Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00313/19.8BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/12/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO; CGA;
CUMPRIMENTO DA SENTENÇA;
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA - INDEFERIMENTO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de Sentença
Decisão:Negar provimento ao recurso do Exequente, dar provimento ao recurso da CGA.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», com domicílio na Rua ..., ..., ..., veio, por apenso aos autos de ação administrativa especial, que correram termos sob o n° 313/19.8BEPRT, instaurar ação executiva contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, com sede na Avenida ..., ... ..., pedindo o seguinte:
“Termos em que, deve a presente acção ser julgada procedente e, consequentemente:
i) ser a executada condenada a cumprir os termos da sentença proferida na acção declarativa, no prazo de 30 dias a contar do transito em julgado da decisão a proferir nos presentes autos;
ii) ser a executada condenada, na pessoa do presidente do seu conselho directivo, no valor diário de € 50,00 [cinquenta euros], por cada dia de atraso no cumprimento da decisão judicial a proferir nos presentes autos, para além daqueles 30 dias, a título de sanção pecuniária compulsória.”
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi decidido assim:
a) Condena-se a Executada Caixa Geral de Aposentações a emanar nova deliberação da Junta Médica realizada em 16-03-2018, na qual, de forma concreta, se identifiquem os seus intervenientes e se indiquem as razões factuais em que é alicerçado o diagnóstico que conduziu à ausência de atribuição de incapacidade permanente ao Exequente, exteriorizando, mesmo usando os termos médicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos do diagnóstico;
b) Anula-se a deliberação tomada, em 23-11-2021, pela Junta de Recurso e a respetiva decisão de indeferimento do pedido de aposentação proferida pela Direção da Executada na mesma data;
c) Condena-se a Executada Caixa Geral de Aposentações a emanar nova deliberação da Junta de Recurso de 24-10-2018, com a presença dos médicos que originariamente nela participaram, incluindo o médico indicado pelo Exequente, notificando o mesmo, caso seja necessário, para fornecer os dados de identificação do referido médico, por carta registada;
Na decisão emanada, deverão constar, de forma concreta, as razões factuais em que é alicerçado o diagnóstico que conduziu à ausência de atribuição de incapacidade permanente ao Exequente, exteriorizando, mesmo usando os termos médicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada e pronunciando-se sobre todos os relatórios médicos juntos pelo Exequente, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos do diagnóstico;
d) Fixa-se o prazo de 60 dias (úteis) para que seja dado cumprimento ao supra estabelecido, sem prejuízo do apuramento de eventual responsabilidade civil, disciplinar e criminal no caso de inexecução da presente decisão judicial por parte dos órgãos da Administração responsáveis (art° 179°, n° 6 do CPTA);
e) Julga-se improcedente o pedido de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória;
Desta vêm interpostos recursos pelo Autor, delimitado à parte da decisão que julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória, e pela Ré.
Alegando, aquele formulou as seguintes conclusões:

a) É recorrida a parte da sentença que indeferiu o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória;

b) A Caixa Geral de Aposentações não cumpriu o julgado nem demonstrou vontade de cumprir;

c) Dos autos, resulta que este incumprimento é ilícito, culposo e não desculpável;

d) Sobre o acto a praticar para sanar os vícios apontados à junta médica de 16.03.2018, não se provou qualquer cumprimento ou sequer a prática de qualquer com vista a esse efeito;

e) Sobre os actos a praticar para sanar os vícios apontados à junta médica de 24.10.2018 e respectiva decisão de indeferimento do pedido de aposentação por incapacidade, também se deve considerar que não houve cumprimento ou intenção de cumprir;

f) A junta e relatório médico de 23.11.2021 – também declarada inválida pelo tribunal – não pode significar “uma vontade de cumprir” pois a CGA sabe muito bem que a mesma é ilegal e inválida, por sofrer do mesmo vício de falta de fundamentação, pelo que, não há engano desculpável na prática deste acto;

g) Sobre esse relatório produzido pela junta médica de 23.11.2021, é patente que nenhum esforço de fundamentação foi efectuado, no sentido de suprir os vícios anteriormente apontados pelo tribunal e que levaram à anulação dos actos;

h) A única conclusão que razoavelmente se pode extrair é que a CGA anda a protelar indefinidamente o cumprimento do julgado, não tendo uma verdadeira intenção de cumprir;

i) Não existe nenhuma justificação aceitável para a CGA andar há cerca de 2 anos para realizar as juntas médicas e os relatórios fundamentados bem como para proceder às notificações ao recorrente, que são exigidas por lei;

j) A sentença errou ao não condenar no pedido de pagamento de sanção pecuniária compulsória;

k) A sentença violou os artigos 169º e 176º, nº 4 do CPTA.

Termos em que, na procedência do recurso, deve ser julgado procedente o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória, conforme pedido formulado na petição inicial.
A Ré juntou contra-alegações, concluindo:
1ª Em execução da sentença proferida nos autos principais, em 29 de Março de 2021, foi elaborado um relatório que fundamenta a decisão proferida pela Junta Médica de 16 de março de 2018.

2ª Não há qualquer fundamento para que o recurso proceda e a CGA seja condenada nos termos pretendidos pelo recorrente.

3ª Em todo o caso, ainda que se desconsidere no âmbito da presente acção o relatório de 29 de março de 2021, o certo é que, tal como considerou o tribunal de primeira instância, a CGA demonstrou vontade de cumprir a sentença.

4ª No presente caso não houve um incumprimento ilícito e culposo.

5ª O recurso deve improceder.
A Ré, em alegações, concluiu:

1ª O Tribunal a quo não deveria ter considerado como não provado “A elaboração do relatório de 29 de março de 2021 que fundamentou a deliberação tomada pela Junta Ordinária de 18 de março de 2018.”

2ª Por despacho de 9 de Março de 2022, o Tribunal a quo, referindo-se ao requerimento de 20 de Outubro de 2021, intimou a CGA “para juntar aos autos os documentos que refere no requerimento, bem como quaisquer atos que tenham sido praticados entretanto e demais documentos relevantes, no âmbito da presente Execução.”

3ª A CGA, tendo remetido outros documentos, não remeteu a cópia do relatório de 29 de Março de 2021.

4ª Por esse relatório assumir relevância na decisão do litígio e porque o seu não envio resultou de um lapso manifesto, mas desculpável, da CGA, o Tribunal a quo deveria ter procedido a uma segunda notificação da CGA para apresentar cópia de tal documento.

5ª Em situações idênticas, os tribunais, cumprindo um dever de urbanidade que se impõe, procedem sempre a uma segunda notificação para a apresentação dos documentos relevantes.

6ª Em obediência ao princípio geral da verdade material, princípio que sobressai do disposto nos artigos 411° e 436° do CPC, estando em causa um facto essencial para decidir o litígio, impunha-se uma segunda notificação da CGA para apresentar cópia do relatório de 29 de Março de 2021.

7ª Ao não fazê-lo o Tribunal a quo violou os artigos 411° e 436° do CPC.

8ª Com fundamento no artigo 662° do CPC deve ser admitida a junção aos autos da cópia do relatório de 29 de Março de 2021, devendo, em consequência, ser alterada decisão de facto.

9ª Deve dar-se como provado que “Em 29 de Março de 2021 foi elaborado auto de junta médica que deliberou que o Exequente não se encontra absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções ou para toda e qualquer profissão e trabalho”.

10ª Deve dar-se como provado que “Tal deliberação assentou na seguinte fundamentação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

11ª Dando-se como provado que foi elaborado em 29 de Março de 2021 o referido relatório, deverá considerar-se que o mesmo fundamentou devidamente e, com observância do decidido na sentença de 11 de Novembro de 2019, o auto da junta médica realizada em 18 de Março de 2018.

12ª Relativamente ao relatório de 23 de Novembro de 2021, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o segmento decisório da sentença proferida nos autos principais não “obriga” a CGA a qualquer exercício de contra-argumentação quanto às declarações e relatórios médicos juntos pelo exequente.

13ª Nem é possível fazer tal exercício nas avaliações/peritagens médicas em que se avalia a capacidade/incapacidade permanente para o exercício de funções.

14ª Em nenhuma peritagem médica é feito o “exercício” que o tribunal quer impor à Junta Médica da CGA. As juntas da ADSE não o fazem, as juntas militares não o fazem, os médicos do Instituto Nacional de Medicina Legal, nas peritagens ordenadas judicialmente, não o fazem.

15ª No relatório de 23 de Novembro de 2021, foram indicadas e expostas as razões factuais que se ponderaram para não considerar o examinado incapaz.

15ª Os médicos indicaram os sinais ou sintomas das doenças do exequente: patologia ostearticular, apneia do sono e quadro depressivo. Caracterizaram as mesmas (explicou-se que a patologia osteoarticular é difusa, tipo degenerativo, que a apneia é ligeira já que não evidencia de complicações, que o quadro depressivo pode melhorar com medicação).

16ª Depois, fazendo uma avaliação abrangente, decidiram que o exequente não se encontrava absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções.

17ª Foi dado cumprimento integral à sentença de 11 de Novembro de 2019.

18ª A sentença impugnada violou os artigos 411° e 436° do CPC e, por considerar que não foi executada a referida sentença, o artigo 173° do CPTA.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
O Autor contra-alegou e concluiu:

i) O recurso apresentado pela CGA deve ser julgado improcedente.

ii) Deve ser indeferido o pedido de junção do documento ... junto com o recurso da CGA [auto de junta médica de 29 de Março de 2021], por processualmente inadmissível, nos termos do artigo 651º do CPC;

iii) Não há lugar à modificação da matéria de facto não provada, nomeadamente, o ponto B) dos factos não provados, por inexistir qualquer erro de julgamento ou meios de prova que imponham decisão diversa;

iv) A junta médica de recurso de 23.11.2021 não se encontra fundamentada nos termos da lei e conforme determinação do tribunal na acção declarativa;

v) A CGA não notificou, como legalmente devido, o exequente da marcação dessa junta médica e para indicar os dados de identificação do seu médico assistente, que devia participar na mesma;

vi) A realização da junta médica de 23.11.2021 por médicos diferentes dos que realizaram a junta médica de 24.10.2018, e nos termos efectuados e descritos na sentença, é ilegal, por violação de lei.

vii) A sentença recorrida deve ser mantida nos exactos termos destes pontos.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. Em 10-01-2019, o Exequente requereu neste Tribunal providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho de 30-10-2018, proferido pela Direção da Caixa Geral de Aposentações, que indeferiu o seu pedido de aposentação por incapacidade, bem como do despacho da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 20-12-2018, pelo qual o Autor foi notificado de que, atenta a decisão de indeferimento do pedido de aposentação por incapacidade pela Caixa Geral de Aposentações, teria de apresentar-se ao serviço [Serviço de Finanças ...] no primeiro dia útil seguinte a 22-12-2018, que correu termos sob o n.° 3205/18.4BEPRT - cfr. fls. 1 do Proc. n.° 3205/18.4BEPRT (consulta ao SITAF);
2. Em 07-02-2019, o Exequente intentou neste Tribunal ação administrativa de anulação do despacho de 30-10-2018, proferido pela Direção da Caixa Geral de Aposentações, que indeferiu o seu pedido de aposentação por incapacidade, com pedido de condenação à prática de ato administrativo legalmente devido; bem como do despacho da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 20-12-2018, pelo qual o Autor foi notificado de que, atenta da decisão de indeferimento do pedido de aposentação por incapacidade pela Caixa Geral de Aposentações, teria de apresentar-se ao serviço [Serviço de Finanças ...] no primeiro dia útil seguinte a 22-12-2018, que correu termos sob o n.° 313/19.8BEPRT – cfr. fls. 1 do Proc. n.° 313/19.8BEPRT (consulta ao SITAF);
3. Em 11-11-2019, por este Tribunal foi convolado o processo cautelar em processo principal e antecipado o conhecimento da causa principal, no âmbito do Proc. n.° 3205/18.4BEPRT, tendo sido proferida sentença na qual se decidiu o seguinte, cfr. fls. 809 do Proc. n.° 3205/18.4BEPRT (consulta ao SITAF):
“(...) Destarte, restará concluir pela procedência da exceção de inimpugnabilidade do ato proferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, exceção esta que determina a absolvição da presente instância da Autoridade Tributária e Aduaneira demandada, como resulta do disposto no artigo 89º, n.º 1, alínea c), do CPTA, prosseguindo os autos para apreciação dos pedidos formulados em i) e ii), deduzidos contra a R. Caixa Geral de Aposentações.
(...)
Em face do exposto, julga-se a ação procedente e, consequentemente:
a) Anula-se o despacho do R. de 30/10/2018 que indeferiu o pedido do A.
b) Condena-se o R. à prática dos seguintes atos:
- Nova Deliberação da Junta Médica, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico;
- Nova Deliberação da Junta de Recurso, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz
à ausência da incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico;
- Nova decisão final sobre o pedido de aposentação por incapacidade, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico.”
4. Na sentença identificada no ponto 3 que antecede consta, ainda, o seguinte e que ora se transcreve:
“FACTOS PROVADOS:
São os seguintes os factos que se provaram, com relevância para a decisão da causa:
(...)
19) A Junta Médica, constituída pelo seu presidente e por dois vogais médicos, reuniu-se no dia 16/03/2018 e concluiu que o Autor não está “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, assim como, não “sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho”, com a seguinte fundamentação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(fls. 268 do p. a., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
(...)
24. A Junta Médica, constituída pelo seu presidente e por dois vogais médicos, reuniu-se no dia 24/10/2018 e concluiu que o Autor não está “absoluta permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, assim como, não “sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho”, com a seguinte fundamentação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(fls. 480 do p. a., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
(...)
Da violação dos artigos 91°, n.° 3 e 95° do Estatuto da Aposentação:
O Autor alega que os pareceres das juntas médicas de 16/3/2018 e de 24/10/2018 não se encontram suficientemente fundamentados o que equivale à falta de fundamentação.
(...)
Da fundamentação supra verifica-se a mesma se traduz em meros juízos conclusivos, nomeadamente que as alegadas patologias não são incapacitantes, sem que, contudo, exponha as razões determinantes para tal conclusão. É quase inexistente o enquadramento factual, apresentando-se a estrutura lógico-discursiva insuficiente, carecendo ainda de fundamentação técnica que permita ao Autor, ainda que coadjuvado por um profissional da área, apreender o(s) motivo(s) que levou(aram) os médicos que compuseram a junta médica a considerar as patologias não incapacitantes para o trabalho.
Além do mais, dado todo o historial do Autor necessariamente junto ao seu processo individual, seria de esperar que a fundamentação da decisão da Junta Médica dissesse algo mais, nomeadamente rebatendo de alguma forma todas as declarações e relatórios médicos juntos pelo Autor.
Por outro lado, não resulta da fundamentação da decisão da Junta Médica qualquer aderência ou não ao relatório elaborado pela médica relatora que nem sequer menciona, pelo que não pode a mesma considerar-se fundamentada por adesão às conclusões aí ínsitas.
Deste modo, a fundamentação não é clara pois não permite que, através dos seus termos, o destinatário apreenda com precisão os factos e o direito com base nos quais os médicos que compuseram a Junta Médica decidiram que as patologias não são incapacitantes; não é suficiente já que não permite aferir a respetiva motivação, nem congruente uma vez que a decisão de considerarem o Autor capaz para o trabalho não constitui a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.
Já quanto à Junta de Recurso, resulta do ponto 23 do probatório que o Autor juntou Relatórios Médicos comprovativos da incapacidade; Atestado Multiusoso de Saúde Pública; Requisição Relatórios Médicos Não Concluídos Ortopedia, Pneumologia e Neurologia e Relatório Psicologia” e do ponto 24 decorre que a fundamentação da mesma é a seguinte:
(...)
Valem aqui as razões aduzidas quanto à Junta Médica. Constata-se que a fundamentação da Junta de Recurso não rebate, ou sequer faz qualquer referência aos inúmeros relatórios médicos juntos pelo Autor. Da mesma não é possível retirar quais os motivos que levaram os médicos que a compuseram a concluírem que as patologias invocadas pelo Autor não são de molde a justificar a atribuição de incapacidade permanente. Deste modo, a fundamentação da Junta de Recurso apresenta-se de forma que não é possível ao destinatário, ainda que coadjuvado por um profissional da área, concluir qual o iter cognoscitivo e valorativo seguido pelos médicos.
Conclui-se assim que as deliberações em causa contêm meros juízos conclusivos sobre o estado do Autor, logicamente opostos àqueles que constam dos inúmeros relatórios e declarações médicas por este juntos, sendo que, em face deles, o Autor ficou sem saber quais foram as razões efetivas por que se entendeu que não reunia as condições determinantes da incapacidade permanente para o trabalho. Falta-lhes um mínimo de exposição factual, e até de fundamentação técnica, que permita compreender porque é que as patologias alegadas pelo Autor e confirmadas por vários médicos de diversas especialidades não determinam a incapacidade permanente para o trabalho.
Destarte, procede o alegado vício de falta de fundamentação das decisões das Juntas Médicas de 16/3/2018 e 24/10/2018 e em virtude do despacho de 30/10/2018 por ter aderido integralmente à fundamentação da Junta de Recurso.”
5. Em 28-02-2020, foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte a negar provimento ao recurso interposto da sentença que antecede sob o ponto 4, cfr. fls. 953 do Proc. n.° 3205/18.4BEPRT (consulta ao SITAF)
6. Em 02-07-2020, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo a não admitir recurso de revista do acórdão referido no ponto 5, cfr. fls. 1038 do Proc. n.° 3205/18.4BEPRT (consulta ao SITAF).
7. Em 31-08-2020, foi proferido despacho de concordância pela Direção da Caixa Geral de Aposentações em relação ao Parecer n.° 151/2020, da mesma data, da ... cfr. doc. ... junto com a contestação, de cujo teor ora se extrata o seguinte:
“Cumpre executar a decisão proferida pelo TAF do Porto em 11 de Novembro de 2019. O processo deve ser remetido à ACC7- Área de Verificação e Incapacidades para que as deliberações da Junta Médica proferidas em 16 de Março de 2018 (primeira junta médica) e em 24 de Outubro de 2018 (junta de recurso), sejam fundamentadas em conformidade com o decidido, ou seja com a indicação das razões factuais em que se alicerça o diagnóstico que conduz à ausência de incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico.”
8. Em 25-01-2021, foi elaborado parecer pela Coordenadora do Núcleo Médico da Caixa Geral de Aposentações - cfr. doc. ... junto com a contestação, de cujo teor ora se extrata o seguinte:
“(...) devem-se contactar os elementos de ambas as Juntas realizadas de modo a elaborarem novos autos com uma fundamentação mais explícita de modo a poder ser compreendida pelo interessado e médico assistente. Em relação à Junta Médica de Recurso, deve-se contactar o médico acompanhante, e pedir que assine o auto de acordo com o que é solicitado por tribunal. Não deve acrescentar nada no auto, tal como também não o realizou na primeira avaliação”.
9. Em 29-01-2021 foi remetido ao Autor ofício, por parte da Ré, com o seguinte teor, que consta do doc. ... junto com a contestação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
10. Em 18-02-2021 foi remetido ao Autor ofício, por parte da Ré, com o seguinte teor, que consta do doc. ... junto com a contestação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
11. Em 21-10-2021 foi enviado ao Exequente o seguinte ofício, que consta a fls. 112 e ss. dos autos:
“A fim de dar cumprimento ao decidido pelo Tribunal, necessidade de fundamentar o parecer da Junta de Recurso realizada em 24 de outubro de 2018, solicito a V. Exa. que informe esta Caixa os dados relativos ao médico que o acompanhou na referida Junta, Dr. «BB» (número OM ...19), remetendo a morada e o número de telefone para o endereço - cga.juntamedica@cgd.pt.
Mais informo de que é da responsabilidade do subscritor dar conhecimento ao referido médico do dia e hora que deverá comparecer nas instalações da Caixa para assinar o ....
Dia da realização da Junta Médica - 23 de novembro de 2021 - o médico deverá comparecer às 14H, na seguinte morada Edifício da CGA no ... - Rua ....
Caso o médico não possa comparecer deverá informar o motivo pelo qual não o pode fazer através do email acima indicado.
Mais informo de que na falta de resposta a este pedido, no prazo de 10 dias úteis, será designado um médico por esta Caixa em substituíção do médico que o acompanhou.”
12. Em 23-11-2021, foi elaborado auto de junta médica, no sentido de o Exequente não se encontrar absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções e não sofrer de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho, o qual foi objeto, na mesma data, de despacho de concordância e homologação pela Direção da Executada, no uso da delegação de poderes publicada no Diário da República, II Série, n.º 244 de 2019-12-19. - cfr. doc. doc. junto a fls. 112 e ss. dos autos, de cujo teor ora se extrata a seguinte fundamentação:
“Fundamentação: Patologia osteoarticular difusa de tipo degenerativo envolvendo em particular a coluna cervical mas sem evidencia de repercussão sobre as estruturas neurológicas que possa condicionar défice funcional e justificar incapacidade permanente - exames eletrofisiologicos não documentaram lesões incapacitantes. Sindrome Apneia do Sono sem evidencia de complicações apesar de registo de má adesão à terapêutica proposta. Referência a antecedentes de fraturas ósseas, DM, HTA e dilatação aneurismatica na arteria cerebral média sem evidência de complicações invalidantes. Quadro ango-depressivo em relação ao qual não se encontra esgotadas as possibilidades terapÊuticas de consenso. Nota - subscritor notificado para convocação de médico representante a esta junta. Não tendo o médico representante comparecido foi elaborado auto por três médicos da CGA.”
13. Na mesma data foi remetido ofício ao Exequente informando-o da decisão proferida pela Junta de Recurso, cfr. doc. ... junto a fls. 112 e ss. dos autos.
14. A presente ação executiva foi apresentada em 25-01-2021. – cfr. fls. 1 dos autos;
DE DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o conhecimento do mesmo.
Assim,
Vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente a acção executiva e, por conseguinte, decidiu nos seguintes termos:
a) Condena-se a Executada Caixa Geral de Aposentações a emanar nova deliberação da Junta Médica realizada em 16-03-2018, na qual, de forma concreta, se identifiquem os seus intervenientes e se indiquem as razões factuais em que é alicerçado o diagnóstico que conduziu à ausência de atribuição de incapacidade permanente ao Exequente, exteriorizando, mesmo usando os termos médicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos do diagnóstico;
b) Anula-se a deliberação tomada, em 23-11-2021, pela Junta de Recurso e a respetiva decisão de indeferimento do pedido de aposentação proferida pela Direção da Executada na mesma data;
c) Condena-se a Executada Caixa Geral de Aposentações a emanar nova deliberação da Junta de Recurso de 24-10-2018, com a presença dos médicos que originariamente nela participaram, incluindo o médico indicado pelo Exequente, notificando o mesmo, caso seja necessário, para fornecer os dados de identificação do referido médico, por carta registada; Na decisão emanada, deverão constar, de forma concreta, as razões factuais em que é alicerçado o diagnóstico que conduziu à ausência de atribuição de incapacidade permanente ao Exequente, exteriorizando, mesmo usando os termos médicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada e pronunciando-se sobre todos os relatórios médicos juntos pelo Exequente, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos do diagnóstico.
O Tribunal a quo considerou que a Caixa Geral de Aposentações não executou a sentença proferida nos autos principais da 1ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (11 de novembro de 2019), confirmada pelo TCA Norte e STA.
De acordo com aquela decisão competia à CGA fundamentar as decisões da junta ordinária de 16 de março de 2018 e da junta de recurso de 24 de outubro de 2018 “com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência de incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico “
Por um lado, relativamente à junta ordinária de 16 de março de 2018, o Tribunal a quo deu como não provado “que tenha sido elaborado relatório pela Junta médica em 29-03-2021, fundamentando a decisão proferida em 16-03-2018” - alínea b) do IV-B da sentença. Consequentemente, condenou a CGA a “emanar nova deliberação da Junta Médica realizada em 16-03-2018 (...)”
Por outro lado, relativamente à fundamentação da junta de recurso, realizada em 24 de outubro de 2108, o Tribunal considerou que o auto elaborado em 23 de novembro de 2023 não se encontra fundamentado nos termos definidos pela sentença de 11 de novembro de 2019.
Fundamenta este entendimento, dizendo:
Voltou-se a não fazer qualquer exercício de contra-argumentação quanto às declarações e relatórios médicos juntos pelo Autor - relatórios médicos comprovativos da incapacidade; atestado de saúde pública; requisição de relatórios médicos não concluídos ortopedia, pneumologia e neurologia e relatório de psiquiatria.
Por outro lado, não são indicadas as razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente, impedindo, assim, o destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, de compreender o sentido e os fundamentos de tal diagnóstico. De facto, são usadas maioritariamente expressões meramente conclusivas como “não se encontra esgotadas as possibilidades terapêuticas de consenso”, que não explicam, mesmo com uso de termos médicos, as razões que levaram à não atribuição de incapacidade ao Exequente.
Cremos que não assiste razão ao Tribunal a quo.
Sobre a obrigação de fundamentar a deliberação da Junta Médica realizada em 18 de março de 2018 -
O Tribunal a quo considerou que não ficou provado a elaboração do relatório de 29 de março de 202 que fundamentou a deliberação tomada pela Junta Ordinária de 18 de março de 2018.
Vejamos:
No articulado que apresentou no dia 20 de outubro de 2021 (peça nº ...84), a CGA, no ponto 3. refere que “Em 29 de março de 2021, finalmente reunidos os médicos que intervieram na Junta Médica realizada em 16 de março de 2018, foi, conforme decidido, devidamente fundamentada a deliberação então tomada. (doc....).” No ponto 4. Do referido articulado faz-se referência ao ofício de 14 de maio de 2021 e também se indica a junção do documento.
Todavia, não juntou as cópias dos documentos referidos.
Por despacho de 9 de março de 2022, o Tribunal a quo pediu à CGA “para juntar aos autos os documentos que refere no requerimento, bem como quaisquer atos que tenham sido praticados entretanto e demais documentos relevantes, no âmbito da presente Execução.”
A Caixa Geral de Aposentações, cumprindo este despacho, em 14 de março de 2022, juntou aos autos a cópia do ofício de 14 de maio de 2021, mas, não remeteu a cópia do relatório de 29 de março de 2021.
O Tribunal não voltou a intimar a Caixa Geral de Aposentações para juntar aos autos cópia do referido relatório e, no entanto, esse relatório assumia - e assume - enorme importância na decisão do litígio.
Com efeito, esse relatório, como invocado pela CGA no articulado apresentado em 20 de outubro de 2021, ao contrário do relatório da junta de recurso (23 de novembro de 2021), foi elaborado pelos três médicos que tiveram intervenção na junta ordinária de 18 de março de 2018.
É o relatório da junta principal que primeiro avaliou a situação do Autor.
É certo que não há nenhum preceito legal que expressamente obrigasse o Tribunal a quo a pedir uma vez mais à CGA a junção aos autos do relatório de 29 de março de 2021.
Todavia, o facto da CGA, no articulado de 14 de março de 2022, ter remetido cópia dos outros documentos (ofício de 14 de março), indicia de forma clara que se tratou de um lapso, de um desculpável “esquecimento” - lê-se nas alegações e aqui corrobora-se.
Assim, no dever de colaboração processual e, em obediência ao princípio geral da verdade material, princípio que sobressai do disposto nos artigos 411° e 436° do CPC, estando em causa um facto essencial para decidir o litígio, impunha-se uma segunda notificação da CGA para apresentar cópia do relatório de 29 de março de 2021.
O que se busca no processo é a verdade material.
O Tribunal a quo ignorou o princípio da investigação que se traduz no poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando, assim, as bases para decidir. Violou por isso os referidos preceitos do CPC.
O artigo 662º do CPC prevê a modificabilidade da decisão de facto, determinando que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente.
Com fundamento neste preceito, juntou-se cópia do relatório de 29 de março de 2021 que ora se admite, alterando-se a decisão de facto, dando-se como provado que:
Em 29 de março de 2021 foi elaborado auto de junta médica que deliberou que o Exequente não se encontra absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções ou para toda e qualquer profissão e trabalho.
A fundamentação desta deliberação é do seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Alterada a matéria de facto, lida a extensa fundamentação, resulta evidente que a CGA indicou as razões factuais em que alicerçou o diagnóstico que conduz à ausência de incapacidade permanente. Exteriorizou, usando termos técnicos próprios da medicina, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao Exequente compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico.
Sobre a obrigação de fundamentar a deliberação da Junta Médica realizada em 24 de outubro de 2018 -
O Tribunal a quo considerou que o relatório de 23 de novembro de 2021 não deu cumprimento ao segmento decisório inserto na decisão proferida nos autos principais que obrigava a Caixa Geral de Aposentações a fundamentar o Auto da Junta Médica de Recurso realizada em 24 de outubro de 2018.
Contudo, sem razão.
A junta de recurso inicial, de 24 de outubro de 2018, deliberou no sentido do interessado não se encontrar absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções com base na seguinte fundamentação:
Patologia osteoarticular da coluna cervical sem evidência de repercussão neurológica incapacitante.
Apneia do sono e tratamento com CPAD, cefaleias e aneurisma cerebral sem evidência de complicação. Do ponto de vista psiquiátrico (quadro depressivo reativo sem remissão total susceptível de utilização terapêutica não justifica incapacidade.
A sentença de 11 novembro de 2019, no que respeita à junta médica de recurso, condenou a CGA a proferir:
Nova deliberação da Junta médica de Recurso, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência de incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico.
Em execução desta decisão, em 23 de novembro de 2021, os dois médicos que compuseram a primeira junta e, por não ter sido indicado pelo Exequente um médico assistente, um médico substituto indicado pela CGA, elaboraram o seguinte relatório:
“Patologia osteoarticular difusa de tipo degenerativo envolvendo em particular a coluna cervical mas sem evidência de repercussão sobre as estruturas neurológicas que possa condicionar défice funcional e justificar incapacidade permanente - exames eletrofisiologicos não documentaram lesões incapacitantes. Síndrome Apneia do Sono sem evidência de complicações apesar de registo de má adesão à terapêutica proposta. Referência a antecedentes de fraturas ósseas, DM, HTA e dilatação aneurismatica na artéria cerebral média sem evidência de complicações invalidantes. Quadro angodepressivo em relação ao qual não se encontra esgotadas as possibilidades terapêuticas de consenso”.
O Tribunal a quo considerou que a CGA não cumpriu a decisão de 11 de novembro de 2019.
Refere que não foi feito qualquer exercício de contra-argumentação quanto às declarações e relatórios médicos juntos pelo Autor. Refere por outro lado que não são indicadas razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente.
Quanto ao facto de não ter sido feito o exercício de contra-argumentação quanto às declarações e relatórios médicos juntos pelo Autor, importa desde já dizer que o segmento decisório da sentença proferida nos autos principais não “obriga” a CGA a tal exercício. A “contra-argumentação” é um mecanismo característico do Direito, não da avaliação/peritagem médica. A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações não tem de contraditar os pareceres e relatórios médicos apresentados pelos seus utentes quando requerem a sua aposentação com fundamento em incapacidade.
Em nenhuma peritagem médica é feito o “exercício” que o Tribunal quer impor à Junta Médica da CGA. As juntas da ADSE não o fazem, as juntas militares não o fazem e os médicos do Instituto Nacional de Medicina Legal, nas peritagens ordenadas judicialmente, não o fazem.
Por outro lado, contrariamente ao que se decidiu, no relatório de 23 de novembro de 2021, foram indicadas e expostas as razões factuais que se ponderaram para não considerar o examinado incapaz. Tais razões permitem compor um juízo lógico-jurídico que levou a tal conclusão. O relatório da CGA tinha de indicar a semiologia em causa, a relevância sintomática do contexto, a adequação dos protocolos terapêuticos, a sua aceitação pelo putativo incapaz e depois concluir pela capacidade ou incapacidade do mesmo.
Os médicos indicaram os sinais ou sintomas das doenças do Exequente: patologia ostearticular, apneia do sono e quadro depressivo. Caracterizaram as mesmas (explicou-se que a patologia osteoarticular é difusa, tipo degenerativo, que a apneia é ligeira já que não evidencia de complicações, que o quadro depressivo pode melhorar com medicação). Depois, fazendo uma avaliação abrangente, afirmaram a sua decisão.
Conclui-se, assim, que a CGA deu cumprimento à decisão proferida nos autos principais.
Do recurso do Autor -
Este recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 31 de maio de 2023, que julgou parcialmente procedente a acção executiva.
A decisão em causa considerou que a Caixa Geral de Aposentações ainda não deu execução à sentença proferida nos autos principais, mas julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória.
É dessa parte da sentença - improcedência do pedido de condenação no pagamento de sanção compulsória - que agora se recorre.
Todavia, sem razão.
Sustenta o Recorrente que o TAF do Porto deveria ter condenado a CGA no pagamento da sanção pecuniária compulsória no valor de € 50,00 por cada dia de atraso na execução da sentença proferida em 31 de maio de 2023.
Ora, conforme decorre do supra exposto, a CGA cumpriu a sentença proferida nos autos principais da 1ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (11 de novembro de 2019). Ou seja: Em 29 de março de 2021 foi elaborado um relatório que, como a referida sentença obrigava, fundamentou devidamente o auto da junta médica realizada em 18 de março de 2018.
A CGA, no âmbito da acção executiva, no requerimento de 20 de outubro de 2021, fez alusão ao referido relatório.
Por despacho de 9 de março de 2022, o Tribunal a quo, referindo-se ao requerimento de 20 de outubro de 2021, intimou a CGA “para juntar aos autos os documentos que refere no requerimento, bem como quaisquer atos que tenham sido praticados entretanto e demais documentos relevantes, no âmbito da presente Execução.”
A CGA, tendo remetido outros documentos, não remeteu a cópia do relatório de 29 de março de 2021. O seu não envio resultou de um lapso da CGA, já que, com excepção desse documento, foram remetidos os documentos solicitados pelo Tribunal. Perante o lapso manifesto da CGA, tendo em conta o dever de urbanidade que se impõe as partes, mas também ao princípio geral da verdade material, poderia - e deveria - o Tribunal ter procedido a uma segunda notificação. Perante o dever do apuramento da verdade e a justa composição do litígio, o Tribunal, deveria ter procedido a uma segunda notificação.
Não o fez.
E condenou a CGA nos termos da sentença agora impugnada.
Constata-se, pelo exposto, que a Caixa Geral de Aposentações executou a sentença de 11 de novembro de 2019. Não há, por isso, qualquer fundamento para que o recurso proceda e a CGA seja condenada nos termos pretendidos pelo Recorrente.
Aliás, como considerou o Tribunal a CGA demonstrou vontade de cumprir a sentença.
E tal como se refere na sentença recorrida:
A aplicação de uma sanção pecuniária compulsória pressupõe, necessariamente, a aferição da existência de um incumprimento ilícito e culposo e deve ser objeto de uma avaliação casuística no que diz respeito à sua necessidade desadequação.
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.04.2017, proferido no processo n.º 107/06.0BELLE-B “(...) Atenta a sua natureza e função, a sanção pecuniária compulsória só é aplicável quando tal se justifique, pressupondo este critério de justificação um juízo de valor sobre o eventual incumprimento da decisão, assente na ponderação dos factos concretos que permitam concluir se o eventual incumprimento é ou não desculpável visando compelir ao cumprimento da injunção e é imposta intuitu personae na medida em que tem por destinatários os titulares do órgão ou órgãos administrativos que exercem a competência administrativa adstrita ao cumprimento do dever jurisdicionalmente imposto à Administração.”
No presente caso não houve um incumprimento ilícito e culposo.
Tem o recurso de improceder.
Em suma,
O artigo 169.º do CPTA, que tem por epígrafe “Sanção pecuniária compulsória”, dispõe o seguinte:
1 - A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 é fixada segundo critérios de razoabilidade, podendo o seu montante diário oscilar entre 5/prct. e 10/prct. do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento.
A imposição, fixação e liquidação do montante de uma sanção pecuniária compulsória é da competência do juiz, devendo este atender a critérios de razoabilidade (169.º/2 do CPTA).
Como ensinam Mário Aroso e Carlos Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, reimpressão, julho de 2018, Almedina, p. 880), “o poder de aplicar sanções compulsórias só opera quando haja um primeiro incumprimento … sem justificação aceitável. A medida compulsória não poderá, pois, ser aplicada sem uma prévia averiguação, destinada a determinar se o incumprimento é ou não desculpável, assim se compreendendo a inclusão, no preceito, do inciso «sem justificação aceitável».
Como se salienta no Acórdão do STA de 26/03/2013: “A sanção pecuniária compulsória não é um fim em si mesmo: a sua utilização visa obter a realização de uma prestação, judicialmente reconhecida, a que o credor tem direito, constituindo, apenas, uma forma de proteção do credor contra o devedor relapso e um reforço da tutela específica do direito daquele à realização in natura da prestação que por esta lhe é devida. Insere-se, portanto, na sempre atual questão da efetividade da tutela específica a que o credor tem direito, da atuação desse princípio primário, natural e lógico, para toda a espécie de obrigações, que é o direito ao cumprimento” (Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª ed., pág. 355).
Este mesmo autor acrescenta que “Pronunciada pelo juiz como condenação acessória da condenação principal do devedor no cumprimento da prestação que deve, visando exercer pressão sobre a sua vontade e determiná-lo a cumprir, a sanção pecuniária compulsória analisa-se numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de a condenação principal não ser obedecida e cumprida…, ordenada pelo juiz, para a hipótese de ele não obedecer à condenação…” (ob. cit., págs. 393 e ss.).
In casu, verificado que está que não houve um incumprimento ilícito e culposo, não se encontram preenchidos os pressupostos necessários para a aplicação da sanção pecuniária compulsória, o que resulta igualmente dos artigos 3.º/2 e 179.º/3, do CPTA, os quais referem a aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória “quando tal se justifique”, ou seja, quando se afigure necessário exercer coação para lograr o cumprimento de uma decisão.

DECISÃO
Termos em que:
a)Se concede provimento ao recurso da CGA e se revoga a sentença recorrida, absolvendo-se a CGA do pedido executivo.
b)Se nega provimento ao recurso do Autor.
Custas pelo Autor.
Notifique e DN.

Porto, 12/01/2024

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins