Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00015/13.9BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Moura
Descritores:LOCAÇÃO DE IMÓVEL PARA O EXERCÍCIO DE COMÉRCIO; CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO; JURISPRUDÊNCIA DO TJUE.
Sumário:Um contrato de locação de imóvel para o exercício de comércio, acompanhado de equipamentos e utensílios, não está sujeito a IVA, caso não corresponda a uma cessão de exploração de estabelecimento.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA e Hospital (...)
Recorrido 2:Hospital (...) e FAZENDA PÚBLICA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso interposto pelo Hospital (...), negar provimento ao recurso interposto pela FP.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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A Fazenda Pública e o Hospital (...), recorrem da Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IVA relativas aos anos de 1996, 1997, 1998 e 2000.

O Recorrente Hospital (...) formula as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. O Recorrente interpõe o presente recurso da douta sentença na parte em que julgou improcedente a impugnação no que se refere à impugnação do IVA referente à denominada “Cantina – bar”.
2. O objecto do recurso circunscreve-se, pois, à situação da Cantina-bar.
3. Os factos considerados provados pela douta sentença recorrida impõem outra conclusão, designadamente, o facto provado em C) dos Factos assentes («Nos arquivos de documentação do Departamento de Aprovisionamento do Impugnante não consta qualquer documento relativo a aquisições para o Bazar (Piso 2) ou para Cantina Bar (Piso 02)».).
4. Bem como o conteúdo da proposta do Conselho de Administração do Impugnante, datado de 10 de Dezembro de 1990 e no que ao estabelecimento comercial de “Cantina Bar (Piso 02)” respeita provado em D) dos Factos Assentes.
5. O contrato de arrendamento comercial e o contrato de cessão de exploração (ou de locação de estabelecimento) são diferentes, na medida em que o primeiro consiste na cedência temporária do gozo de um imóvel mediante retribuição, com o fim de aí ser exercida uma qualquer actividade comercial ou industrial, enquanto o segundo consiste na cedência temporária, mediante retribuição, da unidade económica constituída por um determinado estabelecimento comercial, do qual faz parte a fruição do imóvel onde ele está instalado
6. Para que o contrato seja qualificado como de cessão de exploração, é essencial que se pretenda a manutenção pelo cessionário da exploração do estabelecimento no respectivo ramo de actividade e que a transmissão seja acompanhada de elementos que integram o estabelecimento.
7. O conteúdo da proposta e o artº artigo 8º do contrato, ao fazer referência a um anexo, no qual consta equipamento e utensilagem confiado à Cantina Bar não é indiciador de configuração de contrato de concessão de exploração.
8. O arrendamento de um espaço destinado a comércio pode integrar bens móveis e utensílios, não afectando a configuração do contrato de arrendamento.
9. Para que pudesse ter existido a concessão de um estabelecimento, era imprescindível que o impugnante fosse titular de um estabelecimento comercial de cantina e bar.
10. Este teria que ter alvará de funcionamento em nome do impugnante, teria o impugnante que ter funcionários a explorá-lo e que fossem transferidos para a concessionária, teria que ter bens consumíveis e víveres, contratos de publicidade com marcas de bens alimentares, bebidas, etc, o que não sucedeu.
11. A douta sentença recorrida, nesta parte, fez incorrecta aplicação e interpretação dos factos provados e do artº 4º nº 1 e 30º nº 9 C.I.V.A..

termos em que, com o douto suprimento do omitido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, decretando-se a procedência, na totalidade da impugnação.

A Recorrente Fazenda Pública apresenta as suas conclusões que se reproduzem:

A. A razão da apresentação do presente recurso reside na classificação da relação contratual entre o impugnante e a sociedade comercial “M. Lda”, no que respeita aos bazares do Piso 2 e Urgência.
B. O Tribunal a quo entendeu que entre o impugnante e aquela sociedade existe, sem qualquer alteração, desde 1964 até à data, um contrato de arrendamento.
C. A Fazenda Pública entende que resulta da matéria provada que a relação contratual subjacente à ocupação dos Bazares consubstancia o contrato de concessão de exploração;
D. Como contrato de concessão de exploração, dada a qualificação deste como prestação de serviço à luz da alínea a) do nº 1 do artº 1º e nº 1 do artº 4º do CIVA, a contrapartida pela ocupação é sujeita a IVA.
E. Como resultou provado, na Proposta do Conselho da Administração do HSJ de 20 de Outubro de 1990 escreveu-se: “Por despacho do senhor Director Geral do Património do Estado de 08-03-90 a arrendatária dos Bazares (Piso 2 e Urgência) foi condenada a despeja-los, despacho de que interpôs recurso para o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto que ainda corre, tendo pedido simultaneamente a suspensão da eficácia do acto, que lhe foi indeferido, indeferimento confirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo. Assim, está em condições de proceder ao despejo imediato, o que em Relação ao Bazar de Urgência já foi efectuado pela própria inquilina. (negrito e sublinhados nossos).
Contudo atendendo ao facto de a “arrendatária” M. Lda., exercer a sua actividade no Hospital desde 1962, ao facto de o Hospital não estar em condições de assegurar, imediatamente o serviço por ela prestado e a que ela tem pessoal contratado cuja situação necessita de resolver propõe-se que seja celebrado com a mesma arrendatária um contrato de concessão de exploração nas seguintes condições:
1 -A sociedade (...) continua a explorar o Bazar (...)
2 - Pagará mensalmente ao Hospital a quantia de 150.000$00.
3- A concessionária compromete-se a desistir do recurso (...) sob pena de o presente contrato ficar sem efeito e de proceder imediatamente o despejo.
F. Resulta claro que, em 1990, o impugnante promoveu o despejo da inquilina, e nesta medida, a extinção do contrato de arrendamento que existia desde 1964.
G. O próprio impugnante, no documento por si produzido, passa a identificar a relação contratual como “exploração”.
H. Do probatório retira-se que o contrato de arrendamento dos Bazares se extinguiu em 1990 dando origem a uma outra relação contratual, designada de exploração.
I. Ao concluir que o contrato de arrendamento se manteve inalterado desde 1964, cremos, salvo o devido respeito, que a douta sentença incorreu em erro no julgamento da matéria de facto provada.
J. Pois a alteração da natureza da relação contratual foi reconhecida e até promovida pelo impugnante, tendo o arrendamento dado lugar à concessão de exploração.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V. Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de os recursos serem julgados improcedentes.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se as relações contratuais em apreço estão ou não sujeitas a IVA.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:

III – Dos factos.

Factos Provados:
A. O Impugnante “Hospital (...)” celebrou com E. um contrato de arrendamento no ano de 1964;
B. O Impugnante “Hospital (...)” celebrou com E. a 18 de Maio de 1987 um contrato, o qual se considera aqui integralmente reproduzido e no qual consta:
“Em aditamento ao contrato de arrendamento celebrado em 2 de Abril de 1964, entre a Casa do Pessoal do Hospital (...) e M., (...) Estando em vigência um contrato de arrendamento entre o primeiro e segundo outorgantes, relativo ao aluguer do Bazar e secção da urgência do Hospital (...), pelo presente aditamento a primeira outorgante autoriza que o dito contrato de arrendamento passe a ser válido para a sociedade a constituir entre a segunda outorgante e seu marido, o terceiro outorgante, que substituirá o actual inquilino, aqui segunda outorgante.
O contrato de arrendamento actualmente vigente entre o primeiro e segundo outorgantes será inteiramente válido e nos precisos termos constantes do mesmo, apenas havendo alteração da pessoa do inquilino que passará do segundo outorgante para a dita sociedade a constituir.
Por este documento a primeira outorgante autoriza a cessão do direito do arrendamento acima referido, a segunda outorgante aceita a referida cessão, pelo que se compromete desde já a constituir a sociedade já aludida (...)
Em consequência, logo que pelo segundo e terceiros outorgantes seja feita a prova da constituição da dita sociedade, perante o primeiro outorgante, esta obriga-se a emitir os recibos de renda, a partir do mês imediatamente seguinte em nome da referida sociedade.”;
C. Nos arquivos de documentação do Departamento de Aprovisionamento do Impugnante não consta qualquer documento relativo a aquisições para o Bazar (Piso 2) ou para a Cantina-Bar (Piso 02);
D. Consta da Proposta do Conselho da Administração do Impugnante, de 10 de Outubro de 1990:
“Por despacho do Senhor Director Geral do Património do Estado de 08/03/90, a “arrendatária” dos Bazares (Piso 2 e Urgência) foi condenada a despejá-los, despacho de que interpôs recurso para o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, que ainda corre, tendo pedido, simultaneamente, a suspensão da eficácia do acto, o que lhe foi indeferido, indeferimento confirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo. Assim, está o Hospital em condições de proceder ao despejo imediato, o que em relação ao Bazar da Urgência já foi efectuado pela própria inquilina.
Contudo, atendendo ao facto de a “arrendatária” M. Lda, exercer a sua actividade no Hospital desde 1962, ao facto de o Hospital não estar em condições de assegurar, imediatamente, o serviço por ela prestado e a que ela tem pessoal contratado cuja situação necessita de resolver propõe-se que..
Seja celebrado com a mesma arrendatária um contrato de concessão de exploração nas seguintes condições:
1 – A sociedade supra identificada continua a explorar o Bazar do piso 2 com o horário de funcionamento compreendido entre as 8,00 e as 20,00 horas.
2 – Pagará mensalmente ao Hospital a quantia de 150.000$00 e a água e luz que consumir, sendo o consumo apurado mediante contadores a instalar.
3 – O Contrato é celebrado pelo prazo de um ano improrrogável, com início a 01.12.90 e termo em 30.11.91.
4 – A concessionária compromete-se a desistir do recurso a que acima se alude sob pena de o presente contrato ficar sem efeito e de proceder imediatamente a despejo.
5 – Não é permitido vender tabaco e bebidas alcoólicas e permite-se a continuação da venda pelos serviços de águas revistas.
Por despacho do Director Geral do Património do Estado de 08.03.90, o concessionário da Cantina Bar (piso 02) foi condenado a despejar o espaço onde explora essa Cantina, despacho de que interpôs recurso, tendo, simultaneamente, requerido a suspensão da eficácia daquele despacho enquanto o recurso não fosse decidido, o que dói deferido. Não pode, assim, o Hospital proceder ao despejo enquanto o recurso não for, e de for, decidido a seu favor.
O contrato com base no qual a Cantina-Bar é explorada causa um grande prejuízo ao Hospital, não há a certeza de que o recurso venha a ser decidido nos próximos 3 ou 4 anos, o concessionário fez benfeitorias nas instalações no pressuposto de que iria poder exercer a sua actividade até 1997 e o concessionário presta um serviço, de razoável qualidade pelo que se propõe a celebração de um contrato de concessão de exploração com as cláusulas seguintes:
1- O concessionário continua a explorar a Cantina-Bar com o seguinte horário de funcionamento – das 8,00 às 17,00 e só funcionando a zona de refeições entre as 12,00 e as 14,30.
2 – Pagará mensalmente ao Hospital a quantia de 250.000$00, no primeiro ano de vigência do contrato, 300.000$00 no segundo e nos subsequentes esta quantia actualizada de acordo com o índice de preços do consumidor, acrescido ainda do valor da água e luz que consumir apurado de acordo com a medição efectuada nos contadores, para o efeito instalados.
3 – Pagará o valor correspondente à água e luz consumida desde Abril de 1989 até à data de entrada em vigor do contrato.
4 – Compromete-se a efectuar todas as obras necessárias à segurança do local a combinar com o Engº V., nomeadamente quanto à criação de uma saída de emergência a situar em local apropriado.
5 – Desiste do recurso supra identificado
6 – Não vende tabaco, nem bebidas alcoólicas, exceptuando-se vinho e cerveja nas horas das refeições, a acompanhar as mesmas.
7 – Prazo até fim de 1996 improrrogável.
1990.10.31”
E. A 16 de Junho de 1990, foi celebrado um contrato, o qual se considera aqui integralmente reproduzido, denominado de “contrato de exploração de Cantina Bar, entre a Impugnante como primeiro outorgante e a sociedade “M., Lda.” como segunda outorgante e no qual consta:
Artigo 1º
Objecto
1 – O representado do primeiro outorgante é dono de uma cantina-bar, sita no Hospital de S. João, Porto, cantina instalada como o propósito de servir refeições e prestar serviços de bar.
2 – Pelo presente contrato, o Hospital de S. João dá em exploração à sociedade representada pelo segundo outorgante a referida cantina-bar pelo prazo de seis anos e um mês, com início em 1 de Dezembro e com termo em 31 de Dezembro de 1996.
3 – A exploração abrange todas as actividades normalmente integradas na indústria de restaurante designadamente a venda de refeições (...), não podendo, porém, venderem-se tabacos e bebidas alcoólicas, à excepção de vinhos e cervejas, nas horas das refeições, a acompanhar as mesmas.
Artigo 2º
Preço
1 – Como contrapartida da exploração da cantina-bar, o segundo outorgante obriga-se a pagar, mensalmente, à representada do primeiro outorgante a quantia de 250.000$00 (duzentos e cinquenta mil escudos) no 1º ano e 3000.000$00 (trezentos mil escudos) no 2º ano.
2 – O último montante estabelecido no número anterior será actualizado anualmente de acordo com o índice de preços ao consumidor relativo á média dos doze meses imediatamente anteriores, com efeitos a partir de um de Dezembro de 1992.
Artigo 3º
Tempo e lugar do pagamento
O pagamento do preço será realizado, até ao dia 8 do mês a que disser respeito, na secretaria do Hospital (…).
Artigo 4º
Obrigações e concessionário
São obrigações do concessionário:
a) pagar o preço da exploração;
b) não vender, nem servir refeições fora das instalações;
c) manter as instalações da cantina-bar em perfeitas condições de higiene e asseio, bem como manter o pessoal devidamente asseado e uniformizado;
d) não alterar o horário de funcionamento da cantina-bar sem a obtenção do prévio acordo da Direcção do Hospital, horário que é das 8 às 17 horas, só funcionado a zona das refeições entre as 12 e as 15 horas.
e) pagar os consumos de água e energia eléctrica aos preços facturados ao Hospital
j) sujeitar-se às obras e efectuar as alterações impostas por uma maior segurança relacionada com a utilização de gás na cantina-bar
(...)
Artigo 8º
Restituição do material e máquinas
1– Está confiado ao concessionário o material e as máquinas constantes da relação que constitui o Anexo II ao presente contrato, bens em relação aos quais o segundo outorgante tem as obrigações inerentes às de um fiel depositário com a restrição do número seguinte.
2 – Extinto o contrato, o segundo outorgante obriga-se a restituir os referidos bens no estado em que os mesmos se encontrarem, desde que decorrentes de uma normal utilização.
(...)”
F. Do contrato referido em E), consta um anexo (cfr. fls. 46 dos autos de reclamação) o qual se considera aqui integralmente reproduzido.
Factos não provados:
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, não se provou que entre o Impugnante e a sociedade “Etelvina” tenha sido celebrado qualquer contrato denominado “Contrato de concessão de exploração”.
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Fundamentação da matéria de facto
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se exclusivamente com base nos documentos e informações constantes do processo, do processo de reclamação e do processo administrativo.
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Apreciação jurídica do recurso.

As liquidações impugnadas foram emitidas por a Administração Tributária entender que, os espaços cedidos pela Impugnante nas suas instalações para o exercício de uma atividade comercial, eram contratos de concessão de exploração (Bazares, no Piso 2 e na urgência e uma Cantina Bar, no Piso 02) que configuravam prestações de serviços sujeitas a IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, não beneficiando da isenção estabelecida no n.º 30 do art.º 9.º do mesmo Código, não tendo o Impugnante procedido à liquidação e entrega de IVA, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º e do art.º 28.º do Código do IVA.
A Administração Tributária entende que se tratava da cedência de áreas devidamente preparadas e apetrechadas para o exercício de uma atividade comercial, como resulta da análise dos respetivos contratos, onde consta no anexo ao contrato de cessão de exploração da Cantina Bar, uma relação de todo o equipamento e utensílios.

Por sua vez, o Impugnante refere que a atividade desenvolvida nos espaços em causa era efetuada com base em contratos de arrendamento, que não estão sujeitos a IVA, sendo que em relação ao Bazar, o mesmo data de 1964; e quanto à Cantina Bar, foi celebrado em 1990 um contrato, que por erro jurídico da Impugnante, a relação jurídica foi mal qualificada, ou seja, como contrato de exploração, quando na realidade se trata de um arrendamento.

A Sentença considerou que em relação ao Bazar não existia nenhum contrato formal de concessão de exploração, mas antes um contrato de arrendamento celebrado em 1964, o qual até à data não sofreu qualquer alteração.
No que concerne, à Cantina Bar, entendeu a Sentença que o contrato já consubstancia uma concessão de exploração, no qual se menciona um anexo onde consta equipamento e utensilagem confiado à atividade, o que configura tratar-se de um estabelecimento comercial que é dado à exploração na sua totalidade e não apenas o seu espaço físico.
Nesta sequência, julgou a impugnação procedente em relação à cedência do espaço para os Bazares e improcedente para a Cantina Bar.
Inconformados com os respetivos decaimentos, ambas as partes recorreram.

A Fazenda Pública continua a entender que em relação aos Bazares, o contrato deve ser considerado como de concessão de exploração, arrimando-se numa proposta aprovada pelo Conselho de Administração do Hospital (...), na qual se refere que seja celebrado com a arrendatária um contrato de concessão de exploração. Daqui conclui que ocorreu despejo da inquilina, passando a referir-se exploração em vez de arrendamento.
Ora, a Sentença recorrida entendeu que, não obstante aquela proposta, não consta em lado algum que tenha sido celebrado o proposto contrato de exploração.
A Administração Tributária não refere que tenha sido celebrado tal contrato, mas que basta a dita proposta do Conselho de Administração para que a situação jurídica fique, desde logo, convertida de arrendamento, para cessão de exploração.
Salvo melhor entendimento, não podemos concordar com esta alegação da Administração Tributária.
Efetivamente compulsados os autos e analisado o processo administrativo apenso, não se deteta que posteriormente à dita proposta tenha sido celebrado algum contrato de cessão de exploração. É isso que a Sentença refere, para além de nem sequer o relatório da inspeção tributária faz qualquer referência a um contrato de cessão de exploração.
Conforme dado por assente na alínea A) da matéria de facto (vide fls. 9 do processo administrativo), em 1964 foi celebrado um contrato de arrendamento entre a Impugnante e E., tendo o mesmo sofrido um aditamento em 1987 – vide alínea B) da matéria de facto (e fls. 6 e 7 do processo administrativo), nos termos do qual, o inquilino passaria a ser a sociedade que a inquilina viesse a constituir, desde logo, ficando autorizada essa firma no direito de arrendamento, vinculando-se a Impugnante a emitir-lhe o competente recibo.
A sociedade a constituir, viria a designar-se como «M., Lda.», a qual emite em 31/01/2002, uma declaração (vide fls. 12 do processo administrativo), nos termos da qual refere que os bens adquiridos para o seu estabelecimento, sito no piso 2 do Hospital, foram inteiramente por si fornecidos (balcões, montras, frigoríficos, máquinas de café …), há mais de 35 anos, motivo pelo qual não possui os documentos comprovativos da sua compra.
Ora, conjugada a ausência de um contrato de cessão de exploração, com esta declaração, tem de se concluir que, não foi feita prova da existência da cessão de exploração. Aliás, isso mesmo foi dado como não provado na Sentença.
Assim, não indica a Administração Tributária quais os bens que a Impugnante dispunha para que pudesse dar à exploração da sociedade em apreço. Limita-se a remeter para um projeto, que, atenta a ausência do consequente contrato, não se pode dizer que tenha sido concretizado.
Isto porque, conforme ficou assertivamente dito na Sentença, o contrato de exploração, implica que o cedente coloque à disposição do cessionário uma unidade jurídica, constituída por um estabelecimento comercial, que inclui toda uma panóplia de bens para que o mesmo possa exercer a atividade, demitindo-se o cedente de exercer essa atividade, temporariamente.
Por seu turno, o arrendamento implica somente a cedência do gozo temporário de um prédio, no todo ou em parte, mediante o pagamento de uma renda. O conceito de locação consta do artigo 1022.º do Código Civil, nos seguintes termos: Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.
No que concerne aos Bazares, deve-se considerar que está em causa apenas um contrato de locação, pois não resultou provado que estivesse em questão algo mais do que a mera disponibilização dos espaços destinados ao exercício da atividade realizada pela locatária.
Desta forma, andou bem a Sentença em não dar como provado que este contrato de arrendamento se tivesse transformado em contrato de cessão de exploração de estabelecimento.

Termos, em que improcede o recurso da Fazenda Pública.
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Analisemos agora o recurso do Hospital Impugnante, aqui também Recorrente, na parte em que decaiu.
Segundo a sua alegação, o contrato firmado em relação à Cantina – Bar, não comportou uma cessão de exploração, mas antes um arrendamento, integrando bens móveis e utensílios. Mais refere que, para que pudesse ter existido a concessão, era imprescindível que a Impugnante fosse titular de um estabelecimento comercial de cantina bar, o qual teria de ter alvará de funcionamento e funcionários a explorá-lo e que fossem transferidos para a concessionária, assim como teria de ter bens consumíveis e viveres, contratos de publicidade com marcas de bens alimentares, bebidas, etc. Nada disso existia, pelo que a Sentença fez uma incorreta interpretação dos factos.
Apreciando.
Segundo Antunes Varela (vide Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 100, pág. 270; idem no Código Civil por si anotado, anotado – 3.º ed., em anotação ao artigo 1085.º), o contrato de cessão de exploração de estabelecimento o que tinha de característico não é a cedência da fruição do imóvel, nem o gozo do mobiliário ou do recheio que nele se encontre, mas a cedência como um todo, como uma universalidade, de uma unidade económica mais ou menos complexa: Na transmissão efectuada pelo cedente vai, portanto, incluído todo o somatório de elementos materiais e imateriais que integram a organização da empresa (desde móveis e imóveis até à clientela, às patentes, aos segredos de fabrico, aos contratos, licenças, alvarás, assinatura de telefones, etc.).

Por sua vez, Ferrer Correia e Maria Ângela Coelho, escreveram na Revista de Direito e Economia, X/XI, pág. 281 e 292, o seguinte: para poder falar-se em contrato de locação de estabelecimento, forçoso é demonstrar-se a existência de um estabelecimento ao tempo da celebração do negócio jurídico. (…) São elementos essenciais deste negócio: a) a transferência, b) onerosa, c) temporária, d) do direito de exploração de um estabelecimento comercial.

Também Pupo Correia, in Direito Comercial, 10ª edição, pág. 72, refere que a cessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil. O cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da actividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário.

Em face destes conceitos, temos de verificar se ocorreu a cessão de exploração de um estabelecimento ou não. Assim, entende a doutrina que é necessário que um estabelecimento esteja a funcionar para que possa haver cessão de exploração do mesmo, pois de outra forma, um mero espaço físico, não corresponde ao aviamento de um estabelecimento.

Ora, conforme referido pelos citados autores, a cessão compreende, para além do mais, de todo um conjunto de caraterísticas inerentes a um estabelecimento em funcionamento, para além dos moveis e imóveis, como seja a clientela, os contratos (por exemplo contratos de trabalho e contratos de fornecimento), as licenças, alvarás, patentes (se for o caso), etc.

Não se deteta que no contrato em apreço haja a transmissão de toda esta panóplia inerente ao funcionamento de um estabelecimento. Verifica-se antes que se trata de uma simples colocação passiva do espaço físico e equipamentos constantes do mesmo à disposição do locatário. E sendo somente uma colocação passiva, o locador não entrega nada mais do que os bens. Aliás, o Impugnante não cede trabalhadores, o que também permite concluir não se estar diante de uma cessão de exploração de estabelecimento.

Por isso, não é que pelo facto de constar uma lista anexa com equipamentos e utensílios, que só por si se pode inferir estar-se diante de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento. Pois que, como refere Antunes Varela, não é suficiente a cedência do imóvel, nem o gozo do mobiliário ou o recheio, mas a cedência como um todo, como uma universalidade.

Ora, esta cedência de uma universalidade não está demonstrada pela Administração Tributária, pelo que não se pode considerar que tivesse havido uma cessão da exploração de um estabelecimento.
Estando em apreço apenas um arrendamento de uma parte de imóvel, ainda que com equipamentos e apetrechos, não está esse contrato sujeito a IVA, tal como resulta do n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA.
Esta interpretação está em consonância com a mais recente jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), tirada nos acórdãos de 28 de fevereiro de 2019, processo n.º C-278/18 (em: https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=211181&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=7430815) e de 19 de dezembro de 2018, processo n.º C-17/18 (em: https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=209350&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=2990267), segundo os quais o arrendamento de um imóvel que tenha equipamento no seu interior não está sujeito a IVA.
Assim, no Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, processo n.º C-278/18, foi firmada a seguinte jurisprudência:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:
1) O conceito de «transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela», na aceção do artigo 19.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não abrange uma operação pela qual um bem imóvel utilizado como estabelecimento comercial é arrendado, com todos os bens de equipamento e consumíveis necessários para a sua exploração, mesmo que o locatário prossiga a atividade do locador sob a mesma denominação.
2) O artigo 135.o, n.º 1, alínea l), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de locação de um bem imóvel utilizado como estabelecimento comercial e de todos os bens de equipamento e consumíveis necessários para a sua exploração constitui uma prestação única na qual a locação do imóvel é a prestação principal.

Importa salientar que o artigo 19.o, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA está redigido nos mesmos termos que o artigo 5.o, n.º 8, da Diretiva Sexta 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros, pelo que estando esta última em vigor à data dos factos, vale a mesma jurisprudência.

Por sua vez, no Acórdão proferido em de 28 de fevereiro de 2019, no processo n.º C-278/18, foi tirada a seguinte jurisprudência:
O artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que a isenção do imposto sobre o valor acrescentado sobre a locação de bens imóveis prevista nesta disposição se aplica a um contrato de cedência de exploração agrícola de prédios rústicos constituídos por vinhas a uma sociedade que exerce a atividade de exploração agrícola no setor da viticultura, celebrado pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, devendo a respetiva renda ser paga no termo de cada ano.

O Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido que as operações de locação de bens imóveis, para poderem beneficiar da isenção, devem reunir as características essenciais da locação, ainda que o bem imóvel seja afetado com bens móveis para o exercício da atividade em causa, se a locação for o elemento essencial do contrato, assim se deve considerar, e, como tal o contrato de locação encontra-se isento de IVA.
Em face do exposto, conclui-se que o contrato refente à Cantina Bar, não configura uma cessão de exploração de estabelecimento, mas antes um contrato de locação, concretamente de arrendamento, pelo que não é devido IVA.

Desta forma, a Sentença recorrida deve ser revogada na parte em que julgou a impugnação improcedente, devendo esta ser julgada totalmente procedente.
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Considerado que a presente Impugnação Judicial foi intentada no ano de 2003, verifica-se que a Fazenda Pública está isenta de custas processuais, atenta a aplicação do regime legal em vigor à data da interposição desta impugnação.
Assim, estava em vigor o Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de fevereiro, que teve entrada em vigor no dia 12/02/1998 (artigo 10.º do diploma em apreço), em cuja alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º foi consagrada a isenção subjetiva de custas do «Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados».
Esta isenção deixou de ter consagração legal com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro no art. 2.º do Código das Custas Judiciais, mas este diploma continha uma disposição transitória no seu art. 14.º, n.º 1, por força do qual as alterações ao Código das Custas Judiciais que introduziu apenas se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 01/01/2004, nos termos do disposto no n.º 1, do seu art. 16.º.

Por sua vez, nos termos do disposto no art. 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP), quanto à respetiva aplicação no tempo, a Fazenda Pública continuou a beneficiar da referida isenção, o mesmo se verificando atualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei n.º 7/2012 de 13 de fevereiro, a qual, no n.º 4 do respetivo art. 8.º, prevê que: “Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas.”

Assim sendo, e embora responsável pelas custas, em face do seu total decaimento, a Fazenda Pública encontra-se isenta do respetivo pagamento, na 1.ª instância, e no presente recurso. Vide neste sentido o acórdão deste TCA Norte de 28/01/2021, proferido no processo n.º 00057/14.7BUPRT (em www.dgsi.pt).
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

Um contrato de locação de imóvel para o exercício de comércio, acompanhado de equipamentos e utensílios, não está sujeito a IVA, caso não corresponda a uma cessão de exploração de estabelecimento.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em:
1) negar provimento ao recurso da Fazenda Pública;
2) conceder provimento ao recurso do Impugnante, revogando a Sentença na parte em que este decaiu;
3) julgar a impugnação totalmente procedente, anulando-se as liquidações impugnadas.
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Sem custas, por delas estar isenta a Fazenda Pública, atenta a data da interposição desta impugnação.
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Porto, 8 de julho de 2021.

Paulo Moura

O Relator atesta, nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, que o Acórdão tem voto de conformidade das Ex.mas Senhoras Desembargadora Adjuntas: Cristina Santos da Nova e Ana Paula Santos.