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado), o Acórdão TC n.º 500/2021, de 9 de Junho de 2021, acompanhado pelos Ac.s TC nº660/2021, de 29 de Julho, e Acórdão n.º 798/2021, de 21 de Outubro, decidiu: “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respectiva vigência”, cuja interpretação tem inteira aplicação, também, à prescrição do procedimento criminal, conforme referido no texto desse acórdão no seu ponto 31.
Mais concluiu o Tribunal Constitucional que “a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto” (ac. TC n.º 660/2021), “juízo de não inconstitucionalidade cujos argumentos são replicáveis para os procedimentos de natureza contra-ordenacional ” (ac. TC n.º 500/2021 e ac. TC n.º 660/2021).
Assim, o prazo máximo de prescrição (seis anos e seis meses), cuja contagem foi suspensa entre 09/03/2020, reiniciado a 03/06/2020 (86 dias), e entre 22/01/2021 e 05/04/2021 (74 dias) terminou a 09 de Dezembro de 2023.
Nesta conformidade, quanto à infracção em causa, do período de 2016/08, com início de contagem em 01/01/2017, o prazo máximo de prescrição (seis anos e seis meses), cuja contagem foi suspensa entre 09/03/2020, reiniciada a 03/06/2020, e entre 22/01/2021 e 05/04/2021, num total de 160 dias, terminou em 09 de Dezembro de 2023, pelo que o procedimento relativo a essa infracção está prescrito, com as legais consequências - cfr. artigos 33.º, 61.º, alínea b) e n.º 1 do artigo 77.º do RGIT.
A verificação de causa extintiva deste procedimento de contra-ordenação tem, por sua vez, como consequência, o arquivamento do processo de contra-ordenação em causa, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do RGIT, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional da arguida, aqui Recorrida.

Conclusões/Sumário

I - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
II – A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.
III - A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
IV – No caso concreto, da norma contida no n.º 3 no artigo 28.º do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional tributário é de seis anos, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.
V - No entanto, por força do artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, julgar extinto, por prescrição, o procedimento de contra-ordenação, determinando-se o arquivamento desse processo contra-ordenacional.

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais].

Porto, 25 de Janeiro de 2024

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Vítor Salazar Unas