Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02823/10.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/17/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO, PRESUNÇÃO, PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL, NOTIFICAÇÃO VS CITAÇÃO.
Sumário:I - O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração Tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.

II - Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a eles quando lhes sejam validamente notificados (artigo 36.º, n.º 1 do CPPT).

III - Não pode ter-se como validamente efectuada uma notificação de liquidação de IRS devolvida aos serviços da Administração Tributária, com o pretenso argumento de que o contribuinte não cumpriu o ónus de participação de alteração do seu domicílio, pois que a parte final do n.º 2 do artigo 43.º do CPPT ressalva o disposto quanto às citações e notificações, a presunção do n.º 2 do artigo 39.º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida e as normas em causa têm necessariamente de ser conjugadas com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efectiva.

IV - A presunção a que alude o artigo 39.º do CPPT, da perfeição da notificação, apenas poderia prevalecer quando se soubesse que a carta enviada para tal efeito não fosse devolvida pelos serviços postais com a indicação “mudou-se”, uma vez que neste caso era seguro que a notificação não tinha chegado efectivamente ao seu destinatário, nem lhe tinha chegado ao conhecimento de que lhe havia sido enviada uma carta para tal efeito.

V - Se a citação para a execução pudesse fazer as vezes da notificação da liquidação, não faria sentido que o citado pudesse opor-se à execução invocando justamente a falta de notificação da liquidação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Representante da Fazenda Pública
Recorrido 1:J.A.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 26/04/2016, que julgou procedente a presente oposição, e extinto o processo de execução fiscal n.º 3182200701002279, por dívida de IRS, do ano de 2005, deduzida por J.A., contribuinte n.º XXX XXX XXX, residente em D…, Q….

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Decidiu o Tribunal a quo que o oponente não foi validamente notificado da liquidação subjacente à execução dentro do prazo de caducidade”, sustentando tal conclusão nos factos de que “não constando dos autos qualquer outra diligência prosseguida pela Administração Tributária por forma a notificar o Oponente da sobredita liquidação, cfr. ponto 3 da factualidade, procedendo o que vem invocado”.
B. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que a douta sentença errou no julgamento da matéria de facto, porquanto errou na selecção da factualidade relevante para decidir da causa, não apreciando toda a matéria de facto resultante dos elementos constantes dos autos, valorando erradamente a prova produzida e,
C. de igual modo errou no julgamento na aplicação do direito, porquanto fez errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas aplicáveis in casu, mais concretamente, as que regem a perfeição das notificações efectuadas pela AT, mais concretamente os nºs 5 e 6 do artº 39º do CPPT, não fazendo ainda a devida aplicação das normas que regem a obrigatoriedade da comunicação da alteração do domicílio fiscal, ou seja, os artºs 19º da LGT e 43º do CPPT.
D. Dispõe o artº 19º da Lei Geral Tributária (LGT) que o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local da residência habitual, sendo obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à AT, sendo este um domicílio especial pelo qual se refere a um lugar determinado o exercício de direitos e o cumprimento de deveres previstos nas normas tributárias, conforme Alberto Xavier in Manual de Direito Fiscal” – Volume I, pág. 393.
E. O cumprimento do dever de comunicação do efectivo domicílio, é também do máximo interesse do contribuinte que pretenda exercer, no quadro da lei, os direitos que lhe assistem perante a AT, uma vez que a falta de indicação do correcto domicílio fiscal/residência fiscal o priva de um indispensável ponto de contacto com ela, para o exercício integral dos seus direitos e cumprimento das suas obrigações.
F. Nos termos do nº 3 do artº 19º da LGT, a não revelação da mudança de domicílio à AT determina a sua ineficácia perante esta entidade.
G. De igual modo, prevê o artº 43º do CPPT a obrigação da participação do domicílio aos interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da AT ou nos tribunais tributários, dispondo o nº 2 deste preceito que a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos do mesmo diploma, devido ao não cumprimento de tal obrigação, não é oponível à AT,
H. Só produzindo efeitos tal comunicação se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a actualização fiscal do domicílio.
I. Já o artº 39º do CPPT, nos seus nºs 5 e 6, estabelece que no caso do aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção,
J. presumindo-se a notificação se a segunda carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.
K. No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, a notificação se presume feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
L. Se é certo que, in casu, efectivamente não se tratou de uma situação de recusa, impõe-se efectuar uma análise de todo o condicionalismo subjacente à não entrega das notificações ao Oponente.
M. A argumentação utilizada também não esclarece qual é afinal a residência fiscal do Oponente.
N. Resulta dos autos a existência de relações entre o Oponente e diversos ordenamentos tributários, nomeadamente, através da procuração emitida por via da qual constituiu mandatário nos presentes autos, (quarto 226 no hotel S. em D…, no Q…).
O. Não contesta a Fazenda Pública que efectivamente seja essa a morada do oponente, mas nada refere qual era à data dos factos o seu domicílio fiscal.
P. Apenas menciona qual era em 12.02.2010, conforme resulta da procuração junta aos autos a fls. 83 dos autos.
Q. Não contesta a Fazenda Pública que esse seja um local onde naquela data possa ser encontrado, mas o que se questiona é o dever de comunicação do domicílio fiscal que impende sobre as pessoas singulares (artºs 19º da LGT e 43º do CPPT).
R. Porque as notificações foram devidamente remetidas para a morada constante do cadastro informático da AT),
S. Com efeito, o dever de informação do domicílio fiscal, releva, nomeadamente, para efeitos de aplicação de instrumentos de direito fiscal internacional celebradas pelo Estado Português para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, de acordo com o Modelo da OCDE.
T. De referir que o Acordo com o Estado do Q... apenas foi celebrado em 2014,conforme aviso nº 51/2014 publicado no DR , 1ª série, nº 84 de 2 de maio de 2014.
U. A douta sentença sob recurso padece assim de notório erro de julgamento da matéria de facto, visto que releva como provada factualidade que não mostra ter sido submetida a um exame crítico de credibilidade, nos termos do artº 607º, nº 3 do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente através do seu confronto com outros dados apurados no processo ou pela sua confirmação através de meios de prova distintos e,
V. errou na selecção da factualidade relevante para decidir da causa, não apreciando toda a matéria de facto resultante dos elementos constantes dos autos, devendo ser dado como provado que o Oponente foi notificado da liquidação pelas Autoridades Holandesas.
W. De igual modo errou a douta sentença na aplicação do direito, porquanto, ao não ter em conta toda a matéria dada como provada, fez errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas aplicáveis in casu, mais concretamente, as que regem a caducidade do direito à liquidação prescrito no artigo 45º nº 1 da LGT, bem como,
X. não fez a devida aplicação das normas que regem a obrigatoriedade da comunicação da alteração do domicílio fiscal, ou seja, os artºs 19º da LGT e 43º do CPPT.
Y. Em conclusão, pelas razões acabadas de explanar e em conclusão, padece a douta sentença de erro de julgamento da matéria de facto e de erro de aplicação do direito, devendo, em consequência, anular-se a douta sentença do Tribunal a quo.
Atento ao exposto, considera a Fazenda Pública que liquidação em causa respeitou em pleno todos os pressupostos legais não padecendo de qualquer vício passível de suscitar a sua anulabilidade, sendo de manter firme o acto de liquidação na ordem jurídica.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, com as devidas consequências legais.
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O Recorrido contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
A. “A sentença recorrida faz uma adequada interpretação e apreciação dos factos provados e uma correcta aplicação do direito aos mesmos.
B. Não existem nos autos quaisquer provas de que resulte que o aqui Recorrido tenha sido notificado da liquidação de IRS de 2005.
C. Acresce que, não existe nos autos qualquer prova de que o aqui Recorrido tenha sido citado do processo de execução fiscal.
D. À data dos factos as Autoridades Tributárias tinham perfeito conhecimento que aquele cidadão não residia em Portugal.
E. Aliás, esse facto foi devidamente divulgado na comunicação social tendo a Administração tributaria a possibilidade de corrigir o cadastro e diligenciar no sentido de apurar a sua nova morada.
F. A Administração Tributária nunca notificou a liquidação ao aqui Recorrido nem através das autoridades Holandesas nem em Portugal.
G. Sendo certo que a Recorrente não logrou demonstrar que levou ao conhecimento do recorrido a liquidação em causa, prova que apenas a ela lhe cabia.
H. Pelo que, não tendo a liquidação sido notificada ao aqui recorrido, ocorreu a caducidade dessa liquidação em 01.01.2010.
I. O presente recurso não pode deixar de ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando totalmente improcedente o presente recurso de conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar não provada a notificação da liquidação de IRS do ano de 2005 ao aqui Recorrido, ocorrendo caducidade do direito à liquidação.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 3.01.2007 foi emitida em nome de J.A. a liquidação n.º…. respeitante ao ano de 2005, no valor de €43.822,95 – cfr. fls. 217 dos autos.
2. A liquidação a que se alude em 1. foi remetida a J.A., Rua…., n.º…, edf….., – cfr. fls. 217 dos autos.
3. A notificação descrita em 2. foi devolvida em 11.01.2007 com a menção de “mudou-se” – cfr. verso de fls. 217.
4. A demonstração da liquidação de juros foi emitida em 05.01.2007 e remetida a J.A., R….. n.º…, edf. .., , Porto e devolvida em 11.01.2007 com a menção “mudou-se” – cfr. verso de fls. 218 dos autos.
5. Em 11.01.2007 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 318220070100227 em nome de J.A. por divida de IRS do ano de 2005 no montante de €43.822,95 – cfr. fls. 128 dos autos.
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Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada e não provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.”

2. O Direito

A questão principal objecto do presente recurso prende-se com a notificação da liquidação de IRS, do ano de 2005, ao aqui Recorrido. Discutindo-se a relevância de eventual não comunicação de alteração do domicílio fiscal por parte do Recorrido na sequência da sua cessação de funções como treinador do F... Por outro lado, a Recorrente sustenta não ter o tribunal recorrido tido em conta toda a factualidade relevante resultante dos elementos constantes dos autos, designadamente, as Autoridades ….. terem dado conhecimento da existência da liquidação em crise ao Recorrido.
Vejamos o julgamento constante da sentença recorrida, contra o qual a Fazenda Pública se insurge:
«(…) Como se depreende do estatuído pelo artigo 298.º nº 2 do Código Civil, ex vi artigo 2º alínea d) da LGT, a caducidade é o instituto por via da qual os direitos, que, por força da lei ou por vontade das partes têm de exercer-se em determinado prazo, se extinguem pelo seu não exercício nesse prazo.
Preceitua o artigo 45.º n.º 1 da LGT que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro prazo”.
Por outro lado, o n.º 4º do referido preceito legal, aplicável à data dos factos, estabelece que “o prazo de caducidade conta-se nos impostos periódicos a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”.
Sendo o IRS um imposto periódico, o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, tal como configurado pelo nº 4 do artigo 45.º da LGT.
Face à redacção do predito artigo 45.º da LGT, tanto o exercício do direito à liquidação, assim como a notificação, têm que sobrevier no prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de ocorrer a caducidade.
Acresce que, preceitua a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 268.º n.º 3 que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”.
A notificação é o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa (n.º 1 do artigo 35.º do CPPT), e como enunciado pelo STA no Acórdão de 06.05.2009, rec. 0270/09 “O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância”.
Estatui o artigo 36.º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, recaindo sobre a AT o ónus de comprovar a notificação devida.
Neste sentido também já se pronunciou o STA em Aresto de 16.05.2012, rec. 01181/11 quando concluiu que “É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.”
Retornando ao caso dos autos, resulta provado, pontos 1. e 2. do acervo probatório que em 3.01.2007 foi emitida a liquidação de IRS do ano de 2005, aqui controvertida no valor de €43.822,95, tendo a Administração Tributária e Aduaneira (AT) procedido ao envio da liquidação ao Oponente.
No entanto, a carta foi devolvida à AT em 11.01.2007 com a menção de “mudou-se”, não constando dos autos qualquer outra diligência prosseguida pela AT por forma a notificar o Oponente da sobredita liquidação, cfr. ponto 3 da factualidade assente.
Nesta senda, não resultando provada a notificação da liquidação de IRS do ano de 2005 ao aqui Oponente, ocorreu a caducidade do direito à liquidação, procedendo o que vem invocado. (…)»
Desde logo, importa precisar que a carta contendo a liquidação de IRS, referida em 2 do probatório, foi enviada sob registo postal simples, portanto, sem aviso de recepção, afigurando-se deslocadas as referências, constantes das conclusões I a L das alegações de recurso, aos n.º 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT. Salientamos, por outro lado, não se mostrar ínsito nos autos que a AT tenha enviado uma segunda carta, no prazo de 15 dias após a devolução da primeira, contendo a mesma liquidação. Aliás, resulta do probatório que a carta veio devolvida em 11/01/2007 e que na mesma data foi instaurado o respectivo processo de execução fiscal – cfr. pontos 2 a 5 da decisão da matéria de facto.
Impõe-se, por isso, saber se à carta para notificação que foi devolvida com a indicação “mudou-se” lhe podem ser atribuídos os efeitos a que alude o artigo 39.º, n.º 1 do CPPT.
A sentença recorrida não chegou a tratar a questão da relevância da mudança de domicílio, por isso apreciaremos essa matéria constante das conclusões das alegações de recurso.
Dispunha à data, com interesse, o artigo 39.º do CPPT, nos seus n.ºs. 1 e 2:
1 - As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção.
Esta presunção da perfeição da notificação apenas poderia prevalecer quando se soubesse que a carta enviada para tal efeito não fosse devolvida pelos serviços postais com a indicação “mudou-se”, uma vez que neste caso era seguro que a notificação não tinha chegado efectivamente ao seu destinatário, nem lhe tinha chegado ao conhecimento de que lhe havia sido enviada uma carta para tal efeito – cfr. Acórdão do STA, de 22/11/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01476/16.
Portanto, no caso dos autos é irrelevante a argumentação da Recorrente para efeitos de obter diferente decisão, uma vez que o próprio artigo 43.º, n.º 2 do CPPT, excepciona as situações respeitantes às notificações das liquidações.
A este propósito escreveu-se no Acórdão do STA, de 06/05/2009, recurso n.º 0270/09:
Invocando o artigo 43.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ... a sentença recorrida considerou que a falta de recebimento da notificação da liquidação era inoponível à Administração Fiscal, por isso que se havia de ter por correctamente notificado o contribuinte, uma vez que não cumprira o ónus que sobre si impendia de ter a morada (no cadastro) actualizada e correcta (sentença a fls. 89 dos autos).
É contra este entendimento que reage o Ministério Público, concluindo que a sentença recorrida violou o artigo 43.º, n.º 2 e 39.º, n.º 2 do CPPT e defendendo que a notificação não foi perfeita, pois que o aviso de notificação foi devolvido o que afastaria a presunção de notificação, cabendo, pois, à Administração tributária o ónus da prova de que o foi, acrescentando que afectando a liquidação de imposto a situação patrimonial do contribuinte esta não pode, por força do artigo 268.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, deixar de ser validamente notificada, sem o que o imposto será inexigível.
Vejamos.
O n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe "Direitos e garantias dos administrados" (que os contribuintes são igualmente), estabelece que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”, sendo o direito à notificação uma garantia procedimental não impugnatória dos contribuintes (cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 370), que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado, como também a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.
Por isso o nº 1 do artigo 36.º do CPPT estabelece que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
Será válida, logo eficaz em relação ao oponente, a notificação da liquidação de IRS em causa, que foi devolvida aos serviços da Administração tributária sem que esta procurasse de novo notificar o contribuinte e sem que fizesse nos autos prova de que a notificação foi recebida, apenas porque a notificação foi enviada para o endereço constante do cadastro, mas que se apura não estar correcto?
O Mmº juiz “a quo” entende que sim, com base no n.º 2 do artigo 43.º do CPPT, nos termos do qual a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação em razão da não comunicação de alteração de domicílio ou sede não é oponível à Administração tributária.
Não tem, contudo, razão. (...)
Ora, embora o n.º 1 do artigo 39.º contenha uma presunção de notificação, o n.º 2 do mesmo preceito permite que essa presunção seja ilidida, quando for feita prova de que a notificação foi feita em data posterior à presumida, não havendo sequer qualquer presunção de notificação se a carta foi devolvida, como sucedeu no caso dos autos e se na sequência dessa devolução a Administração tributária nenhum esforço adicional fez no sentido de notificar o contribuinte ou de provar que ele teve conhecimento do acto notificado, sendo que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação cabia à Administração tributária [neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume I, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2006, p. 353 (notas 2 e 3 ao art. 39.º do CPPT)].
E ter-se-á de entender assim porque, como bem invoca a Exma. Procuradora da República nas suas alegações de recurso, citando JORGE LOPES DE SOUSA (op. cit., pp. 374), a norma da parte inicial do n.º 2 do artigo 43.º do CPPT “(…) tem de ser confrontada com a exigência constitucional de notificação aos administrados de todos os actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, feita no n.º 3 do art. 268.º da C.R.P. e com o direito de impugnação contenciosa de tais actos, assegurado pelo n.º 4 do mesmo artigo, cuja concretização prática pode depender da existência de uma comunicação ao interessado na prática do acto. (...). Assim, tratando-se de actos que afectem a esfera patrimonial dos contribuintes, não poderá considerar-se efectuada uma notificação quando se demonstra que ela não foi efectivamente efectuada, como sucede nos casos em que a carta enviada para notificação seja devolvida”.
Transpondo esta doutrina para o nosso caso teremos que concluir que a AT não demonstrou a correcta efectivação da notificação e que nenhum esforço adicional efectuou no sentido de notificar o Recorrido.
A Recorrente também não se conforma com esta ilação constante da sentença recorrida:
“ (…) a carta foi devolvida à AT em 11.01.2007 com a menção de “mudou-se”, não constando dos autos qualquer outra diligência prosseguida pela AT por forma a notificar o Oponente da sobredita liquidação (…)”
Efectivamente, na conclusão V, a Recorrente afirma que o tribunal recorrido errou na selecção da factualidade relevante para decidir da causa, não apreciando toda a matéria de facto resultante dos elementos constantes dos autos, devendo ser dado como provado que o Oponente foi notificado da liquidação pelas Autoridades H….
Desde já se adianta que não foi efectuada por este tribunal qualquer alteração ou aditamento à decisão da matéria de facto, na medida em que esta espelha com clareza que, na data da devolução da carta que continha a liquidação, a AT de imediato instaurou o processo de execução fiscal – 11/01/2007.
Assim, analisados cuidadosamente os elementos ínsitos nos autos, verificamos que o conhecimento que é dado pelas Autoridades H… ao Recorrido da existência da liquidação é já no âmbito do processo de execução fiscal – cfr. pedido de assistência mútua na cobrança dos créditos em 16/07/2007 a fls. 3 e seguintes da certidão do PEF apenso.
Logo, resta saber se o Recorrido se deverá considerar notificado desta liquidação com a “citação” para a execução respectiva, através dos pedidos de assistência mútua na cobrança do crédito que se encontram na cópia certificada do processo de execução fiscal apenso aos autos.
Em primeiro lugar, as notificações e as citações têm funções distintas: a notificação da liquidação destina-se a dar conhecimento desse facto ao contribuinte; a citação destina-se a chamar o executado pela primeira vez a juízo.
De salientar, de resto, desconhecer-se se foi enviado título executivo com o pedido de assistência mútua; contudo, normalmente, o título executivo não inclui a nota demonstrativa da liquidação e não permite, por isso, apreender com a necessária segurança como é que a AT chegou ao valor liquidado e quais as parcelas que o compõem.
Em segundo lugar, se a citação para a execução pudesse fazer as vezes da notificação da liquidação, não faria sentido que o citado pudesse opor-se à execução invocando justamente a falta de notificação da liquidação.
Suponhamos, porém, que ao deduzir oposição ou em qualquer outro requerimento escrito, o ali executado revela perfeito conhecimento do conteúdo da liquidação. Nem assim se deveria considerar notificado da mesma.
É que à notificação das liquidações não são aplicáveis os artigos 67.º, n.º 1, alínea b), e 132.º, n.º 1, ambos do C.P.A. Porque, como vimos, os actos de liquidação só produzem efeitos em relação aos contribuintes quando lhe forem notificados. Quer dizer: existe aqui norma expressa, o artigo 36.º do CPPT, que afasta a aplicação subsidiária daquelas normas do procedimento administrativo.
De qualquer modo, «à face da Constituição, parece não se poder prescindir de uma comunicação formal do acto aos interessados, com indicação dos requisitos exigidos na lei, como condição da eficácia em relação a eles dos actos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, independentemente de se tratar de direitos ou interesses legalmente protegidos» - cfr. artigo 268.º, n.º 3 da CRP. O direito à notificação dos actos administrativos impõe à administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, «na forma prevista na lei» - cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP Anotada, vol. II, Coimbra Editora, página 824.
A regra da sujeição dos actos administrativos à exigência da respectiva notificação aos interessados está consagrada no referido artigo 268.º, n.º 3 da CRP. Trata-se, como bem sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, de um direito dos interessados à notificação – o que tem o seu relevo, não apenas em termos de exigibilidade e de reacção contra eventuais recusas da Administração em notificar, como também porque se afasta assim a possibilidade de considerar realizado esse direito por qualquer outra via legal, sucedânea, que não assegure o conhecimento dos actos pelos interessados – cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim in Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª Edição, Almedina, página 348.
Mesmo abstraindo da ideia de notificação como “direito”, com vista a assegurar aos interessados um conhecimento pessoal, oficial e formal do acto tributário de liquidação, não se diga que pode existir um paralelismo com a situação dos responsáveis subsidiários, cujo início da contagem do prazo para impugnação judicial está previsto a partir da sua citação, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, alínea c) do CPT. É que, de harmonia com o preceituado no n.º 4 do artigo 22.º da LGT, as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.
Assim, não obstante os responsáveis subsidiários serem citados na sequência de reversão do processo de execução fiscal, esta citação tem que conter os elementos essenciais do acto de liquidação, incluindo a fundamentação. Exigências estas que não estavam previstas legalmente para a citação dos sujeitos passivos originários, pela razão óbvia de, supostamente, terem já sido previamente notificados do acto de liquidação (pressuposto de eficácia e, consequentemente, de exigibilidade) – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 25/02/2016, proferido no âmbito do processo n.º 23/00 Porto.
Por tudo o exposto, o Recorrido não poderá considerar-se notificado desta liquidação com a intervenção das Autoridades H… no âmbito da execução fiscal respectiva. Não se demonstrando que houve uma notificação validamente efectuada, a eficácia da liquidação mostra-se afectada, não produzindo efeitos em relação ao Recorrido; pelo que se reafirma ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação.
Nesta conformidade, o recurso não merece provimento.

Conclusões/sumário

I - O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração Tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.
II - Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a eles quando lhes sejam validamente notificados (artigo 36.º, n.º 1 do CPPT).
III - Não pode ter-se como validamente efectuada uma notificação de liquidação de IRS devolvida aos serviços da Administração Tributária, com o pretenso argumento de que o contribuinte não cumpriu o ónus de participação de alteração do seu domicílio, pois que a parte final do n.º 2 do artigo 43.º do CPPT ressalva o disposto quanto às citações e notificações, a presunção do n.º 2 do artigo 39.º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida e as normas em causa têm necessariamente de ser conjugadas com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efectiva.
IV - A presunção a que alude o artigo 39.º do CPPT, da perfeição da notificação, apenas poderia prevalecer quando se soubesse que a carta enviada para tal efeito não fosse devolvida pelos serviços postais com a indicação “mudou-se”, uma vez que neste caso era seguro que a notificação não tinha chegado efectivamente ao seu destinatário, nem lhe tinha chegado ao conhecimento de que lhe havia sido enviada uma carta para tal efeito.
V - Se a citação para a execução pudesse fazer as vezes da notificação da liquidação, não faria sentido que o citado pudesse opor-se à execução invocando justamente a falta de notificação da liquidação.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 17 de Setembro de 2019

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães