Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00063/22.8BECBR-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/20/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; CADUCIDADE DO DIREITO A APLICAR A PENA; PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR;
NORMAS APLICÁVEIS; MATÉRIA DE EXCEPÇÃO; MATÉRIA DE MÉRITO DA ACÇÃO;
ARTIGOS 55º E 176º, N.º5, DO REGULAMENTO DISCIPLINAR DA PSP
Sumário:
1. A caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar não é uma questão que deva ser conhecida no despacho saneador, não podendo ser suscitada nem decidida em momento posterior, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2. Isto porque não se trata de uma excepção dilatória a que alude a alínea a) do n.º1 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e só estas devem ser conhecidas no despacho saneador.

3. A caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, tal como a prescrição do procedimento disciplinar, não são sequer excepções, dilatórias ou peremptórias.

4. São vícios do acto impugnado, de violação de lei. Verificando-se, quer uma quer outra, o acto punitivo padece do vício de violação de lei, de violação das normas que estabelecem os respectivos prazos, dado que, quer num caso quer noutro, não pode haver lugar a qualquer punição devendo o procedimento disciplinar ser arquivado.

5. Tratam-se, portanto, de questões ligadas ao mérito da acção impugnatória que apenas podem ser conhecidas no saneador quando o estado do processo já o permita – alínea b) do n.º1 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

6. Mostrando-se procedente o vício de prescrição do procedimento disciplinar, não se impunha conhecer da questão da caducidade do direito de aplicar a pena por esta questão ficar prejudicada.

7. A prescrever o processo disciplinar não pode ser aplicada qualquer pena, ou seja, não chega sequer a constituir-se o direito de aplicar a pena; pelo que não faz sentido falar, neste caso, na caducidade do direito a aplicar a pena. Só pode caducar um direito que se constituiu.


8. O artigo 55º do Regulamento Disciplinar da PSP aprovado pela Lei 7/90, de 20.02 não distingue entre normas substantivas e normas adjectivas pelo que não cabe ao intérprete e aplicação da lei fazer tal distinção.

9. O artigo 176º, n.º5, da Lei de Trabalho em Funções Públicas, a norma decisiva aqui em apreço, determina que o procedimento disciplinar prescreve decorridos que sejam 18 meses sem que o arguido tenha sido notificado da decisão final.

10. Está aqui em causa não o direito a instaurar o processo disciplinar, um direito anterior ao procedimento e, portanto, substantivo, mas antes um prazo estabelecido para o próprio procedimento, ou seja, de natureza adjectiva, pelo que sempre seria aplicável este diploma e não as normas do Código Penal, de natureza substantiva.

11. As necessidades de certeza e de segurança que subjazem ao instituto da prescrição do Direito Penal em geral não são os mesmos que subjazem ao processo disciplinar dos agentes de autoridade, diferença que se reflecte, de resto, nas próprias normas do Regulamento Disciplinar da PSP, como sejam as constantes do n.º2 do artigo 55º e o artigo 44º do Regulamento Disciplinar da PSP.

12. Por fim, no caso, sempre seria de afastar aplicação supletiva das normas do Código Penal por não estar aqui em causa uma infracção disciplinar que constitua também crime, mas “apenas” um infracção que consistiu na desobediência a uma ordem de um superior hierárquico, em nada substancialmente distinta de uma infracção de desobediência cometida por outro funcionário público.

13. A existir lacuna a ser integrada faz mais sentido, é mais coerente com o sistema, integrar tal lacuna com as normas relativas ao procedimento disciplinar da Lei do Trabalho em Funções Públicas do que com as normas do Código Penal.

14. Sendo aplicável ao caso o disposto no artigo 55º do Regulamento Disciplinar da PSP aprovado pela Lei 7/90, de 20.02, forçoso se torna concluir pela verificação do vício de violação desta norma, na aplicação, pelos actos impugnados, de uma sanção disciplinar quando já havia prescrito o procedimento disciplinar.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença, de 01.03.2023, que julgou não verificada a invocada prescrição do procedimento disciplinar na acção que o Recorrente moveu contra a Polícia de Segurança Pública e o Ministério da Administração Interna para impugnação I) do despacho de 08.04.2020 do Director Nacional Ajunto para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de 08.04.2020, que lhe aplicou a sanção de suspensão por 150 dias, bem como, (II) do despacho do Ministro da Administração Interna de 12.10.2021, que negou provimento ao recurso hierárquico necessário interposto contra aquela decisão punitiva.

Alegou para tanto, em síntese, que: a decisão recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento ao considerar improcedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar constante do n.º 5 do art.º 178º da Lei do Trabalho em Funções Públicas, aplicável ex vi do disposto no art.º 66º do Regulamento Disciplinar da PSP, podendo-se dizer que o Tribunal a quo deixou de aplicar a norma que a lei mandava aplicar e aplicou a norma que a lei nem sequer permitia que fosse aplicada e que, em qualquer dos casos, nunca seria aplicável à prescrição em causa nos presentes autos; o despacho saneador enferma de nulidade por omissão de pronúncia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, uma vez que o juiz deixou de se pronunciar sobre a questão da caducidade do direito de aplicar a pena prevista na alínea a) do n.º 4 do art.º 220º da Lei do Trabalho em Funções Públicas e após o saneador já tal questão não mais poderá ser apreciada pelo Tribunal a quo, conforme decorre do n.º 2 do art.º 88º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1.ª O presente recurso jurisdicional foi interposto contra o despacho de 16 de Novembro p.p., que indeferiu a excepção de prescrição do procedimento disciplinar suscitada pelo Autor na petição inicial por o Tribunal a quo ter entendido que o prazo prescricional constante do n.º 5 do art.º 178º da LTFP não era aplicável à situação sub judice, antes se estando perante uma lacuna que deveria ser preenchida por analogia e com recurso ao disposto no art.º 121º do Código Penal, razão pela qual não estaria ainda prescrito o procedimento disciplinar por decurso do seu prazo máximo de duração, como resultava do disposto no citado artigo da LTFP.

2ª Salvo o devido respeito, o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso decorre desde logo do facto de não haver lacuna que deva ser preenchida com recurso à analogia, uma vez que o art.º 66º do RD/PSP é bem claro ao impor a aplicação subsidiária da LTFP em matéria de procedimento disciplinar instaurado aos policias de segurança pública.

3ª O desacerto do aresto em recurso resulta ainda do facto de o art.º 66º do RD/PSP não limitar a aplicação subsidiária da LTFP às normas de direito adjectivo e já não igualmente às normas de direito substantivo, até porque o legislador do RD/PSP não ignorava que as normas do estatuto disciplinar dos trabalhadores públicos compreendiam não só normas de direito substantivo como de direito adjectivo , pelo que se não limitou a aplicação subsidiária às normas de direito adjectivo não pode o intérprete agora vir dizer que a remissão para a LTFP é restrita a normas procedimentais.

4ª O erro de julgamento em que incorreu o despacho em recurso é ainda bem evidente em virtude de ser de todo contraditório que o Tribunal a quo deixe de aplicar a norma para que o RD/PSP remete – o art.º 178º/5 da LTFP, ex vi do art.º 66º do RD/PSP – e decida aplicar uma norma – o art.º 121º do Código Penal - que aquele regulamento não manda aplicar e cuja aplicação até excluiu expressamente, uma vez que do art.º 41º do RD/PSP resulta claramente que o Código Penal só é aplicável “… quanto à suspensão ou demissão por efeito de pena imposta por decisão judicial”.

5ª Por fim, o desacerto do aresto em recurso sempre seria notório mesmo que houvesse alguma norma a mandar aplicar o art.º 121º do Código Penal, uma vez que tal norma nunca seria aplicável à situação em apreço nos presentes autos, justamente por versar sobre a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar e nos presentes autos estar em causa a prescrição do procedimento disciplinar pelo decurso do seu prazo máximo de duração.

6ª Aliás, neste mesmo sentido já se pronunciou o douto TCASUL em recente acórdão, ao firmar jurisprudência no sentido de que:
“(…) não merece acolhimento a argumentação expendida pelo recorrente no sentido de que a interpretação do nº 2 do artigo 55º do RDPSP (Lei nº 7/90), conjugada com lugares paralelos (…) designadamente (…) com o artigo 121º nº 3 do Código Penal, resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento disciplinar era (…) o prazo normal de prescrição do ilícito (…), acrescido de metade. É que se trata de coisas distintas. Uma a prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar por decurso do prazo para a sua instauração (gerando a prescrição do procedimento disciplinar, ou de outro modo, a prescrição do direito de proceder disciplinarmente), outra a prescrição do procedimento disciplinar por esgotamento do prazo da sua duração máxima prevista na lei (v. Ac.º TCA Sul, de 16 de Março de 2017, Proc. n.º 999/16.5BESNT).

7ª Por isso mesmo, deixou claro o TCASUL em tal acórdão que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar por decurso do seu prazo máximo de duração era aplicável ex vi do art.º 66º do RD/PSP, ao sustentar que:
Se o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (…) introduziu uma nova causa de prescrição – a prescrição do procedimento disciplinar – estabelecendo inovatoriamente um prazo máximo para a sua duração (…), prazo com finalidades garantísticas, e se o regime disciplinar próprio do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) constante da Lei nº 7/90, não afasta (nem afastou, após a aprovação e entrada em vigor da Lei nº 58/2008) tal causa de prescrição, nem prevê prazo específico distinto daquele, tem que proceder-se à aplicação supletiva daquele normativo, em consonância com o disposto no artigo 66º do RDPSP (Lei nº 7/90)” (v. Ac.º TCA Sul, de 16 de Março de 2017, Proc. n.º 999/16.5BESNT).

8ª Consequentemente, o aresto em recurso incorreu em manifesto erro de julgamento ao considerar improcedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar constante do n.º 5 do art.º 178º da LTFP, aplicável ex vi do disposto no art.º 66º do RD/PSP, podendo-se dizer que o Tribunal a quo deixou de aplicar a norma que a lei mandava aplicar e aplicou a norma que a lei nem sequer permitia que fosse aplicada e que, em qualquer dos casos, nunca seria aplicável à prescrição em causa nos presentes autos.

Por fim,

9ª O despacho saneador enferma de nulidade por omissão de pronúncia constante da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, uma vez que o juiz deixou de se pronunciar sobre a questão da caducidade do direito de aplicar a pena prevista na alínea a) do n.º 4 do art.º 220º da LTFP e após o saneador já tal questão não mais poderá ser apreciada pelo Tribunal a quo, conforme decorre do n.º 2 do art.º 88º do CPTA.

Nestes termos,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em consequência, revogado o despacho saneador em recurso e julgada procedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar por decurso do seu prazo máximo de duração.

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) A 4 de agosto de 2017 foi mandado instaurar processo disciplinar ao autor, pelo Comandante Metropolitano da PSP;
(facto provado por documento, a fls xx do PA e doc 3 junto à PI)

2) A 8 de abril de 2020 foi decidido aplicar ao autor sanção disciplinar, tomada pelo Diretor Nacional Adjunto da PSP;
(facto provado por documento, a fls xx do PA e doc 1 junto à PI)

3) A 28 de abril de 2020 o autor oi notificado da decisão de 2);
(facto provado por documento, a fls xx do PA e doc 1 junto à PI)

4) Foi tomada decisão final de recurso hierárquico interposto pelo autor, em 9 de novembro de 2020, pelo Ministro da Administração Interna;
(facto provado por documento, a fls xx do PA e doc 2 junto à PI)

*
III - Enquadramento jurídico.

1. A nulidade do despacho saneador por omissão de pronúncia; a caducidade do direito de aplicar a pena.

Ao contrário do que defende o Recorrente, a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar não é uma questão que deva ser conhecida no despacho saneador, não podendo ser suscitada nem decidida em momento posterior, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Isto porque não se trata de uma excepção dilatória a que alude a alínea a) do n.º1 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e só estas devem ser conhecidas no despacho saneador.

A caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, tal como a prescrição do procedimento disciplinar, não são sequer excepções, dilatórias ou peremptórias.

São vícios do acto impugnado, de violação de lei. Verificando-se, quer uma quer outra, o acto punitivo padece do vício de violação de lei, de violação das normas que estabelecem os respectivos prazos, dado que, quer num caso quer noutro, não pode haver lugar a qualquer punição devendo o procedimento disciplinar ser arquivado.

Tratam-se, portanto, de questões ligadas ao mérito da acção impugnatória que apenas podem ser conhecidas no saneador quando o estado do processo já o permita – alínea b) do n.º1 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Como resulta da decisão recorrida e do despacho que admitiu o recurso.

No caso concreto, e em coerência, deveria ter sido conhecida da caducidade do direito de aplicar a pena, tal como foi conhecida a questão da prescrição do procedimento disciplinar; isto por o processo fornecer já os elementos necessários e suficientes para conhecer de ambas as questões, estando todos os factos relevantes documentados.

Sucede que no caso o Tribunal a quo conheceu das duas questões como uma só, como decorre da leitura da decisão recorrida.

O que não se mostra acertado, mas, por isso mesmo, não constitui uma omissão de pronúncia, antes um erro de pronúncia.

Em todo o caso, mostrando-se procedente o vício de prescrição do procedimento disciplinar, como veremos, não se impunha conhecer da questão da caducidade do direito de aplicar a pena por esta questão ficar prejudicada.

A prescrever o processo disciplinar não pode ser aplicada qualquer pena, ou seja, não chega sequer a constituir-se o direito de aplicar a pena; pelo que não faz sentido falar, neste caso, na caducidade do direito a aplicar a pena. Só pode caducar um direito que se constituiu.

Pelo que não se verifica a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

2. O acerto da decisão recorrida; a prescrição do procedimento disciplinar.

Dispõe o artigo 55º do Regulamento Disciplinar da PSP aprovado pela Lei 7/90, de 20.02 (aqui aplicável), sob a epígrafe “Prescrição do procedimento disciplinar”:

1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infracção tiver sido cometida.
2 - Exceptuam-se as infracções disciplinares que constituam ilícito penal, as quais só prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos.
3 - A responsabilidade prescreve também se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses.
4 - A prescrição considera-se interrompida pela prática de acto instrutório com incidência na marcha do processo e pela notificação da acusação ao arguido.

Ora, desde logo, ao contrário do decidido, este preceito não distingue entre normas substantivas e normas adjectivas pelo que não cabe ao intérprete e aplicação da lei fazer tal distinção.

Acresce que o artigo 176º, n.º5, da Lei de Trabalho em Funções Públicas, a norma decisiva aqui em apreço, determina que o procedimento disciplinar prescreve decorridos que sejam 18 meses sem que o arguido tenha sido notificado da decisão final.

Está aqui em causa não o direito a instaurar o processo disciplinar, um direito anterior ao procedimento e, portanto, substantivo, mas antes um prazo estabelecido para o próprio procedimento, ou seja, de natureza adjectiva.

Pelo que sempre se integraria directamente na precisão do artigo 55º do Regulamento Disciplinar da PSP.

Ainda que se entendesse existir uma lacuna, por se tratar de direito substantivo, não seria de aplicar as normas do Código Penal, por estas não conterem a solução que se integre no espírito do sistema, no procedimento disciplinar contra os agentes da PSP – n.º3 do artigo 10º do Código Civil.

As necessidades de certeza e de segurança que subjazem ao instituto da prescrição do Direito Penal em geral não são os mesmos que subjazem ao processo disciplinar dos agentes de autoridade.

São mais prementes quer para o próprio agente da PSP quer para a PSP as exigências de segurança e certeza na definição da situação disciplinar do agente e por isso é exigível que seja mais célere o processo disciplinar ainda que esteja em causa, melhor, sobretudo se estiver em causa a prática de um crime que constitua em simultâneo uma infracção disciplinar.

Diferença que se reflecte, de resto, nas próprias normas do Regulamento Disciplinar da PSP.

Desde logo o n.º2 do preceito em análise, o artigo 55º que exceptua no n.º 1 as “infracções disciplinares que constituam ilícito penal. As quais só prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição forem superiores a três anos.”

Assim como artigo 44º do Regulamento Disciplinar da PSP no qual se contempla a aplicação subsidiária das disposições do Código Penal no que diz respeito à suspensão ou demissão como efeito de pena imposta por decisão judicial.

Por fim, no caso, sempre seria de afastar aplicação supletiva das normas do Código Penal por não estar aqui em causa uma infracção disciplinar que constitua também crime, mas “apenas” um infracção que consistiu na desobediência a uma ordem de um superior hierárquico, em nada substancialmente distinta de uma infracção de desobediência cometida por outro funcionário público.

A existir lacuna a ser integrada faz mais sentido, é mais coerente com o sistema, integrar tal lacuna com as normas relativas ao procedimento disciplinar da Lei do Trabalho em Funções Públicas do que com as normas do Código Penal.

Sendo aplicável ao caso o disposto no artigo 55º do Regulamento Disciplinar da PSP aprovado pela Lei 7/90, de 20.02, forçoso se torna concluir pela verificação do vício de violação desta norma, na aplicação, pelos actos impugnados, de uma sanção disciplinar quando já havia prescrito o procedimento disciplinar.

Ao contrário do decidido.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO pelo que:

1. Julgam procedente a acção na parte ora em recurso.

2. Anulam o acto impugnado por vício de violação de lei, a violação do disposto no artigo 176º, n.º5, da Lei de Trabalho em Funções Públicas.

Custas em ambas as instâncias pelo Recorrido.
*

Porto, 20.10.2023

Rogério Martins
Fernanda Brandão
Isabel Costa