Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02948/15.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; RECURSO DE DESPACHO INTERLOCUTÓRIO; DESPACHO SANEADOR; ART. 142.º, N.º 5 DO CPTA; PRINCÍPIO DA IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA;
PROVA DO PREÇO EFETIVO; IRS; PRINCÍPIO DA IGUALDADE; ART. 31.º-A CIRS; ART. 139.º CIRC
Sumário:I. O n.º 5 do artigo 142.º do CPTA estabelece uma regra especial no tocante ao regime de subida e à tramitação dos recursos dos despachos interlocutórios, segundo a qual estes despachos são impugnados no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos previstos no CPC em que o recurso deva subir imediatamente.

II. O princípio da impugnação unitária não vigora sem exceção, sendo admitida, para além da impugnação imediata dos atos que a lei expressamente qualifique como destacáveis, a impugnação dos atos que se revelem imediatamente lesivos dos direitos dos contribuintes, tal como, aliás, expressamente decorre da primeira parte do art. 54.º do CPPT, assim como do disposto no art. 95.º da LGT.

III. Independentemente da categoria de rendimentos (em sede de IRS) em causa, impunha-se que fosse dada aos Recorridos a possibilidade de provarem que o preço efetivamente praticado na alienação do bem imóvel foi inferior ao valor patrimonial tributário.

IV. Outro entendimento seria contrário ao princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva dos sujeitos passivos, e do objetivo constitucional da “repartição justa dos rendimentos e riqueza” (cf. n.º 1 do art. 103.º da CRP).*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:D., e Outros
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I. RElatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida em 2017-03-07 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a ação administrativa interposta pelos Recorridos tendo por objeto o despacho do Diretor de Finanças de Braga (em substituição), datado de 2015-07-31, que indeferiu o pedido de demonstração do preço efetivo pago na transmissão de imóveis ao abrigo do artigo 31.º-A do CIRS e do artigo 139.º do CIRC, relativamente à alienação efetuada no ano de 2012 do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia (...) (concelho (...)), sob o artigo 1021, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:
A) Salvo o devido respeito, o despacho saneador, a fls…, quando decidiu que os autos devem prosseguir, por não se verificar a excepção da inimpugnabilidade do acto, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos.
B) Na verdade, a decisão da AT que não determina o prosseguimento do procedimento de prova de demonstração de preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel, não constitui um acto destacável e dado que a impugnabilidade autónoma deste mesmo acto não está prevista na lei, só pode a ora recorrida atacar o acto final do procedimento, isto é, a liquidação de imposto, por via de impugnação judicial interposta desse acto.
C) Tendo essa mesma decisão sido proferida no âmbito de uma matéria regulada nos termos do procedimento de revisão da matéria colectável a pedido do contribuinte (cfr. art. 91.º e 92.º da LGT, para os quais remete o n.º 5 do art. 129.º do CIRC), ela constitui um acto interlocutório, que não é imediatamente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, do procedimento de liquidação que só pode ser atacado, contenciosamente, a final.
D) Faça-se notar que ficou provado nos autos que os então A.A. na declaração de rendimentos para o ano de 2012, indicaram como rendimento profissional, comercial e industrial, o valor de €72.916,73, proveniente da alienação do prédio em causa nos autos, cfr. n.º 14 do ponto II) A, dos factos dados como provados.
E) Assim tendo já sido indicado o valor que, para os mesmos, corresponde ao preço efectivo de venda do imóvel, nessa declaração de rendimentos, a liquidação de IRS do ano de 2012 irá reflectir a situação tributária dos então A.A.
F) Isto é, a declaração de rendimentos do ano de 2012 apresentada pelos então A.A. terá que ser tratada pela AT e só após a notificação da liquidação daí resultante poderão os mesmos se conformar, ou não, com a mesma.
G) Caso a AT não aceite o valor indicado pelos ora recorridos na referida declaração, correspondente ao valor da alienação do imóvel que consta da escritura de dação, podem os mesmos reagir contra ela e contestar o facto de o rendimento não ser qualificado como rendimento proveniente de acto isolado de comércio.
H) Pelo que, é prematuro, até, estarem os recorridos a discutir tal enquadramento na presente acção, podendo pôr-se em causa, até, o interesse que os mesmos têm na decisão da presente acção, uma vez que se tal declaração não for aceite pela AT podem sempre os ora recorridos impugnar a liquidação efectuada pela AT.
I) Deste modo, o arquivamento do procedimento de demonstração do preço, não fez precludir a possibilidade dos ora recorridos, a final e com a prática do acto de liquidação que reflicta a não aceitação do preço que se invoca ser o real, discutir a questão de não ter sido deferido o seu pedido de demonstração do preço efectivamente pago na transmissão do imóvel.
J) Se os ora recorridos podem, na decisão final de liquidação invocar qualquer ilegalidade da avaliação indirecta da matéria tributável, nos termos do artigo 86.º, n.º 4, da LGT, expressamente aplicável ao procedimento em questão, atento o disposto no n.º 5, do artigo 139 .º do CIRC, também, de igual modo, podem impugnar a decisão de não serem admitidos a fazer o procedimento de prova regido pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da LGT.
K) Donde, ao ter decidido que os ora recorridos podiam, desde já, impugnar o acto que não os admitiu a fazer a prova de preço praticado nas transmissões de imóveis, nos termos do art. 139.º do CIRC, por via de acção administrativa especial, sem qualquer preocupação, até, de saber da sorte da liquidação de IRS relativa ao ano/exercício em questão, o despacho saneador, a fls…, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do referido art. 139.º do CIRC, art. 54.º do CPPT e 66.º da LGT, aos factos, motivo pelo qual não deve ser mantido.
L) Quanto ao mérito da causa, salvo o devido respeito, a sentença recorrida também fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos.
M) Diga-se, antes de mais que, embora para a sentença recorrida seja irrelevante para a resolução da questão em litígio saber da categoria de rendimentos que está em causa, para a ora recorrente importa, pelo contrário, reafirmar que a venda do imóvel em causa foi um acto isolado e que, de facto, o que também foi admitido pelos então A.A., não corresponde a um exercício habitual de uma actividade de compra e venda de imóveis.
N) Mais, a compra com a intenção de venda num curto espaço de venda apenas visou resolver uma situação anómala, foi a forma que os então A.A. encontraram para saldar uma dívida que possuíam com o BES, veja-se o n.º 4 do ponto II), A, dos factos dados como provados. Daí o preço de venda, consubstanciada numa dação em pagamento, corresponder ao valor da dívida.
O) Donde, até pela intenção que presidiu à realização do negócio se conclui que nunca esteve em causa a realização de um negócio de índole comercial. E nem sequer como acto isolado de comércio nos parece poder ser caracterizado, uma vez que o acto isolado de comércio tem que, de alguma forma, corresponder pela natureza do negócio efectuado, à prática de uma actividade de índole comercial, tendo em vista directamente a obtenção de lucro com a prática do mesmo.
P) Ora, os ora recorridos nunca visaram realizar um negócio de índole comercial com o BES, mas apenas resolver a sua situação pessoal e extinguir a dívida que possuíam com tal banco, estes limitaram-se, pois, a comprar e a vendar o imóvel sem que desenvolvessem qualquer actividade destinada a potenciar o lucro com a venda do mesmo.
Q) Donde, devia a sentença ora recorrida, salvo o devido respeito, ter concluído que, não cabendo o ganho obtido com a alienação do imóvel na categoria B de IRS, e nem devendo ser considerado como acto isolado de comércio, um eventual ganho correspondente a uma diferença positiva entre o valor de realização e o de aquisição só pode ser incluído na categoria G, mais-valias.
R) E assim sendo, continua a defender-se, contrariamente à posição sustentada pela sentença recorrida que o art. 31.º-A do CIRS, até pela sua inserção sistemática no Código, só se pode referir à determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, em que se aplicam, subsidiariamente, as regras do CIRC, cfr. art. 32.º do mesmo CIRS.
S) À data dos factos só o art. 31.º-A do CIRS previa a possibilidade de o sujeito passivo fazer a prova da demonstração do valor real da venda, inferior ao VPT, de acordo com o procedimento previsto no art. 139.º do CIRC.
T) Donde, não estando prevista, à data, tal possibilidade no art. 44.º do CIRS relativamente às mais- valias, categoria G (como actualmente acontece), deve entender-se que isso correspondia a uma intenção do legislador.
U) Pelo que, não tem razão a sentença recorrida quando entende que também relativamente ao art. 44.º do CIRS, na redacção aplicável à data dos factos, os contribuintes se podiam socorrer do procedimento previsto no art. 139.º do CIRC.
V) É que, no caso, não existia qualquer lacuna legal mas uma mera opção política fiscal em excluir, relativamente às mais-valias, a aplicação do procedimento previsto no art. 139.º do CIRC.
W) Donde, ao considerar que tal procedimento podia ser utilizado pelos sujeitos passivos também para efeitos de afastar a aplicação do n.º 2 do art. 44.º do CIRS, a sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação aos factos desse artigo em conjugação com o art. 31.º-A do CIRS.
Termina pedindo:

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e ser revogado o saneador, na parte em que não julgou procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto que deve ser substituído por Acórdão que julgue a excepção invocada como procedente, com a absolvição da R. da instância, ou mesmo que assim não se entenda, deve sempre ser revogada a sentença a fls…, que deve ser substituída por Acórdão que determine a improcedência da acção e mantenha o acto impugnado, com todas as legais e devidas consequências.
***

Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais formulam as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
I- A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, além de devida e legalmente fundamentada evidencia, um sentido de razoabilidade e de justiça irrepreensíveis, não sendo a mesma merecedora que qualquer reparo ou censura.
II- O Tribunal a quo, ponderados e analisados os factos e argumentos invocados por Recorrente e Recorrida nos seus articulados, decidiu e bem, no sentido de julgar improcedente a excepção da ininpugnabilidade do acto bem como de julgar procedentes os pedidos formulados pelos Recorrentes e bem assim de condenar a Recorrente a admitir e apreciar o pedido formulados pelos Recorridos de demonstração do preço da “venda” do imóvel identificado nos autos.
III- O recurso quanto á decisão proferida pelo Tribunal a quo de julgar improcedente a excepção da inimpugnabilidade do acto, proferida em sede de despacho saneador é intempestiva por extemporânea, não podendo nem devendo, como tal ser admitida.
IV- Resulta do disposto no artigo 595.º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil que: “O despacho saneador destina-se a conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.” V- Por seu turno, o n.º 3 do mesmo artigo refere que: “No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constituiu, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.”.
VI- A Recorrente não recorreu da decisão proferida em sede de despacho saneador a qual julgou improcedente a excepção de inimpugnabilidade do acto por si invocada, pelo que a decisão em causa já transitou, constituindo caso julgado, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
VII- O facto da Recorrente invocar tal excepção é até atentatório da boa fé e lisura com que a mesma devia pautar o seu comportamento perante os contribuintes.
VIII- No dia 17/08/2015, nos termos e para os efeitos do artigo 39.º, n.º 5 do Código de Procedimento e Processo Tributário, os aqui Recorrentes foram notificados através do ofício n.º 700.02966 de 14/08/2015 pela Direção de Finanças de Braga do conteúdo do despacho que determina que é entendimento da Direção de Finanças de Braga indeferir o pedido formulado pelos mesmos em 24 de Janeiro de 2015, sendo que consta do teor do referido despacho o seguinte: “Notifiquem-se os reclamantes de que, querendo, poderão apresentar Acção Administrativa Especial nos prazos e termos previstos no Código de Procedimento Administrativo.”
IX- É a própria Recorrente, quem no despacho proferido por esta em 31/07/2015, informa os Recorridos, na qualidade de reclamantes que podem impugnar o acto em apreço através da acção administrativa especial.
X- A Recorrente pretende ver revogada uma decisão que julgou improcedente a excepção de inimpugnabilidade do acto em apreço nos autos, quando foi a própria Recorrente quem informou os Recorridos que, caso não concordassem com o referido acto, o poderiam impugnar em sede de acção administrativa especial. Ou a Recorrente actua com má-fé ou propositadamente remeteu aos Recorridos uma notificação através da qual lhes transmite informações erradas?
XI- Mais acresce que, contrariamente ao defendido pela Recorrente, o acto em causa não pode ser entendido como um mero acto interlocutório. É um acto que afecta, de forma actual e imediata os direitos e interesses legalmente protegidos dos Recorridos, pelo que é o mesmo susceptível de ser impugnado pela presente via por forma a assegurar a tutela judicial efectiva desses direitos e interesses.
XII- Segundo o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, a questão pertinente a decidir nos presentes autos seria a de se apurar se os Recorridos podem recorrer ao procedimento previsto e plasmado no artigo 139.º do CIRC para proceder à prova de que o valor de alienação do imóvel em causa nos autos foi inferior ao valor patrimonial tributário.
XIII- Como bem, decidiu o Tribunal a quo, deve ser permitido e possibilitado aos Recorridos a possibilidade de provar que o preço efectivamente praticado na alienação do bem imóvel foi inferior ao seu valor patrimonial tributário.
XIV- O artigo 44.º n.º 4 do CIRS (correspondente ao artigo 44.º, n.º 2 do CIRS à data dos factos) estabelece apenas uma presunção sobre o valor da realização, presunção essa que cede perante a apresentação de prova em contrário.
XV- Se assim não fosse estaríamos perante uma situação em que a tributação versaria não sobre o rendimento real resultante de uma qualquer transmissão, mas antes perante um rendimento normal, o que contraria inclusive o princípio da verdade material que deve estar subjacente a toda a actividade tributária.
XVI- Só perante esta possibilidade é que será assegurado aos Recorridos que serão tributados por um rendimento real, pelo que, ao não ser permitida prova para afastamento da presunção plasmada no artigo em causa, tal como pretende a Recorrente, está-se a permitir à Autoridade Tributária o apuramento e posterior tributação de um imposto que não traduz a verdade matéria e a realidade dos factos, o que é de todo inadmissível.
XVII- É entendimento dos Recorridos que não assiste qualquer razão á Recorrente quando alega que o Tribunal a quo deveria ter concluído que “o ganho” obtido com a alienação do imóvel em causa pelos Recorridos deveria ser considerado como rendimento da categoria G uma vez que, atento as condições e que a mesma foi efectuada, o rendimento proveniente de tal alienação configura, para efeitos de tributação, um rendimento da categoria B.
XVIII- Como foi dado como provado pelo Tribunal a quo, os Recorridos, em 31 de Janeiro de 2012, junto do Serviço de Finanças de Braga 2 e referente ao processo de execução fiscal n.º 3425200801026216, em que eram executados os pais do Recorrido marido, adquiriram, por exercício do direito de remissão, pelo valor de 17.200,00€, a parcela de terreno para construção urbana, designada por lote K1, com a área de 510m2, a confrontar de norte e poente com domínio público, sul com lote K7 e do nascente com lote K2, sito no Lugar de (...), freguesia (...), concelho (...), inscrito na matriz urbana com o artigo 1021 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 511.
XIX- O Recorrido marido é acionista da sociedade comercial D. SA., com o NIPC (…) e com sede na Rua (…), concelho (...), sendo que a sociedade em causa é uma sociedade de índole familiar, onde todos os seus acionistas são irmãos e filhos dos executados J. e R.
XX- A indicada sociedade era devedora ao Banco (...) S.A., entre outros, dos contratos de empréstimo n.ºs 0770049420 e 016912300171, da quantia global de 72.916,73€.
XXI- Quando, no âmbito dos indicados autos de execução fiscal, surgiu a possibilidade dos Recorridos exerceram o direito de remissão e consequentemente adquirirem por essa via o prédio penhorado, os mesmos fizeram-no com a indicação de, futuramente, o entregarem ao banco BES para pagamento parcial das dívidas da sociedade comercial DMFA, o que vieram a fazer, por escritura pública celebrada em 23 de Agosto de 2012 no Cartório Notarial da Drª A., sito na Rua (…), através da qual alienaram o prédio em causa, por via de dação em pagamento, ao Banco (...) S.A., pelo preço de 72.916,73€.
XXII- Para prova de que o preço foi inferior ao valor patrimonial do imóvel alienado, os Recorridos remeteram à Direção de Finanças de Braga, cópia da escritura de dação em pagamento que comprova que o prédio foi alienado pelo preço de 72.916,73€, considerando os Recorridos que deverá ser esse o valor a ter em conta para o apuramento do rendimento para efeitos de tributação de IRS.
XXIII- Não obstante os Recorridos enquanto sujeitos passivos, não estarem à data dos factos colectados em nenhuma das actividades da categoria B, o facto em causa deverá ser entendido e “tratado” como um acto isolado e como tal tributado em sede da referida categoria B.
XXIV- O rendimento em causa nunca poderá ser tributado em sede da Categoria G, em virtude dos rendimentos de tal categoria estarem associados à alienação de bens imóveis que tenham sido adquirido para uso pessoal/ particular, seja pela via de utilização directa seja através de arrendamento, o que está, desde logo, associado à manutenção dos imóveis por longos períodos, o que não é manifestamente o caso.
XXV- Contudo, ainda que houvesse dúvidas quanto ao enquadramento dos rendimentos em causa, o que não se admite e apenas por mera hipótese se coloca, sempre as declarações do sujeito passivo, neste caso os Recorridos, gozariam da presunção de veracidade consagrado no artigo 75.º da LGT, competindo à Autoridade Tributária fazer prova do inverso, o que não logrou fazer.
XXVI- Assim sendo, até por esta ordem de razão deveriam os rendimentos provenientes da alienação do prédio em causa ser tributados em sede de IRS como rendimentos da categoria B e não rendimentos da Categoria G, uma vez que os Recorridos, em 23 de Maio de 2013 apresentaram junto do Serviço de Finanças de Braga 2, a sua declaração de rendimentos para o ano de 2012, indicando na respectiva declaração de IRS, como rendimento profissional, comercial e industrial o valor de 72.916,73€, proveniente da “venda” do prédio adquirido por via do direito de remissão em processo de execução fiscal ao BES.
XXVII- A aquisição do terreno de construção em causa pelos Recorridos, já com o intuito de o “venderem” ao BES, a negociação posterior com a entidade bancária em causa, os contactos e as avaliações decorrentes dessas mesas negociações evidenciam que os rendimentos daí provenientes para os Recorridos não foram fruto da sorte ou do acaso, sendo provenientes, sim, do desenvolvimento de uma actividade comercial de compra e venda, a qual apesar de não ser exercida com carácter de habitualidade pelos Recorridos, daí os mesmos não estarem colectados nessa actividade, foi levada a cabo por aqueles com o intuito de dela retirarem, como o fizeram, proveitos e lucros económicos futuros.
XXVIII- Não merece qualquer fundamento o argumento invocado pela Recorrente quando refere que, como á data dos factos, nenhum dos Recorridos se encontrava colectado em nenhum das actividades a que respeitam a categoria B da tributação em sede de IRS, os rendimentos em causa têm de ser tributados em sede da categoria G- Incrementos patrimoniais e consequentemente não se pode aplicar ao caso concreto o disposto no artigo 31.º A do CIRS, por força do disposto no artigo 139.º do CIRC.
XXIX- O facto de os Recorridos não estarem, à data dos factos, colectados para efeitos de tributação em sede de IRS em nenhuma das actividades previstas na Categoria B não obsta nem impede que os rendimentos em apreço não possam, tal como devem ser tributados naquela categoria como um acto isolado nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 alínea a), n.º 2 alínea h) e n.º 3 do CIRS e consequentemente estar sujeitos á aplicação do artigo 31.º - A do CIRS, inexistindo qualquer razão nos argumentos invocados pela Recorrente para que os mesmos sejam considerados rendimento da categoria G.
XXX- Os argumentos invocados pela Recorrente são desprovidos, além de qualquer sustentação legal de uma total falta de respeito pelos princípios da proporcionalidade, equidade e até mesmo razoabilidade que devem pautar a sua actuação.
XXXI- A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, além de devida e legalmente fundamentada evidencia, um sentido de razoabilidade e de justiça irrepreensíveis, não sendo a mesma merecedora que qualquer reparo ou censura, pelo que deve ser mantida.

Terminam pedido:

NESTES TERMOS,
Deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo- se a douta sentença recorrida de acordo com as precedentes conclusões, como é de elementar justiça!
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
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Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pela Recorrente.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

A) FACTOS PROVADOS:
1. O Autor marido é accionista da sociedade comercial D., S.A., com o NIPC (…) e com sede na Rua (…), concelho (...) – cfr. fls. 19/23 do suporte físico dos autos.
2. A indicada sociedade era devedora ao Banco (...), S.A., entre outros, dos contratos de empréstimo n.ºs 0770049420 e 016912300171, da quantia global de 72.916,73€ - cfr. fls. 24 a 27 do suporte físico dos autos.
3. Em 31.01.2012, os AA. adquiriram, por exercício do direito de remissão, no processo de execução fiscal n.º 3425200801026216, o prédio urbano, parcela de terreno para construção, lote n.º K um, situado no Lugar de (...), freguesia (...), concelho (...), inscrito na matriz sob o artigo 1021, pelo preço de €17.200,00 – cfr. fls. 18 do suporte físico dos autos.
4. Por escritura pública celebrada em 23.08.2012, os AA. alienaram o prédio em causa, por via de dação em pagamento, ao Banco (...), S.A., para pagamento integral da dívida mencionada no ponto 2. (€72.916,73) – cfr. fls. 24 a 27 do suporte físico dos autos.
5. Em 24.01.2013, os A.A. apresentaram requerimento, dirigido ao Director de Finanças de Braga, pedindo que fosse iniciado procedimento destinado à demonstração de preço de venda de imóvel, com vista ao afastamento da aplicação do n.º 2 do art. 31º-A do CIRS e/ou do n.º 2 do artigo 64º do CIRC – cfr. fls. 1 e ss. do processo administrativo apenso aos autos.
6. Invocaram, para tanto, que o prédio urbano, parcela de terreno para construção, lote n.º K um, situado no Lugar de (...), freguesia (...), concelho (...), inscrito na matriz sob o artigo 1021, com o valor patrimonial inscrito para efeitos de IMT de €199.29338 foi, efectivamente, alienado pelo valor de €72.916,73, ao BES, SA.
7. Juntaram fotocópia de escritura de dação em pagamento e declaração em como autorizam a AT a consultar toda a informação bancária que seja exigível, nos termos do n.º 6 do art. 139º do CIRC – cfr. fls. 3 e ss. do apenso.
8. Analisado tal requerimento pela Divisão de Justiça Tributária, da DF de Braga, foi entendido que “Como o disposto no art.º 31-A do CIRS só é de aplicar a rendimentos empresariais e profissionais – categoria B (artigo 3º do CIRS), e os sujeitos passivos à data não se encontravam colectados em nenhuma dessas actividades, parece-me de indeferir o pedido formulado por não estar enquadrado naquele normativo.” cfr. ponto 4 da informação da referida Divisão datada de 30/01/13, verso de fls. 10 do P.A..
9. Sobre tal informação foi exarado despacho do Director de Finanças Adjunto da DF de Braga, datado de 31/01/13, referindo ainda que: “No caso concreto, visto que se trata de rendimentos que devem ser tributados na esfera dos requerentes mas no âmbito da categoria G – Incrementos Patrimoniais, não é de aplicar a citada disposição legal, pelo que também não será aplicável, subsidiariamente, o procedimento previsto no n.º 3 do art.º 139º do CIRC. Assim, não é aplicável à presente situação nem o disposto nos artºs 91º e 92º da LGT, pelo que se indefere o pedido” – cfr. fls. 10 do PA.
10. De tal despacho e informação sobre o qual foi exarado, foram os A.A. notificados para no prazo de 15 dias exercerem, querendo, o direito de audição – cfr. fls. 11/13 do PA.
11. Direito este que foi exercido pelos A.A em 06/03/13, onde referem que, contrariamente ao entendido pela AT, os rendimentos em causa não se inserem na categoria G, mas sim na categoria B, como acto isolado de comércio e uma vez que o imóvel foi adquirido com o propósito assumido de o alienar a curto prazo – cfr. fls. 29 do PA.
12. Analisado o conteúdo do direito de audição exercido pelos A.A., a AT manteve o entendimento constante do projecto de indeferimento, isto é, que “o art. 31º-A do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares apenas se aplica no caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sujeitos a tributação como rendimento da categoria B – Rendimentos Empresariais e Profissionais praticados com habitualidade e não resultantes da prática de qualquer acto isolado. No caso concreto, visto que se trata de rendimentos que não devem ser tributados no âmbito da categoria B mas antes na categoria G – Incrementos Patrimoniais, não é de aplicar a citada disposição legal, pelo que também não será aplicável, subsidiariamente, o preceituado previsto nos artigos 91º e 92º da LGT, pelo que indefiro o pedido.
Notifiquem-se os reclamantes de que, querendo, poderão apresentar Acção Administrativa Especial nos prazos e termos previstos no Código de Procedimento Administrativo” - cfr. conteúdo do acto de indeferimento ora impugnado datado de 31/07/2015, a fls. 30 do P.A.
13. Os A.A. foram notificados do despacho referido no ponto anterior, por via dos ofícios n.º. 700.02966, de 14/08/2015 e ofício n.º 700.02968, de 17/08/2015, ambos referindo o seguinte: “Fica V. Exª notificado, nos termos do n.º 5 do art.º 39º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do despacho proferido pelo Senhor Diretor de Finanças, referente ao pedido acima indicado, o qual consta da fotocópia junta.” – cfr. fls. 40 a 46 do PA.
Mais se provou que:
14. Os AA. indicaram na declaração de rendimentos para o ano de 2012, como rendimento profissional, comercial e industrial, o valor de €72.916,73, proveniente da alienação do prédio em causa nos autos – cfr. fls. 37 e ss. o suporte físico dos autos.
*
B) MOTIVAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS:
A convicção do Tribunal alicerçou-se nos documentos supra identificados e na posição das partes assumida nos autos.
*
II.2. Fundamentação de Direito

Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pela Recorrente.

A Recorrente começa por questionar a decisão do Tribunal a quo de, no despacho saneador, julgar improcedente a exceção de inimpugnabilidade do ato que os Autores, aqui Recorridos, elegeram como objeto da ação administrativa em causa, concretamente, o despacho proferido em 2015-07-31 pelo Diretor de Finanças de Braga (em substituição) que indeferiu, por falta de fundamento legal, o pedido de demonstração do preço efetivo pago na transmissão do prédio urbano, parcela de terreno para construção, lote n.º K um, situado no Lugar de (...), freguesia (...), concelho (...), inscrito na matriz sob o artigo 1021 (cf. ponto 12, da fundamentação de facto).

Para tanto argumenta, em síntese, que o ato não afeta de forma atual e imediata os direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos; que no direito tributário vigora o princípio da impugnação unitária, nos termos dos arts. 54.º do CPPT e 66.º da LGT; que inexiste qualquer disposição legal expressa prevendo a respetiva impugnabilidade, não sendo por isso um ato destacável, resultando, aliás, o contrário, do disposto no n.º 7 do art. 139.º do CIRC; e que a jurisprudência dos Tribunais superiores sobre esta matéria não é constante.

Antes de mais, importa referir que ao contrário do que é sustentado pelos Recorridos nas suas contra-alegações, o recurso tendo por objeto a decisão do Tribunal a quo julgar improcedente no despacho saneador a questão prévia da inimpugnabilidade do ato suscitada pela Recorrente é admissível com o recurso da sentença proferida a final.

Com efeito, o n.º 5 do artigo 142.º do CPTA estabelece uma regra especial no tocante ao regime de subida e à tramitação dos recursos dos despachos interlocutórios, segundo a qual estes despachos são impugnados no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos previstos no CPC em que o recurso deva subir imediatamente.

Ora, a remissão que era ali feita originariamente para o art. 734.º do CPC, deve, no caso em apreço entender-se como efetuada para os casos de apelação autónoma previstos no artigo 644.º do CPC, na sua redação atual (cf. neste sentido o Acórdão proferido pela secção de CA do TCAN em 2014-12-05, no proc. 01727/09.7BEBRG-A, disponível para consulta em www.dgsi.pt), sendo certo que a questão em causa nos presentes autos não se encontra abrangida pelo disposto no n.º 1 e n.º 2, alíneas a) a i) do art. 644.º do CPC.

Sucede, no entanto, que a Recorrente não tem razão no erro de direito que assaca à decisão proferida pelo Tribunal a quo de aceitar a impugnabilidade imediata do ato, por considerar o mesmo lesivo.

Com efeito, o princípio da impugnação unitária não vigora sem exceção, sendo admitida, para além da impugnação imediata dos atos que a lei expressamente qualifique como destacáveis, a impugnação dos atos que se revelem imediatamente lesivos dos direitos dos contribuintes, tal como, aliás, expressamente decorre da primeira parte do art. 54.º do CPPT, assim como do disposto no art. 95.º da LGT.

Com efeito, e tal como é referido no acórdão do STA proferido em 2014-12-03, no proc. 0881/12 (disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta) no qual o Tribunal a quo se sustentou para decidir pela impugnabilidade contenciosa autónoma e imediata do ato em causa, são diretamente impugnáveis os “actos que, embora inseridos no procedimento e anteriores à decisão final, sejam imediatamente lesivos, abrindo-se então a possibilidade da sua impugnação imediata, sem prejuízo de a sua ilegalidade poder ainda ser suscitada na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto final, pois que do art. 54º do CPPT não decorre a preclusão desse direito para os actos não destacáveis, e tal dimanar, similarmente, da regra contida no n.º 3 do art. 51º do CPTA, de aplicação supletiva ao contencioso tributário”, tratando-se neste caso não de atos previstos na lei como destacáveis, mas de atos cuja impugnabilidade contenciosa imediata dependerá da sua qualificação casuística como sendo imediatamente lesivos.

Refira-se ainda que é esta a jurisprudência que vem sendo seguida por este Tribunal Central Administrativo Norte (cf. Acórdãos proferidos em 2015-02-26, no proc. 01271/11.2BEPRT e em 2016-10-27, no proc. 00735/12.5BEPRT), e com a qual não se vê motivo para divergir.

Assim sendo, não há dúvida que o ato em apreço é um ato imediatamente lesivo, não apenas pelas razões invocadas na supracitada jurisprudência, que para tanto sublinhou a necessidade de cumprimento imediato de obrigações declarativas, no caso, em sede de IRS, como ainda pela circunstância de o ato em apreço, por se ter fundamentado no entendimento de que o disposto no art. 31.º-A do CIRS não era aplicável ao caso, ter rejeitando liminarmente a possibilidade de os Recorridos acederem ao procedimento de prova do preço efetivo previsto no art. 139.º do CIRC, por remissão do n.º 6 do citado art. 31.º-A do CIRC, procedimento esse regulado pelo disposto nos arts. 91.º e 92.º da LGT, e no âmbito do qual as provas por si apresentadas poderiam ter sido objeto de debate contraditório entre o perito por si indicado e o perito da administração tributária, com vista ao estabelecimento de um acordo entre ambas as partes (cf. n.º 1 do art. 92.º da LGT), e no qual poderia ainda ter tido intervenção um perito independente.

Assim sendo, e ao vedar aos Recorridos a possibilidade de lançar mão do suprarreferido procedimento, especificamente concebido e adaptado à pretendida prova do preço efetivo, não há dúvida de que o mesmo se revela imediatamente lesivo, justificando a respetiva impugnabilidade contenciosa imediata.

Pelo que se conclui que a Recorrente não tem razão neste segmento do seu recurso, pois não se verifica o invocado erro de julgamento de direito.

Prossegue a Recorrente, imputando à sentença recorrida um erro de julgamento de direito porque, na sua tese, se deveria ali ter concluído que, não cabendo o ganho obtido com a alienação do imóvel na categoria B de IRS, nem devendo ser considerado como ato isolado de comércio, um eventual ganho apenas se poderia enquadrar na categoria G, mais-valias, pelo que não era de aplicar o disposto no art. 31.º-A do CIRS (cf. conclusões Q e R, das alegações de recurso).

Não tem a Recorrente razão.
Sobre esta questão, a sentença sob recurso alinha a seguinte fundamentação:
(…)
A questão a decidir é a de saber se os AA. podem lançar mão do procedimento previsto no artigo 139º do CIRC para proceder à prova de que o valor de alienação do imóvel em causa nos autos foi inferior ao valor patrimonial tributário.
Ora, independentemente da categoria de rendimento que porventura possa estar em causa (e não cuidando aqui da questão de saber se efectivamente ocorreu um ganho na esfera jurídica dos AA., por não ser esta a sede própria), a verdade é que quer nos situemos no âmbito da categoria B ou da categoria G, deve ser reconhecida aos AA. a possibilidade de provar que o preço efectivamente praticado na alienação do bem imóvel foi inferior ao valor patrimonial tributário.
Neste sentido, pronunciou-se XAVIER DE BASTO a propósito da interpretação do artigo 44º, nº 4 do CIRS (correspondente ao artigo 44º, nº 2 à data dos factos) conforme segue:
“A disposição (…) tem de ser interpretada no sentido de que se limita a estabelecer uma presunção sobre o valor da realização, que cede perante prova em contrário, ou seja, prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação de IMT.
A não se considerar a acima mencionada regra legal como estabelecendo uma simples presunção, com admissibilidade de prova em contrário, acabaríamos por tributar não o rendimento real operado pela transmissão, mas um rendimento normal. Se é certo que o princípio constitucional do rendimento real tem assento normativo quanto à tributação das empresas, segundo o nº 2 do artigo 104º da Constituição da República, podendo então argumentar-se que se não aplica à definição das mais valias realizadas por pessoa singulares, parece-nos defensável ver nesse princípio a expressão de uma hostilidade geral do legislador dos impostos de rendimento a fazer incidir esses impostos sobre valores normais, quando valores reais estão ao alcance e podem ser determinados com segurança.
Se se tratar de uma presunção, admitindo prova em contrário, o sujeito passivo tem a possibilidade de provar que o valor de realização foi efectivamente inferior e a mais-valia tributável corresponde então ao “rendimento real”, sendo certo que a Fazenda Nacional continua defendida de manobras evasivas sobre o valor de realização. Ora, a Lei Geral Tributária, como é sabido, estabelece que as presunções consagradas em norma de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Posto que o nº 4 do artigo 44º de inclua, na sistemática do CIRS, no capítulo da determinação da matéria tributável e não no capítulo da incidência, é materialmente uma norma de incidência, porque determina a final, em última análise, o valor que há-de ser submetido a imposto. Diríamos pois que neste nº 4 o que se estabeleceu foi uma presunção sobre o valor de realização, que pode ser afastada por prova em contrário.
Esta interpretação, por outro lado, parece-nos ser imposta por regimes paralelos, tanto em matéria de IRS, como em matéria de IRC.
Na verdade, no caso das mais-valias prediais qualificáveis como rendimentos profissionais e empresariais, o CIRS impõe, no nº 1 do artigo 31º-A, que se considere, para efeitos de determinação da matéria colectável, o valor definitivo que serviu de base à liquidação do IMT (ou que serviria no caso de não haver lugar a essa liquidação). Por seu turno, o artigo 58º-A do CIRC contém uma disposição paralela para a alienação de direitos reais sobre imóveis por sujeitos passivos de IRC: também aí se impõe, na determinação do lucro tributável, a tomada dos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação de IMT (ou que serviria no caso de não haver lugar a essa liquidação).
Ora, em ambos os casos a lei prevê expressamente a possibilidade de prova em contrário – de que o valor da alienação foi inferior: no caso do IRS, nos nºs 5 e 6 do mesmo artigo 31º-A; no caso do CIRC, no artigo 129º. (…)

Ora, sendo assim, não se poderia aceitar um regime diferenciado para as mais-valias prediais, por comparação aos rendimentos empresariais e profissionais. Basta pensar em duas situações, em tudo semelhantes: na primeira aliena-se um prédio afecto a uma actividade empresarial e profissional, a mais-valia realizada é considerada um rendimento profissional e empresarial e o sujeito passivo é admitido a provar que o valor de realização foi inferior ao valor tributário para efeitos de IMT; enquanto na segunda, a alienação do prédio gera mais-valia da categoria G. Não faria sentido aceitar que, nesta última situação, o contribuinte não pudesse provar que alienou o prédio por um valor inferior ao referido valor tributário para efeitos de IMT. Haveria, então, para rendimentos iguais tratamentos diferenciados, sem qualquer justificação válida, a dano do princípio da igualdade. Tem, pois, a nosso ver, de considerar-se que o nº 4 do artigo 44º contém uma presunção, que pode ser afastada, provando que o valor de realização foi afinal inferior ao “valor tributário”, para efeitos de um imposto patrimonial como é o IMT.”

E prossegue o referido Autor:
“Falta só esclarecer um ponto: que procedimento deve ser adoptado para proceder à prova capaz de afastar a presunção do nº 4 do artigo 44º?
Parece-nos que deve ser o procedimento previsto no artigo 129º do CIRC, e não o procedimento geral de ilisão de presunções estabelecido no artigo 64.º da Lei Geral Tributária. É esse o procedimento que a lei previu para as mais-valias prediais que sejam rendimentos da categoria B e não há qualquer impedimento a aplicar, por analogia, a norma do n.º 6 do artigo 31.º-A às mais valias prediais da categoria G. Trata-se de uma norma procedimental, em que a aplicação analógica não está proibida”.
(…)

Ou seja, entendeu-se ali que independentemente da categoria de rendimentos em causa deveria ser dada aos Recorridos a possibilidade de provarem que o preço efetivamente praticado na alienação do bem imóvel foi inferior ao valor patrimonial tributário, motivo pelo qual o Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta questão, tendo considerado a mesma prejudicada [cf. n.º 2 do art. 608.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

Ora, quanto a esta questão, e ao contrário do que pretende a Recorrente, a sentença não padece de qualquer erro de julgamento de direito.

De facto, e como é referido na mesma, outro entendimento seria contrário ao princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objetivo constitucional da “repartição justa dos rendimentos e riqueza” (cf. n.º 1 do art. 103.º da CRP), tal como de resto, viria a ser sufragado pela jurisprudência do STA (cf. neste sentido Acórdãos do STA proferidos em 2017-10-11, no proc. 0880/16, e em 08-11-2017, no proc. 01108/14), aliás, na sequência da jurisprudência exarada no acórdão n.º 211/2017, proferido em 2017-05-02, no proc. n.º 285/15, da 3.ª secção do Tribunal Constitucional.

Por se aderir totalmente aos fundamentos desta jurisprudência, aqui se transcreve o primeiro dos acórdãos supramencionados, no excerto relevante (cf. Acórdão do STA proferido em 2017-10-11, no proc. 0880/16, disponível para consulta em www.dgsi.pt):
(…)
4.2.
É sabido que no âmbito do IRS, os ganhos que resultem de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis podem integrar-se na categoria B (por constituírem rendimentos empresariais) ou na categoria G (por serem mais-valias) — cfr. O segmento inicial do n.º 1 do art. 10° do CIRS.
E se estivermos perante um incremento patrimonial qualificável como mais-valia, estabelece a al. a) do nº 4 do art. 10º do CIRS que o ganho é constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição”, sendo que as regras para o estabelecimento do valor de realização constam do art. 44º do mesmo CIRS, nomeadamente, no que ora releva, na al. f) do seu nº 1 e no nº 2 [este com a alteração que foi introduzida pelo art.108º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12 — substituindo a referência à sisa pela referência ao IMT, conforme já resultava, aliás, da remissão constante do nº 2 do art. 28º do DL nº 287/2003, de12/11 (reforma da tributação do património)] onde se dispõe, como acima se transcreveu, para o que aqui releva, que (por ser mais elevado do que o valor constante do contrato) se considerará e prevalecerá como valor de realização, o que foi considerado para efeitos de liquidação de IMT. Ora, no caso, embora os ganhos aqui em causa não configurem rendimentos empresariais e profissionais (sendo que, como se disse, a natureza da alienação de imóveis no âmbito da actividade comercial é diferente daquela que resulte de incremento patrimonial por alienação fortuita ou ocasional de um prédio), não se vê que a sentença recorrida confunda as categorias B e G de IRS ou proceda a errada aproximação entre ambas.
Com efeito, mesmo que se admitisse eventual incorrecção terminológica no uso da expressão “rendimentos provenientes da mesma fonte”, a sentença é explícita na afirmação de que, não obstante a norma constante do art. 31º-A do CIRS (possibilidade de o contribuinte provar que o preço efectivo de venda do imóvel é inferior ao seu valor patrimonial tributário) estar sistematicamente inserida na parte relativa às mais valias prediais que se reconduzam a rendimentos profissionais e comerciais (categoria B), o regime ali prescrito deve também ser aplicável quando os rendimentos provêm de mais-valias enquadráveis na categoria G (geradas com a venda de direitos de propriedade sobre imóveis, como sucede no caso vertente),sob pena de se criar uma manifesta e injusta desigualdade na tributação em sede do IRS.
Sendo que, de todo o modo, a referência ao disposto no art. 31º-A do CIRS, acaba por se traduzir, no essencial, em mera asserção argumentativa no sentido de não haver razão para não admitir para os rendimentos da categoria G uma solução idêntica à consagrado naquele normativo (para rendimentos provenientes de alienação de imóveis no âmbito da actividade comercial, enquadráveis na categoria B), pois que, sendo o nº 2 do art. 44ºdo CIRS uma verdadeira norma de incidência, também ele deve ser interpretado no sentido de admitir a ilisão da presunção que consagra, sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade (arts. 13º e 18º da CRP e art. 5°, n° 2, da LGT).
Neste contexto, não releva, portanto, a alegação relativa à distinção entre a natureza da alienação de imóveis no âmbito da actividade comercial e da alienação resultante do incremento patrimonial por alienação fortuita ou ocasional de um prédio, bem como a alegação relativa às diferenças entre as regras para a determinação do rendimento colectável sujeito a IRS, operada com base no regime simplificado ou na contabilidade (art. 28° do CIRS) na Categoria B e a operada com base nas regras das mais-valias da Categoria G (o saldo entre as mais-valias e menos-valias realizadas no mesmo ano é apenas considerado em 50% do seu valor — nº 2 do art. 43° do CIRS).
4.3.
A recorrente sustenta, igualmente, que a sentença enferma de erro de julgamento na interpretação da lei, por ter concluído que, consubstanciando o nº 2 do art. 44º do CIRS uma verdadeira norma de incidência, também ele deve ser interpretado no sentido de admitir a ilisão da presunção que consagra, sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade (arts. 13º e 18º da CRP e art. 5°, n° 2, da LGT).
Como se deixou dito, o entendimento da Fazenda Pública é o deque esse normativo não contém nenhuma presunção, mas, antes, uma regra objectiva de determinação do valor de realização de um ganho sujeito a IRS e, ainda assim, a admitir-se a existência de lacuna no referido normativo, ela não seria passível de integração por recurso ao regime contido nos apontados números do art. 31°-A do CIRS, visto que, no caso, o facto tributário ocorreu em 2006 e a dita formulação da norma só surge no ordenamento jurídico e entra em vigor em 1/1/2007 (Lei n° 53-A/2006, de 29/12 – OE 2007), não havendo, então, qualquer desigualdade na tributação de rendimentos gerados pela transmissão onerosa do direito de propriedade sobre imóveis, conforme ocorresse no âmbito da Categoria B ou da Categoria G, pois em 2006 eram semelhantes as estatuições contidas no nº 1 do art. 31°-A e no nº 2 do art. 44° do CIRS e em nenhuma delas se previa forma do contribuinte fazer prova do valor de realização efectivo.
Não procede, todavia, esta alegação.
Na verdade, tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (cfr. nº 1 do art. 103º da CRP), aquela imputação de matéria colectável considerando como valor de realização o resultante da posterior avaliação para efeitos de IMT, há-de reconduzir-se, como diz a sentença, a uma presunção legal ou, até, a uma ficção legal que, face ao disposto no art. 73ºda LGT (que afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis) deverá ter-se por ilidível.(Cfr. o ac. do STA, de 9/4/2003, proc. nº 0320/03.)
Recentemente, o Tribunal Constitucional (cfr. o acórdão nº211/2017, proferido em 02/05/2017, no proc. nº 285/15, da 3ªsecção) julgou inconstitucional, aliás, esta norma contida no nº 2do art. 44º do CIRS, “na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível», por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1e 13.º da Constituição da República Portuguesa”, sendo que para o Tribunal, quer se entenda “a técnica usada pelo legislador como uma verdadeira e própria presunção (a lei presume o valor do rendimento obtido por referência ao VPT, enquanto valor-padrão ou rendimento normal ou seja, como rendimento provável) ou como uma ficção (a lei ficciona ter sido auferido com a venda um valor idêntico ao do VPT do imóvel) na determinação do ganho obtido com a transação onerosa do imóvel para efeito de apuramento das mais-valias – admitindo-se assim a distinção entre os dois conceitos –, certo é que o resultado da sua aplicação não difere quanto ao apuramento da matéria coletável, na medida em que, num caso como noutro, o VPT do imóvel prevalece na determinação da base tributária (não se admitindo, mesmo na hipótese de se tratar de um rendimento presumido, prova do contrário), desconsiderando-se, assim, o rendimento efetivamente auferido pelo contribuinte quando inferior ao decorrente do valor de referência estabelecido.”
De todo o modo, para os efeitos previstos nesse art. 73º e no art.64º do CPPT, deve entender-se igualmente, (Neste sentido se concluiu no ac. do STA, de 29/2/2012, no proc. nº 0441/11, com apoio na doutrina: cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, I Vol., 6ª ed., 2011,anotações 2 e 3 ao art. 64º, pp. 585 a 588, que cita Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª ed., p. 126 e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, volume II, p. 56.) que a referência a normas de incidência é utilizada na acepção lata (as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação») e não apenas na acepção mais restrita (normas que indicam o sujeito passivo e a definição da matéria colectável, sem abranger a sua determinação).
E dado que as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão «presume-se» ou semelhante, mas «também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva», quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores, afigura-se-nos que, no caso, sendo o rendimento colectável de IRS «o que resulta do englobamento das várias categorias auferidos em cada ano» (art. 22º do CIRS), também aqui é de concluir que «…as normas que ficcionam valores para efeitos de determinar a medida dos rendimentos contêm presunções implícitas, já que não se pode aceitar, à face do princípio constitucional da igualdade, que se queiram tributar rendimentos inexistentes; por isso, as ficções de valores de matéria tributável foram introduzidas na lei no pressuposto de que correspondem à realidade os valores determinados por via de presunção.
Em situações deste tipo, está-se perante a aplicação de presunções contidas em normas de incidência objectiva (conceito em que se englobam as normas sobre determinação da matéria tributável de natureza substantiva, como é jurisprudência assente do TC), pelo que os interessados podem ilidi-las, ao abrigo do disposto no art. 73° da LGT, e fazer uso do procedimento de ilisão de presunções previsto neste art. 64° do CPPT; é admissível ilidir as presunções implícitas porque o que se pretende «sempre» é tributar rendimentos reais e não inexistentes e é por esta razão, de se querer «sempre» tributar valores reais, que o art. 73° da LGT permite «sempre» ilidir presunções.
É esta a interpretação que está em sintonia, por um lado, com o princípio enunciado no art. 11°, n° 3, da LGT de que, nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias «deve atender-se à substância económica dos factos tributários» e, por outro lado, com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários e não se compagina com a existência de casos especiais de tributação com base em valores fictícios em situações em que é conhecido ou é apurável o valor real dos factos tributários: como a tributação de rendimentos inexistentes conduziria a que quem os não teve fosse tributado como quem os teve e tal ofende o princípio da igualdade, é «sempre» possível demonstrar a realidade dos rendimentos, ilidindo o que se presume nas normas relevantes para a fixação de valores para o seu cálculo.
Pode tributar-se com base em ficções de rendimentos, quando a lei os presume, mas só se pode fazê-lo porque se presume que os valores dos rendimentos ficcionados são os que correspondem à realidade, admitindo-se «sempre» a prova deque há dissonância entre os rendimentos ficcionados e a realidade.» (Jorge de Sousa, loc. cit. anotação 5, pp. 589-591, concluindo que também no nº 2 do art. 44º do CIRS se estabelece uma presunção implícita de rendimento.)
Aliás, referindo-se à previsão constante deste nº 2 do art. 44º do CIRS (e bem antes do aditamento dos respectivos nºs. 5 a 7, que veio a ser operado pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12, aditamento este que, nas palavras do supracitado acórdão nº 211/2017, do Tribunal Constitucional, terá sido determinado com vista à concretização dos valores jurídico-constitucionais relevantes em matéria fiscal, especificamente quanto à incidência do imposto), também Xavier de Basto (IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 445-448.) já ponderava que esta disposição «...tem de ser interpretada no sentido de que se limita a estabelecer uma presunção sobre o valor de realização, que cede perante prova em contrário, ou seja, prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação do IMT», sendo que, se assim não for, poderemos estar a tributar um rendimento normal, em vez do rendimento real operado com a transmissão e sendo certo que, de todo o modo, a Fazenda Nacional sempre continuará defendida de manobras evasivas sobre o valor de realização.
Além de que, esta será a interpretação que parece ser imposta face aos regimes paralelos, tanto em matéria de IRS, como em matéria de IRC, pois que em sede de IRS, no caso das mais-valias prediais qualificáveis como rendimentos profissionais e empresariais, os n.ºs 5 e 6 do art. 31º-A do CIRS (aditados pelo art. 46º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12), vieram permitir que o contribuinte possa provar que o valor de alienação/realização foi inferior ao que serviu de base à liquidação de IMT) e em sede de IRC o (então) art. 129º do CIRC prevê a mesma situação, em confronto com o então art. 58º-A (cfr. os actuais arts. 64º e 139º).
E assim sendo, carece de relevância a argumentação da recorrente, quer no sentido de que, mesmo a admitir-se a existência de lacuna no art. 44º do CIRS, esta não seria passível de integração mediante o recurso à disciplina contida nos nºs. 5 e 6 do art. 31°-A, ou dos posteriormente aditados nºs. 4 a 7 daquele mesmo art. 44º do CIRS, por estar em causa um facto tributário ocorrido em 2006, quer no sentido de que esta possibilidade introduz desigualdade no sistema, por dela poderem resultar para um mesmo facto tributário (a venda do imóvel) diferentes valores para efeitos de tributação em sede de IRS (para o vendedor) e para efeito de pagamento de IMT (para o adquirente do imóvel).
É que, independentemente de só a partir daquela data a lei ter conferido aos titulares de rendimentos da Categoria B a faculdade de suscitar o procedimento previsto no art. 129° do CIRC, (Sobre a matéria atinente à forma, regras e meios impugnatórios, aplicáveis no âmbito deste procedimento, cfr. os acs. do STA, de09/03/2016, proc. nº 820/15, de 03/12/2014, no proc. nº 0881/12 e de06/02/2013, no proc. nº 0989/12.) ou independentemente de ser admissível requerer 2ª avaliação para efeitos de IRS, IRC e IMT (nº 3 e nº 8 do art. 76º do CIMI, na redacção dada pelo art. 93º da Lei nº 64-A/2008, de 31/12) essa possibilidade de ilisão da presunção (ou ficção) de rendimentos já então se impunha face às normas constitucionais e à lei ordinária (LGT).
(…)
Tanto assim é, que em 2014, por força de alteração introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, o legislador fiscal viria a afeiçoar a lei a este entendimento jurisprudencial, inserindo no art. 44.º do CIRS, um n.º 7 no qual se viria a consagrar expressamente a possibilidade de em sede de mais valias obtidas no âmbito da categoria G, os sujeitos passivos puderem lançar mão do procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC para ilisão da presunção constante no n.º 2 da mesma disposição.

Com efeito, e “(…) até então, não se previa a possibilidade de afastar a prevalência do valor patrimonial tributário do imóvel, quando superior, sobre o valor de realização, na transação geradora de rendimentos da categoria B do IRS e também em sede de IRC, situações para as quais já se admitia a prova de que o valor de realização era, efetivamente, inferior ao valor patrimonial do imóvel” situação que “(…) envolvia uma clara violação do princípio da igualdade, em desfavor dos sujeitos passivos cujas operações relativas a imóveis devessem enquadrar-se na categoria G” (cf. PEREIRA, Paula Rosado - Manual de IRS. 2.ª Edição. Coimbra: Almedina, 2019, pág. 240, destacado nosso).

Assim sendo, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
*

Em face do exposto, e atendendo ao seu decaimento no presente recurso, deve a Recorrente ser condenada em custas pelo mesmo [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA].
***

Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. O n.º 5 do artigo 142.º do CPTA estabelece uma regra especial no tocante ao regime de subida e à tramitação dos recursos dos despachos interlocutórios, segundo a qual estes despachos são impugnados no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos previstos no CPC em que o recurso deva subir imediatamente.

II. O princípio da impugnação unitária não vigora sem exceção, sendo admitida, para além da impugnação imediata dos atos que a lei expressamente qualifique como destacáveis, a impugnação dos atos que se revelem imediatamente lesivos dos direitos dos contribuintes, tal como, aliás, expressamente decorre da primeira parte do art. 54.º do CPPT, assim como do disposto no art. 95.º da LGT.

III. Independentemente da categoria de rendimentos (em sede de IRS) em causa, impunha-se que fosse dada aos Recorridos a possibilidade de provarem que o preço efetivamente praticado na alienação do bem imóvel foi inferior ao valor patrimonial tributário.

IV. Outro entendimento seria contrário ao princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva dos sujeitos passivos, e do objetivo constitucional da “repartição justa dos rendimentos e riqueza” (cf. n.º 1 do art. 103.º da CRP).

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e em consequência, manter a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 9 de junho de 2021
Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais – Tiago Afonso Lopes de Miranda.