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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01985/21.9BEBRG-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:RÉPLICA - FUNÇÕES;
INCIDENTE;
TAXA DE JUSTIÇA;
Recorrente:Águas do Norte, SA
Recorrido 1:E... UNIPESSOAL, LDA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Julgar improcedente o recurso no segmento em que a decisão determinou que deve ser dada por não escrita a parte da réplica que excedeu a resposta às exceções, ou seja, os artigos 47º e 49º, e julgar procedente na parte em que a Recorrente foi condenada em taxa de justiça,
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autora Águas do Norte, SA e Ré E... UNIPESSOAL, LDA, ambas neles melhor identificadas, foi preferido Despacho que, na parte que ora releva, ostenta este discurso fundamentador:
Legitimamente, a Autora deduziu réplica: constam da contestação exceções.
Todavia, sucumbindo ao ímpeto da escrita, não resistiu e, no art.º 47.º da réplica, veio dizer: "Ademais, sempre se diga, ao abrigo do princípio do contraditório, nos termos do disposto no artigo 3.°, n.° 3, do CPC, que, inversamente ao que vem alegado pela Ré, em sede de contestação, nomeadamente, nos artigos 19.° a 26.° da contestação (o que, desde já se impugna por não corresponderem à verdade), que a data de pagamento das faturas de serviços é a que consta no artigo 27.° da PI, o que se prova através dos comprovativos de pagamento juntos aos presentes autos como documentos da PI."
Terá pensado a autora: lá pelo meio, talvez passe. Engano seu. A réplica só serve para responder às exceções, e não para deduzir "contestação à contestação", ou apresentar alegações sobre a data do cumprimento. E volta, a autora, à carga no art.º 49.º da réplica, dizendo: "Mais se considerando impugnado tudo quanto alegado em sede de Contestação e que esteja em contradição com a presente Réplica". Mas esta "impugnação", além de processualmente inadmissível, é-o por natureza, sem necessidade de referência expressa.
Assim sendo, pode concluir-se que nos artigos 47.º e 49.º, a autora excede a função da réplica, pelo que tais artigos devem ser tidos por não escritos.
Pelo exposto, considero não escritos os artigos 47.º e 49.º da réplica apresentada pela autora.
Condeno a autora no pagamento das custas processuais do incidente anómalo a que deu causa, fixando a taxa de justiça em 1UC - cf. art.º 7.º, n.º 4, e tabela II-A do RCP.
(…).
Deste vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento ao decidir pela inadmissibilidade processual de parte da Réplica apresentado pela Recorrente a fls. 427, tendo decidido dar por não escritos os artigos 47.º e 49.º da réplica apresentada;
2. E, condenando a Recorrente em 01 (uma) UC de multa, como custas devidas por incidente anómalo causado.
3. Entende a Recorrente que o teor dos referidos artigos não integra qualquer conteúdo factual ou de alegação, suscetível de violar as regras processuais que delimitam o âmbito da Réplica.
4. Os referidos artigos contemplam matéria meramente conclusiva de encerramento da Réplica, não revelando qualquer intuito de desrespeitar as regras processuais, além de ser evidente que não causaram qualquer prejuízo à normal tramitação processual.
5. A decisão recorrido é ilegal, por ser violadora dos princípios da proporcionalidade (artigo 18.°/2 da CRP), do contraditório (previsto no artigo 3.°/3 do CPC) e da igualdade de armas (artigo 4.° do CPC), razão pela qual, deverá a mesma ser revogada e, em consequência, serem dados por escritos os artigos 47.° e 49.° da Réplica e, ainda, ser revogada a condenação da Autora no pagamento de custas processuais por incidente anómalo (1 UC).
Termos em que,
E nos melhores de Direito, com o suprimento, deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a decisão recorrida e ser admitida a réplica na sua integralidade, sendo a Recorrente absolvida da condenação no pagamento de taxa de justiça por incidente anómalo.
Assim se fazendo justiça!
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, na parte em que determinou que deve ser dada por não escrita a parte da réplica que excedeu a resposta às exceções, e da procedência do mesmo no que tange à condenação da Recorrente em taxa de justiça.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
Questões que se colocam:
1ª- Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito ao dar por não escritos os artigos 47.º e 49.º da réplica apresentada pela A., ora recorrente;
2ª- Saber se o tribunal errou na aplicação do direito ao condenar em custas do incidente a Autora.
Vejamos o 1º ponto,
Dispõe o artº 85º-A do CPTA:
1 - É admissível réplica para o autor responder, por forma articulada, às exceções deduzidas na contestação ou às exceções perentórias invocadas pelo Ministério Público no exercício dos poderes que lhe confere o artigo anterior, assim como para deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção.
2 - Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o demandado tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo demandado.
3 - A réplica em resposta a exceções é apresentada no prazo de 20 dias e em resposta a reconvenção no prazo de 30 dias, a contar da data em que seja ou se considere notificada a apresentação da contestação.
4 - Quando tenha havido reconvenção, o autor, na réplica, deve:
a) Expor as razões de facto e de direito por que se opõe à reconvenção;
b) Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente.
5 - No caso previsto no número anterior, o autor, no final da réplica, deve apresentar o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer outros meios de prova.
6 - Só é admissível tréplica para o demandado responder, por forma articulada, às exceções deduzidas na réplica quanto à matéria da reconvenção, no prazo de 20 dias a contar da notificação da réplica.
De acordo, com o referido preceito legal, a réplica tem as funções, a saber:
1ª - Impugnação de factos constitutivos, que o demandado tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo demandado.
No caso em apreço, a ação proposta pela Autora não é de simples apreciação negativa, mas de condenação, pelo que não poderia impugnar factos ao abrigo da presente disposição legal.
2ª- Resposta aos pedidos reconvencionais.
Percorrida a petição inicial, conclui-se facilmente que na ação proposta pela Autora não foi formulado, em sede de contestação, qualquer pedido reconvencional.
3ª- Resposta às exceções deduzidas pelo réu na contestação.
A réplica, quando apresentada na sequência de contestação que invocou exceções, deve ater-se à impugnação dos factos invocados pelo Réu, para sustentar a procedência da exceção.
Poderão igualmente ser invocados, em sede de réplica, factos impeditivos ou extintivos dos factos alegados para sustentar a matéria de exceção.
Caso tenha sido apresentada defesa por exceção, a réplica apenas se pode pronunciar sobre a matéria de facto que fundamenta a verificação de exceções dilatórias ou perentórias, não podendo aproveitar-se o referido articulado para impugnar os factos invocados pelo Réu, na sua defesa por impugnação.
E, tanto assim é que o artº 83°/1/c) do CPTA, dispõe que na contestação os demandados devem expor os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, especificando-as separadamente.
Por outro, lado e tendo em conta uma interpretação sistemática do disposto no artº 85°-A do CPTA, resulta que em sede de réplica, só podem ser impugnados factos quando se esteja perante uma ação de apreciação negativa, retirando-se a contrario que nas outras situações, em que é admissível réplica, não é possível a impugnação de factos apresentados na contestação.
Mas será que tal interpretação viola o princípio do contraditório previsto no n° 3 do artigo 3° do CPC?
Cremos que não.
O princípio do contraditório não é violado, uma vez que tendo sido invocada matéria de facto na p.i., e impugnada na contestação, tais factos são controvertidos e sujeitos a produção de prova, ou em sede de audiência prévia (artº 87°/1/b) do CPTA) ou em sede de julgamento na audiência final, onde necessariamente tal matéria passará a ser discutida entre as partes nos termos do estatuído na al. e) do n° 3 do artº 91° do CPTA.
Por outro lado, há que referir, que a regra geral em sede de processo civil, é a da existência de apenas dois articulados, sendo os restantes articulados apenas admissíveis em casos excecionais.
Voltando ao caso concreto, resulta que os artigos 47.° e 49.° da réplica apresentada pela Autora, ora recorrente, se limitam a contrariar a matéria de facto impugnada pela Ré, e assim sendo, nesta parte, a réplica não é admissível, na medida em que foi apresentada fora do condicionalismo do artº 85°-A do CPTA; como tal, bem andou o Tribunal a quo, ao determinar que, nessa parte, se desse por não escrita tal matéria.
Tal equivale a dizer que a decisão recorrida não errou na aplicação do direito nem violou o disposto no artº 3° do CPC ex vi artº 1º do CPTA.
E o que dizer da 2ª questão, ou seja, se o Tribunal errou na aplicação do direito ao condenar em custas do incidente a parte?
Entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente, ao fazer constar da réplica matéria que extravasava as funções de tal articulado, havia dado lugar a um procedimento anómalo, pelo que a condenou em custas processuais, fixando a taxa de justiça em 1UC - cfr. art.º 7.º, n.º 4, e tabela II-A do RCP.
Sucede, quanto a este ponto, que não se deteta ter havido aplicação de taxa de justiça com carácter sancionatório como aduz a senhora PGA.
O despacho apenas condenou em custas por incidente anómalo e fixou em 01UC a taxa de justiça.
Só que a condenação em custas por “incidente anómalo” não pode manter-se, uma vez que a situação não se caracteriza como incidente.
Na verdade, e não obstante a ausência de uma definição legal específica do que deva considerar-se como “incidente processual” - face ao ordenamento jurídico-processual, “poderemos talvez encontrar a possibilidade de formulação de uma definição que assente em toda a ocorrência suscitada no processo, que pressuponha a existência de uma questão acessória ou secundária a resolver, suscitada normalmente através da apresentação de um requerimento, pedido ou promoção, e que implique uma decisão ou uma dada actividade processual.”
No que deve relevar a marcha do processo e a ideia de que que a actividade ou ocorrência processual perfile um mínimo de relevância ou labor processual, de forma que, mesmo que anómala ou estranha ao desenvolvimento normal do processo, só constitua um incidente processual tributável desde que deva ser tributada de acordo com as regras e princípios que regem a condenação em custas - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/07/2004, proc. 1372/2004-5.
Para Salvador da Costa a figura “incidente processual”, constitui “...uma questão surgida no decurso do processo distinta da questão principal que dele é objecto mas com ela relacionado. ... A ideia que está na base do incidente processual é a de que, no processo que é próprio de uma determinada acção ou de um recurso, se incrusta uma questão acessória e secundária que implica a prática de actos processuais que extravasam do núcleo processual da espécie em que se insere” - cfr. Incidentes da Instância, Almedina, 1999, 7 e segs.. Ou, como o referiu Alberto dos Reis, “...pressupõe, em regra, a existência de uma questão a resolver que se configure como acessória e secundária face ao objecto da acção ou do recurso e como ocorrência anormal e com autonomia processual em relação ao processo principal.” - in Comentário ao CPC, 3º, pág. 563 e segs..
Neste contexto, e conforme ensina Salvador da Costa, in As Custas Processuais, pág. 146, anotação 7.4, Almedina, 7ª edição:
O incidente normal envolve uma sequência de atos processuais tendente à resolução de questões relacionadas com o objeto do processo, mas que, pelas suas particularidades, extravasa da sua tramitação normal. Porém, tais incidentes são admissíveis por lei - vide ainda, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 2017, 6ª ed, pág. 139 - v.g “incidente de intervenção provocada principal ou acessória de terceiros” o” incidente de verificação do valor da causa”, “incidente de produção antecipada de prova”.
Contrapõem-se a estes «incidentes normais» os incidentes/procedimentos anormais referidos no mencionado nº 4 do art 7º, como «procedimentos anómalos» e no nº 8 dessa norma, como «procedimentos ou incidentes anómalos» - e nesta norma definidos como «ocorrências estranhas ao desenvolvimento da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas».
Ora, a apresentação da Réplica pela Autora, ainda que inclua matéria que extravasa, em parte, as funções próprias daquele articulado, não constitui um incidente processual, muito menos um incidente processual anómalo por não traduzir, uma anomalia, actividade ou ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide que deva ser tributada segundo os princípios que regem a condenação em custas - cfr. nº 8 do art. 7º, do RCP.
A atuação da parte não atinge gravidade que justifique a condenação custas.
Caso diferente seria se se vislumbrasse o uso manifestamente desnecessário do processo, por falta de prudência ou diligência, censurável do ponto de vista ético- jurídico.
O despacho recorrido, ainda que de modo sumário, fundamentou que a réplica na parte em que excedia a resposta às excepções, era manifestamente improcedente e que a parte não tinha agido com a prudência e diligência devida, ao afirmar:
Assim sendo, pode concluir-se que nos artigos 47.º e 49.º, a autora excede a função da réplica, pelo que tais artigos devem ser tidos por não escritos.
Porém, e independentemente da disposição legal aplicável, tendo em conta o teor do despacho, a aplicação da presente taxa de justiça não se mostra adequada nem se justifica sob qualquer ponto de vista.
É que a situação concreta não se caracteriza como incidente, logo não há lugar a tributação por incidente anómalo.
O incidente processual é a ocorrência extraordinária, acidental, estranha, surgida no desenvolvimento normal da relação jurídica processual, que origine um processado próprio, isto é, com um mínimo de autonomia, ou dito de outro modo, uma intercorrência processual secundária, configurada como episódica e eventual em relação ao processo próprio da ação principal. Nesta óptica, fazer constar da réplica matéria que extravasava as funções de tal articulado não consubstancia atividade estranha ao normal andamento do processo e, como tal, não pode ser tributada como incidente nos termos do nº 4 do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais.» - v. Acórdão do TR Évora, de 06/05/2020, no proc. 88/19.0T8VRS.E1.
DECISÃO
Termos em se julga improcedente o recurso no segmento em que a decisão determinou que deve ser dada por não escrita a parte da réplica que excedeu a resposta às exceções, ou seja, os artigos 47º e 49º, e no mais, isto é, na parte em que a Recorrente foi condenada em taxa de justiça, se julga o mesmo procedente, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente com redução a metade.
Notifique e DN.

Porto, 25/11/2022
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro