Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00119/06.4BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/03/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL; SANEAMENTO; ÁGUAS RESIDUAIS;
Sumário:1- Os cidadãos podem ser obrigados a sofrer restrições e compressão dos seus direitos, na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do bem comum, sendo que as restrições a impor deverão ser limitadas ao mínimo indispensável, de modo a conciliar as exigências do interesse público com as garantias dos particulares constitucionalmente consagradas.

2 - Sendo tecnicamente viável a criação de obstáculos físicos, designadamente à infiltração de solos com poluentes químicos, físicos e biológicos que corriam em ribeira, não é aceitável que um qualquer município, por inação, permita que tal situação perdure para além do razoável, causando prejuízos aos munícipes situados na zona adjacente à ribeira.
Não está em causa a necessidade de serem expelidas as águas residuais domésticas e pluviais de algumas zonas habitacionais, mas sim o facto de tal ter ocorrido a céu aberto e sem qualquer tratamento, não garantindo aos proprietários das zonas adjacentes a necessária tranquilidade e qualidade de vida.
Não obstante a prevalência do direito dos aqui Recorrentes em manter os seus terrenos eximidos de qualquer fonte de poluição, para a qual não concorreram, o mesmo não obsta, antes impunha que fosse atempadamente implementado um sistema de retensão e tratamento da poluição. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A. e Outra
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A. e Outra, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa comum que intentaram contra o Município de (...), tendente a, em síntese e designadamente, a obterem a condenação do Réu a:
(i) a abster-se de conduzir águas residuais para o prédio dos AA. ou a proceder às obras necessárias a que o saneamento existente no prédio dos AA. se faça em condições de higiene e segurança,
(ii) ao pagamento a titulo de sanção pecuniária compulsória da quantia de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação referida em (i),
(iii) ao pagamento aos AA. da quantia de €131.200 a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (...),
Inconformados com a Sentença proferida em 30 de outubro de 2019 no TAF de Mirandela, que decidiu julgar “a presente ação totalmente improcedente, absolvendo-se o R. do pedido”, vieram recorrer da mesma para esta instância.

Formulam os aqui Recorrentes/A. e M nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentado em 16 de dezembro de 2019, as seguintes conclusões:
1ª) A douta sentença padece dos males/vícios referidos em sede de motivação, para a qual se remete. Com efeito
2ª) In casu, estamos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual; sendo requisitos do dever de indemnizar com fundamento neste tipo de responsabilidade, nos termos do artigo 483º, nº1, do Código Civil, a existência de um facto voluntário, ilícito, culposo, (dolo ou mera culpa), prejuízo e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
2ª) Como exceções à regra do primado da culpa, existem os casos de responsabilidade objetiva ou pelo risco e as presunções legais de culpa, por força das quais, nos termos do disposto no artigo 350.º C.C., a parte escusa de provar o facto que a ela conduz, competindo-lhe apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção. Posto isto,
3ª) Dispõe o artigo 493º, nº 2 do C. Civil que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.” Estamos perante um conceito indeterminado, a apreciar caso a caso, em função das especificidades concretamente provadas.
Ora,
4ª) Como resulta da própria sentença recorrida, «provou-se que,
- As águas da Ribeira de (...) infiltram-se nos solos do prédio dos AA.;
- A composição das águas residuais é variável, podendo conter poluentes químicos, físicos e biológicos;
- As águas que correm na Ribeira de (...) ocasionalmente apresentam maus cheiros na zona do prédio dos AA.
- Em períodos de maior pluviosidade, principalmente no Inverno, o caudal da Ribeira de (...) aumenta;
- Desde 2004, algumas árvores, incluindo oliveiras, laranjeiras e outras árvores de fruto, que os AA. plantavam secaram e que os AA. procederam replantações.
- Desde 2004, os animais que os AA. criavam no terreno referido em 1. morreram.
- Por volta do ano de 2015 uma parte dos muros que ladeiam o curso de água na zona do prédio dos AA. caíram em virtude de uma enxurrada;
- Entre o dia 22 e 23 de Setembro de 2019 foi realizada uma descarga de resíduos na Ribeira de (...) que provocou mau cheiros e tornou a água escura e espumosa.».
5ª) A realização das descargas de águas residuais, consideráveis, durante um longo período de tempo, numa rede de águas pluviais pública numa povoação tem de considerar-se uma atividade perigosa, atenta a própria natureza da atividade, dada a composição das mesmas águas residuais (podendo conter poluentes químicos, físico e biológicos- cfr. ponto 18 dos factos dados por provados) por ter ínsita ou envolver uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral.
6ª) In casu, cabia à ré/recorrida alegar e provar ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias, para evitar os eventuais perigos resultantes da sua concreta atividade.
Melhor dizendo, competia à ré/recorrida provar que adotou todas as medidas necessárias para que os Autores/recorrentes não sofressem os danos alegados em sede de petição inicial autora. Ora, essa essa prova não foi feita.
Porém,
7ª) Entendeu a douta sentença recorrida que,
“Não se provou a factualidade constante dos pontos 6 a 13 dos Factos não provados. A este respeito, reitera-se que as testemunhas do A. foram genéricas, afirmando que as águas da ribeira apresentavam coloração negra, espumosa, e maus cheiros, imputando a causa aos “esgotos” que aí afluíam, mas sem lograrem esclarecer o Tribunal das razões pelas quais formularam tais conclusões, designadamente indicando que viram as condutas do saneamento a despejar esses detritos, que no percurso da ribeira não existiam desvios de redes de águas ilegais ou despejos não permitidos de casas, industrias e serviços, que pudessem ser a causa de tais variações á agua da ribeira”. Porém,
Atento o supra exposto, tal ónus de prova (em sentido contrário), nomeadamente da inexistência de outras fontes de despejo dos detritos, ou de que no percurso da ribeira existem desvios de redes de águas ilegais ou despejos não permitidos de casas, industrias e serviços, que pudessem ser a causa de tais variações à água da ribeira, incumbiam á R., que não aos AA.
8ª) O artigo 563º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa devida a Enneccerus - Lehmann. Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação.
O dano considerar-se-á efeito do facto lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos (in Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre..., pág. 392 e 393, Antunes Varela, Das obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pág. 617).
Na formulação negativa (mais ampla) o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
9ª) In casu, mesmo apelando às tradicionais teorias de causalidade, o que se observa é que não foram alegados pela R./recorrida quaisquer factos suscetíveis de quebrar o nexo de causalidade entre o facto danoso – descarga de resíduos para a ribeira pública que atravessa o prédio rústico dos A.A.- e todas as lesões sofridas pelos autores, designadamente a morte de animais e perda de plantas.
10ª) Temos, pois, um facto naturalístico, condicionante de um dano sofrido pelos autores/recorrentes, facto esse que é, em geral e abstrato, adequado e apropriado a provocar aquele dano. Já na formulação negativa, incumbia á R. alegar e provar que para a produção desse dano contribuíram decisivamente circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Acresce que,
11ª) A presente ação destina-se, entre outros, ao restabelecimento de direitos violados (art. 37º nº2 al. d) e alínea j) do nº2 do art. 2º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Ora,
Conforme foi entendimento do Acórdão do STJ, de 08/06/2000: CJ/STJ, 2000, 2º- 262) « I- A ação de condenação pressupõe a violação de um direito…II nas ações de condenação é ao réu que incumbe alegar e provar a não violação do direito invocado por incumprimento da obrigação a que se encontra vinculado.».
Por todo o exposto,
12ª) Incumbia à R. alegar e provar (prova que no modesto entender do aqui recorrente, a R. não fez) que cumpriu com a sua obrigação legal de tratar os resíduos e de impedir que os mesmos detritos/resíduos fossem deitados/encaminhados para a Ribeira Pública do (...).
Ainda que assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica se concebe, sempre se dirá que
13ª) O Tribunal a quo deveria ter entendido que a natural dificuldade da prova de factos negativos torna aconselhável menor exigências quanto á prova dos mesmos factos (neste preciso sentido, veja-se Pereira Coelho, RLJ, 117º-95).
Sempre sem prescindir do alegado;
14ª) Os peritos não conseguiram responder á maior dos quesitos que lhes foram colocados, não só por que não realizaram quaisquer medições ou recolha e análise de materiais no local, bem como, atento o longo período de tempo decorrido (uma década) após a entrada em juízo da presente ação.
15ª) Da prova testemunhal, seja dos AA., seja da R., produzida em audiência de julgamento, resulta demonstrado e reconhecido pelo Tribunal a quo que, até 2009, as águas residuais era encaminhadas para a Ribeira do (...), bem como que, mesmo após essa data, continuaram a existir descargas da estação elevatória para a aludida Ribeira do (...), nomeadamente em virtude de avarias na referida estação elevatória.
Mais declararam as testemunhas do A.A. que no decurso das descargas residuais para a ribeira, as plantas (hortaliças, árvores de fruto, amendoeiras, oliveiras, etc) e os animais (ovelhas e coelhos) dos AA. (na ordem de várias dezenas) começaram a morrer, dado o envenenamento do solo. Com efeito,
16ª) O próprio Município de (...) comunicou ao A. A., por oficio datado de 16/04/2019, relativamente ao assunto “elevatória do (...)” que «o problema se encontra resolvido» (cfr. doc.1 junto com o articulado superveniente dos AA. e que aqui se dá aqui por reproduzido). Ou seja, se o problema está alegadamente resolvido, é porque existiu um problema!! Mais,
17ª) Resulta do depoimento das testemunhas, seja dos A.A. seja, da R. (nomeadamente de J., o qual foi Presidente e Vice- Presidente da Câmara Municipal de (...)) que após essa data, continuaram a existir descargas da estação elevatória para a aludida Ribeira do (...), nomeadamente em virtude de avarias na referida estação elevatória.
18ª)Mais declararam as testemunhas do A.A. que no decurso das descargas residuais para a ribeira, as plantas (hortaliças, árvores de fruto, amendoeiras, oliveiras, etc) e os animais (ovelhas e coelhos) dos AA. (na ordem de várias dezenas) começaram a morrer, dado o envenenamento do solo. E a razão de ciência é essa, presenciaram diretamente tais factos!! Não é preciso ser técnico para verificar quando a água está contaminada, seja pelo aspeto sujo, negro e espumoso, quer pelo seu cheiro, quer pelos efeitos que decorrem no solo- solo negro, com mau cheiro e com animais e comer as ervas aí existente e a morrerem ás dezenas, tais como a vegetação, produção agrícola e árvores- ma ordem das largas dezenas!!
19ª) A testemunha dos AA., J., agricultor, prestado na audiência de julgamento de 21/10/2019, gravado em suporte digital de 00.42.20 a 01.11.35, declarou aos costumes que trabalha na agricultura há mais de 15 anos, conhece o A. A. por fazer trabalhos na agricultura para ele (cfr. ata de audiência de julgamento de 21/10/2019, que aqui se dá por reproduzida). Mais declarou nos autos que trabalha para os autores há cerca de 15 anos, nomeadamente no prédio rústico denominado “Patas”, que nesse terreno viu lá oliveiras, Amendoal, pomar, hortaliças, batatas, couves e horta. Nesse terreno passa um ribeiro, que o atravessa vindo do (...) e que as descargas residuais vindas do bairro do (...) vêm por esse ribeiro, ficando a água com muita espuma, negra e com mau cheiro.
Mais declarou esta testemunha, de forma perentória, que se for no verão, o A. não pode ter as janelas abertas, devido ao mau cheiro, aos mosquitos e moscas. Mais declarou que quando decorrem essas descargas não se pode plantar nada no terreno dos AA. (48:37) “… porque a terra está muito contaminada… (48:40)… (49:01) “por causa das águas” (49:04). Também os coelhos e ovelhas dos AA. foram morrendo aos poucos e ás dezenas (3 ou 4) por causa da erva contaminada que comiam (cfr. depoimento de minutos 49.11 a 50.13, que se transcreve infra), e as árvores (olival, amêndoa e pomar) iam secando pelo mesmo motivo (contaminação do solo), tendo as laranjeiras e macieiras morrido todas (cerca de 50), bem como a maior parte das 70 oliveiras. Para além disso, quando o caudal do ribeiro aumentava, os muros que ladeavam o ribeiro chegavam a cair, sendo a pedra dos mesmos reposta a mando do A.
De acordo com o conhecimento direto desta testemunha, as descargas de resíduos ocorriam com maior frequência na época de Verão e as águas ficavam ainda pior do que como constam das fotografias juntas no inicio da audiência de julgamento de 21/10/2019 pelo mandatário dos A.A..
Essas descargas reduziram a partir de 2009, mas continuaram a ocorrer, tendo a última ocorrido no dia 23 de Setembro de 2019. Vejamos então o depoimento prestado por esta testemunha, a quem, note-se, o tribunal atribuiu credibilidade:
“Testemunha: (43:37) Trabalho para eles (43:38)
Juiz: (43:44) Há quanto tempo? (43:45)
T.: Para aí 15 anos. (43:47)
Ad. A.: (43:55) Conhece um terreno, um prédio rústico sito em Patas? (44:58) Lá em (...)? (45:00)
T.: Conheço. (45:00)

Ad. A.: (45:22) Este terreno, que tipo de plantações é que o Senhor já lá viu? (45:28)
T.: Oliveira, amendoal, pomar, (45:37)
Ad. A.: E o tipo de hortaliça?
T.: Hortaliça, batata, couves e horta. (45:47)
Ad. A.: (45:53) Há lá algum ribeiro a passar? Algum curso de água.
T.: (45:55) Há, há (45:56) Atravessa o prédio todo (45:59)
Ad. A.: Como é que se chama esse ribeiro? (46:03)
T.: Vale das (…) (46:05) Vale das (…) (46:07) Nome do ribeiro, nasce no (...). (46:16)
Ad. A.:(46:31) Vem do (...), onde o Senhor vive.
T.: (46:32) Sim (46:32)
Ad. A.: Já agora, o Senhor sabe por onde é que vão as águas residuais do seu bairro? (46:38)
T.: Vão por esse ribeiro (46:40)
Ad. A.: (46:53) E como é esse caudal? O caudal é sempre igual? (46:57)
T.: Ás vezes mais, outras vezes é menor. (46:59) Descargas às vezes da chuva. (47:06)
Ad. A.: (47:15) O Senhor fala de descargas residuais. Essas descargas são constantes ou, vamos lá a ver, ou são pontuais? (47:20)
T.: Mesmo quando são pontuais, são constantes (47:22). De vez em quando e aí há vezes que é mais que outras (47:27). De vez em quando (47:34)
Ad. A.:(47:48) Quando há descargas, o que é que acontece? (47:53)
T.: Água com muita espuma, negra e mal cheirosa. (47:56)
Ad. A.: (48:06) E se acontecer no verão, já agora, sabe se o Senhor A. tem para lá alguma casa?
T.: tem, tem. (48:13)
Ad. A.: Se for no verão, o Senhor A. pode ter as janelas abertas?
T.: Não pode (48:17), com o cheiro não pode. (48:18), mosquitos e moscas. (48:20)
Ad. A.: (48:29) Quando há essas descargas, aquilo que o Senhor viu como é que ficam as hortaliças, as batatas? (48:37)
T.: Não se pode plantar nada, porque a terra está muito contaminada. (48:40)
Ad. A.: Mas atualmente ainda há (imp.)
T.: (48:56) Recentemente é que não. (48:57)
Ad. A.: Por causa disso ou por causa de outros motivos? (49:01)
T.: Por causa das águas, sim (49:04)
Ad. A.: (49:11) Olhe, e animais, tinha lá animais, o Senhor A.?
(49:13) T.: Animais, tinha, coelhos, ovelhas (49:15)
Ad. A.: Ainda tem? (49:18)
T.: Já não. (49:20), porque morreram. (49:21) iam morrendo (49:23) de vez em quando (49:24)
Ad. A.: Mas iam morrendo porquê? Por causa do calor? (49:30)
T.: Não. Por causa das comidas. (49:33)
Ad. A.: O que é que eles comiam?
T.: A erva (49:39)
Ad. A.: A erva lá do local? Ou
T.: Sim, do local (49:44)
Ad. A.: Neste momento, então, não tem lá nada. (49:52)
T.: Neste momento não. (49:53)
Ad. A.: (49:54) Quantos animais…
T.: (50:06) Dezenas (50:07)…3 ou 4 (50:13)
Mandatário dos A.A.: (50:43) Quando aumentavam esses caudais, os muros não ficaram bem, que é que?
Testemunha: (50:49) Muitas vezes vinham derrubados.
Mandatário dos A.A.: Com a mesma pedra? Depois tinha que se levantar (50:51)
Testemunha: Sim (50:56)
Mandatário dos A.A.: (51:08) Quem é que fazia isso? (51:10)
Testemunha: Fazia eu e mais outras pessoas (51:12)
Mandatário dos A.A.: Mas a mando de quem?
Testemunha: Do Senhor A. (51:15)

Mandatário dos A.A.: (52:08) O Senhor falou de oliveiras, amendoal e pomar, chegou a acontecer algumas coisas a estas árvores? (52:13)
Testemunha: Muitas morreram (52:15)
Mandatário dos A.A.: Muitas. Outras ficaram (52:16) no local?
Testemunha: Sim, sim (52:19)
Mandatário dos A.A.: Depois de ter morrido as árvores secaram? (52:23)
Testemunha: secaram (52:24)
Mandatário dos A.A.: O que é que o Senhor A. fazia às árvores? (52:26)
Testemunha: Tinha que as abater, cortar (52:30)
Mandatário dos A.A.: Cortar e também retirava do local?
Testemunha: Sim. (52:33)
Mandatário dos A.A.: E depois o que é que colocava no local? (52:35)
Testemunha: Chegávamos a plantar novamente e morriam. (52:39)

Mandatário dos A.A.: (53:00) E agora, como é que está a situação? (52:03)
Testemunha: Agora está mais ou menos, mas ainda no outro dia houve outra descarga. (53:08) salvo erro, dia 23 de setembro (53:15)
Mandatário dos A.A.: o Senhor viu?
Testemunha: Vi. (53:15)
(confrontado com as fotografias juntas em audiência)
Mandatário dos A.A.: (54:12) Nas outras situações em que houve descargas, ao longo desses 15 anos, a água também ficava assim?
Testemunha: Era pior. (54:17)
Mandatário dos A.A.: Ainda era pior? Era mais escura ainda? (54:20)
Testemunha.: Era mais escura e mais cheiro (54:22)
Mandatário dos A.A.: Havia alforragem para gado?
Testemunha: Ás vezes tínhamos. (54:35)
Mandatário dos A.A.: Ainda tem?
Testemunha: Agora já não. (54:37)
Mandatário dos A.A.: e não tem porquê?
Testemunha: (imperceptível)
Mandatário dos A.A.: (54:54) E o Senhor falou-nos de pomar e laranjeiras. E outras árvores de fruto?
Testemunha: Também. (54:58) Macieiras.(55:00)
Mandatário dos A.A.: Quantas é que tinha, mais ou menos? (55:02)
Testemunha: Para aí umas 50. (55:07)
Mandatário dos A.A: 50. E as outras? (55:09)
Testemunha: As outras são mais. (55:12). A maior parte morreu. (55:22)
Mandatário dos A.A.: Quantas é que terão morrido? (55:24)
Testemunha: Umas 70, salvo erro. (55:30) Macieiras também morreram muitas. (55:35)
Mandatário A.: As laranjeiras morreram todas? (55:36)
Testemunha: Sim. (55:38)
Ad. A.: Estamos aqui a falar de 70 oliveiras. Será correto?
Testemunha: Mais uma, menos uma. (55:49)…(1:01:00) Na minha opinião foi por causa das águas (1:01:03)
Mandatário dos A.A.: (1:01:43) Na sua opinião foi por causa dos solos…Quando não há descargas como é que estava o solo, e, depois das descargas, como é que fica o solo? (1:01:52)
Testemunha: Quando há descargas?
Mandatário dos A.A.: Sim, como é fica o solo? (1:01:57)
Testemunha: Fica negro. (1:01:58)
Mandatário dos AA.: Não é molhado. Fica negro, não fica? (1:02:01)
Fica com cheiro? (1:02:08)
Testemunha: Com cheiro (1:02:09)
(1:02:12) Mandatário dos A.A.: As plantas e os animais, antes da descarga (imp.)? (1:02:28) Como é que ficaram (1:02:30) depois dessas descargas? (1:02:32) Quando é que eles morrem? (1:02:34) Quando é que o Senhor via os animais morrer? (1:02:35)
Testemunha: Iam morrendo (1:02:39)….(1:06:35) Não foi logo tudo de uma vez. (1:06:39)… (nota nossa: a falar da altura em que reduziram as descargas)
(1:08:42) Testemunha: Porque o meu trabalho foi há 15 anos, e por 12, 13 anos atrás (1:08:45)…
(1:09:38) Testemunha: Maus cheiros. (1:09:39)…
(1:10:00) No verão cheira mais. (1:10:01)
(1:10:12) Juiz: Mas acontece mais regularmente no Inverno ou no Verão? (1:10:15)
Testemunha: É mais no verão. (1:10:19)…”.
20ª) A testemunha A., inquirido em audiência de julgamento de 21/10/2019 (depoimento gravado através de gravação áudio digital de 01.12.49 a 01.27.46) declarou que conhece o A. A. há muitos anos e que o mesmo A. tinha gado (ovelhas) na Quinta da (...), em (...). Essa Quinta é atravessada por água e esgotos. O A. semeava nessa Quinta batatas, nabiças, couves, feijões e tinha árvore, nomeadamente amendoeiras, oliveiras, pessegueiros, macieiras, laranjeiras ( cfr. depoimento de 1:15:53 a 1.16.19 “-(1:15:53). Semeava batatas, nabiças, couves (1:15:56), feijões e árvores (1:16:00)
Mandatário dos A.A.: Que tipo de árvores? (1:16:10)
Testemunha: Amendoeiras, oliveiras, pessegueiros, macieiras, laranjeiras (1:16:19)…”), que já não tem por causa “(1:16:32)… das mortes (1:16:33), por causa dos esgotos (1:16:34)”.
Uma vez que “(1:18:22) Quando a água dos esgotos entra nos prédios fica imprópria (nota: a terra) (1:18:22) para trabalhar (1:18:25)”, ficando a água com mau aspecto e com mau cheiro- acrescentou a testemunha, de forma peremptória, que o aspecto da água “(1:20:40) é escuro, e tem espuma. (1:20:44). São os esgotos da vila! (1:20:49)”.
Também, de acordo com esta testemunha, os animais (ovelha e coelhos) foram morrendo aos poucos (cfr. depoimento de 1.19.28 a 1.20.15, que aqui se dá por reproduzido) sendo que, entender da testemunha e de acordo com o que presenciou,
“(1.22.55) as ovelhas morrem, morreram porque, quando entram as enxurradas as ervas secam, o gado come aquela erva e está envenenado! (1:23:04) lixívias e óleo (1:23:07)”.

No verão, a testemunha também presenciou o facto de o A. não conseguir abrir as janelas de casa por causa dos mosquitos:
“(1.23.07) Mandatário dos A.A.: Se se queixava que não conseguia abrir as janelas?
Testemunha: (1:24:01) Cheguei a estar lá e, que é que tem? Mosquitos.(1:24:03)…
Mandatário dos A.A.: (1:24:16) Os Mosquitos eram visíveis? (1:24:20)
Testemunha: Sim. (1:24:20)”.
Por fim, referiu esta testemunha que viu as pedras dos muros do ribeiro caídas e que as mesmas eram repostas a mando do A. A.:
“Mandatário dos A.A.: (1:24:31) O Senhor já nos disse que as paredes caíram. Sabe se o Senhor A. as recolocou? (1:24:38)
Testemunha: Sei, assisti várias vezes a andar lá a máquina a levá-las. (1:24:42)
Mandatário dos A.A.: Máquina a mando de quem? (1:24:48)
Testemunha: Do A.. (1:24:50)”.
21ª) A testemunha dos A.A., A., operador de máquinas (serviço de aluguer de máquinas retroescavadoras) no seu depoimento prestado na audiência de julgamento de dia 21/10/2019, gravado em sistema digital/informático do tribunal de 01.29.00 a 01.49.11), declarou aos costumes que conhece o A. A. há vinte e tal anos por fazer alguns serviços com máquinas para o Autor.
Assim declarou que conhece o Senhor A. por lhe fazer serviços de aluguer de máquinas retroescavadoras há vinte e tal anos, serviços esse que consistem segundo a mesma testemunha, no seguinte; “T.: Ás vezes tem árvores secas, vou lá, arranco umas e abro poças para outras (1:31:32). Oliveiras, por exemplo, e árvores de fruto (1:31:40), tem muita árvore de fruto e tem muita oliveira nesses terrenos (1:31:45). Tem onde é que passa (imp.) e de vez em quando, quando aquilo enche, bota-lhe os muros abaixo (1:31:56) e vou lá com a máquina e tiro essas pedras para fora para depois ele arranjar alguém para mandar construir (1:32:03), com as mesmas pedras. (1:32:06). As pedras são sempre as mesmas, 19 aquilo caem, a água é muita, caem e coiso. (1:32:13). E outras vezes vou lá fazer outro tipo de serviços, às vezes as poças estão inundadas e ele pede para ir lá arranjar, outras vezes caminhos (1:32:25)
A testemunha relatou ainda que tal tem acontecido nos últimos tempos, sendo a ultima vez no dia 23 de Setembro de 2019, sendo que a água da ribeira se apresenta escura, muita espuma, e com mau cheiros (a esgotos), sendo que no Verão nem sequer se pode aproximar do ribeiro por causa dos “bichos” (mosquitos):
“(1:32:25) Ad. A.: Isso tem acontecido nos últimos tempos? (1:32:30)
T.: Tem, ainda não há muita, 3 ou 4 anos que veio a enxurrada, o ribeiro encheu de mais e botou para lá os muros abaixo (1:32:39) e aquilo saiu fora do ribeiro e inundou aquilo tudo por ali abaixo, inundou as poças todas; são poças que ele nem pode aí semear nabiças ou…(1:32:52) Ad.
A.: Ma, e de há quantos anos para cá tem acontecido? (1:32:55) Este ano? (1:32:56)
T.: Este ano fui lá dia 23 de setembro e, compôs um caminho que estava, e estava a correr bastante (1:33:07) e com bastante cheiro, cheiro de esgotos, pronto (1:33:11), aquilo é esgoto. (1:33:12). Por acaso esse foi o dia em que estava muito…(1:33:17)
Ad. A.: Estava com cheiro, e como é que estava o aspeto da água?
T.: Estava escura. (1:33:22), estava escura e fazia espuma (2:33:23)
Ad. A.: Cheirava mal?
T.: Cheirava. (1:33:31) cheirava mal (1:33:32)
Ad. A.: Olhe, e cheirava mal, cheirava a quê? (1:33:42) A água, diga-nos, quando está em casa pode não gostar do cheiro da máquina de lavar, ou cheirava-lhe a esgoto? (1:33:54)
T.: Cheirava mesmo a coisa de esgotos. (1:33:58)
Ad. A.: (1:35:19) Foi lá dia 23. E (imp.) (1:35:21)
Testemunha: Também. (1:35:22). Sim, há constantemente. Há constantemente porque eu além de lhe fazer trabalhos, moro perto de, da propriedade do Senhor A., e às vezes sinto a água a correr. Hoje, por exemplo, a água estava a correr bastante. (1:35:55)
Mandatário dos A.A.: Olhe, quando é no verão, para além do mau cheiro, há mais alguma coisa? (1:35:58)
Testemunha: Há bichos. Na altura, no verão há alturas que não se pode aproximar do ribeiro porque há muitos mosquitos (1:36:06)

Testemunha: (1:36:00) Quando há descargas o ribeiro cresce, quando não há descargas, o ribeiro diminui. (1:36:38)
Testemunha:…(referindo-se à estação elevatória) (1:36:45)aquilo está mais tempo avariado do que está a funcionar. (1:36:51)
…(1:38:35) e depois estão meio ano para reparar, e enquanto não vão, vão as descargas por ali abaixo. (1:38:38)
(1:40:21) Ás vezes quando estão muito tempo sem a elevatória…o conteúdo que há lá dentro, e quando há uma descarga, aquilo cresce mais, vai mais, enche mais quantidade de água (1:40:34)
(1:40:55) Se essa elevatória, as águas não forem retiradas, tem tendência a crescer porque o…(1:41:00)
(1:41:21) As águas vão minando as paredes, e depois vão caindo lentamente. (1:42:21)
Ad. A.: (1:45:00) Já viu o caudal da ribeira subir se houver chuva? (1:45:01)
Testemunha: Sem haver chuva, talvez não, aquilo sobe mais quando chove, tem tendência a (1:45:10)
Mandatário dos A.A.: Não estou a dizer que transborde (1:45:12). Isso transbordar é mais quando é chuva, mas já viu o caudal subir, sem transbordar, mesmo não havendo chuva? (1:45:20)
Testemunha: Sim, sim. (1:45:22), já. (1:45:23). Vejo e já há dias andei lá a trabalhar, e um dia estava baixo, outro dia já estava mais alto. (1:45:34)
Mandatário dos A.A.: E tinha chovido? (1:45:35)
Testemunha: Não. (1:45:36)”
22ª) Vejamos, por fim, o depoimento da testemunha J., aposentado, que foi Presidente da Câmara Municipal de (...) entre 1995 e 1997, e posteriormente Vice- Presidente da mesma, prestado na audiência de julgamento de 21/10/2019, e gravado no sistema digital/informático, de 01.50.07 a 02.15.41, o qual reconheceu que a estação elevatória do (...) apresenta problemas de manutenção e avarias que levam a descargas de esgotos para a ribeira do (...), que, por sua vez atravessa o terreno dos AA. Quinta das (...), mais alegando desconhecer se tais descargas provocaram prejuízos aos A.A.:
“Testemunha: (2:01:21) Não é uma ETAR, é uma estação elevatória. (2:01:26), construíram primeiro a ETAR e depois a estação elevatória (2:01:31) a estação elevatória é posterior. (2:01:31)…(2:02:21) Problemas de manutenção. Quando há equipamentos eletrónicos, quando há, por exemplo, uma grande trovoada, descargas elétricas, problemas que é preciso acompanhar (2:02:36)
Mandatário dos A.A.: Esses problemas que é preciso acompanhar (2:02:40), determinam a descarga para a …? (2:02:48)
Testemunha: (2:03:04) Concretamente, teve algumas avarias várias vezes (2:03:10)
Mandatário dos A.A.: quantas foram? (2:03:10)
Testemunha:(imp.) (2:03:17) obrigava a alguma manutenção. (2:03:18)

Mandatário dos A.A.: O Senhor A. nunca fez queixa nenhuma? (2:03:44)
Testemunha: O Senhor A., pessoalmente, nunca falou comigo (2:03:44),… por escrito talvez o tenha feito e na altura, isso ao Presidente da Câmara (2:03:55), talvez (2:03:57).
Agora (2:04:06) tive conhecimento quando o processo chegou à Câmara (2:04:11) uma conversa.
(2:06:57) A rede e a estação elevatória, há 12 anos. (2:06:58)
(2:07:04) Antes disso não havia esta estação, os esgotos vinham pelas águas pluviais (2:07:17)…misturavam-se, e depois ia dar ao rio Sabor. (2:08:06)
Era uma ribeira natural (2:08:09)

(2:09:26) A estação elevatória reunia os afluentes do Bairro da Estação…havia essa diluição das águas (2:09:52)

(2:10:32) A estação elevatória terá 12 anos. (2:10:34)
(2:11:18) Essa quinta fica a jusante dessa zona da estação. (2:11:19)
(2:14:16) Avarias, nós fazíamos inspeções periódicas, quando havia uma tempestade ou descargas elétricas na atmosfera, aquilo tem equipamentos sensíveis (2:14:34), (2:14:45) conhecimento de uma ou outra avaria, tive conhecimento (2:14:50)”.
Posto isto,
23ª) Os danos alegados e peticionados pelos AA./recorrentes e confirmados pelas testemunhas do A.A./recorrentes resultam das descargas de efluentes para a ribeira do (...) (cfr. depoimento das testemunhas dos AA., J., A. e A., para cujo depoimento supra se remete) Tais descargas são causa adequada dos alegados danos, por serem, de acordo com um juízo de prognose, e de acordo com as regras do conhecimento médio e da experiência comum e circunstâncias do caso, aptos a produzi-lo.
24ª) In casu, na perspetiva dos recorrentes, a motivação e a convicção formada pelo tribunal contraria as regras da experiência e da lógica, sendo censurável os factos nºs 2 a 18 considerados como não provados, e que deveriam ter sido considerados provados.
25ª) Impunha-se da análise conjugada dos meios de prova nos autos (prova testemunhal e documental), nos termos já supra explanados, que o tribunal tivesse dado por provada tal matéria (nomeadamente os pontos 2 a 18 dos factos dados por não provados, aceitando-se, no entanto, atenta a prova testemunhal produzida e supra transcrita, que o ponto 17 possa ter a seguinte redação como facto dado por provado:
“Os maus cheiros obrigam os AA. a manter as janelas fechadas, principalmente no Verão, e provocam nestes grandes incómodos”).
26ª) Ao contrário do que aconteceu in casu, o juiz não pode deixar-se fascinar por uma tese ou uma versão, deve evitar convicções apriorísticas que levam a visões lacunares e unilaterais dos acontecimentos, deve fazer a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correto e normal, isto é, tem de avaliar as provas, não arbitrariamente ou caprichosamente, mas em harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
27ª) -Estando provado, no modesto entender dos AA./recorrentes e salvo melhor opinião, o facto constitutivo do dano, a existência dos danos e ainda o nexo de causalidade entre o facto e o dano, falta determinar o montante desse dano. Ora,
28ª) Igualmente no modesto entender dos recorrentes, resultou provada a morte de pelo menos 4 dezenas de ovelhas pertença dos mesmos, bem como a morte de cerca de 4 dezenas de coelhos, bem como a perda de 70 oliveiras, 50 laranjeiras e várias outras dezenas de árvores de fruto, e ainda variados produtos hortícolas, bem como resultaram provados os valores alegado pelos A.A. no nº16º da petição inicial (nomeadamente o valor de 50,00€ por cada laranjeira, bem como o valor de 60,00€ por cada oliveira (valor este não impugnado pela R. em momento algum);
29ª) Quanto ao prejuízo decorrente da morte dos animais, o mesmo foi alegado no nº19º da p.i., igualmente não impugnado pelo R, e no nº20 da p.i. os AA alegaram um prejuízo não patrimonial decorrente dos maus cheiros, que, “principalmente no verão, obrigam a manter as janelas da casa dos Autores, sita no prédio em questão, sempre fechadas…”:
30º) Quanto a estes e ainda aos demais prejuízos patrimoniais alegados, sejam decorrentes de destruição permanente de 1 hectare de forragem de regadio para gado, no valor alegado de 36.000,00€, seja decorrente da impossibilidade de plantio de batata, feijão, tomate, couves, cenoura, alface e outros (por não poderem ser consumidos), no montante alegado de 38.500€ (cfr. ns.º17º e 18º da P.I.), pode sempre o Tribunal decidir de acordo com a equidade, no termos do disposto nos arts. 4º, 400º nº2, e 566º nº3, todos do Código Civil.
31ª) Por todo o exposto, a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto no art. 342º, nº2 do C.C. (regime imperativo sobre ónus de prova, não respeitado pelo tribunal a quo), o disposto no art. 400º do C.C. (determinação da prestação), o disposto nos arts. 342º, 487º e 493º nº2 do C. C. (uma vez que deveria ter aplicado e interpretado os mesmos no sentido de que as descargas de resíduos para a Ribeira do (...) configuram uma atividade perigosa por sua própria natureza e que, como tal, incumbia à mesma R. o ónus de prova de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos causados aos AA. e que os danos sofridos pelos AA. não foram provocados por essa atividade), arts. 1344º nº1, 1305º, e 1346º (uma vez que o tribunal a quo deveria ter entendido que os AA., enquanto proprietários do prédio rústico identificado nos autos, têm o direito a opor-se à emissão de descargas de resíduos para a ribeira do (...), aos cheiros daí decorrentes e outros factos semelhantes, por tal importar um prejuízo substancial do seu imóvel e não decorrer da utilização normal da ribeira), e o disposto no art. 607º nº4 e 5 do CPC (pelas razões expostas nas conclusões, e porquanto não avaliou ou apreciou das provas com uma visão prudente face à normalidade dos fenómenos; os quis deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido já supra exposto.
32ª) Por todo o exposto, a douta sentença recorrida, para além dos principio supra referenciados, violou igualmente, por erro de interpretação, o disposto art. 37º nº2 al. d) e alínea j) do nº2 do art. 2º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o disposto no art. 4º do Decreto-Lei n.º 207/94, o disposto nos arts. 118º, 187º, 189º do Decreto-Regulamentar n.º 23/95 (Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais) e, atualmente, pelo Decreto-Lei n.º 194/2009; o art. 13.º, n.º 1 al. l) e 26.º. n.º 1 da Lei 159/99 e atualmente pelo art. 23.º, n.º 2 al. k) da Lei 75/2013) (na medida em que existiu violação das normas aí prescritas, bem como porque deveriam ter sido aplicadas e interpretadas no sentido de que de tal violação resultaram danos patrimoniais para os AA.).
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente por provada, e declare procedentes os pedidos deduzidos pelos AA./recorrentes,
Com o que farão V.Exas, Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!!”

O recurso em veio a ser admitido por Despacho proferido no TAF de Mirandela em 8 de janeiro de 2020.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 19 de junho de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar os invocados desvios ao legalmente estabelecido por parte da Sentença Recorrida, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
“Factos provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
1. A favor dos AA. encontra-se inscrito um prédio misto na matriz predial da freguesia de (...), concelho de (...), sob os artigos rústico 315 e urbano 1699, e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.° 683/19930708. – cfr. Docs. 2 e ss. dos autos.
2. O aludido prédio, com a área total de 152.504,4 m2, composto por terra para centeio, batata e pastagem com oliveiras, amendoeiras, arvores de fruto e nogueiras, com a edificação correspondente a casa de rés do chão e 1.º andar com a área coberta de 482 m2 e logradouro para jardim de 517 m2, confronta a Norte com E. e outros; a nascente e poente com caminhos públicos e outros e sul estrada nacional, pela qual é atravessada. – doc. 2 e ss. dos autos.
3. Os Autores adquiriram o referido prédio por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de (...) em 21.5.1984, exarada de fls. 71 a fls, 72 do livro de escrituras diversas n.º A-354, e por escritura de permuta outorgada no Cart6rio Notarial de (...) em 28-12-1993, exarada de fls. 40 a fls, 43 do livro de escrituras diversas n.º 213-A. - cfr. doc. 3 e 4, junto com a P.I. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. O prédio referido em 1., na sua parte rústica, confronta a nascente, em toda a sua extensão por um curso de água, denominado Ribeira de (...),
5. Que ali corre a céu aberto e é ladeado por muros de contenção em pedra de xisto acamada à mão.
6. A Ribeira de (...) nasce na Serra de Reboredo, atravessa a freguesia de (...) pelo lado nascente e vai desaguar no Rio Sabor.
7. O curso da Ribeira de (...) mantém-se o mesmo desde há mais de cem anos, não tendo o seu leito, incluindo na parte que confronta o prédio referido em 1., sofrido alterações.
8. As águas que correm na Ribeira de (...) são encaminhadas de montante para jusante ao longo do seu percurso.
9. As águas pluviais e águas subterrâneas de terras próximas afluem à Ribeira de (...).
10. À Ribeira de (...), ao longo do seu curso, afluem outras linhas de água.
11. As águas da Ribeira de (...) infiltram-se nos solos dos terrenos circundantes, incluindo na zona do prédio referido em 1.
12. Até à entrada em funcionamento da ETAR – Estação de Tratamento de Águas Residuais de (...) (doravante ETAR), no ano de 2005, faziam-se afluir, diretamente, as águas residuais domésticas e pluviais de algumas zonas habitacionais da vila de (...) para os cursos de água, incluindo para a Ribeira de (...).
13. Sendo a drenagem de águas residuais domésticas e pluviais e o lançamento dos efluentes de algumas zonas da vila de (...) efetuados de forma direta, além do mais, para aquela Ribeira de (...).
14. Após a entrada em funcionamento da ETAR em 2005 e até por volta do ano de 2008/2009 continuaram a ser conduzidas e a afluir, diretamente, para a Ribeira de (...) as águas residuais domésticas e pluviais do Bairro da Estação.
15. Por volta do ano de 2008/2009 entrou em funcionamento a estação elevatória, construída a montante do prédio referido em 1.,
16. E que conduz todas as águas residuais domésticas e pluviais, incluindo dos Bairros da Estação e do Bairro de (...), à ETAR, onde são tratadas.
17. Desde essa data que as águas residuais e pluviais de (...) deixaram de ser conduzidas para a Ribeira de (...).
18. A composição das águas residuais é variável, podendo conter poluentes químicos, físicos e biológicos. – facto do conhecimento comum.
19. As águas que correm na Ribeira de (...), incluindo na zona do prédio referido em 1., ocasionalmente apresentam maus cheiros.
20. Em períodos de maior pluviosidade, principalmente no Inverno, o caudal da Ribeira de (...) aumenta.
21. No prédio referido em 1. os AA. plantavam e cultivavam oliveiras, laranjeiras, outras árvores de fruto e produtos hortícolas,
22. E, bem assim, cuidavam de ovelhas e coelhos bravos.
23. Desde 2004, algumas árvores, incluindo oliveiras, laranjeiras e outras árvores de fruto, secaram,
24. Tendo os AA. procedido a replantações.
25. Desde 2004, os animais que os AA. criavam no terreno referido em 1. morreram.
26. Por volta do ano de 2015 uma parte dos muros que ladeiam o curso de água, na zona em que este confronta o prédio referido em 1., caíram em virtude de uma enxurrada.
27. Entre o dia 22 e 23 de Setembro de 2019 foi realizada uma descarga de resíduos na Ribeira de (...) que provocou maus cheiros e tornou a água escura e espumosa.
Factos não provados
Da discussão da causa não se provaram os factos que não constam do ponto III.1., designadamente o seguinte:
1. Os Autores, por si e seus antecessores, cultivam e tratam do mencionado prédio, retirando dele os respetivos frutos, há mais de trinta anos, de forma ininterrupta a vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, e na intenção e convicção de que o mesmo lhes pertence.
2. O prédio referido em 1. é atravessado por uma rede de saneamento, constituída por dois ramais, um com 350 metros de extensão no subsolo e 42 metros de extensão a céu aberto e o segundo com o comprimento de 925 metros a céu aberto.
3. Em consequência do aumento populacional de (...) e das águas residuais produzidas, o caudal da Ribeira do (...) aumentou significativamente.
4. O aumento do caudal da Ribeira de (...) origina a queda constante dos muros que ladeiam o curso de água na zona em que este atravessa o prédio referido em 1.,
5. Tendo os AA. procedido à sua reconstrução suportando, anualmente e desde 1993, um custo de € 2400,00.
6. As águas residuais conduzidas e que afluíam e afluem à Ribeira de (...) continham resíduos de origem petrolífera.
7. As águas residuais conduzidas e que afluíam e afluem à Ribeira de (...) tornam/ram a água daquele curso tóxica,
8. E, por via da infiltração dessa água nos terrenos circundantes incluindo no prédio referido em 1., contaminam/ram os solos do prédio referido em 1.,
9. Causando a seca das árvores referidas em 21. Dos Factos Provados, concretamente 50 laranjeiras, 70 oliveiras e 20 árvores de fruto diverso;
10. A destruição, anualmente, de 1 ha de forragem de regadio para gado, com um peso total de 3000 kg;
11. Tornando impróprios para consumo os produtos hortícolas (feijão, batata, tomate, couves, cenoura, alface e outros) cultivados e, nessa medida, impossibilitando a sua plantação;
12. E, bem assim, causando a morte dos animais (ovelhas e coelhos bravos) por ingestão de ervas contaminadas pelas substancias toxicas.
13. Na replantação das árvores os AA. suportaram um custo total de € 7.200,00.
14. O kg de forragem de regadio para gado tem o valor de € 0,10.
15. A perda dos produtos hortícolas determinou aos AA. um custo de € 38.000,00.
16. Em consequência da morte dos animais os AA. suportaram um custo € 2.750,00.
17. Os maus cheiros obrigam os AA. a manter as janelas permanentemente fechadas e provocam nestes grandes incómodos.
18. A descarga referida em 27. dos Factos Provados foi causada pelo sistema de saneamento e drenagem de águas residuais do Município de (...), designadamente por uma avaria na estação elevatória referida em 16. dos Factos Provados. “

IV – Do Direito
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...)
Do facto ilícito
No que se reporta ao facto ilícito a sua verificação há-de derivar de um evento dominável pela vontade, uma ação ou omissão. As omissões apenas originam o dever de indemnizar quando se verifique o condicionalismo do art.º 486.º CC, segundo o qual «As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido».
No caso da responsabilidade civil por facto ilícito das entidades públicas, esta ação ou omissão será resultante do exercício de uma atividade regulada por normas de direito administrativo ou de uma ação ou omissão praticada no exercício de funções e por causa desse exercício (artigo 2.º, n.º 1 do DL 48051). Estabelecendo-se hoje nos artigos 1.º, n.º 2 e 7.º, n.º 1 do RRCEEEP que a ação ou omissão há-de ser adotada no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo ou de uma ação ou omissão praticada no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
Acrescente-se que, nos termos do artigo 6.º do DL 48051 ¯consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios e ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração‖ e, conforme dispõe o artigo 483.º do CC, o ato ilícito pressupõe a violação dos direitos de outrem ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Dispõe atualmente o art. 9.º, n.º 1 do RRCEEEP que se consideram ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Nestes termos, a ilicitude não se refere só ao desvalor objetivo da conduta do lesante – a ilicitude objetiva -, mas também ao resultado lesivo desta conduta – a ilicitude subjetiva, ou seja, para haver ilicitude é também necessário que a Administração tenha lesado posições jurídicas substantivas dos particulares. Assim, a ilicitude não se basta com a mera ilegalidade, antes pressupõe a violação de um direito subjetivo ou de um interesse legalmente protegido, isto é, uma norma que se destine a proteger o interesse de outrem (neste caso, para que haja ilicitude é necessário que a norma violada tenha entre os seus fins o de proteger o interesse do particular, sendo uma questão de interpretação determinar se a norma, além de impor uma obrigação jurídica à Administração, serve apenas o interesse público ou tutela também interesses privados, reconhecendo ou concedendo posições subjetivas aos particulares).
Tendo presente os termos em que a presente ação se mostra deduzida, quanto à responsabilidade do Ré, Município de (...), dúvidas não existem que nos autos estamos perante uma "operação material" regulada por normas de direito público já que se prende com as alegadas condutas – por ação e omissão – do R. no âmbito do planeamento e gestão do sistema de saneamento de águas residuais do Município de (...), regulada por normas de direito público – concretamente, face aos anos em causa, o Decreto-Lei n.º 207/94 (que aprova o regime de conceção, instalação e exploração dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e drenagem de águas residuais) e o Decreto-Regulamentar n.º 23/95 (Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais) e, atualmente, pelo Decreto-Lei n.º 194/2009 (que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos)1 - e que se integra no âmbito da chamada "gestão pública" do ente público enquanto atividade desenvolvida por pessoas coletivas de direito público com atribuições e competências nesse âmbito (art. 13.º, n.º 1 al. l) e 26.º. n.º 1 da Lei 159/99 e atualmente pelo art. 23.º, n.º 2 al. k) da Lei 75/2013).
Ora, no âmbito dos sistemas públicos de recolha, tratamento e rejeição de efluentes compete à entidade gestora (que poderá ser o município ou a outra entidade em regime de concessão2) promover o estabelecimento e manter em bom estado de funcionamento e conservação os sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem e desembaraço final de águas residuais e de lamas (art. 4.º do DL 207/94). Dispondo-se atualmente no 194/2009 que a gestão dos sistemas municipais de recolha, drenagem, elevação, tratamento e rejeição de águas residuais urbanas, bem como a recolha, o transporte e o destino final de lamas de fossas sépticas individuais, obedece ao principio da proteção da saúde pública e do ambiente e da garantia da eficiência e melhoria contínua na utilização dos recursos afetos, respondendo à evolução das exigências técnicas e às melhores técnicas ambientais disponíveis (art. 5.º n.º 1 als. d) e e)))
Note-se que a conceção dos sistemas de drenagem pública de águas residuais deve passar pela análise prévia e cuidada do destino final a dar aos efluentes, tanto do ponto de vista de proteção dos recursos naturais como de saúde pública (art. 118.º do DR 23/95).
Mais, como resulta dos artigos 187.º e ss. do DR 23/95 ¯O destino final das aguas residuais domésticas é a sua integração num meio aquático ou terrestre, natural ou artificial, com a finalidade do seu desembaraço ou reutilização, dispondo-se no art. 188.º que
1 - A escolha da solução mais adequada para a descarga final deve resultar da análise conjunta das características dos meios recetores disponíveis e dos condicionamentos inerentes aos dispositivos de interceção e tratamento.
2 - O lançamento de efluentes nos meios recetores deve ser precedido de uma análise de impacte, de modo a serem conhecidas as implicações de saúde pública, ecológicas, estéticas e económicas.
E no art. 190º que,
“1 - São meios recetores aquáticos as águas subterrâneas, ribeiras, rios, lagoas e albufeiras, rias e braços de mar, estuários e oceano.
[…]
5 - Nos pequenos cursos de água é suficiente o tratamento secundário, sempre que a razão entre os caudais de estiagem e os caudais dos efluentes seja, aproximadamente, igual ou superior a 10. Caso contrário, deve recorrer-se ao tratamento terciário ou, em alternativa, ao tratamento através do terreno.
[…]
E quanto às aguas residuais pluviais, no artigo 194.º prevê-se que, ¯A descarga final dos sistemas urbanos de águas pluviais deve, por razões de economia, ser feita nas linhas de água mais próximas, tornando-se necessário assegurar que essas descargas sejam compatíveis com as características das linhas de água recetoras. (n.º 1).
Obedecendo as descargas de águas residuais industriais às regras dos artigos 185.º e ss. do DR 23/95.
Não está em causa nestas normas a atribuição de um direito subjetivo aos particulares, pelo que a sua violação importará a ilicitude da conduta se se apurar que o dano alegado ocorre no âmbito de proteção da norma violada e que essa norma queira também proteger aquele que invoca o dano. É necessário que o bem jurídico lesado (o dano) seja também um bem jurídico protegido pela norma.
Não existe esse interesse legalmente protegido quando as normas violadas sejam “… normas que visam apenas proteger, certos interesses gerais ou coletivos, embora a sua aplicação possa beneficiar, mediata ou reflexamente, determinados interesses particulares. Trata-se de normas que, diretamente, apenas protegem a coletividade como tal, especialmente, o Estado e que só beneficiam o individuo na medida em que cada um está interessado no bem da coletividade‖ – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, pág. 446.
Como decorre do preâmbulo do DL 194/2009 ¯As atividades de abastecimento público de água às populações, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos constituem serviços públicos de carácter estrutural, essenciais ao bem-estar geral, à saúde pública e à segurança coletiva das populações, às atividades económicas e à proteção do ambiente.‖ e, também, no preâmbulo do DL 207/94 se escrevia que ¯Os problemas de engenharia sanitária e ambiental merecem uma especial atenção, pelo seu direto reflexo na qualidade de vida das populações e na preservação da saúde pública e dos recursos naturais‖
Ora, se é certo que as normas citadas visam, em primeiro lugar, regulamentar em termos técnicos os sistemas públicos e prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais tendo como destinatários as entidades gestoras e o proteger o interesse coletivo ao ambiente, saúde publica e recursos naturais, não, podemos, contudo, deixar de as considerar como verdadeiras normas de proteção na medida em que no seu escopo não pode, também, deixar de se reconhecer o intuito da proteção de interesses particulares, designadamente – como no caso dos autos - dos proprietários de terrenos confinantes dos meios recetores aquáticos ou titulares do direito de propriedade sobre essas águas.
Pelo que o seu incumprimento representará não só uma ação/omissão ilegal, como também ilícita.
Isto posto, ficou demonstrado nos autos que até à entrada em funcionamento da ETAR – Estação de Tratamento de Águas Residuais de (...) (doravante ETAR), no ano de 2005, faziam-se afluir, designadamente mediante condutas, as águas residuais domésticas e pluviais de algumas zonas habitacionais da vila de (...) para a Ribeira de (...) e que, tal lançamento embora agora limitado às águas residuais domésticas e pluviais do Bairro da Estação, se prolongou até à entrada em funcionamento da estação elevatória, construída a montante do prédio dos AA. E só a partir dessa data as águas residuais e pluviais de (...) deixaram de ser conduzidas para a Ribeira de (...), sendo dirigidas para a ETAR.
Em face de tal factualidade resulta que entre 19.12.2001 até 2009 o lançamento de efluentes na Ribeira de (...) não foi precedido de análise de impacte, nem sujeito aos tratamentos necessários, em violação dos normativos citados, pelo que não podemos deixar de concluir pela ilicitude de tal conduta.
Opostamente, a partir da entrada em funcionamento da estação elevatória e da ETAR, não demonstraram os AA. a ocorrência de qualquer facto ilícito, pois que as águas residuais e pluviais de (...) deixaram de ser conduzidas para a Ribeira de (...), antes sendo dirigidas para ETAR onde são tratadas. Não se tendo inclusivamente demonstrado que a descarga nos dias 22 e 23 de setembro de 2019 foi causada pelo sistema de saneamento e drenagem de águas residuais do Município de (...).
Do dano e nexo de causalidade
Como se sabe, «para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém» (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, Coimbra, 1986, p. 557). Os danos tanto podem ser patrimoniais como morais.
«Alude-se ao dano patrimonial ou material para abranger os prejuízos que, sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão diretamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão) pelo menos indiretamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária). Ao lado destes danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética), que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, Coimbra, 1986, p. 561)
O critério da indemnização é o da restauração natural, sendo a indemnização em dinheiro apenas atribuível quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa (arts. 562º e 566.º do Código Civil).
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos patrimoniais, mas também aos danos não patrimoniais, abrangendo os danos já produzidos à data da ação e os danos que ainda venham a ocorrer, e abarcando o dano emergente, ou seja a perda ou diminuição de valores que já integravam o património do lesado mas também os lucros cessantes, ou seja as vantagens que o lesado deixou de perceber em consequência do facto ilícito (art. 564º, n.º 1 do Código Civil).
Nos casos em que não possa ser averiguado o valor exato dos danos (em função do critério da teoria da diferença), o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – cfr. nº 3 do art. 566.º do mesmo Código -, funcionando, por conseguinte, em sede de danos patrimoniais, a equidade como critério residual, apenas para o caso de não ter sido possível averiguar o valor exato dos danos – cfr. Ac. STJ de 19/02/2004, Proc. n.º 03B4271, in base de dados do ITIJ.
Adiante-se, ainda, que se impõe a existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e o dano, acolhendo a este respeito a nossa ordem jurídica a teoria da causalidade adequada, segundo a qual a causa de um dano é a condição que, abstratamente, se mostre apta a produzi-lo.
Essa adequação obtém-se a partir de um juízo de prognose a posteriori, baseado no conhecimento médio e na experiência comum, e tomando em conta as circunstâncias do caso.
Segundo esta teoria, dominante na jurisprudência e na doutrina, ¯o dano considerar-se-á efeito do facto lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos‖ (in Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre..., pág. 392 e 393, Antunes Varela, Das obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pág. 617).
-A teoria da causalidade adequada - pelo menos na sua formulação mais generalizada - parte da situação real posterior ao facto e, normalmente, ao dano e afirma a conexão entre um e outro, desde que seja razoável admitir que o segundo decorreria do primeiro, pela evolução normal das coisas‖. Por isso no artigo 563.º do Código Civil, -o legislador quis afirmar uma ligação positiva, em termos de juízo de probabilidade, entre o facto lesivo e o dano‖ (Pessoa Jorge, Ensaio…, pág. 411 e segs.)
Na formulação negativa da teoria da causalidade adequada, de harmonia com a doutrina de Ennecerus-Lehmann, a condição deixará de ser causa do dano sempre que seja de todo indiferente para a produção do dano e só se tenha tornado condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias. O que afasta os danos que não são consequência normal do facto, mas antes o resultado de uma evolução extraordinária, imprevisível e portanto improvável (os chamados desvios fortuitos).
Contudo, o nexo de causalidade adequada subsiste ainda que o facto ilícito não seja produtor do dano, desde que seja a causa adequada de outro facto que o produz, tendo o segundo origem na oclusão do primeiro, ou como consequência provável dele segundo o curso normal dos acontecimentos.
Regressando aos autos, provou-se que,
- As águas da Ribeira de (...) infiltram-se nos solos do prédio dos AA.;
- A composição das águas residuais é variável, podendo conter poluentes químicos, físicos e biológicos;
- As águas que correm na Ribeira de (...) ocasionalmente apresentam maus cheiros na zona do prédio dos AA.
- Em períodos de maior pluviosidade, principalmente no Inverno, o caudal da Ribeira de (...) aumenta;
- Desde 2004, algumas árvores, incluindo oliveiras, laranjeiras e outras árvores de fruto, que os AA. plantavam secaram e que os AA. procederam replantações.
- Desde 2004, os animais que os AA. criavam no terreno referido em 1. morreram.
- Por volta do ano de 2015 uma parte dos muros que ladeiam o curso de água na zona do prédio dos AA. caíram em virtude de uma enxurrada;
- Entre o dia 22 e 23 de Setembro de 2019 foi realizada uma descarga de resíduos na Ribeira de (...) que provocou maus cheiros e tornou a água escura e espumosa.
Mas não se provou que,
- O aumento populacional de (...) e das águas residuais produzidas e encaminhadas para a Ribeira do (...) tenha aumentado, originando a queda constante dos muros do curso de água na zona em que este confronta com o prédio dos AA., suportando os AA., anualmente e desde 1993, o custo da sua reconstrução;
- As águas residuais conduzidas e que afluíam e afluem à Ribeira de (...) tornam/ram a água daquele curso tóxica e contaminam/ram os solos do prédio dos AA., causando-lhes os danos que estes alegaram: a seca e morte das árvores; a destruição, anualmente, de 1 ha de forragem de regadio para gado; tornando impróprios para consumo os produtos hortícolas (feijão, batata, tomate, couves, cenoura, alface e outros) cultivados e, nessa medida, impossibilitando a sua plantação; e causando a morte dos animais (ovelhas e coelhos bravos) por ingestão de ervas contaminadas pelas substancias toxicas; e que os maus cheiros obrigam os AA. a manter as janelas permanentemente fechadas e provocam nestes grandes incómodos.
Em suma, os AA. não só não provaram os danos que alegavam, como não demonstraram que estes ocorreram como resultado e consequência das condutas do R., pela condução e descarga de águas residuais domésticas e pluviais diretamente, sem tratamento, no curso da Ribeira de (...).
Ou seja, os AA. não provaram que tivessem os danos e o nexo de causalidade entre estes e a conduta que imputou ao R. o que, desde logo dispensa o conhecimento dos demais requisitos (cumulativos) da responsabilidade civil extracontratual (art. 608.º, n.º 2 do CPC) e determina a improcedência da sua pretensão indemnizatória.
Da abstenção a conduzir águas residuais para o prédio dos AA. ou a proceder às obras necessárias a que o saneamento existente no prédio dos AA. se faça em condições de higiene e segurança
Vimos, supra, que dos normativos citados ressuma para os particulares um interesse legalmente protegido a que as atividades de saneamento de águas residuais urbanas se processem nos termos delimitados no DR 23/95 e em condições que assegurem o bem-estar e a saúde pública, incluindo, pois, que a descarga e lançamento de efluentes nos meios recetores seja precedido de uma análise de impacte, de modo a serem conhecidas as implicações de saúde pública, ecológicas, estéticas e económicas, mas também que previamente sejam submetidas a tratamentos (secundário ou terciário) destinados a acelerar os processos naturais de depuração de forma controlada.
Acrescente-se que, salvo limitações de interesse público (vg. expropriação), de interesse particular (como sucede no campo das relações de vizinhança), decorrentes do próprio estatuto do direito real (como o sejam os limites da própria função social da propriedade privada), ou da existência de outros direitos reais, da propriedade sobre imoveis – que abrange o espaço aéreo, a superfície e o subsolo, com tudo o que neles se contém e não seja desintegrado do domínio, por lei ou negócio jurídico (art. 1344.º, n.º 1, do Cód. Civil) - resulta o direito de gozo ¯de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas.‖ (art. 1305.º do CC). O direito de propriedade incluiu, pois, o direito de exigir de terceiros a abstenção de comportamentos que representem uma limitação aos direitos de uso e fruição dos bens sobre que incidem, incluindo nos termos do art. 1346.º do CC ¯opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calores ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros qualquer factos semelhantes, provenientes do prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam‖.
Isto posto, os AA. não demonstraram que o curso de água correspondente à Ribeira do (...) constitua uma água particular integrada no seu direito de propriedade, pelo que integrará o domínio publico hídrico do município (art. 5.º al. c) da Lei 54/2005). Todavia, aquele curso de água confronta com o prédio dos AA. e, como demonstrado, as águas que nele correm infiltram-se nos solos do seu prédio.
Como vimos supra, provou-se que, pelo menos até 2009, o sistema de saneamento de águas residuais domésticas e pluviais de (...) não obedecia aos requisitos regulamentares citados, o que permitiria aos AA. (apenas) exigir do R. a sua conformação com os mesmos, ou seja demandar que a descarga e lançamento de efluentes na Ribeira de (...) fosse precedido de uma análise de impacte, de modo a serem conhecidas as implicações de saúde pública, ecológicas, estéticas e económicas, e previamente submetida a tratamentos (secundário ou terciário) destinados a acelerar os processos naturais de depuração de forma controlada, ainda que para tal fosse necessário o R. realizar ou introduzir os métodos e sistemas técnicos necessários ao efeito.
Todavia, desde essa data e à presente, provou-se que o R. deixou de conduzir as águas residuais para a Ribeira de (...), destinando-os à ETAR onde as mesmas são sujeitas a tratamento, antes de reencaminhadas para o meio ambiente, e não demonstrando os AA. que não estejam a ser cumpridos os condicionalismos do DR 23/95.
Mais, não provaram os AA. que as águas residuais conduzidas e que afluíam e afluem à Ribeira de (...) aumentaram o caudal da água destruindo muros (que fossem sua propriedade) ou que tornam/ram a água daquele curso tóxica e contaminam/ram os solos do prédio dos AA., impedindo-os de usar e fruir do solo do seu prédio.
Tão pouco demonstraram que os maus odores daquelas águas resultem de uma conduta do R., designadamente de descarga de águas residuais, importando um prejuízo substancial para o uso do imóvel pelos AA..
Em suma, não assiste (também) aos AA. o direito que reclamam nestes autos de exigir do R. a abstenção a conduzir águas residuais para o prédio dos AA. ou a proceder às obras necessárias a que o saneamento existente no prédio dos AA. se faça em condições de higiene e segurança.”

Vejamos:
Partindo incontornavelmente de afirmações constantes da própria decisão recorrida, importa atender, designadamente a que:
“(...) ficou demonstrado nos autos que até à entrada em funcionamento da ETAR – Estação de Tratamento de Águas Residuais de (...) (doravante ETAR), no ano de 2005, faziam-se afluir, designadamente mediante condutas, as águas residuais domésticas e pluviais de algumas zonas habitacionais da vila de (...) para a Ribeira de (...) e que, tal lançamento embora agora limitado às aguas residuais domésticas e pluviais do Bairro da Estação, se prolongou até à entrada em funcionamento da estação elevatória, construída a montante do prédio dos AA. E só a partir dessa data as águas residuais e pluviais de (...) deixaram de ser conduzidas para a Ribeira de (...), sendo dirigidas para a ETAR.
Em face de tal factualidade resulta que entre 19.12.2001 até 2009 o lançamento de efluentes na Ribeira de (...) não foi precedido de análise de impacte, nem sujeito aos tratamentos necessários, em violação dos normativos citados, pelo que não podemos deixar de concluir pela ilicitude de tal conduta.”
(...)
Nos casos em que não possa ser averiguado o valor exato dos danos (em função do critério da teoria da diferença), o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – cfr. nº 3 do art. 566.º do mesmo Código -, funcionando, por conseguinte, em sede de danos patrimoniais, a equidade como critério residual, apenas para o caso de não ter sido possível averiguar o valor exato dos danos (...)
(...)
Regressando aos autos, provou-se que,
- As águas da Ribeira de (...) infiltram-se nos solos do prédio dos AA.;
- A composição das águas residuais é variável, podendo conter poluentes químicos, físicos e biológicos;
- As águas que correm na Ribeira de (...) ocasionalmente apresentam maus cheiros na zona do prédio dos AA.
- Em períodos de maior pluviosidade, principalmente no Inverno, o caudal da Ribeira de (...) aumenta;
- Desde 2004, algumas árvores, incluindo oliveiras, laranjeiras e outras árvores de fruto, que os AA. plantavam secaram e que os AA. procederam replantações.
- Desde 2004, os animais que os AA. criavam no terreno referido em 1. morreram.
(...)
Como vimos supra, provou-se que, pelo menos até 2009, o sistema de saneamento de águas residuais domésticas e pluviais de (...) não obedecia aos requisitos regulamentares citados, o que permitiria aos AA.
(...)

Aqui chegados, importa segmentar a questão controvertida em dois períodos distintos, a saber, até 2009 e depois de 2009, ano da entrada em funcionamento, ainda que com confessadas deficiências, da Estação Elevatória, que veio complementar a ETAR, já preteritamente edificada.

Diga-se desde já que se acompanha e ratifica o discurso fundamentador da decisão recorrida relativamente ao período posterior a 2009, não se impondo repetir tudo quanto aí se expendeu, ainda que com diferente “roupagem” argumentativa, o que se mostraria redundante e inútil, o mesmo se não aplicando face ao período anterior a essa data.

Se é certo que os cidadãos podem ser obrigados a sofrer restrições e compressão dos seus direitos, na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do bem comum, as restrições a impor deverão ser limitadas ao mínimo indispensável, de modo a conciliar as exigências do interesse público com as garantias dos particulares constitucionalmente consagradas.

E o meio adequado e proporcional para a remoção da lesão do direito dos proprietários, ao conviverem com uma ribeira adjacente à sua propriedade, por onde podem correr poluentes químicos, físicos e biológicos, ocasionalmente apresentando maus cheiros, é assegurar os meios técnicos tendentes a minimizar tal situação, o que em concreto, passou pela instalação tardia de uma ETAR complementada com uma estação elevatória.

Com efeito, sendo tecnicamente viável a criação de obstáculos físicos, designadamente à infiltração dos solos, no respeito pelo legalmente estabelecido, não é aceitável que a situação tenha perdurado para além do razoável, causando prejuízos aos Recorrentes.

Não está em causa a necessidade de serem expelidas as águas residuais domésticas e pluviais de algumas zonas habitacionais, mas sim o facto de tal ter ocorrido a céu aberto e sem qualquer tratamento, não garantindo aos proprietários das zonas adjacentes a necessária tranquilidade e qualidade de vida.

É patente que, não obstante a prevalência do direito dos aqui Recorrentes em manter os seus terrenos eximidos de qualquer fonte de poluição, para a qual não concorreram, o mesmo não obsta, antes impõe, que seja implementado um sistema de retensão e tratamento da poluição.

Impõe-se pois impedir que o direito de gozo pleno da propriedade por parte dos aqui Recorrentes seja penalizada injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável e suportável, enquanto lesão do feixe dos direitos, liberdades e garantias pessoais.

No confronto entre os direitos em colisão, resultou claro que o direito de gozo pleno da propriedade por parte dos Recorrentes, não poderá ser comprometido ou comprimido para além do aceitável, devendo ser assegurado o direito ao gozo pleno da propriedade em termos de razoabilidade, não obstante o atravessamento da referida ribeira, pois que a compressão do seu direito deverá limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (proporcionalidade - artigo 18º CRP).

Os particulares não têm de estar condenados a ficar sujeitos ao dever de, em qualquer caso, em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum, cabendo á sociedade, minimizar e ressarcir aqueles sacrifícios.

Sempre caberia ao município assegurar e encontrar a via legal compatível com essa concretização, o que passou pela construção de uma ETAR e de Estação Elevatória, razão pela qual se exceciona da responsabilidade do município o período ulterior à efetivação daqueles projetos, não obstante o seu nem sempre funcionamento exemplar.

Relativamente ao período anterior a 2009 estamos pois perante um caso de responsabilidade civil extracontratual, o qual impõe o dever de indemnização dos lesados nos termos do artigo 483º, nº1, do Código Civil, no pressuposto de se estar perante um facto voluntário, ilícito, culposo, (dolo ou mera culpa), prejuízo e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A regra é a do primado da culpa, sendo ao lesado que incumbe provar em primeira linha a culpa do autor da lesão. – Artigo 487.º, n.º 1 do Código Civil.

Excecionalmente, poder-se-á recorrer a presunções legais de culpa, por força das quais, nos termos do disposto no artigo 350.º C.C., a parte não terá de provar o facto que a ela conduz, competindo-lhe apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção.

Desde logo, a responsabilidade pelo risco ou responsabilidade objetiva dispensa entre os seus pressupostos a culpa do agente, ou seja, o elemento subjetivo traduzido no nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante.

Como decorre da generalidade da Jurisprudência e Doutrina Administrativa, a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos impõe que estes sejam responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.

Por outro lado, e em linha com o Acórdão do STA nº 0903/03 de 03-07-2003, refira-se ainda que "para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077. A ação improcederá se um destes requisitos se não verificar”.

Analisado o suscitado em concreto, vêm suscitadas algumas alterações à matéria de facto.

Com efeito, entendem os Recorrentes que a motivação e a convicção formada pelo tribunal contraria as regras da experiência e da lógica, uma vez que factos considerados como não provados, deveriam ter sido considerados provados.

Entendem os Recorrentes, designadamente, que se impunha que o tribunal a quo tivesse dado por provada, nomeadamente, os pontos 2 a 18 dos factos dados por não provados.

Em qualquer caso, sempre se dirá que, pretendendo a recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1 ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, sendo que as questões suscitadas se mostram predominantemente redundantes, sem acrescentar nada de substancial à factualidade provada, não infirmando o decidido, nem fragilizando a convicção firmada pelo tribunal a quo. (cfr. artº 685º-B, nº1, do CPC – Atual Artº 640º).

Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
“A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas; (…)”

Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07BEPNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05BEVIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:
“Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

A prova fixada nos autos não impõe respostas diversas das que foram dadas pelo Tribunal a quo, não se evidenciando qualquer erro grosseiro na apreciação da prova, sendo que as alterações propostas dariam um pendor predominantemente conclusivo aos factos dados como provados, não tendo, por outro lado, a virtualidade de, só por si, assegurar uma alteração da convicção a que chegou o tribunal a quo.

A liberdade de convencimento que conforma o modelo da livre apreciação, se é verdade que tem de ser expressão de uma convicção pessoal, não é uma liberdade meramente intuitiva, mas antes um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações, nem do contributo dos dados psicológicos sociológicos e científicos para a certeza da decisão.

A livre apreciação da prova, não é livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável. Tal convicção, não significa porém, que seja totalmente objetiva, pois não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual “… desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova e mesmo puramente emocionais (…)” Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 205.

Já dizia o Prof. Alberto Reis que “o que está na base do conceito é o princípio da libertação do Juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra prova. … O sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica…” (Cód. Proc. Civil Anotado, Coimbra Editora, 1950, III, pág. 245).

Neste mesmo sentido podem ver-se ainda variadíssimos autores entre os quais Rodrigues Bastos In Notas ao Código de Processo Civil, III, pág. 221), o Prof. Cavaleiro Ferreira (In Curso de Processo Penal, I. Vol., reimpresso da Universidade Católica) e Germano Marques da Silva, In Curso de Processo penal- II Vol.-Verbo- págs. 126 e 127).

Como se sumariou, entre muitos outros, no Acórdão do TCAN nº 2764/17.3BEPRT, de 13-03-2020, “determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa”.
Na interpretação deste preceito, já na anterior versão (Artº 712º CPC), tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância. A gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.
Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”

Aqui chegados, reafirma-se que se não vislumbra que a fixação da matéria de facto tenha errado no seu desígnio, mormente de forma evidente, pelo que se não reconhece a necessidade de proceder a qualquer das alterações propostas, a quais, como se disse, não teriam, ainda assim, a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida.

Já no que diz espeito ao direito, e reportadamente ao período anterior à entrada em funcionamento da estação elevatória (2009), refira-se o seguinte:

São pressupostos da verificação de Responsabilidade Civil Extracontratual:
a) o facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário;
b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico;
d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante;
e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Ac. Dout. n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Esta responsabilidade corresponde pois, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).

Efetivamente, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele.

Desde logo, o ato ilícito pode integrar quer um ato jurídico quer um ato material, podendo consistir num comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido.

De qualquer forma, a verificação de um facto ilícito pressupõe sempre uma ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

In casu, importará verificar o cumprimento por parte do Município dos seus deveres de promover as condições de segurança de todos aqueles que se encontram situados junto da Ribeira identificada, na qual foram reconhecidamente depositados “poluentes químicos, físicos e biológicos (Facto Provado 18).

O conceito de ilicitude aqui em causa é pois, mais amplo que o consagrado na lei civil (vd. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., vol. II, p. 1125; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.05.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs.).
A propósito do requisito da ilicitude refere aquele Professor na citada obra que: “É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um facto ilícito. Este facto tanto pode ter consistido num ato jurídico, nomeadamente um ato administrativo, como num facto material, simples conduta despida do carácter de ato jurídico. O ato jurídico provém por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa coletiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O artigo 6º do Decreto-lei n.º 48.051 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos atos jurídicos, incluindo portanto os atos administrativos, consideram-se ilícitos “os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis”: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do ato e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respetivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.

No mesmo sentido Jean Rivero, Direito Administrativo, pág. 320, e Margarida Cortez, Responsabilidade Civil da Administração por Atos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, página 96.

No que toca à culpa "Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531).

Em linha com o referido no Acórdão do STA nº 01356/14 de 22.03.2017, “No que respeita às Autarquias Locais, para além deste diploma (Decreto-lei n.º 48 051), era ainda aplicável a Lei nº 169/99, de 18/9 (em vigor à data dos factos) - cfr. respetivos arts. 96º e 97º, tendo o art. 96º (responsabilidade funcional) uma redação em tudo idêntica à do art. 2º, nº 1 do DL nº 48.051 quanto à responsabilidade das autarquias locais e prevendo o art. 97º a responsabilidade pessoal dos titulares dos órgãos e dos agentes. (…)

Estando, como está, em causa nos autos a responsabilidade por factos ilícitos e culposos, e não dispondo este diploma de uma regulamentação exaustiva no domínio da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas coletivas públicas, nomeadamente quanto ao nexo de causalidade, tem a jurisprudência deste STA reconhecido que se impõe nesse âmbito também o recurso ao Código Civil (CC) – cfr. Ac. de 21.04.1994, AD 400, pág. 399.
É, assim, jurisprudência uniforme e pacífica, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, por facto ilícito de gestão pública, praticado pelos seus órgãos ou agentes obedece aos pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483º e seguintes do CC – cfr, v.g., Acs. do STA de 26.09.2002, Proc. 487/02, de 06.11.02, Proc. 1331/02, de 24.09.2003, Proc. 1864/02, de 17.03.2005, Proc. 230/05 e de 27.01.2011, Proc. 995/10.
No entanto, há que ter em atenção que em matéria de ilicitude o art. 6º do DL nº 48.051 nos dá uma particular definição deste conceito preceituando o seguinte:
“Para os efeitos deste diploma consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência que devam ser tidas em consideração”.

São, pois, pressupostos da responsabilidade civil: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade.

Em qualquer caso, na análise que se fará, dar-se-á por adquirido o entendimento adotado pelo STA segundo o qual o art. 493º, 2 do Código Civil não é aplicável à responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos, no que respeita à responsabilização decorrente do exercício de uma atividade perigosa, que é o que aqui está em causa.

Efetivamente, sumariou-se no Acórdão do STA nº 01504/13, de 15-05-2014,
que “o art. 493º, 2 do CC não é aplicável à responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos.”

Mais se refere no identificado Acórdão que “é verdade que este Supremo Tribunal Administrativo tem admitido, sem qualquer dúvida, a aplicação das presunções de culpa previstas no art. 493º, n.º 1, do C. Civil, admitindo assim que a regulamentação do Dec. Lei 48.051 não é exaustiva e que a remissão do art. 4º não é restritiva aos artigos ali referidos (art. 487º e 497º do C. Civil) – cfr. acórdão, de 29.4.98, do Pleno desta 1ª Secção e de 3.10.02 (Rº 45 160) e de 20.3.02 (Rº 45 831).
(…)
Mas daí não se pode inferir que tenha admitido também a aplicação do art. 493º, 2 do C Civil.
Aliás a aplicação do regime do art. 493º, 2 do C. Civil à responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos é bastante problemático
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, por exemplo, consideram não ser aplicáveis as presunções de culpa na responsabilidade civil do Estado e demais entes Públicos, pelo menos nos casos em que não existem “normas que determinem aplicação de tais presunções – cfr. Responsabilidade Civil Administrativa, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2008, pág. 28.
(…)
Fernandes Cadilha, aliás citado pela recorrente a fls. 800 – também admite apenas as presunções de culpa “por omissão do dever de vigilância”. “Fora dos casos de presunção de culpa por omissão do dever de vigilância (…) e que envolve a inversão do ónus da prova, a existência da culpa exige a demonstração inequívoca de um juízo de reprovação subjetiva…(…) – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina, 2008.”

O referido não afasta, no entanto, a possibilidade de aplicação do regime da responsabilidade Civil à situação em apreciação, nos termos gerais, desde que se prove a culpa, sem recurso à presunção do art. 493º, 2 do C. Civil.

Assim, e sem prejuízo do já referido, concretizemos então:
Como se disse já, a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, determina que estes serão responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.

Por outro lado, e em linha com o Acórdão do STA nº 0903/03 de 03-07-2003, "para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077.
A ação improcederá se um destes requisitos se não verificar”.

O facto ilícito consiste numa ação (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das "normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis" ou "as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração".

A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente. Envolve um juízo de censura, face à ação ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família.

O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano.

De acordo com o preceituado no art.º 563 do CC «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

Constitui entendimento pacífico que o nexo causal entre o facto ilícito e o dano se deve determinar pela doutrina da causalidade adequada, ali contemplada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite, entendimento extensível, de resto, a todos os requisitos da responsabilidade civil (acórdão STA de 6.3.02, no recurso 48155).

Relativamente ao nexo de causalidade vigora, como se disse, a teoria da causalidade adequada na formulação consagrada no art°563° do CC.

Verifica-se pois em concreto o necessário nexo de causalidade, uma vez que a conduta omissiva do Município foi adequada a produzir os prejuízos reclamados na presente Ação.

Finalmente, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.º 564º do CC).

É patente nos presentes autos que se mostram verificados danos, mormente aqueles que foram dados como provados em 1ª Instância.

Em qualquer caso, para haver ilicitude responsabilizante, é necessário que a Administração tenha lesado direitos ou interesses legalmente protegidos dos Recorrentes, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico, por isso, segundo alguma jurisprudência e doutrina, é necessário que a norma violada revele a intenção normativa de proteção do interesse material do particular, não bastando uma proteção meramente reflexa ou ocasional.

Ou seja, é necessário existir “conexão de ilicitude” entre a norma ou princípio violado e a posição jurídica protegida do particular, o que deve ser apreciado caso a caso (cf. Prof. Gomes Canotilho, em anotação ao Ac. STA de 12.12.89 RLJ, Ano 125° p.84 e AC. STA de 31.05.2000, recº 41201).

De tudo quanto se expendeu, resulta estarem presentes todos os pressupostos que determinam a verificação de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, ainda que, como se disse, não sejam os danos mensuráveis, por falta de prova, sendo que aos Autores caberia a sua demonstração.

Para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, reafirma-se pois, e como resulta do Acórdão nº 0226/09 do STA, de 04-02-2010 que “… face à definição ampla de ilicitude constante do art. 6° do DL n° 48.051/67, de 21 de Novembro, estando em causa a violação do dever de boa administração, a culpa assume o aspeto subjetivo da ilicitude, que se traduz na culpabilidade do agente por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e de adotar.

Com referência à culpa, como ensina ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, agir com culpa, significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E essa conduta será reprovável quando o lesante em face das circunstâncias concretas da situação podia e devia ter agido de outro modo”.

O nexo de causalidade, pressuposto da responsabilidade civil, consiste na interação causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563º do C. Civil).

A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente, envolvendo um juízo de censura, face à ação ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família (art.º 4, n.º 1).

O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano. De acordo com o preceituado no art.º 563 do CC «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

Como se disse já, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.º 564º do CC).

Em função de tudo quanto ficou já assente, mostram-se pois preenchidos todos os requisitos da Responsabilidade Civil, a saber:
Facto ilícito;
Culpa;
Dano e
Nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Face ao supra explanado, dúvidas não subsistem de que no caso em apreciação nos autos e face à matéria factual dada como provada, até 2009 verificaram-se factos que permitem concluir que foi pelo Município praticado, por omissão, um conjunto de factos ilícitos e danosos que foram a causa adequada da infiltração nos terrenos dos Recorrentes, adjacentes à Ribeira, de poluentes químicos, físicos e biológicos, que determinaram maus cheiros, e que um conjunto de árvores de fruto tenha secado, ao que acresce a morte de animais.

O facto do Município ter omitido prolongadamente qualquer intervenção corretiva na referida Ribeira, o que só veio a ocorrer em 2009, demonstra só por si que a prática até então adotada se mostrava prevaricadora, inadequada e insuficiente.

Com efeito, dos factos provados resulta que o Município até à edificação da ETAR e da Estação Elevatória não cumpriu as regras básicas a que estava obrigado, face à segurança e bem-estar dos seus munícipes, mormente minorando as mormente tendo em atenção o incumprimento de todas as regras de prudência exigíveis consequências da poluição verificada na Ribeira.

Em boa verdade, sobre o modo como o Município, até à construção da ETAR e da Estação Elevatória, assegurava o dever de vigilância, zelando pelo cumprimento das normas de segurança ambiental e garantindo a segurança dos seus munícipes, nada se provou de relevante.

É indubitável que o Município tinha o dever de vigiar e controlar ativamente o modo como eram feitas as descargas poluentes na Ribeira, em nome até da Segurança Ambiental.

Provado que está pois o Facto ilícito, decorrente do incumprimento dos deveres de proteção ambiental e dos munícipes, o que correspondentemente determina a culpa do Município, uma vez que poderia e deveria ter atuado de modo diferente, verificando-se manifestamente dano, consubstanciado, designadamente, na morte de animais e árvores de fruto, importa igualmente confirmar que se encontra provado o nexo de causalidade adequado entre o facto ilícito e os danos verificados, enquanto danos ressarcíveis, pois que cumpridas que tivessem sido as obrigações do município, não se teriam certamente verificado os danos participados.

No que concerne à Culpa, importa ainda sublinhar e reafirmar que o Município só veio a corrigir a sua conduta omissiva com a construção da ETAR e da Estação Elevatória, não obstante as deficiências entretanto detetadas nesses equipamentos.

As construções tardias dos referidos equipamentos, demonstram pois que face às circunstâncias concretas, podia e devia o município ter agido já anteriormente de modo diverso, evitando ou pelo menos minorando os prejuízos verificados no património dos Recorrentes.
Se é certo que “que as águas da ribeira apresentavam coloração negra, espumosa, e maus cheiros”, não podia o município ignorar tal circunstância, nem refugiar-se no alegado desconhecimento da causa de tal conjunto de factos, antes sendo espectável que verificasse ativamente a sua origem, até por, potencialmente, poder ter origem nas redes municipais de saneamento.

Já no que concerne à causalidade adequada, importa atender que a mesma apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa.

O artigo 563º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa devida a Enneccerus - Lehmann. Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação.

Na formulação negativa (mais ampla) o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.

A vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata.
Na situação em concreto, em bom rigor, não foram pelo Município alegados quaisquer factos suscetíveis de determinar a inverificação do nexo de causalidade entre o facto danoso e as reclamadas lesões sofridas pelos autores e dadas como provadas, como seja a morte de animais e perda de árvores de fruto.

Se é certo que foi dado como provado na Sentença Recorrida que até 2009, descargas de resíduos eram efetuadas na Ribeira do (...), importa reconhecer que a partir de tal ano foram criados os mecanismos tendentes a que tais factos se não verificassem, com a construção da ETAR e da Estação Elevatória, o que evidencia a vontade do Município em pôr cobro a tal situação, o que, por um lado, afasta a partir de então a sua responsabilidade e, por outro, realça a inércia responsabilizante anterior.

No que respeita às avarias verificadas em momento ulterior, designadamente na Estação Elevatória, está por provar que tais circunstâncias incidentais tenham objetivamente criado prejuízos acrescidos e desproporcionados para os Recorrentes, face à mais-valia decorrente da instalação do referido equipamento para a comunidade, uma vez que a prova feita, designadamente testemunhal, não teve a virtualidade de alterar a convicção firmada em 1ª instância, relativamente aos prejuízos causados na propriedade dos Recorrentes, o que aqui se ratificará.

DO MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO:
Em face de tudo quanto supra se expendeu, entende-se que até 2009 se mostram preenchidos todos os requisitos tendentes à verificação de responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito, por parte do Município, designadamente, em decorrência da prática de ato ilícito, constitutivo do dano, havendo ainda manifestamente nexo de causalidade entre o facto e o dano, faltando determinar o montante indemnizatório compensatório. justo e adequado.

Nos termos do disposto no nº3 do art. 566º do CC, não podendo ser averiguado o valor exato dos danos, pois que embora alegados, não puderam ser dados como provados, importa fixar a indemnização a atribuir pelos danos patrimoniais reclamados, com recurso à equidade, dentro dos limites do que tiver sido provado.

Objetivamente, em termos indemnizatórios, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais verificados vem pedido um valor global de 131.250€, acrescidos de juros de mora, sendo que deste valor, 18.000€ se reportarão a danos não patrimoniais, os quais não foram dados como provados, o que significa que residualmente foram peticionados por danos patrimoniais 113.250€.

Assim, em concreto, os únicos danos materiais dados como provados circunscrevem-se, até ao ano de 2009, ao facto de, desde 2004 terem secado, “oliveiras, laranjeiras e outras árvores de fruto”, ao que acresce que “os animais que os AA. criavam no terreno (...) morreram” (Factos provados 23 e 25).

Assim, como se disse, por falta objetiva de prova relativamente à quantificação dos prejuízos patrimoniais verificados, importará recorrer à equidade por forma a encontrar um valor indemnizatório justo e equilibrado.

Efetivamente, na fixação do montante indemnizatório, o Tribunal está vinculado aos critérios legais de fixação de indemnização em dinheiro para reparação de danos patrimoniais, nomeadamente aos previstos nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil, recorrendo à equidade, se não tiver sido averiguado o valor exato dos danos, sendo que, nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do CC, “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”.

Como resulta de tudo quanto já ficou dito, decorre da generalidade da Jurisprudência e Doutrina Administrativa, que a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos impõe que estes sejam responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.
O conceito indeterminado de equidade aponta para uma ponderação de interesses, em que relevam, quer a estimativa do dano, face à materialidade adquirida pelo tribunal, quer, ainda, a ponderação de outros interesses merecedores de tutela, entre outros, os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade.

Assim, compreensível se mostra que este tribunal, atenta a factualidade apurada, não possa recorrer à atribuição de indemnização em função dos valores concretos reclamados pelos aqui Recorrentes, pela singela razão que os mesmos se não mostram objetivamente provados e mensurados, sendo que a reconstituição natural não se mostraria aqui nem adequada, nem útil em função da natureza dos prejuízos reclamados.

Conforme referido em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/11/2005, Proc. 041321A, “afigura-se que o tribunal não pode fixar a indemnização senão através da formulação de um juízo equitativo (art.º 566º, n.º 3, do Código Civil). Na formulação do juízo equitativo não há, evidentemente, parâmetros únicos que devam ser considerados. Mister é que se elejam elementos de base que sirvam de aferição da razoabilidade do juízo”.

Constatada objetivamente a violação de direitos dos Recorrentes, e inexistindo nos autos elementos que permitam determinar com exatidão o valor dos danos verificados, impõe-se que o tribunal, fazendo apelo a juízos de equidade, o fixe ponderando, nomeadamente, os valores económicos envolvidos no quadro do objeto de litígio, assentando numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso.

A equidade é um juízo que envolve, além do dano provado, nos limites em que o foi, uma ponderação da situação concreta do lesado e do lesante, onde não são despiciendas a intensidade e a modalidade da culpa de um e ou de outro.

Não se diga que não havia liberdade de agir de outro modo, pois nada impedia, antes se impunha, nos termos supra descritos, que o município tivesse agido ativamente em tempo, obstando as que as descritas situações gravosas para os Recorrentes se tivessem verificado.

A prolongada ação omissiva do Município, assume contornos de deliberada prática de ilicitude e isso só pode relevar contra o seu interesse na determinação do valor da indemnização dos danos materiais em termos de equidade.

Como afirmou a respeito do disposto no nº 2 do artigo 661º do CPC, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, 2001, págs. 647 ss. “Pode acontecer que, em ação de condenação, os factos provados, embora conduzam à condenação do réu, não permitam concretizar inteiramente a prestação devida.
Tal pode acontecer tanto nos casos em que é deduzido um pedido genérico não subsequentemente liquidado como naqueles casos em que o pedido se apresenta determinado, mas os factos constitutivos da liquidação da obrigação não são provados (Alberto dos Reis, CPC anotado cit, I, p. 615 e V. p. 71; Augusto Lopes Cardoso, O pedido e a sentença, RT, 93, p. 57-57; Rodrigues Bastos, Notas cit, III, págs. 184-185)

Por sua vez, estabelece o artigo 566.º do C. Civil, no seu n.º 3, que "se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados".

Da conjugação dos referidos dois normativos (661º CPC e 566º CC) resulta que, sempre que estiverem provados danos, terá que haver condenação, mesmo que o seu montante não esteja apurado. Neste caso, ou se condenará no que se liquidar em execução de sentença ou através do recurso à equidade (cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos da Relação de Évora de 20/1/97, BMJ 270-pág.276 e da Relação de Coimbra de 31/3/92 e de 22/9/92, in BMJ 415, pág.776 e 319, pág.823, respetivamente), sendo certo que, quando o tribunal não conseguir apurar o montante exato dos danos, não poderá então deixar de condenar com base na equidade (cfr. acórdão do STA de 11/7/2000, recurso contencioso de anulação n.º 46 023).

No caso sub judice tendo sido dado como provado que os aqui Recorrentes sofreram danos, e verificando-se todos os restantes elementos da responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos de gestão pública do Município, mormente até 2009, não pode este deixar de ser condenado, havendo, no caso concreto que optar pelo recurso à equidade.

Na ponderação do juízo de equidade não poderá deixar de se ter em conta o valor que em concreto reclamaram os aqui Recorrentes pelo conjunto dos reclamados danos patrimoniais e que se cifraram em 113.250€, valor que, no entanto se mostra exagerado, por um lado, atenta a prova feita, e por outro lado, considerando o período entendido como suscetível de ser indemnizado (até 2009).

Tudo ponderado, afigura-se-me equitativo fixar em 15.000€ a indemnização pelos reclamados danos patrimoniais, soma essa acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado da decisão.
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao Recurso, julgando a Ação parcialmente procedente, determinando-se a atribuição aos Recorrentes a título de danos Patrimoniais do valor de 15.000€, acrescidos de juros de mora a partir do trânsito da decisão.

Custas pelos Recorrentes e Recorridos, em função do decaimento.

Porto, 3 de julho de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Rogério Martins (Em substituição)