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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00328/15.5BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL/RJUE/FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO/NÚCLEOS DE DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO (NDT)
/INTERVENÇÕES QUE, PELA SUA NATUREZA E DIMENSÃO, COMPROMETEM A AFETAÇÃO TURÍSTICA/DEMOLIÇÃO COERCIVA DA OBRA EM CAUSA
Recorrente:P.
Recorrido 1:Presidente da Câmara Municipal (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
P., residente na Rua (…), instaurou ação administrativa especial contra o Presidente da Câmara Municipal (...), pedindo:
Julgar procedente a presente acção por provada e em consequência declarar nulo o despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal por aqueles vícios de falta de fundamentação e violação do nº 2 artº 106ºdo RJUE, condenando o Presidente da Câmara Municipal (...) a prosseguir o procedimento com o conjunto de actos necessários à verificação da possibilidade ou não de legalização das obras ainda que corrigidas, com a devida fundamentação”.
Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu do pedido.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
A
Apesar lhe serem concedidas duas oportunidades para o recorrente requerer a legalização da construção, uma em 9.05.2014 e outra em 19.01.2015, e o recorrente nada fazer nessas duas ocasiões.
B
Em 14.04.2015, o ora recorrente foi notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia sobre a proposta de demolição.
C
Nada legalmente obrigava a que o ora recorrente fosse novamente ouvido em sede de audiência prévia.
D
E tendo sido novamente concedido ao recorrente o direito de audiência não pode coartar-se esse direito, pois que foi o próprio Réu/recorrido que concedeu ao recorrente esse direito.
E
Não se compreende a falta de fundamentação da decisão do Reu/recorrido, remetendo para uma informação e projecto de decisão anterior e o mais grave, considerando que o exercício do direito de audição de interessados exercido pelo ora recorrente “não passam de mero expediente para atrasar o processo de demolição há muito determinado”.
F
Tal decisão é nula por absoluta falta de fundamentação, contrariamente ao defendido na sentença a quo.
G
A fundamentação constante da notificação datada de 19.05.2015 limita-se a dizer que a referida construção “não só não constitui um anexo ... como acima de tudo viola pelo seu enorme impacto visual de agressão paisagística todas as normas estéticas e urbanísticas particularmente as que se prendem com as constantes dos Núcleos de Desenvolvimento Turístico onde a pretensão se enquadra”.
H
Refere o n° 1 do art° 125º do CPA, que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
I
E o n° 2 do mesmo artigo 125º diz que equivale a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
J
Ora a decisão em litígio viola precisamente as exigências do art° 125º do CPA, contrariamente ao defendido na douta sentença a quo.
K
Não basta dizer que “acima de tudo viola pelo seu enorme impacto visual de agressão paisagística todas as normas estéticas e urbanísticas particularmente as que se prendem com as constantes dos Núcleos de Desenvolvimento Turístico onde a pretensão se enquadra.”
L
Tinha que concretizar em que se traduz a violação pelo “enorme impacto visual de agressão paisagística todas as normas estéticas e urbanísticas particularmente as que se prendem com as constantes dos Núcleos de Desenvolvimento Turístico onde a pretensão se enquadra.”
M
Não se sabe quais são as normas estéticas e urbanísticas constantes dos Núcleos de Desenvolvimento Turístico onde a pretensão do recorrente se enquadra.
N
Não pode pura e simplesmente fazer-se apelo como foi feito a um enorme impacto visual de agressão paisagística que viola todas as normas estéticas e urbanísticas, sem esclarecer no concreto caso em que se traduz o mesmo.
O
Como se pode dizer que uma construção em bruto, praticamente na sua fase inicial, ocupando 40 m2, quando no local até pode ir aos 50 m2, não tendo mais que 2 a 2,5 metros de altura, em que a cobertura ainda nem foi efectuada, em que as paredes podem ser revestidas de material típico do local (granito), tem ou terá um impacto visual e de agressão paisagística e todas as normas estéticas e urbanísticas particularmente as que se prendem com as constantes dos Núcleos de Desenvolvimento Turístico onde a pretensão se enquadra.
P
Estamos perante uma obscuridade ou insuficiência que não esclarecem concretamente a motivação do acto, que consubstancia nos termos do art° 125º do CPA uma falta de fundamentação, contrariamente ao defendido na douta sentença a quo.
Q
Mas, caso se entenda que existe e ainda que é valida uma remissão para a fundamentação do despacho datado de 19.05.2015, sempre se dirá que aquela fundamentação é ilegal e violadora da lei, nomeadamente o disposto no n° 2 do art° 106º do RJUE.
R
Refere o n° 2 do art° 106º do RJUE que a demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração.
S
Ou seja, a demolição só pode ser ordenada se de todo for impossível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis.
T
Estando a construção numa fase muito inicial claramente que a mesma pode ser licenciada ou autorizada assegurando a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração, ou impondo o cumprimento de determinados requisitos para que a referida construção não tenha impacto visual e de agressão urbanística, nomeadamente limitações à altura, ao material e forma da cobertura e aos materiais de revestimento exterior do anexo em causa, e desta forma cumprir o estipulado no n° 2 do art° 106 do RJUE.
U
A demolição apenas pode ser ordenada em caso de absoluta impossibilidade de cumprimento das normas legais e regulamentares.
V
Ora, no caso dos autos em não há qualquer fundamentação e justificação para a impossibilidade de cumprimento das normas legais.
Y
Violando-se assim o disposto no nº 2 do artº 106º do RJUE, contrariamente ao defendido na sentença.
Dando provimento ao presente recurso revogando e substituindo a decisão do Tribunal a quo por outra no sentido de declarar nulo o despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal por aqueles vícios de falta de fundamentação e violação do nº 2 artº 106º do RJUE, condenando o Presidente da Câmara Municipal (...) a prosseguir o procedimento com o conjunto de actos necessários à verificação da possibilidade ou não de legalização das obras ainda que corrigidas, com a devida fundamentação,
Farão JUSTIÇA!

O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
1. Inexiste, assim, qualquer violação do artigo 106.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, visto que a ordem de demolição foi antecedida de apreciação técnica sobre a possibilidade de a construção satisfazer ou poder vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares.

2. Tal apreciação técnica conclui pela inviabilidade de legalização da construção, sendo que o Autor não logra demonstrar o desacerto ostensivo ou grosseiro do critério técnico utilizado.

3. A construção em causa não foi erigida no prédio onde o edifício principal está implantado, pelo que a necessidade de garantir a adequada inserção paisagística e o respeito pelo espaço arquitetónico envolvente aumenta consideravelmente.

4. Tais fundamentos são claros, objectivos e apreensíveis por qualquer homem colocado nas concretas circunstâncias do Autor.

5. A fundamentação utilizada não é abstrata nem genérica, sendo certo que o Autor podia ter utilizado todos meios legais no sentido de afastar a mesma, mas parece limitar-se a exigir a “fundamentação da fundamentação”.

6. Inexiste fundamento para anular o ato impugnado, pelo que tal deve manter-se na ordem jurídica.

Termos em que, não se divisando nenhum desacerto na decisão recorrida, resta considerar, na nossa opinião, o recurso improcedente, assim se fazendo justiça.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Pela apresentação n.º 3927, de 25 de setembro de 2009, na conservatória do registo predial de (...), encontra-se registado em nome de P. e S. o prédio rústico sito em (…), inscrito na matriz sob o n.º 416 (fls. 60 e 61 do processo administrativo e fls. 49 e 96 do suporte físico do processo).
2) Pela apresentação n.º 3927, de 25 de setembro de 2009, na conservatória do registo predial de (...), encontra-se registado em nome de P. e S. o prédio urbano sito em (…), inscrito na matriz sob o n.º 6 e descrito sob o n.º 156 (fls. 46 e 97 do suporte físico do processo).
3) Os prédios identificados em 1) e 2) são contíguos, embora separados por um caminho público (por confissão).
4) O prédio urbano identificado em 2) não possui qualquer logradouro, sendo integralmente ocupado pela edificação (por confissão).
5) Em maio de 2014, P., iniciou uma construção, com a área de 40 m2, no “Lugar (…)”, freguesia de (...), (...), no prédio identificado em 1) (por confissão).
6) P. não obteve licenciamento nem procedeu à comunicação prévia da construção aludida em 5) (por confissão).
7) Em 7 de maio de 2014, o fiscal de obras da Câmara Municipal de (...) elaborou uma participação, à qual foi atribuído o registo n.º 7/14, dirigido ao Presidente daquela edilidade, dando-lhe conta que P. tinha iniciado a construção referenciada em 5), sem o respetivo alvará de licenciamento (cfr. fls. 78 e 78 verso do processo administrativo).
8) Em 7 de maio de 2014, o Presidente da Câmara Municipal decidiu embargar a obra e determinou a suspensão das obras irregulares e fixou, ainda, um prazo de 30 dias para ser requerida a legalização (cfr. fls. 78 verso do processo administrativo).
9) Em 7 de maio de 2014, a Unidade de Serviços Urbanísticos e Licenciamentos elaborou o ofício n.º 1053, dirigido a P., com o seguinte teor:
Verificou a Fiscalização Municipal que V.ª Ex.ª leva a efeito a construção de um imóvel para arrumos, feitos em tijolos, com uma área de 40 m2, no lugar denominado “Cortinha dos Chães”, sito na localidade e freguesia de (...) das (...), sem a necessária licença ou admissão de comunicação prévia, como determinado no n.º 2, do artigo 4.º ou n.º 3, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, e ulteriores alterações.
Pelo exposto, fica pelo presente notificado, que por despacho por mim praticado em sete de maio de dois mil e catorze, determino, o embargo e a suspensão das obras, nos termos da alínea a), nº 1, artigo 102.º, do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março.
Fica ainda notificado para requerer, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data da recepção da presente notificação, o licenciamento ou apresentação de comunicação prévia para eventual legalização da operação urbanística” (cfr. fls.77 do processo administrativo).
10) O ofício referenciado foi enviado para P., através de carta registada com aviso de receção nº RF024250135PT, que foi recebida pelo próprio em 9 de maio de 2014 (cfr. fls.76 e 75 do processo administrativo).
11) Em 23 de agosto de 2014, o fiscal de obras da Câmara Municipal de (...) deu cumprimento ao embargo da obra determinado em 8), dando conhecimento do mesmo a P. (cfr. fls. 63 e 63 verso do processo administrativo).
12) A Chefe da Divisão de Urbanismo, Ambiente e Serviços Urbanos, no âmbito do processo n.º 3/14, relativo à construção de imóvel sem autorização em “(...)s” propôs o seguinte:
“(…)
Considerando porém que um dos princípios que regem a atividade administrativa, é o principio da proporcionalidade, entende-se que antes de o município lançar mão de uma medida tão grave, como seja a demolição, se impõe a calendarização de alguns procedimentos que se passam a enunciar e os quais estão dentro do âmbito legal do artigo 106.º e seguintes do RJEU, assim:
1 – A demolição poderá ser evitada se a obra for suscetível de legalização, pelo que deverá ser notificado o infrator, para no prazo de um mês, encetar os procedimentos adequados a requerer tal decisão,
2 – Em alternativa ao referido no ponto anterior, poderá o infrator, voluntariamente demolir a referida construção ilegal, no prazo também de um mês, repondo o terreno nas condições que se encontrava antes da intervenção ilegal que sofreu,
3 – Dentro ainda do mesmo prazo (um mês) e precedendo a ordem de demolição se o infrator nada fizer, poderá este vir ao processo por escrito, dizer o que tiver por conveniente, no âmbito da realização da audiência de interessados de acordo com o artigo 100.º e 101.º, do Código de Procedimento Administrativo, e do direito de participação dos administrados no processo de formação das decisões a tomar pela administração, consagrado no artigo 268.º, da Constituição da República, manifestando-se de forma que lhe aprouver, sobre o iminente sentido da decisão da intenção de demolição que atualmente paira sobre o mencionado imóvel que construiu no lugar de (...), em (...) das (...).
4- Mais deverá ser advertido o infrator, que na eventualidade de não adotar qualquer dos procedimentos legais, supra referidos dentro do prazo que se encontra estipulado, o Senhor Presidente da Câmara, ordenará a demolição coerciva do referido imóvel, nos termos do artigo 107.º, do RGEU, decretando-se a posse administrativa e sendo feita a demolição, cujos encargos financeiros em que incorrer serão ainda afinal debitadas ao infrator.
5 – De todos os procedimentos administrativos supra elencados deverá ser notificado o interessado” (cfr. fls. 53 a 54 verso do processo administrativo).
13) Em 7 de outubro de 2014, o Presidente da Câmara Municipal (...) exarou, sobre a informação referenciada em 12), o seguinte despacho: “Determino a adopção sequencial de todos os procedimentos legais constantes do parecer infra por forma a conseguir-se, tão rápido quanto possível, a legalização ou demolição do imóvel em causa” (cfr. fls. 53 do processo administrativo).
14) Em 14 de outubro de 2014, a Divisão de Urbanismo, Ambiente e Serviços Urbanos do Município de (...) elaborou o ofício n.º 2104, referente ao processo nº 3/14, dirigido a P., com o seguinte teor:
Assunto: Construção ilegal, no lugar de “(...)” – (...) das (...). Notificação nos termos do artigo 106.º, 107.º do RJUE e nos termos do artigo 100.º e 101.º, do CPA.
Relativamente ao assunto identificado em epígrafe, sobre o qual recaiu o despacho praticado pelo Senhor Presidente da Câmara, datado de 2014.10.07, fica Vª Exª notificado para:
a) No prazo de um mês, encetar pedido de apreciação de possível legalização da construção ilegalmente erigida no lugar de “(...)”, em (...) das (...), instruindo processo nos termos do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de dezembro, na redação agora em vigor e do nº 11.º, da Portaria nº 232/2008 de 11 de Março.
b) no prazo de um mês vir ao processo pronunciar-se por escrito, nos termos do artigo 100º e 101º do C.P.A., sobre a intenção de proferir despacho de demolição do referido imóvel, pelo Senhor Presidente da Câmara, nos termos do n.º 1 do artigo 106.º, do Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro, na redação agora em vigor;
c)no prazo de um mês, proceder à demolição voluntária da mencionada edificação, que se encontra erigida em desacordo com as normas urbanísticas em vigor, nos termos do artigo 106.º do diploma legal retro citado;
d) na eventualidade de V. Exª. não adoptar, qualquer dos procedimentos aqui enunciados, e findo o prazo ora concedido para o efeito, serão iniciados todos os procedimentos legais, tendentes à demolição da mencionada construção de forma coerciva pela Câmara Municipal, com a decretação da antecedente posse administrativa do imóvel em causa, tudo nos termos do artigo 107.º, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com vista a repor a legalidade violada” (cfr. fls. 51 e 52 do processo administrativo).
15) Em 19 de janeiro de 2015, no âmbito do processo n.º 3/14, a Polícia de Segurança Pública elaborou certidão de notificação de P., pelo qual lhe transmitiu o teor do ofício referido em 14) (fls. 46 do suporte físico do processo).
16) Em 10 de março de 2015, foi elaborada a seguinte informação:
Os serviços de fiscalização D.US.U., deslocaram-se á aldeia de (...) das (...) para verificar em que estado se encontrava a obra do Sr. P., e verificamos que a referida construção se encontra conforme auto de embargo de obras nº 04/2014, datado em 23 de Agosto, não tendo qualquer alteração posterior, conforme foto anexa” (cfr, fls. 35 do processo administrativo).
17) Em 23 de março de 2015, a Chefe da Divisão de Urbanismo Ambiente e Serviços Urbanos, elaborou a informação com o seguinte teor:
“(…) Assim, de acordo com a certidão de notificação, devolvida por aquela entidade policial (…) ficou o requerido devidamente notificado, dos trâmites legais a cumprir, nos termos do artigo 106.º e 107.º, do RJUE.
Porém, apesar de devidamente notificado, o requerido, não encetou qualquer diligência, no sentido de requerer, a possibilidade, de legalização do imóvel em causa, nem sequer procedeu, como devia, dado tratar-se de uma construção ilegal, de demolir esta obra voluntariamente, repondo o terreno, nas condições em que se encontrava, antes do início das mencionadas obras, de acordo com n.º 1, do artigo 106.º, do RJUE. Estes factos foram comprovados, quer por deslocação, dos fiscais municipais, ao local da obra, no dia dez de março do ano em curso (…).
Enquadramento jurídico da actual situação
Considerando o itinerário procedimental, constante do artigo 106.º, do RJUE, tendo sido dado, cumprimento ao disposto no n.º 1,2,3, dessa disposição legal, verifica-se que o requerido, revelou um comportamento de total inércia, ou seja, não procedeu á legalização do prédio, que construiu no Lugar de “(...)s”, em (...) das (...), nem procedeu à demolição voluntária, desse prédio não licenciado e do qual é legítimo proprietário e ainda, não exerceu também o direito de audiência de interessados, como foi nesse âmbito, notificado.
Considerando o supra exposto, não resta alternativa, que não seja, cumprir o estipulado no n.º 4, da mesma disposição legal, ou seja, ser determinado em despacho a exarar, pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal, a demolição coerciva da obra em causa e reposição do terreno, por conta do infrator.
Considerando que para se proceder, à demolição coerciva da referida obra, tentando assim, repor a legalidade urbanística, é necessário, que se decrete a posse administrativa do dito imóvel, pelo tempo considerado necessário, para a execução dessa medida de tutela da legalidade urbanística.
Considerando que para a execução, da demolição do referido imóvel, torna-se necessário, que seja feita, uma vistoria ao local e ao prédio em causa, tentando em relatório fundamentado, verificar se o município, dispõe de meios próprios que possa usar (em termos de pessoal e material) nessa demolição, qual o prazo provável que durará o ato de demolição, os materiais que existem na obra em questão e tudo o demais que possa ser documentado, nomeadamente o valor que tais trabalhos podem implicar, bem como, onde pode ser depositado o material que resulte dessa demolição.
Considerando o acima exposto, deverá essa, diligência, proceder a concretização material tomada de posse administrativa, a qual deverá ser efetuada pelos fiscais municipais, através da elaboração de um auto, nos termos do n.º 3, do artigo 107.º, do RJUE.
Considerando o n.º 2, da mesma disposição legal, o ato administrativo que determinar a posse administrativa, é sempre notificado por carta registada com aviso de receção ao proprietário do imóvel” (cfr. fls. 31 a 33 do processo administrativo).
18) Em 25 de março de 2015, o Presidente da Câmara Municipal determinou a adoção de “todos os procedimentos (…) tendentes à demolição do edificado que determino e de que deverá notificar-se o requerido” (cfr. fls. 31 do processo administrativo).
19) Em 1 de abril de 2015, a Divisão de Urbanismo e Serviços Urbanos elaborou o ofício n.º 865, dirigido a P., levando-lhe ao conhecimento o seguinte:
Assunto: Construção ilegal, no lugar de “(...)” – (...) das (...). Notificação nos termos do artigo 106.º, 107.º do RJUE e nos termos do artigo 100.º e 101.º, do CPA.
Relativamente ao assunto identificado em epígrafe, sobre o qual recaiu o despacho exarado pelo Senhor Presidente da Câmara (…), datado de 2015/03/25, fica Vª Exª, notificado, de que sobre a participação que corre trâmites como processo 3/14, foi determinado o seguinte:
Demolição total da construção (…) e decretação da posse administrativa do referido imóvel nos termos dos artigos 106, 107, 108 do RJUE, de acordo com a proposta/conclusão, da qual se anexa fotocópia” (fls. 29 do processo administrativo).
20) P. teve conhecimento do teor do ofício n.º 865 em 14 de abril de 2015 (fls. 28 do processo administrativo).
21) Em 23 de abril de 2015, P. apresentou um requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal (...), com o seguinte teor:
pretende o respondente proceder à legalização da construção em causa.
Jamais foi intenção do respondente furtar-se ao cumprimento das obrigações legais.
Apenas não procedeu ao licenciamento prévio, atendendo ao disposto no artº13, nº3 alªf) do Regulamento Municipal de Edificação de (...) que refere que “os anexos e alpendres ou combarros destinados à guarda de lenha e produtos agrícolas com uma área não superior a 50m2 estão isentos de licença e comunicação prévia.
Ora, a construção em causa, como referido nos autos tem cerca de 40 m2, estando como tal abrangida pela referida isenção.
Apesar da notificação do passado mês de Outubro, apenas por afazeres profissionais que impuseram diversas deslocações prolongadas ao estrangeiro, impediram o respondente de pedir a legalização da referida construção
Assim, tendo em conta o supra alegado, pretendia o respondente dar andamento ao pedido de legalização da construção em causa, solicitando que seja informado do que é necessário para legalizar a referida construção, dando sem efeito a ordem de demolição da mesma e respetiva posse administrativa” (cfr. fls. 24 e 25 do processo administrativo).
22) Em 14 de maio de 2015, a Divisão de Urbanismo, Ambiente e Serviços Urbanos elaborou a seguinte informação:
Pedido
O requerente solicita a legalização de construção, que tem despacho de demolição exarado pelo Senhor Presidente da Câmara 2015/03/25
Apreciação
No terreno contiguo à edificação, moradia unifamiliar foi construído edifício com a área de 40 m2, sem qualquer comunicação à Câmara Municipal. A obra em termos de área poderia ser considerada de escassa relevância urbanística, isenta de controlo prévio conforme refere o artº 6º e 6º A do DL 555/99 alterado pelo DL 136/14, conjugados com o artigo 13 do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (…). Um anexo tem sempre como referência a construção principal e por isso deve ser enquadrada com esta e toda a envolvente construída. A construção em causa está isolada embora dentro do perímetro urbano da aldeia, desenquadrada da envolvente, esta com características muito fortes de património rural. De acordo com o artº 66 do Regulamento do PDM a aldeia está classificada como Núcleo de Desenvolvimento Turístico. O nº3 do artigo refere: “Nestas áreas, sem prejuízo do uso actual, não são permitidas novas edificações não integradas no programa NDT ou intervenções, que pela sua natureza e dimensão, comprometem a futura afectação turística”.
A alínea b) do artº 65 do RPDM refere ainda: “As tipologias arquitectónicas devem prosseguir a integração harmoniosa nos parâmetros do urbanismo e da arquitectura local, sem a utilização de técnicas construtivas, volumes, materiais, elementos decorativos ou cores que constituam um impacto visual negativo ou dissonante nas unidades de paisagem ou conjuntos onde se integram”.
A construção em causa pelos materiais, pela volumetria, pelo impacto visual e paisagístico, não se enquadra na envolvente e por isso não poderá ser legalizada.
Proposta
No seguimento do despacho do Sr. Presidente julgo que deve ser tomada posse administrativa do imóvel em causa, para prosseguir com a demolição” (cfr. fls. 16 e 17 do processo administrativo).
23) Em 15 de maio de 2015, o Presidente da Câmara Municipal (...) concordou com a proposta constante da informação referenciada em 22) (cfr. fls. 16 do processo administrativo).
24) Em 19 de maio de 2015, através do ofício n.º 1167, P. foi informado do seguinte:
1 -De acordo com o meu despacho exarado em 15 de maio do ano em curso, junto a fls 63 dos autos, não é possível, a legalização da construção ilegal iniciada por V. Exª no lugar de “(...)”, na localidade de (...) das (...), deste Município de (...).
2 – Nos termos da informação técnica, cuja cópia se junta, tal construção viola algumas normas urbanísticas estatuídas nas normas do Dec-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo Dec-Lei 136/2014, de 9 de Dezembro, do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização de (...), bem como das normas do Regulamento do PDM, conforme se encontram explicitadas na dita informação técnica.
3 – Desta forma, serão retomados os trâmites procedimentais fixados já anteriormente ao pedido de legalização ora apreciado, ou seja, será materializada a posse administrativa do referido imóvel, já decretada com a subsequente demolição do mesmo, de acordo com os artigos 106º, 107ºe 108 do RJUE.
4 – Fica ainda notificado de que dispõe de 10 dias, para se pronunciar por escrito nos termos dos artigos 100 e 122 do CPA, ao abrigo da audiência de interessados, podendo no mesmo prazo proceder à demolição voluntária da aludida construção ilegal, nos termos do nº4, do artigo 106ºdo RJUE” (cfr. fls. 15 do processo administrativo).
25) P. pronunciou-se por escrito em 25 de maio de 2015 (cfr. fls. 11 a 12 do processo administrativo).
26) Em 1 de junho de 2015, o Presidente da Câmara Municipal decidiu que “a oportunidade de legalização nunca foi tida como dado adquirido, antes estava dependente da análise técnica que sobre a mesma incidiria e que agora se dá como inadequada e impossível” (cfr. fls. 11 do processo administrativo).
27) Em 9 de junho de 2015, através do ofício n.º 1228, dirigido a P., a Divisão de Urbanismo e Serviços Urbanos informou do seguinte:
1. De acordo com a notificação de 19 de Maio de 2015 a que se juntou cópia da informação técnica que a sustenta foi V. Exª informado das razões que prevalecem sobre o indeferimento da sua pretensão.
2. São as mesmas razões que prevalecem e sustentam a resposta a dar à sua comunicação de 27 de Maio de 2015, e que não passam de mero expediente para atrasar o processo de demolição há muito determinada.
3. Ordeno assim a demolição nos próximos 10 (dez) dias a contar da data da recepção da presente notificação sob pena de não o fazendo, ser imediatamente determinada por mim a posse administrativa que conduza à execução coerciva da demolição que sobre o processo pende” (cfr. fls. 10 do processo administrativo).
DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
O Autor alega que a ordem de demolição não foi antecedida de apreciação sobre a possibilidade de legalização da obra iniciada sem licenciamento prévio nem comunicação prévia, violando-se o artigo 106º nº 2 do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro (diploma que estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro, em vigor à data dos factos, estabelecia que estavam isentas de controlo prévio as obras de escassa relevância urbanística, definindo-se estas como as obras de edificação ou demolição que, pela sua natureza, dimensão ou localização tenham escasso impacte urbanístico (cfr. artigo 6.º, n.º 1. alínea c) e artigo 2.º, alínea m)).
A alínea i), do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 6.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, permitem que através de regulamento municipal sejam qualificadas como obras de escassa relevância urbanística outro tipo de obras, as quais podem ir além dos limites estabelecidos neste diploma.
Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 6.º -A do RJUE, o artigo 13, n.º 1, alínea f) do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município de (...), publicado em Diário da República, II série, n.º 67, de 6 de Abril de 2009, estabelece que são consideradas de escassa relevância urbanística os anexos e alpendres ou combarros destinados à guarda de lenha e produtos agrícolas com uma área não superior a 50 m2.
O Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município de (...) define como «Anexo ou Combarro» a dependência coberta não incorporada no edifício principal e considerada como complemento funcional deste (artigo 2.º, n.º 1, alínea f)).
O Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), publicado em Diário da República n.º 180/2013, Série II, 18 de setembro de 2013, estabelece as regras a que deve obedecer a ocupação, o uso e a transformação do solo, para a totalidade do território do município de (...).
De acordo com o Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), o aglomerado rural define-se como o pequeno núcleo populacional com funções residenciais e de apoio a atividades processadas em solo rural e que pela sua dimensão, características morfológicas e nível de infraestruturação não reúnem condições para integrarem o solo urbano (artigo 42.º, n.º 1).
Nos aglomerados rurais do Concelho de (...) vigora um regime de proteção que implica a preservação e conservação dos aspetos dominantes da sua imagem, nomeadamente das suas características morfológicas, incluindo a estrutura, forma de agregação, tipologia, materiais, cores e dimensão de vãos (artigo 42.º, n.º 3 do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...)).
De acordo com o artigo 42.º, n.º 7 e n.º 8 do mesmo Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), em prédios situados dentro de aglomerados rurais onde exista já edificação de caráter residencial, permite-se a construção de anexo desde que a área de construção deste não exceda 25 % da área do logradouro nem 50 m2 e admitem-se novas construções não integradas nos números anteriores, nas seguintes situações: a) Cumprimento da moda da altura da fachada na frente edificada; b) Respeito pela relação morfológica do edificado com o espaço público confrontante; c) Índice de utilização do solo inferior a 0,6.
O Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...) também implementou núcleos de desenvolvimento turístico (NDT), que respeitam a locais de reserva estratégica para o desenvolvimento de atividades turísticas integradas com as atividades existentes sendo o seu desenvolvimento compatibilizado com os regimes das servidões com que eventualmente se sobreponham.
A freguesia de (...) das (...) está classificada como núcleo de desenvolvimento turístico e tem a designação de NDT 2 - (...) das (...) (artigo 66.º, n.º 1, alínea b)).
Em local classificado como núcleo de desenvolvimento turístico e sem prejuízo do uso atual, não são permitidas novas edificações não integradas no programa do NDT ou intervenções que, pela sua natureza e dimensão, comprometam a futura afetação turística (artigo 66.º, n.º 3).
A jurisprudência tem considerado que os preceitos que fazem apelo à conformidade dos licenciamentos como a estética das povoações, a beleza das paisagens e a adequação ao ambiente urbano inserem-se no exercício de poderes vinculados de Administração. E que, em tal situação, a Administração faz um juízo de mérito, envolvendo conhecimentos especializados sobre a beleza e enquadramento estético das construções, com referência a elementos de valoração subjetiva. Que tratando-se de uma avaliação ou valoração efetuada por técnicos, no domínio da discricionariedade técnica, o controlo jurisdicional da atividade administrativa só é possível em caso de erro grosseiro ou manifesto ou de critérios estéticos claramente desadequado (cfr. Tribunal Central Administrativo Norte, Data do acórdão de 4 de outubro de 2007, no processo n.º 00700/04.6BEBRG e Supremo Tribunal Administrativo, acórdão de 20 de setembro de 2011, no processo n.º 0414/10, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Importa, ainda, convocar o estudo de Inês Calor, “Legalização - Dúvidas práticas sobre a aplicação do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação”, publicado na RevCEDOUA, n.º 1.2013, pág. 29 a 47.
De acordo com a autora referida, “o sistema do licenciamento de obras gizado pelo DL 445/91 (mantendo-se no atual RJUE) pressupõe que o licenciamento precede a construção, e que quem pede a aprovação de projeto correspondente a obras já realizadas não pretende uma autorização para exercer o direito de construir, mas uma aprovação para manter o ilegalmente realizado por falta de prévio licenciamento”.
Segundo a autora, a expressão “legalização” não é utilizada formalmente, sendo um termo genericamente usado para se referir à reposição da legalidade administrativa de uma operação urbanística sujeita a licença, objeto de comunicação prévia ou autorização de utilização: “trata-se de um procedimento encetado extemporaneamente e para o qual, à falta de um regime próprio, é preciso adaptar as disposições do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação”.
A autora sustenta que o facto de a legalização partir da prática de um ato ilícito leva à necessidade de ponderar o grau de exigência na instrução e apreciação do processo, no sentido de atender ao princípio da proporcionalidade e, ao mesmo tempo, evitar o benefício do infrator por ter realizado obras operações urbanísticas sem o devido controlo prévio. Por isso, com o pressuposto que “a verificação da conformidade da construção com as disposições legais e regulamentares só pode ser sancionada com a emissão do título de construção”, “qualquer ação ou omissão do requerente que evite o correto desenrolar do processo não afasta a possibilidade de demolição da obra”.
Mais acrescenta a Autora que a apreciação liminar é o momento em que é realizada a verificação da entrega e conformidade dos elementos instrutórios exigíveis, definidos atualmente na Portaria n.º 232/2008, de 11 de março, sendo que a apreciação liminar realizada pelo técnico municipal obriga, à partida, a uma decisão sobre o tipo de procedimento aplicável, sobre os elementos instrutórios passíveis de dispensa e as alterações que podem ser permitidas ou devem ser solicitadas aos mesmos, no sentido de diminuir a incongruência com a situação urbanística consumada.
Volvendo ao caso dos autos.
Ambas as partes dão por assente que o Autor levou a efeito a construção de uma obra, feita em tijolos, com uma área de 40 m2, no lugar de “Cortinha dos Chães”, que sita na localidade e freguesia de (...) das (...).
Tal construção está implantada no terreno rústico identificado em 1) da fundamentação de facto.
Ora, um anexo é uma dependência coberta não incorporada no edifício principal, o que significa que este é uma construção que não tem de estar materialmente ligada ao edifício principal, embora lhe seja “serviente” na medida em que deve ser um complemento funcional deste e destinar-se à guarda de lenha e produtos agrícolas.
Sucede que, como se viu, o prédio rústico aludido em 1) (onde a construção está implantada) e o prédio urbano aludido em 2) estão separados por um caminho público, sendo perfeitamente autónomos (cfr. 3).
Ou seja, a construção foi erigida num prédio jurídico e materialmente autónomo relativamente ao prédio onde está implantado o edifício principal.
Sendo assim, a construção em causa não pode ser qualificada como um anexo visto que, para existir a ligação funcional exigida, tinha necessariamente de ter sido erigida no mesmo prédio onde o edifício principal está implantado e que deveria “servir”.

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Acresce que, segundo resulta da matéria em 8), 9) e 10), o Autor foi notificado em 9 de maio de 2014 para demolir a construção ou apresentar pedido de licenciamento no prazo de trinta dias.
E assoma da matéria em 12), 13), 14) e 15), que o Autor foi novamente notificado em 19 de janeiro de 2015 para apresentar pedido de licenciamento ou demolir a construção.
Como o Autor nada fez, em 23 de março de 2015 foi proposta e decidida a demolição da obra (cfr. 17) e 18) da fundamentação de facto).
Só em 23 de abril de 2015 o Autor manifesta a intenção de legalizar a obra (cfr. 21) da fundamentação de facto).
Ora, foram concedidas ao Autor duas oportunidades para requerer a legalização da construção, mas nada fez no prazo que lhe foi concedido.
Como se frisou, em matéria de legalização de construções preside o princípio segundo o qual é de evitar o benefício do infrator, pelo que qualquer ação ou omissão do requerente que evite o correto desenrolar do processo não afasta a possibilidade de demolição da obra.
Assim, não se considera que o Réu esteja vinculado a dar-lhe uma nova oportunidade de legalização.
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Acresce, ainda, que a construção está localizada em (...) das (...), lugar classificado como núcleo de desenvolvimento turístico. Como se viu, em local com esta classificação não é permitido erigir novas edificações não integradas no programa do NDT ou intervenções que, pela sua natureza e dimensão, comprometam a futura afetação turística (artigo 66.º, n.º 3 do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...)).
Além disso, sendo (...) das (...) um aglomerado rural, aí vigora um regime de proteção que implica a preservação e conservação dos aspetos dominantes da sua imagem, nomeadamente das suas características morfológicas, incluindo a estrutura, forma de agregação, tipologia e materiais.
Segundo consta da proposta referenciada em 22) da fundamentação de facto, tal construção não poderá ser legalizada, porquanto a mesma situa-se dentro do perímetro da aldeia e, tendo em conta a volumetria e impacto visual e paisagístico, considerou-se que a mesma não se enquadrava na respetiva envolvente.
Apesar de notificado do referido parecer (cfr. mencionado em 24) da fundamentação de facto), o Autor não impugna a circunstância de a obra estar localizada no perímetro da aldeia, nem a circunstância de esta desvirtuar a envolvente em que está inserida.
E teria que o fazer, alegando que o critério técnico utilizado é ostensivamente grosseiro e errado, sendo insuficiente alegar que a construção está numa fase inicial e que seria possível, ainda, realizar trabalhos de correção ou de alteração (pela aplicação de materiais adequados).
Inexiste, assim, qualquer violação do artigo 106.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, visto que a ordem de demolição foi antecedida de apreciação técnica sobre a possibilidade da construção satisfazer ou poder vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares.
Tal apreciação técnica concluiu pela inviabilidade de legalização da construção, sendo que o Autor não logra demonstrar o desacerto ostensivo ou grosseiro do critério técnico utilizado, e o Tribunal não vislumbra qualquer razão para anular o ato com base nessa circunstância.
De facto, a construção em causa não foi erigida no mesmo prédio onde o edifício principal está implantado, pelo que a necessidade de garantir a adequada inserção paisagística e o respeito pelo espaço arquitetónico envolvente aumenta consideravelmente.
Tais fundamentos são claros, objetivos e apreensíveis por qualquer homem colocado nas concretas circunstâncias do Autor.
Não se considera que a fundamentação utilizada seja abstrata nem genérica, sendo certo que o Autor podia ter utilizado todos meios legais no sentido de afastar a mesma, mas parece limitar-se a exigir a “fundamentação da fundamentação”.
Ante o exposto, improcede o alegado acerca da falta de fundamentação do ato impugnado.

X
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
In casu, ao invés do alegado pelo Recorrente, o ato impugnado está devidamente fundamentado, sendo claras e objetivas as razões da fundamentação.
Com efeito, a construção em causa não foi erigida no mesmo prédio onde o edifício principal está implantado, estando separado por um caminho público, pelo que a necessidade de garantir a adequada inserção paisagística e o respeito pelo espaço arquitetónico envolvente aumenta consideravelmente.
Acresce, ainda, que a construção está localizada em (...) das (...), lugar classificado como núcleo de desenvolvimento turístico.
Neste local não é permitido erigir novas edificações não integradas no programa do NDT ou intervenções que, pela sua natureza e dimensão, comprometam a futura afetação turística (artigo 66°/3 do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...)). Além disso, sendo (...) das (...) um aglomerado rural, aí vigora um regime de proteção que implica a preservação e conservação dos aspetos dominantes da sua imagem, nomeadamente das suas características morfológicas, incluindo a estrutura, forma de agregação, tipologia e materiais.
Assim, a referida construção não poderá ser legalizada, porquanto a mesma se situa dentro do perímetro da aldeia e, tendo em conta a volumetria e o impacto visual e paisagístico, verificou-se que a mesma não se enquadrava na respetiva envolvente.
Ademais, o Recorrente foi notificado em 9 de maio de 2014 para demolir a construção ou apresentar pedido de licenciamento no prazo de trinta dias. Foi novamente notificado em 19 de janeiro de 2015 para apresentar pedido de licenciamento ou demolir a construção.
Como o ora recorrente nada fez, em 23 de março de 2015 foi proposta e decidida, e bem, a demolição da obra em causa.
Em suma:
-O Autor levou a efeito a construção de uma obra, feita em tijolos, com uma área de 40 m2, no lugar de “Cortinha (…)”, situada na localidade e freguesia de (...) das (...);
-Tal construção está implantada no terreno rústico identificado nos autos;
-Sucede que o prédio rústico aludido onde a construção está implementada e o prédio urbano a que se reportam os autos estão separados por um caminho público, sendo perfeitamente autónomos;
-Ou seja, a construção foi erigida num prédio jurídica e materialmente autónomo relativamente ao prédio onde está implementado o edifício principal;
-Sendo assim, a construção em causa não pode ser qualificada como um anexo visto que, para existir a ligação funcional exigida, tinha necessariamente de ter sido erigida no mesmo prédio onde o edifício principal está implementado e que deveria “servir”;
-Acresce que o Autor foi notificado em 9 de maio de 2014 para demolir a construção ou apresentar pedido de licenciamento no prazo de trinta dias. Mais foi novamente notificado em 19 de janeiro de 2015 para apresentar pedido de licenciamento ou demolir a construção. Como o Autor nada fez, em 23 de março de 2015 foi proposta e decidida, e bem, a demolição da obra;
-Somente em 23 de abril de 2015 o Autor manifestou a intenção de legalizar a obra quando já lhe haviam sido concedidas duas oportunidades para requerer a legalização da construção, tendo este optado por nada fazer no prazo que lhe foi concedido;
-Assim, não se considerou na sentença proferida que o Réu esteja vinculado a dar-lhe uma nova oportunidade de legalização;
-O Autor apreendeu, em toda a sua plenitude, os fundamentos, de facto e de direito, das várias decisões praticadas pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal (...), que tiveram por objecto a construção, pelo mesmo, em desrespeito das normas urbanísticas aplicáveis, em maio de 2014, do identificado edifício com a área de 40m2;
-Acresce que a construção está localizada em (...) das (...), lugar classificado como núcleo de desenvolvimento turístico;
-Como se viu, em local com esta classificação não é permitido erigir novas edificação não integradas no programa do NDT ou intervenções que, pela sua natureza e dimensão, comprometam a futura afetação turística (artigo 66.º, n.º 3 do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...));
-Além disso, sendo (...) das (...) um aglomerado rural, aí vigora um regime de proteção que implica a preservação e conservação dos aspetos dominantes da sua imagem, mormente das suas características morfológicas, incluindo a estrutura, forma de agregação, tipologia e materiais;
-Assim, a referida construção não poderá ser legalizada, porquanto a mesma se situa dentro do perímetro da aldeia e, tendo em conta a volumetria e o impacto visual e paisagístico, foi considerado que a mesma não se enquadrava na respetiva envolvente;
-Não obstante a notificação do referido, o Autor não impugnou a circunstância de a obra estar localizada no perímetro da aldeia, nem a circunstância de esta desvirtuar a envolvente em que está inserida;
-Inexiste, assim, qualquer violação do artigo 106º/2 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, visto que a ordem de demolição foi antecedida de apreciação técnica sobre a possibilidade de a construção satisfazer ou poder vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares;
-Tal apreciação técnica concluiu pela inviabilidade de legalização da construção, sendo que o Autor não logrou demonstrar o desacerto ostensivo ou grosseiro do critério técnico utilizado;
-A construção em causa, repete-se, não foi erigida no prédio onde o edifício principal está implantado, pelo que a necessidade de garantir a adequada inserção paisagística e o respeito pelo espaço arquitetónico envolvente aumenta consideravelmente;
-Tais fundamentos são claros, objectivos e apreensíveis por qualquer homem colocado nas concretas circunstâncias do Autor;
-A fundamentação utilizada não é abstrata nem genérica, sendo certo que o Autor podia ter utilizado todos meios legais no sentido de afastar a mesma; -Todavia, limitou-se a apelar à ausência da fundamentação ou a exigir a “fundamentação da fundamentação”;
-Como sistematicamente temos sustentado, a fundamentação do acto administrativo, no que toca à clareza e suficiência, deve ter como padrão um destinatário normal, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos;
-A fundamentado não tem que ser prolixa, basta que seja suficiente;
-Dito de outro jeito, é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar, isto é, a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação - v., por todos, o Prof. Vieira de Andrade, em “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, pág. 138;
-O grau de fundamentação há de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado;
-No caso posto o vício assacado ao acto não se descortina;
-Bem andou, pois, o Tribunal ao desatendê-lo;
-Tal equivale a dizer que improcedem, in totum, as conclusões da alegação.

DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.

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Custas pelo Recorrente.
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Notifique e DN.
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Porto, 22/10/2021


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Nuno Coutinho