Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00465/10.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/18/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ANULAÇÃO DE VENDA, CADUCIDADE DO DIREITO DE DEDUZIR O INCIDENTE, CREDOR COM GARANTIA REAL, FALTA DE NOTIFICAÇÃO, NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:
I - No que respeita ao cômputo do prazo de caducidade para efectuar o pedido de anulação de venda, uma vez que a irregularidade da falta de notificação constitui o fundamento do presente pedido de anulação da venda, o termo inicial do prazo referido conta-se da data do conhecimento da referida irregularidade.
II - No processo de execução fiscal tem aplicação supletiva o disposto no artigo 812.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 886.º-A), na parte em que impõe a notificação, além do mais, ao credor com garantia real do despacho que determina a modalidade de venda, fixa o valor base dos bens a vender e designa dia para a abertura das propostas.
III – Assim, o credor com garantia real tem necessariamente que ser notificado, nomeadamente do despacho que altera o preço de venda inicialmente fixado, após frustrada a venda anterior por propostas em carta fechada.
IV – A omissão de notificação de tal despacho constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, e 839.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MEROR
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
MEROR interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 20/02/2018, que julgou procedente o incidente de Anulação de venda deduzido pelo Banco B..., S.A.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I.1. O conhecimento pela requerente/recorrida da venda, em execução fiscal, da fração autónoma designada pela letra “AU”, correspondente a lugar de garagem, e a data em que esse conhecimento teve lugar constituem factos, de per si, que se revelam fundamentais para a apreciação da verificação (ou não) da exceção perentória de caducidade do direito de ação, cuja inclusão no elenco de factos provados ou não provados não poderia, portanto, deixar de ter lugar.
I.2. Por conseguinte, forçoso é concluir que a sentença recorrida incorreu na adoção de uma decisão de Direito com base em insuficiência de matéria de facto, o que não pode deixar de implicar consequências jurídicas, nomeadamente determinando a nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT – o que expressamente se invoca e cuja declaração se requer.
II.A.1. Ao contrário do que parece sufragar a decisão recorrida, a requerente/recorrida não logrou cumprir o ónus da prova (subjetivo) que sobre si impendia no sentido de demonstrar que apenas tomou conhecimento da nulidade processual invocada em 18.12.2009, com a submissão do Modelo 1 para efeitos de IMI.
II.A.2. Por via desse facto, limitou-se a demonstrar que, pelo menos naquela data de 18.12.2009, era a requerente/recorrida conhecedora da invocada falta de notificação do despacho que determinou a venda por negociação particular.
II.A.3. Não tendo sido, contudo, capaz de afastar a dúvida razoável acerca do seu conhecimento em momento anterior – nomeadamente, na data da venda –, tal como se lhe impunha,
II.A.4. Donde, perante a dúvida irredutível sobre a realidade do facto – não teve conhecimento da venda na data em que teve lugar, mas apenas em data posterior, em 18.12.2009 – que é pressuposto da aplicação da 2.ª parte da norma do n.º 2 do artigo 257.º do CPPT, deve o julgador decidir, até por força da presunção legal, como estando provado o facto contrário.
II.A.5. E, por conseguinte, considerar que a requerente/recorrida teve conhecimento da venda em 03.12.2009, aquando da prolação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Porto-2 que determinou a adjudicação do imóvel à recorrente (vide facto julgado provado sob ponto 10. da “Fundamentação” da decisão recorrida).
II.A.6. O que implica, inelutavelmente, reconhecer que o envio da petição inicial deste incidente de anulação de venda, em 05.01.2010 (vide facto julgado provado sob ponto 5. dos factos relevantes para o conhecimento da exceção perentória de caducidade do direito de ação), se revela intempestivo.
II.A.7. A sentença recorrida incorreu, assim, em erro na interpretação e aplicação do Direito, mormente o disposto no artigo 257.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do CPPT, e no artigo 350.º do Código Civil, impondo-se a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue procedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação.
II.B.1. Considerando que o artigo 886.º-A, n.º 1 do CPC 1961 apenas tem aplicação “quando a lei não disponha não disponha diversamente” e o CPPT dispõe efetivamente de maneira diversa, regulando integral e imperativamente os regimes da modalidade de venda e da venda subsequente à venda por proposta em carta fechada (artigos 248.º, 252.º e 255.º do CPPT) e o valor base dos bens a vender (artigo 250.º do CPPT), constituindo decisões vinculadas por parte do órgão de execução fiscal;
II.B.2. Considerando que o artigo 252.º, n.º 3 do CPPT prevê uma forma de publicidade da decisão sobre a venda por negociação particular e o valor base do bem a vender diferente da determinada pelo artigo 886.º-A do CPC (publicação na Internet, nos termos da Portaria n.º 352/2002, de 03.04.), a qual respeita o direito de participação do credor com garantia real previamente citado (artigo 239.º do CPPT), sobre o qual recai o dever de diligenciar pela prossecução dos seus interesses, acompanhando o processo de execução fiscal;
II.B.3. E considerando ainda, a título adicional, que, em caso de falta de citação do credor com garantia real, prevê o artigo 864.º, n.º 10 do CPC que esta falta não importa a anulação da venda já efetuada, quando “o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário”, donde, por apelo a um argumento “a fortiori” e em obséquio à salvaguarda da unidade e a coerência do ordenamento jurídico-fiscal, a falta de notificação posterior da decisão sobre a venda não poderá acarretar tal efeito, na medida em que o bem já se encontra vendido e a adquirente é um terceiro cujos interesses merecem a devida tutela,
II.B.4. Cumpre concluir que a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do Direito, mormente o disposto nos artigos 2.º, alínea e), 248.º, n.º 1, 250.º, 252.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 e 255.º, todos do CPPT, e nos artigos 886.º-A, 864.º, n.º 10 e 904.º, alínea a), todos do CPC 1961, não sendo subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução fiscal as normas do CPC relativas à notificação da decisão sobre a venda ao credor com garantia sobre os bens a vender e à audição do credor com garantia real sobre a pessoa do comprador e o preço de venda por negociação particular.
Termos em que, e nos mais de Direito cujo suprimento se impetra a V. Exas., vem pedir-se que se:
A) declare verificada a nulidade da sentença recorrida por adotar uma decisão (em matéria de Direito) com base em factos que não constam da matéria de facto dada como provada – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) e c), e n.º 4, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT;
sem prescindir, se
B) revogue o acórdão recorrido por erros de julgamento e, mediante a matéria de facto dada como provada, se substitua por outro que julgue procedente a exceção perentória de caducidade do direito de acção ou, em todo o caso, julgue improcedente a ação de anulação de venda executiva, assim se fazendo Justiça!.”
*
O Recorrido Banco B..., S.A. contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1. A data — 16/11/2009 — da aceitação da proposta da Requerida, tinham já decorrido 18 dias da aquisição da fração pelo Requerente pelo que estar-se-ia já em presença de uma venda de coisa alheia, de uma venda nula.
2. Em 27/05/2009 o Credor Banco B..., S.A. reclamou, nos termos do art.º 240.° do CPPT os seus créditos garantidos por garantia real.
3. Não foi o Credor Banco B..., S.A. notificado que a venda não logrou propostas, o que culminou no prosseguimento da execução por si interposta, e que originou a venda prévia, a seu favor, da fração em crise nos presentes A.
4. Nesse processo executivo (Proc. de Execução n.° 1000/05.9TBMTS) foram citados os eventuais credores, nomeadamente o Serviço de Finanças do Porto 6, não tendo sido reclamados quaisquer créditos referentes a dividas fiscais.
5. O P.E. prosseguiu para venda na modalidade de propostas em carta fechada, tendo em 28/10/2009 sido aceite a proposta apresentada pelo Banco B..., S.A., tendo sido dispensado do depósito do preço, e tendo em 12/11/2009 liquidado as inerentes obrigações fiscais.
6. O prazo para a submissão do Mod. 1 do IMI para averbamento da titularidade da fração é de 30 dias, tendo o Requerente submetido o mesmo antes do términus do prazo.
7. Face à omissão, pelo órgão periférico local, do despacho determinativo da venda por negociação particular, e dos atos subsequentes, apenas com a submissão do Mod. 1 IMI teve o Requerente a oportunidade do conhecimento da venda efetuada no processo de execução fiscal.
8. Donde, a Anulação da Venda foi apresentada em tempo, improcedendo a exceção perentória de caducidade do direito de ação.
9. A omissão da notificação da venda por negociação particular inviabilizou a intervenção do, aqui, Requerente, não permitindo que a venda se realizasse por preço mais elevado.
10. Tanto é que a fração foi vendida no P.E. por 8.906,25€, mas por 7.000,00€ no P.E.F.
11. Ao não ter sido notificado da modalidade de venda e do valor base dos bens penhorados, o Requerente ficou impedido de tomar posição sobre os mesmos, de influir na venda, com preterição de vantagens manifestas e inequívocas que isso poderia trazer à valorização do bem na venda.
12. As omissões e irregularidades perpetradas pelo órgão periférico local influenciaram no exame e na decisão da venda efetuada, constituindo uma nulidade nos termos do art.º 201.°, n.° 1 do CPC, que importa a nulidade do ato da venda, bem como dos atos subsequentes que do mesmo dependam.
13. Não tendo o credor com garantia real sobre o bem vendido sido notificado da venda por negociação particular e do valor base do bem a vender, tal omissão que influiria na decisão da venda, constitui nulidade processual nos termos do art.º 201.°, n.° 1 do CPC, o que determina a anulação de todos os atos processuais subsequentes ao despacho que ordenou a venda por negociação particular, incluindo a venda executiva.
Termos em que indeferindo o presente recurso, se fará a devida JUSTIÇA!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por insuficiência de matéria de facto, em erro de julgamento ao julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de deduzir o incidente de anulação de venda e, ainda, ao decidir anular todos os actos processuais subsequentes ao despacho que designou a venda por negociação particular, incluindo a venda executiva.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença recorrida, tendo em vista a apreciação da invocada excepção, consta o seguinte:
“(…) Desde logo pela Adquirente, MEROR, bem como pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública foi suscitada a questão da caducidade do direito de deduzir o presente incidente de anulação de venda, o que constitui excepção peremptória, de conhecimento oficioso.
Porque a sua eventual procedência pode prejudicar o conhecimento do mérito da acção, impõe-se que dela se conheça desde já: art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Para o efeito, importam os seguintes factos, que se dão como provados:
1. Em 28 de Outubro de 2009, no âmbito do processo n.º 10000.05.9TBMTS do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, foi lavrado Auto de Abertura de Propostas, onde consta: “procedeu-se à abertura da proposta apresentada pelo Banco Exequente que ofereceu o valor de (…) 8 906, 25€ para a compra da fracção AU” (…) “a proposta apresentada foi formalizada correctamente, aceita-se a mesma e adjudique-se oportunamente a fracção autónoma designada pelas letras (…) AU, correspondente a um lugar de garagem, com entrada pelo n.º229 da Rua D… e pelo n.º308 da Rua M…, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal (…), freguesia e concelho de Matosinhos, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o n.º 2024 da freguesia de Matosinhos, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 7566, ao proponente aqui exequente, com dispensa do depósito do preço (…)” – cf. Auto de Abertura de Propostas constante de fls. 14 dos autos, documento n.º3 junto com a Petição Inicial, numeração referente ao processo físico;
2. No seguimento da adjudicação identificada em 1., em 11.11.2009, o Adquirente, Banco B..., S. A., emitiu as declarações n.º 163509001763630 e 160109027682603, aquela referente a Imposto Selo, determinando o valor a pagar de €959, 48 e esta referente a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas, com o valor a pagar de €0, por estar isento do pagamento deste imposto – cf. declarações de fls. 16 e 22 dos autos, numeração referente ao processo físico;
3. Em 12.11.2009 o Banco B..., S.A. efectuou o pagamento da liquidação referente a Imposto Selo, no valor de €959, 48 – cf. comprovativo de pagamento de fls. 15 dos autos, documento 4 da Petição Inicial, numeração referente ao processo físico;
4. Em 18.12.2009 o aqui Requerente submeteu, no Portal das Finanças, declaração Modelo 1 do Imposto Municipal sobre Imóveis – cf. print da submissão do modelo para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis, constante de fls. 329 dos autos, numeração referente ao processo físico;
5. Em 15.01.2010 o Requerente enviou, via fax, ao Serviço de Finanças do Porto – 2 a Petição Inicial de anulação de venda – cf. fax constante de fls. 128 dos autos, numeração referente ao processo físico.
Factos não Provados
Nada mais se provou com relevância para a boa decisão da causa.
*
A convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos, deles resultando com toda a evidência, considerando ainda a credibilidade que encerram bem como pelo facto do seu conteúdo não ter sido posto em causa pelas partes. (…)”
*
Na sentença prolatada em primeira instância foi, ainda, proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados
1. Em 31.10.2002 o Serviço de Finanças do Porto 6 instaurou o Processo de Execução Fiscal 3182200201501186, contra EFJX e MEJBX, visando a cobrança de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares no valor de €341,31 – cf. capa do Processo de Execução Fiscal e certidão de dívida constantes de fls. 27 e 28 dos autos, numeração referente ao processo físico;
2. Pela Ap. 52 de 21.10.2008 foi registada penhora realizada no Processo de Execução Fiscal identificado em 1., a favor da Fazenda Nacional e garantindo o montante de €2 311. 06, incidindo sobre as fracções autónomas designadas pelas letras AU e HN, do prédio urbano a que corresponde o artigo matricial U-7566 do concelho e freguesia de Matosinhos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º2024/20000410 – cf. certidão do registo predial, emitida pela Conservatória do Registo Predial de Matosinhos a fls. 33 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
3. Sobre este imóvel (identificado em 2.), as duas fracções, encontravam-se já registadas, pelas Ap. 52 e 53, ambas de 10.07.2001, hipotecas voluntárias, a favor do Banco B..., S.A., garantia de empréstimos até aos montantes máximos de 17 000 000 $00 (€84 795. 64) e 13 000 000$00 (€64 843. 73), respectivamente - cf. certidão do registo predial, emitida pela Conservatória do Registo Predial de Matosinhos a fls. 33 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
4. No dia 07.05.2009, o Chefe do Serviço de Finanças lavrou o despacho: “1º - Para venda judicial dos bens penhorados, designo o dia 15.07.2009, pelas 10H, neste Serviço de Finanças, por propostas em carta fechada, nos termos do art. 248º e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário, devendo as propostas dar entrada neste Serviço de Finanças até às 9H30 do próprio dia. 2º Publicitação da venda nos termos do art. 249º do C.P.P.T” – cf. despacho constante ed fls. 57 dos autos, numeração referente ao processo físico;
5. Deste despacho foi o Autor, Banco B..., S.A. notificado pelo ofício n.º 004464 de 08.05.2009, na qualidade de credor com garantia real – cf. notificação constante de fls. 68 e 69 dos autos, numeração referente ao processo físico;
6. Em 15.07.2009 procedeu-se ao acto de abertura de propostas, tendo-se verificado que não foram apresentadas quaisquer propostas – cf. auto de abertura e aceitação de propostas constante de fls. 82 dos autos, numeração referente ao processo físico;
7. Em 05.08.2009 “reuniram-se neste Serviço de Finanças o Chefe deste Serviço bem como os funcionários (…) para proceder ao sorteio do mediador que irá proceder à venda por negociação particular do bem imóvel penhorado no autos de execução (…)”, tendo sido, então, sorteada a sociedade “CMI, Lda.” – cf. acta de sorteio constante de fls. 84 dos autos, numeração referente ao processo físico;
8. Em 31.08.2009, entre a Direcção geral de Impostos e a sociedade CMI, Lda. foi celebrado contrato de mediação imobiliária – cf. fls. 88 e seguintes dos autos;
9. No seguimento do contrato celebrado (id. em 7.), em 19.10.2009, a sociedade apresentou as propostas que logrou angariar, indicando os valores de cada uma destas propostas de aquisição – cf. fls. 97 dos autos, numeração referente ao processo físico;
10. Em 03.12.2009, o Chefe do Serviço de Finanças do Porto – 2 lavrou o seguinte despacho: “nos termos do Regulamento das Vendas aprovado por despacho do SESEAF n.º 797/2004-XV de 23.03, a adjudicação é feita a (…), proponente que ofereceu maior preço. Notifique-se para, no prazo de 15 dias, proceder ao depósito do preço” – cf. despacho constante de fls. 109 dos autos, numeração referente ao processo físico.
Factos não Provados
Nada mais se provou com relevância para a boa decisão da causa.
A convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos, deles resultando com toda a evidência, considerando ainda a credibilidade que encerram bem como pelo facto do seu conteúdo não ter sido posto em causa pelas partes.”
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2. O Direito
Na sentença recorrida foi destacada matéria de facto especificamente para a apreciação e decisão da invocada excepção de caducidade do direito de deduzir o presente incidente de anulação de venda, como é permitido observar supra.
No entanto, a Recorrente não se conforma que a decisão de não verificação da excepção tenha sido adoptada com base em insuficiência de matéria de facto, já que não está incluído no elenco dos factos provados ou não provados a data em que o Banco B..., S.A. teve conhecimento da venda, em execução fiscal, da fracção autónoma designada pela letra “AU”, correspondente a lugar de garagem, facto que se revela fundamental para a apreciação da verificação (ou não) da excepção de caducidade do direito de acção.
Conclui a Recorrente que esta insuficiência de matéria de facto implica como consequência jurídica, nomeadamente, a nulidade da sentença – cfr. artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Uma sentença tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668.º, actual artigo 615.º do CPC.
A Recorrente invocou, além do mais, o preceituado no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, sendo nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
Como explicava já o Prof. Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, no seu volume V, na página 140, «(…) por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º»
No processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário.
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida e do exarado quanto à fundamentação da matéria de facto (e de direito) da sentença do Tribunal “a quo”, é este fundamento do recurso manifestamente improcedente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Nestes termos, e independentemente da questão de saber se a fundamentação ínsita na sentença é ou não convincente, se está certa ou errada ou, ainda, se está incompleta por não ter considerado todos os factos essenciais para o conhecimento da excepção (questão que se situa no domínio da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), não pode dizer-se que ocorre a invocada nulidade.
De todo o modo, sempre se dirá que a insuficiência da matéria de facto tal como configurada pela Recorrente afigura-se como uma conclusão de facto que a boa técnica jurídica afastaria da selecção da matéria de facto; reiterando-se que a fundamentação que consta da decisão da matéria de facto não permite concluir ser a mesma nula.
Por outro lado, a Recorrente não se conforma com a decisão de tempestividade do presente incidente de anulação de venda.
Isto porque, ao contrário do que parece sufragar a decisão recorrida, o Banco B..., S.A. não logrou cumprir o ónus da prova que sobre si impendia no sentido de demonstrar que apenas tomou conhecimento da nulidade processual invocada em 18.12.2009, com a submissão do Modelo 1 para efeitos de IMI. Por via desse facto, limitou-se a demonstrar que, pelo menos naquela data de 18.12.2009, era conhecedor da invocada falta de notificação do despacho que determinou a venda por negociação particular. Não tendo sido, contudo, capaz de afastar a dúvida razoável acerca do seu conhecimento em momento anterior – nomeadamente, na data da venda –, tal como se lhe impunha.
Vejamos a apreciação que a sentença recorrida efectuou da questão da caducidade do direito de acção, referente ao incidente de anulação de venda apresentado:
“(…) Entende a Adquirente, MEROR, que, nos termos do disposto no n.º2 do art. 257º do Código de Procedimento e Processo Tributário, a anulação de venda tem de ser requerido nos 15 dias seguintes ao facto que lhe serve de fundamento, competindo ao Requerente provar este facto.
Nesta posição é secundada pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, que alega ainda, que o Requerente tomou conhecimento da venda em 11.11.2009, para o que se fundamenta no documento 4 da Petição Inicial.
Vejamos.
No que concerne ao prazo de instauração do incidente de anulação de venda, atentemos no disposto pelo art. 257º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na pate que aos autos interessa:
Anulação da venda
1. A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a. De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
b. De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.º 1 do artigo 203.º;
c. De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2. O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no n.º 3.
Atendendo à redacção da norma vinda de transcrever, constatamos que a presente anulação de venda vem instaurada nos termos da alínea c) do n.º1 deste artigo; verificamos ainda que ali se diz que, este prazo começa a contar-se na data em que o Requerente tomou conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, no caso a data em que tomou conhecimento da venda ocorrida no Processo de Execução Fiscal, o que sucedeu com a apresentação do Modelo 1 para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis.
Ora, considerando a alegação do Requerente, demonstrada com o print do Portal das Finanças, referente à submissão do Modelo 1 para efeito de Imposto Municipal sobre Imóveis, o que ocorreu em 18.12.2009 – veja-se facto provado n.º4. Facilmente se afasta o alegado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, que entende que o Requerente tomou conhecimento da venda em 11.11.2009, conforme documento junto pelo próprio Requerente (documento 4 da Petição Inicial); senão vejamos:
Este documento refere-se ao pagamento efectuado de Imposto Selo, não à declaração para efeito de Imposto Municipal sobre Imóveis, sendo que daqui não decorre o conhecimento da venda verificada no âmbito do Processo de Execução Fiscal.
Além disso o Requerente demonstrou, com a junção do já aludido print, ter tomado conhecimento da venda em 18.12.2009, com a submissão do Modelo 1 para efeito de Imposto Municipal sobre Imóveis, tal como sempre havia afirmado, desde logo em sede de Petição Inicial.
Não restam assim dúvidas relativamente ao momento em que este prazo, para dedução do incidente de anulação de venda, começou a correr.
Assim, contados que sejam aqueles 15 dias, contínuos, uma vez que se trata de um prazo de natureza judicial – veja-se art. 138º do Código de Processo Civil – estará o prazo esgotado, o que teria acontecido em 02.01.2010.
Contudo aquela norma consagra em si uma situação de excepção a ser atendida, o prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, durante as férias judicias.
Ao tempo da instauração da anulação de venda estava em vigor o art. 12 da Lei 3/99 de 13 de Janeiro, Lei de Organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais, que dispunha:
Artigo 12.º
Férias judiciais - [revogado - Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto]
As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de Julho a 31 de Agosto.
Assim, considerando a tomada de conhecimento da venda, facto provado n.º4, em 18.12.2009, com a submissão do Modelo 1 de Imposto Municipal sobre Imóveis, inicia-se um prazo de 15 dias para a instauração da acção de anulação, prazo este que se suspende entre 22 de Dezembro e 3 de Janeiro, pelo que, descontados estes 13 dias de suspensão, verificamos que o prazo em causa se esgotou em 15.01.2010.
Temos assim que, a Petição Inicial de anulação de venda remetida em 15.01.2010 ao Serviço de Finanças do Porto – 2 (facto provado n.º5) ocorreu no último dia do prazo de que o Autor dispunha para a sua instauração, não se verificando, por isso, a alegada excepção de caducidade do direito de acção.
Pelo exposto, considerando que, contado o prazo de instauração da acção a partir da data em que o Autor tomou conhecimento da venda, a Anulação de Venda foi apresentada em tempo, pelo que improcede a excepção alegada. (…)”
O inconformismo da Recorrente, integrante do objecto do presente recurso jurisdicional, reconduz-se à questão de saber se a decisão recorrida fez correcto julgamento ao considerar que na data do pedido de anulação de venda, em 15/01/2010, ainda não caducara o direito de requerer a pretendida anulação da venda realizada em 03/12/2009.
Os fundamentos aduzidos para sustentar a pretensão anulatória da venda são reconduzíveis ao disposto no artigo 257.º, n.º 1, alínea c), do CPPT (o que, aliás, não se mostra questionado), pois está em causa alegada irregularidade cometida nos actos que antecedem a venda executiva do imóvel [falta de notificação do credor com garantia real sobre o imóvel penhorado do despacho que determina a venda sob a modalidade de negociação particular] sendo o respectivo regime de anulação o previsto no artigo 909.º, n.º 1, alínea c), actual artigo 839.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Nos termos desse artigo 257.º, n.º 1, alínea c), do CPPT, «[a] anulação de venda só poderá ser requerida no prazo de 15 dias». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[o] prazo conta-se da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação».
Da decisão da matéria de facto resulta que a venda do imóvel teve lugar em 03/12/2009 e que o Banco B..., S.A., na qualidade de credor com garantia real, foi notificado do despacho proferido em 07/05/2009, do Chefe do Serviço de Finanças, que determinou a venda judicial dos bens penhorados, por propostas em carta fechada, designando o dia 15/07/2009 para a realização da mesma. Consta, ainda, que em 15/07/2009 se procedeu ao acto de abertura de propostas, tendo-se verificado que não foram apresentadas quaisquer propostas.
Não resulta dos autos que o Banco B..., S.A. tenha sido notificado da falta de apresentação de propostas, da decisão subsequente que determinou a venda sob a modalidade de negociação particular, da específica data em que se realizou a venda (03/12/2009) ou de quaisquer actos subsequentes à notificação do despacho proferido em 07/05/2009 que determinou a venda por propostas em carta fechada.
Nestas situações de anulação da venda derivada de nulidades processuais, a possibilidade de requerer a anulação não depende de prévia arguição da nulidade do acto processual nos termos do artigo 205.º, actual artigo 199.º do CPC (sobre a matéria, veja-se JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário” Anotado e Comentado, IV volume, pág. 183), devendo a anulação ser pedida com esse fundamento no prazo de 15 dias contado «da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação» - cfr. n.º 2 do artigo 257.º do CPPT.
No caso em exame, não tendo o credor com garantia real sido notificado da data em que a venda iria ser realizada, não pode o prazo iniciar-se a partir da data em que ocorre a venda. E, portanto, releva nesse caso, para início da contagem do prazo, a data em que o Banco B..., S.A. tem conhecimento da concretização da venda. É que, estando em causa a falta de notificação do credor com garantia real para o acto de venda, formalidade essencial cuja preterição constitui fundamento de anulação de venda, a prova requerida no caso é a de que o Banco B..., S.A. apenas tomou conhecimento da venda aquando da submissão do Mod. 1 do IMI, em 18/12/2009, na sequência da prossecução da execução cível referida no probatório. Ou seja, considerando que não resulta do probatório qualquer facto que revele que o Banco B..., S.A. teve efectivo conhecimento do facto que serve de fundamento à anulação de venda em momento anterior à referida submissão do Mod. 1 do IMI, julgamos que o Recorrido Banco B..., S.A. fez prova nos autos de que teve conhecimento do facto que serve de fundamento à anulação da venda em 18/12/2009.
Recorde-se que é a irregularidade da falta de notificação que constitui o fundamento do presente pedido de anulação da venda, na medida em que tal irregularidade se revela cerceadora dos direitos de intervenção e fiscalização do acto da venda por parte do Recorrido, na qualidade de credor com garantia real (artigo 201.º, actual artigo 195.º, n.º 1, do CPC). Ora, a data do conhecimento da referida irregularidade corresponde a 18/12/2009, data em que constatou não ter tido conhecimento do agendamento para 03/12/2009 – cfr. situação semelhante no Acórdão do TCA Sul, de 31/07/2015, proferido no âmbito do processo n.º 8929/15 e no Acórdão deste TCAN, de 23/06/2016, proferida no âmbito do processo n.º 299/16.0BEPNF.
Nesta conformidade, sendo 18/12/2009 a data do conhecimento da irregularidade da falta de notificação que constitui o fundamento do presente pedido de anulação de venda, daqui decorre que o mesmo está em tempo tendo sido apresentado em 15/01/2010 – cfr. ponto 5 do probatório.
Ao julgar tempestivo o pedido de anulação de venda, a sentença recorrida não merece a censura que lhe é desferida.
Logo, o recurso não merece provimento, nesta parte relativa ao conhecimento da excepção, impondo-se, agora, avançar para a análise do recurso quanto ao julgamento do mérito do incidente.
Na sentença recorrida entendeu-se que o facto de o credor com garantia real não ter sido notificado do despacho que determinou a venda por negociação particular, nem qualquer dos actos subsequentes, preenche omissão de uma formalidade prescrita na lei, o que constitui nulidade que afecta o acto – a venda, já que impediu o Banco B..., S.A. de exercer, ou salvaguardar, um direito.
As questões colocadas no presente recurso são essencialmente as seguintes:
1 - Saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao julgar verificada a omissão de uma formalidade prescrita na lei, que justifica a anulação da venda nos termos estatuídos nos artigos 201.º, n.º 1 e 909.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, por considerar que o credor com garantia real sobre o imóvel penhorado devia ter sido notificado da modalidade de venda por negociação particular; importando, agora, determinar se devia ter sido notificado de todas as modalidades da venda, nomeadamente, da que em segundo lugar ocorreu - negociação particular - na sequência da notificação ocorrida quanto à modalidade de venda por proposta em carta fechada e de aqui não terem sido apresentadas propostas.
2 - Saber se igualmente incorre em erro de julgamento a decisão recorrida ao decidir que a falta de notificação de todas as modalidades de venda ao credor com garantia real constitui uma nulidade susceptível de anular a venda do imóvel, porquanto, na tese da Recorrente, de acordo com o artigo 864.º, n.º 11 do Código de Processo Civil (actual artigo 786.º, n.º 6 do CPC), não tendo o exequente sido o seu exclusivo beneficiário, não poderia tal venda ser anulada.
A sentença recorrida, sufragando a posição firmada no Acórdão do STA, de 08/07/2009, proferido no processo n.º 0431/09, julgou verificada a omissão de uma formalidade prescrita na lei, o que justifica a anulação da venda nos termos estatuídos nos artigos 201.º, n.º 1 e 909.º n.º 1 alínea c) do CPC.
É contra o assim decidido que se insurge a Recorrente alegando que o artigo 886.º-A, n.º 1 do CPC apenas tem aplicação “quando a lei não disponha diversamente” e o CPPT dispõe efectivamente de maneira diversa, regulando integral e imperativamente os regimes de venda e da venda subsequente à venda por proposta em carta fechada, inculcando a ideia de que todas as formalidades prescritas na lei teriam sido cumpridas com a notificação do despacho que determinou a venda do imóvel e na qual constariam encadeadas as diversas modalidades de venda e os diversos trâmites que se seguiriam caso não houvesse propostas em cada uma dessas modalidades de venda. Não tendo sido apresentadas propostas na modalidade de venda por proposta em carta fechada, perante este quadro, bastaria que o Recorrido acompanhasse essa tramitação para, querendo, poder intervir.
Entendemos, porém, que carece de razão.
O STA já se pronunciou por diversas vezes sobre questão similar à ora suscitada, sendo que, ultimamente, sem divergências, sempre em sentido contrário à tese da Recorrente.
Com efeito, e na sequência da alteração legislativa que determinou que a reclamação de créditos passasse a preceder a venda, a jurisprudência do STA vem afirmando de modo uniforme que o artigo 886.º-A do Código de Processo Civil (artigo 812.º na actual redacção), em que se prevê a notificação da decisão sobre a venda prevista nos seus nºs 1 e 2 aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal.
Assim, no Acórdão do STA, de 10/10/2012, no processo n.º 700/12, ficou dito que no processo de execução fiscal tem aplicação supletiva o disposto no artigo 886.°-A do Código de Processo Civil e que «o credor com garantia real tem necessariamente que ser notificado, nomeadamente do despacho que altera o preço de venda inicialmente fixado, após frustrada a venda anterior por propostas em carta fechada e por negociação particular».
Concluindo-se, naquele aresto, que a omissão de notificação de tal despacho constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 201.º, n.º 1, e 909.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Também no Acórdão de 08/07/2009, no processo n.º 431/09, o STA afirmou que o artigo 886.º-A do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, pois que a decisão do órgão de execução fiscal é potencialmente lesiva dos interesses do credor com garantia real sobre o bem a vender, razão pela qual a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição) e o princípio da boa-fé e da cooperação entre os intervenientes processuais justificam plenamente que valha também para o processo fiscal o dever de notificação imposto nas execuções comuns (que, além do mais, não põe em causa a celeridade do processo).
E ainda no Acórdão do STA, de 14/07/2008, processo n-º 0222/08, ficou sublinhado que “A questão da aplicabilidade do disposto no art. 886.º-A, n.º 4, do CPC, não pode ser cindida quanto às decisões a comunicar”, uma vez que no n.º 4 (correspondente ao actual n.º 6) faz “referência à notificação da “decisão” e ela abrange, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, quer a escolha da modalidade de venda, quer o valor base dos bens a vender, quer a eventual formação de lotes” e, “Por isso, a haver no processo de execução fiscal lugar a notificação, ela terá de reportar-se à globalidade da “decisão” referida”.
Para além destes arestos poderemos ainda citar, no mesmo sentido, e sem pretensões de exaustão, os Acórdãos do STA, de 05/07/2012, proferido no processo n.º 180/12, de 27/01/2013, processo n.º 667-A/12, de 20/06/2012, processo n.º 161/12, de 22/06/2011, processo n.º 353/11, de 03/11/2010, processo n.º 244/10 e de 07/07/2010, proferido no processo n.º 188/10.
Não vemos razão para divergir de tal jurisprudência, que merece a nossa concordância e cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente.
Resulta do probatório que o Banco B..., S.A. foi notificado do despacho que determinou a venda em 15/07/2009 por propostas em carta fechada – cfr. ponto 5 da decisão da matéria de facto. Contudo, não resulta dos autos que o Banco B..., S.A. tenha sido notificado da falta de apresentação de propostas, da decisão subsequente que determinou a venda sob a modalidade de negociação particular, da específica data em que se realizou a venda (03/12/2009) ou de quaisquer actos subsequentes à notificação do despacho proferido em 07/05/2009 que determinou a venda por propostas em carta fechada.
Ora, a questão é precisamente a de saber se essa notificação que ocorreu em 08/05/2009 (cfr. ponto 5 do probatório) constitui notificação ao credor com garantia real da modalidade de venda por negociação particular que se seguiu à venda por proposta em carta fechada, nos termos e para os efeitos do artigo 886.º-A do Código de Processo Civil (actual artigo 812.º do CPC).
Entendemos que não, como, aliás, se depreende da ratio subjacente ao preceito que é a de permitir a todos os interessados – exequente, executado e credores com garantia real - pronunciarem-se sobre a modalidade da venda relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados, o valor base dos bens a vender e a eventual formação de lotes com vista à venda em conjunto dos bens penhorados, o que pressupõe que lhes seja dado conhecimento do resultado da venda anterior.
O que está em causa é, pois, conceder ao credor com garantia real a possibilidade de intervir na venda, dando-lhe conhecimento de todas as diligências e notificações que ocorreram no seu âmbito e não apenas ouvi-lo para efeitos de fixação do valor e da modalidade da venda.
Na verdade, se há um interesse público na celeridade processual não poderá deixar de se argumentar que há também um interesse público na boa cobrança das dívidas em processo de execução fiscal, finalidade essa que pode ficar igualmente prejudicada pelo resultado obtido, designadamente, se o bem é vendido por preço irrisório.
Ora, é apodíctico concluir, tal como se concluiu no citado Acórdão do STA proferido no processo n.º 180/12, que se ao Recorrido tivesse sido dado conhecimento dos diversos trâmites da venda e da frustração da modalidade encetada de proposta em carta fechada, melhor poderia acompanhar o desenvolvimento processual normal, quer a realização de diligências no sentido de alcançar a melhor proposta possível de venda e evitar ou minimizar a degradação do respectivo preço, garantindo que a venda se realizasse pelo preço mais alto possível; dando-lhe assim possibilidade de defender o seu crédito.
E, se mais não fosse, diremos ainda, essa obrigação resultaria naturalmente, como corolário do direito fundamental de todos os interessados serem notificados dos despachos que afectem os seus interesses e direitos, que decorre também dos princípios da boa-fé e da cooperação consagrados nos artigos 229.º e 229.º-A do CPC, que impõem que as partes tenham conhecimento de todos os actos que as possam prejudicar, a fim de poderem providenciar pela defesa dos seus interesses, em sintonia com a imposição constitucional de notificação dos actos administrativos e com o princípio geral de proibição da indefesa (artigos 268.º, n.º 3 e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) – cfr. neste sentido, jurisprudência citada, nomeadamente os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 222/08 e n.º 180/12.
Por fim, se dirá que igualmente não procede a tese da Recorrente, no sentido de que não pode ser anulada a venda, dado o exposto no artigo 864.º, n.º 11 do Código de Processo Civil (artigo 786.º, n.º 6 do CPC na redacção da Lei n.º 41/2013), já que o exequente não foi o seu exclusivo beneficiário.
Como ficou consignado no Acórdão do STA, de 22/04/2009, processo n.º 146/09 e reiterado nos Acórdãos de 03/11/2010, recurso n.º 244/2010 e de 23.01.2013, recurso n.º 667-A/12, “esta disposição legal tem a ver com a estabilidade das relações jurídicas, impedindo assim que uma venda, efectuada por exemplo anos atrás, venha ser anulada por falta de citação de algum dos interessados, que não o próprio executado (vide art. 909.º, n.º 1, b) do CPC). Ao passo que a situação que analisamos tem a ver com uma nulidade processual, a arguir em prazo curto. O que é coisa diferente.” – cfr. neste mesmo sentido o Acórdão do STA, de 29/01/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01961/13.
Em face de tudo o exposto, haveremos de concluir que não pode afastar-se a possibilidade de a omissão da referida notificação poder ter influenciado o resultado e o valor da venda, constituindo, assim, tal irregularidade, uma nulidade nos termos do artigo 201.º, n.º 1 do CPC (actual artigo 195.º do CPC), que importa não só a nulidade do acto da venda em si [artigo 909.º, n.º 1, alínea c) - artigo 839.º, n.º 1, al. c) do actual Código de Processo Civil], como dos actos subsequentes que dele dependam absolutamente.
A sentença recorrida, que assim decidiu, não merece censura e deve ser confirmada.
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Conclusões/Sumário
I - No que respeita ao cômputo do prazo de caducidade para efectuar o pedido de anulação de venda, uma vez que a irregularidade da falta de notificação constitui o fundamento do presente pedido de anulação da venda, o termo inicial do prazo referido conta-se da data do conhecimento da referida irregularidade.
II - No processo de execução fiscal tem aplicação supletiva o disposto no artigo 812.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 886.º-A), na parte em que impõe a notificação, além do mais, ao credor com garantia real do despacho que determina a modalidade de venda, fixa o valor base dos bens a vender e designa dia para a abertura das propostas.
III – Assim, o credor com garantia real tem necessariamente que ser notificado, nomeadamente do despacho que altera o preço de venda inicialmente fixado, após frustrada a venda anterior por propostas em carta fechada.
IV – A omissão de notificação de tal despacho constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, e 839.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 18 de Outubro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro