Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00959/08.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/31/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I - A determinação da responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas se constituíram.
II - Tanto no âmbito do CPT como no da LGT, para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se a demonstração de que os mesmos exerceram tal gerência de modo efectivo ou de facto.
III - É sobre quem pretende efectivar a responsabilidade subsidiária dos gerentes através da reversão da execução que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.
IV - Nos termos do artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT, o que releva para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração é a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores da sociedade a falta de pagamento ou de entrega do imposto.
V - Assim, o gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto tem que demonstrar, em sede de oposição à execução fiscal, que a falta desse pagamento não lhe é imputável.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
J…, não se conformando com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida contra a execução fiscal nº 3476200701037323 e aps, que contra si reverteu depois de originariamente instaurada contra a sociedade 7… Lda e que corre termos no Serviço de Finanças de Guimarães -2, dela veio interpor o presente recurso.
A culminar as respectivas alegações, formulou o Recorrente as seguintes conclusões:
A - Os pontos 6 a 10 da petição de oposição, deveriam ter sido dados como provados, considerando os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas, as quais, ao invés do apreciado na sentença, tinham conhecimento directo e pleno dos factos em discussão;
B - A assinatura isolada da declaração referente à alteração de gerência, efectuada pelo Oponente, desacompanhada da prova ou alegação de um qualquer outro acto, não permite que se dê como provado o exercício de facto da gerência;
C - A ausência de alegação e prova de qualquer facto material do qual se possa concluir que ocorreu efectivo exercício da gerência pelo Oponente, por parte da Fazenda Nacional, e na esteira do decidido no Ac. citado na douta decisão em recurso, determinava, de per se, a procedência sem mais da presente Oposição;
Nestes termos e nos mais de direito, deve ao presente recurso ser concedido provimento e em conformidade, deverá ser revogada a douta decisão recorrida, sendo proferida decisão que julgue a final, procedente a presente oposição, assim se decidindo como é de JUSTIÇA
*
A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.
*
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Norte emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
*
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso são as seguintes:
(i) Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto – conclusão A;
(ii) Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter concluído que o ora Recorrente foi gerente de facto da executada originária e que, nessa medida, é responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda – conclusões B e C.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
a) No Serviço de Finanças de Guimarães 2, foi instaurada a execução fiscal com o n° 3476200701037323 contra a sociedade comercial 7…, Lda, destinada à cobrança coerciva de dívida respeitante a IVA do ano de 2005.
b) Serve de base a essa execução a certidão de dívida que consta de fls. 2 do apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
c) À referida execução encontram-se apensas as seguintes execuções fiscais:
- Execução fiscal n° 346200501081209, destinada à cobrança coerciva de dívida respeitante a IRS do ano de 2002, cujo título executivo consta de fls. 69 do apenso e aqui se dá por reproduzido;
- Execução fiscal no 346200201017659, destinada à cobrança coerciva da quantia de IVA do período de 1999-04 a 1999-06, cujo título executivo consta de fls. 71 do apenso e aqui se dá por reproduzido;
- Execução fiscal n° 3476200201046764, destinada à cobrança coerciva de dívida respeitante a IVA do ano de 2000, cujo título executivo consta de fls. 73 do apenso e aqui se dá por reproduzido;
- Execução fiscal no 346200201047477, destinada à cobrança coerciva de dívida respeitante a IVA do período 2002-01 a 2002-03, cujo título executivo consta de fls. 76 do apenso e aqui se dá por reproduzido;
- Execução fiscal n° 346200301007297, destinada à cobrança coerciva de dívida respeitante a IVA do período 2002-04 a 2002-06, cujo título executivo consta de fls. 78 do apenso e aqui se dá por reproduzido;
- Execução fiscal n° 346200301023950, destinada à cobrança coerciva de dívida respeitaste a IVA do período 2002-07 a 2002-09, cujo título executivo consta de fls. 81 do apenso e aqui se dá por reproduzido;
- Execução fiscal no 346200501051970, destinada à cobrança coerciva de dívida respeitante a IVA do período 2002-01 a 2002-03; 2003-07 a 2003-09; 200-10 a 2003-12, cujos títulos executivo consta de fls. 84 e 85 do penso e aqui se dão por reproduzidos no seu teor.
d) Em 16 de Abril de 2007, foi elaborado “auto de diligências” no âmbito da referida execução fiscal do qual consta não serem conhecidos bens pertencentes à executada originária susceptíveis de penhora.
e) Por carta com registo de 14 de Janeiro de 2008, foi o Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, notificado do projecto de reversão da execução supra referida.
f) O Oponente exerceu o direito de audição prévia nos termos que resultam de fls. 26 e 28 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
g) Por escritura pública de “cessões de quotas, unificações de quotas e alteração parcial de pacto social” celebrada em 15 de Março de 2002, o Oponente foi nomeado gerente da executada originária.
h) Em 28 de Março de 2003, o Oponente apresentou no serviço de Finanças de Guimarães a “declaração de alterações” cujo teor consta de fls. 40 e 41 do apenso aqui se dá por reproduzido a qual foi por si assinada na qualidade de representante legal da executada originária.
i) Sobre essa pronúncia do oponente foi produzida a informação que consta de fls. 62 a 64 do apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
j) Em 18 de Dezembro de 2002, o Oponente foi destituído da gerência da executada originária em assembleia geral desta.
k) Em 3 de Março de 2008, o Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães proferiu despacho de reversão das execuções supra referidas contra o aqui Oponente, nos termos que constam de fls. 65 do apenso e cujo teor aqui e dá por reproduzido.
l) O Oponente foi citado para a execução em 18 de Março de 2008.
m) A presente oposição foi instaurada em 1 de Abril de 2008.

2.2. Matéria de facto não provada
Não se provou a matéria de facto alegada nos artigos 6 a 10 da petição inicial.

2.3. Motivação da decisão de facto
O tribunal fundou a decisão sobre a matéria de facto nos documentos juntos aos autos.
Os depoimentos das testemunhas não foram considerados relevantes porquanto as testemunhas inquiridas não demonstraram suficiente conhecimento dos factos para lograrem convencer o tribunal no sentido pretendido pelo Oponente e correspondente à respectiva alegação de fls. 6 a 10 da petição inicial”.
*
Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC, dada a sua relevância para a decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, que também resulta provada documentalmente:
n) A acta nº 04 da assembleia geral a que alude o ponto j) supra tem o teor que, em parte, se transcreve (fls. 63 da cópia do PEF junta aos autos):
“Aos dezoito dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e dois, (…) na sede da empresa 7 … Lda (…) reuniram em Assembleia Geral, os sócios da empresa, sob a presidência do sócio T…, com a seguinte ordem de trabalhos:
1 – Apreciar e decidir quanto à situação da gerência do Sr. J….
(…)
Após uma breve troca de impressões quanto ao aspecto em debate, limitaram-se os sócios reunidos a confirmar por unanimidade que, através do nº1 do artº 257º do Código das Sociedades Comerciais, lhe iriam ser retirados os poderes de gerência que lhe estão conferidos, destituição que se considera promovida à cautela dos interesses da sociedade, sendo assim os poderes de gerência atribuídos à Sra. T….
(…)”
*
A primeira questão que urge apreciar prende-se com o alegado erro no julgamento da matéria de facto.
Em concreto, o Recorrente insurge-se contra o que na sentença recorrida ficou consignado a propósito dos factos não provados, a saber, “não se provou a matéria de facto alegada nos artigos 6 a 10 da petição inicial”.
Como vimos, para assim concluir o Tribunal a quo considerou que “os depoimentos das testemunhas não foram considerados relevantes porquanto as testemunhas inquiridas não demonstraram suficiente conhecimento dos factos para lograrem convencer o tribunal no sentido pretendido pelo Oponente”.
Contrariamente, defende o Recorrente que os artigos 6º a 10º da petição de oposição deveriam ter sido dados como provados, considerando os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas, as quais, (…) tinham conhecimento directo e pleno dos factos em discussão. Do ponto de vista do Recorrente, qualquer umas das três testemunhas ouvidas – C…, A… e A…– revelou saber, e transmitiu ao Tribunal, que era a irmã do oponente, T…, quem, de facto, geria a sociedade 7… Lda.
Importa, desde já, deixar devida nota do teor dos artigos 6º a 10º da p.i. Assim:
“(…)
6. Na realidade, o aqui respondente nunca exerceu a gerência efectiva da empresa, dado que, quem dirigia na verdade a empresa, dispunha dos bens, recebia créditos e movimentava débitos, era a outra gerente nomeada, tanto mais que,
7. Era esta quem detinha a maioria do capital, tomava as decisões e actuava como bem entendia, pelo que o respondente nunca assinou cheques, contratou funcionários, firmou qualquer contrato com qualquer fornecedor, ou negociou o que quer que fosse com qualquer pessoa em nome da empresa, ou seja,
8. Para além de ser ter prestado ao favor aceitar ser nomeado gerente e apenas no período que consta da certidão do registo comercial, entre Março e Novembro de 2002, a verdade que é não teve qualquer informação sobre a empresa, a sua gestão e o seu giro comercial, antes se tendo remetido ao papel de irmão que presta favor a irmã.
9. Por tal facto, o Oponente não se podia ter apropriado do que quer que fosse, não teve qualquer responsabilidade no sucedido, dado que,
10. Nunca teve disponibilidade financeira sobre a empresa, e não pode assegurar ou determinar o destino das receitas, e da utilização das verbas destinadas a pagamento”.
*
O que está em causa é a circunstância de o Tribunal ter considerado que os depoimentos produzidos pelas testemunhas, com vista à prova dos factos alegados nos artigos 6º a 10º da p.i, não era relevantes, por as mesmas não terem demonstrado suficiente conhecimento dos factos para lograrem convencer o tribunal no sentido pretendido pelo oponente.
Vejamos.
Como é sabido, a alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigos 690º-A nº 1 e 712º nº1 als. a) e b) do CPC). Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Ora, na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas.
Como se tem vindo a entender, o erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado, ou não provado, um determinado facto quando a conclusão deveria ter sido evidentemente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou por contrariar princípios e regras gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro notório e evidente), seja, ainda, quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial (excluindo este).
Quanto à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso, “deve ter-se em conta, por um lado, que “O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 655º, nº1 do CPC), pelo que, sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância” (acórdão STA de 27.1.10, proferido no recurso 358/09), mas por outro, que “No caso de gravação da audiência de julgamento o tribunal superior deve agir com cautela já que se encontra privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1.ª instância,…” – vide, acórdão do STA, de 9/2/2012 (processo nº 967/11).
Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.
No caso concreto, o que o Recorrente pretende é discutir a convicção do julgador que fundamentou aquela decisão de não consideração dos depoimentos, retirando da prova produzida ilações diferentes das que o julgador percepcionou e que explicitou na sua fundamentação.
Ora, no caso, a modificação quanto à valoração da prova testemunhal, tal como foi captada pela 1ª instância, só se justifica se, feita a reapreciação, for evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida, importando, porém, não desprezar que o julgamento pelo tribunal a quo dispõe de um universo de elementos não apreensíveis na gravação e que, naturalmente, são decisivos para o processo íntimo de formulação da convicção do julgador.
A fim de apreciarmos esta questão, procedemos à audição das gravações dos depoimentos das testemunhas e, por isso, podemos afirmar, com a sentença recorrida, que as testemunhas não detêm um conhecimento dos factos suficiente para permitir ao Tribunal julgar provados os factos alegados nos artigos 6º a 10º da p.i.
Com efeito, a testemunha A…, comercial administrativa, apesar de ter trabalhado nas mesmas instalações ocupadas pela 7…Lda, não era funcionária desta empresa, mas de outra ali instalada. Apesar de ao longo do seu depoimento ter destacado a actuação da sócia T…, ao nível da angariação de clientes e de contacto com fornecedores, revelou desconhecer sobre as efectivas funções exercidas pelo oponente na 7…, para além das funções de contabilista.
Já quanto ao depoimento de A…, ficou patente que o mesmo desconhecia em absoluto o funcionamento da 7…, pois que apenas contactou com a empresa por ocasião de algumas visitas comerciais efectuadas com vista a dar a conhecer o seu negócio, nunca tendo chegado a firmar qualquer contrato com a referida sociedade. Sabe que o oponente exercia funções ao nível da contabilidade da 7 F (porque era seu amigo e o oponente era também seu contabilista) mas é patente o total desconhecimento sobre a empresa em geral e sobre o exercício da gerência em particular, sendo notória a sua falta de conhecimento directo dos factos.
Também a desconsideração do depoimento da testemunha C…, nos termos em que vem fundamentada na sentença recorrida, não nos merece censura. De realçar que a testemunha é irmã do oponente e de T…, a outra sócia da 7…, pelo que, face às apontadas relações familiares, afigura-se um testemunho não desinteressado. Para mais, a testemunha nunca tendo trabalhado para ou na sociedade 7…, não revelou qualquer conhecimento directo dos factos a que foi interrogada, antes pelo contrário, já que o seu conhecimento adveio de conversas tidas entre os membros da sua família.
Em suma, face à audição da prova gravada, nenhuma razão se vê para alterar a apreciação crítica que sobre ela recaiu, não merecendo qualquer censura a conclusão extraída na sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, concretamente a matéria de facto não provada.
Improcede, pois, a conclusão A.
2.2. O direito
Vista a primeira questão, passemos à análise das restantes conclusões da alegação de recurso. E aqui, como deixámos apontado, importa verificar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter concluído que o ora Recorrente foi gerente de facto da executada originária e que, nessa medida, é responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda – conclusões B e C.
Antes do mais, importa deixar claro quais as execuções fiscais contra as quais se dirige a presente oposição, na parte que interessa à decisão do presente recurso, tendo em conta que, em 1ª instância, três dos processos executivos foram julgados extintos.
Assim, temos:
- execução fiscal nº 3476200701037323, respeitante a IVA de 2005, com pagamento voluntário até 3/5/07;
- execução fiscal nº 3476200201046764, respeitante a IVA (2000-01/ 2000-12), com pagamento voluntário até 29/8/02;
- execução fiscal nº 346200201047477, respeitante a IVA (2002-01/ 2000-03), com pagamento voluntário até 15/5/02;
- execução fiscal nº 346200301007297, respeitante a IVA (2002-04/ 2000-06), com pagamento voluntário até 16/8/02;
- execução fiscal nº 346200301023950, respeitante a IVA (2002-07/ 2000-09), com pagamento voluntário até 15/11/02.
Portanto, em causa estão dívidas relativas a factos ocorridos na vigência da LGT.
Não oferece dúvidas, e assim é entendimento jurisprudencial pacífico, que a determinação da responsabilidade subsidiária se afere à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas.
É, deste modo, com base no artigo 24º da LGT, que terá de se proceder à aferição dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do ora Recorrente.
Naquilo que para o caso interessa, é o seguinte o teor do artigo 24º ( Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro):
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Como se disse no acórdão deste TCAN, de 29 de Outubro de 2009 (processo 228/07.2BEBRG) “a leitura do preceito logo nos revela uma delimitação no tempo da responsabilidade subsidiária (() Não há responsabilidade subsidiária dos gestores relativamente às dívidas de impostos relativamente às quais não possa estabelecer-se uma conexão temporal nos termos das alínea a) ou b) do art. 24.º, n.º 1, da LGT.), bem como um tratamento diferenciado das dívidas tributárias consoante a conexão das mesmas no tempo com o período de exercício do cargo de administração ou gestão. Ou seja, a alínea a) abrange a responsabilidade pelas dívidas tributária constituídas durante o exercício de funções dos gestores ou cujo prazo do respectivo pagamento ou entrega tenha terminado já depois desse exercício. Consagra, assim, a responsabilidade dos gestores que exerceram as suas funções à época em que ocorreram os factos tributários ou que as exerceram durante o prazo legal de pagamento ou entrega da prestação tributária, mas antes do termo de tal prazo( …).
Para além da definição do âmbito temporal da responsabilidade tributária subsidiária, o referido preceito estabelece, como pressupostos desta, a verificação da insuficiência de bens para proceder ao pagamento das dívidas tributárias, tendo essa diminuição patrimonial sido causada culposamente pelo gestor. Não estabelecendo a lei qualquer presunção relativamente a esses pressupostos, recai sobre a Administração o ónus da prova dos mesmos (() De acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, segundo a qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (art. 342.º, n.º 1, do CC). Também no domínio do procedimento tributário, a lei estipula que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» (art. 74.º, n.º 1, da LGT), regra que devemos ter por transponível para o processo judicial tributário. (…)
Já na previsão legal da alínea b) deste art. 24.º, n.º 1, da LGT, o legislador estabelece a imputação da falta de entrega ou pagamento dos tributos ao gestor que, tendo o prazo de pagamento ou de entrega da prestação tributária terminado no seu período de gerência, os não tenha efectuado, a menos que se demonstre que não lhe foi imputável essa falta. Ou seja, faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, pois tal imputabilidade presume-se. Tal presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no art. 487.º do Código Civil (…), compreende-se no presente caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida.
Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora (() E tal demonstração, em sede executiva, está feita através do próprio título.), recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou ente fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (art. 32º da LGT)”.
No regime legal aplicável (como já antes no artigo 13º do CPT), não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício dessa função de gerência, o que significa que se a Fazenda Pública pretender responsabilizar subsidiariamente um gerente, exigindo-lhe o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, tem, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, de demonstrar os factos que legitimam tal actuação. Deste modo, “provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização. Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal” – vide, o acórdão do Pleno da secção do CT do STA, de 28/02/07, proferido no processo nº 01132/06.
Recuperemos o caso concreto e em especial os termos em que na sentença recorrida se deu como assente que a Fazenda Pública havia demonstrado o exercício da gerência, por parte do oponente, entre 28 de Março e 18 de Dezembro de 2002. Assim:
“Com efeito e desde logo, nesse período, o Oponente figurou como gerente de direito da executada originária.
Por outro lado, ele próprio apresentou junto da administração tributária uma declaração em que se intitulava representante legal da executada originária e assinou a dita declaração nessa qualidade.
Por outro lado, em 18 de Dezembro de 2002, o Oponente foi destituído da gerência, o que indicia, claramente, que a exercia de modo efectivo pois só nesse contexto se compreende a respectiva destituição.
Deste modo, concluímos que o oponente exerceu a efectiva gerência da executada originária entre 28 de Março de 2002 e 18 de Dezembro de 2002”.
Ora, este juízo, assim feito, não merece censura, sendo que a concatenação de todos os elementos referidos nos permite concluir no mesmo sentido.
Com especial relevo se mostra a circunstância de, em 18 de Dezembro de 2002, o oponente ter sido destituído da gerência da executada originária, em assembleia geral desta. Note-se, de resto, que, tal como consta da respectiva acta, a referida assembleia teve como único ponto da ordem de trabalhos apreciar e decidir quanto à situação da gerência do Sr. J…, tendo aí ficado consignado que “lhe iriam ser retirados os poderes de gerência que lhe estão conferidos, destituição que se considera promovida à cautela dos interesses da sociedade, sendo assim os poderes de gerência atribuídos à Sra. T…”.
Ora, só num contexto de exercício efectivo da gerência se compreende a destituição do gerente, nos termos em que a mesma surge justificada na referida acta.
Portanto, não tem razão o Recorrente quando afirma que o tribunal se bastou com a assinatura isolada da declaração referente à alteração de gerência, efectuada pelo Oponente, desacompanhada da prova ou alegação de um qualquer outro acto. O Tribunal, como vimos, considerou a apontada declaração; mas não apenas essa declaração.
Assim, provada que ficou a gerência de facto por parte do oponente, entre 28 de Março e 18 de Dezembro de 2002, competia-lhe, nos termos previstos na alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, em concreto as exigidas nos processos executivos 3476200201046764, respeitante a IVA (2000-01/ 2000-12), com pagamento voluntário até 29/8/02; 346200201047477, respeitante a IVA (2002-01/ 2000-03), com pagamento voluntário até 15/5/02; 346200301007297, respeitante a IVA (2002-04/ 2000-06), com pagamento voluntário até 16/8/02 e nº 346200301023950, respeitante a IVA (2002-07/ 2000-09), com pagamento voluntário até 15/11/02.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, relativamente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo, goza a Fazenda Pública, inequivocamente, da presunção legal de imputabilidade do não pagamento das dívidas a quem exercia a gerência em tal período.
Ora, em 29/08/2002, em 15/05/02, em 16/08/02 e em 15/11/02, o oponente exercia a gerência da 7….
A questão que se coloca é, pois, a de saber se o oponente logrou, com sucesso, afastar a referida presunção legal. E quanto a isto, a resposta terá de ser inequivocamente em sentido negativo.
A este propósito, e como se escreveu no acórdão deste TCAN, de 23/11/11 (processo nº 00972/09.0 BEVIS) “Para ilidir a presunção de culpa pela falta de cumprimento das obrigações tributárias, o Recorrente estava obrigado a alegar e subsequentemente provar que não existiu qualquer relação causal entre a sua actuação e a falta de pagamento do imposto, sabido que aos gerentes é exigível uma postura responsável e ponderada, que corresponda a uma actuação que, de acordo com o exigível a um administrador criterioso colocado em idêntica situação e dentro da inerente discricionariedade técnica, se mostre, em princípio, como adequada ao alcance dos objectivos para que a sociedade se constituiu – neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão TCA Norte 7 Dez. 2005, Recurso 0086/01; acórdão TCA Norte 23 Fev. 2006, Recurso 0032/02; acórdão TCA Norte 16 Mar. 2006, Recurso 0002/03; acórdão TCA Norte 6 Abr. 2006, Recurso 0021/02, com versões integrais disponíveis em www.dgsi.pt.
Por outro lado, importa considerar que essa actuação criteriosa e prudente por parte dos gerentes que é legalmente exigida, implicará, necessariamente, que os mesmos não possam, em nome da sociedade, assumir responsabilidades que esta não tem condições económico-financeiras para solver”.
Ora, sendo certo que na p.i apenas se aflora este aspecto – cfr. artigo 9º, no qual se afirma que o Oponente não se podia ter apropriado do que quer que fosse, não teve qualquer responsabilidade no sucedido - a verdade é que nada resultou provado nos autos que permita afastar tal presunção de responsabilidade pela falta de pagamento. De resto, o alheamento do oponente relativamente à alegação de factos tendentes a afastar tal presunção compreende-se na medida em que o mesmo centrou a sua defesa na alegação do não exercício efectivo da gerência.
Portanto, e quanto às dívidas tributárias a que vínhamos fazendo referência - IVA (2000-01/ 2000-12), IVA (2002-01/ 2000-03), IVA (2002-04/ 2000-06), IVA (2002-07/ 2000-09) - pode concluir-se que a sentença recorrida não incorreu no erro de julgamento que o Recorrente lhe imputou, devendo a mesma ser confirmada.
Já assim não se pode concluir relativamente à dívida exigida no processo de execução fiscal nº 3476200701037323, respeitante a IVA de 2005, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 3/5/07.
É que, neste caso, e atento o período da gerência efectiva, é patente que o oponente não pode ser responsabilizado subsidiariamente, já que se trata de uma dívida de imposto - IVA de 2005 - relativamente à qual não é possível estabelecer qualquer conexão temporal nos termos das alíneas a) ou b) do artigo 24º, n.º 1, da LGT.
Assim sendo, nesta parte, o recurso terá de proceder, revogando-se a sentença recorrida na medida em que, considerando verificada a responsabilidade subsidiária do oponente, manteve a execução fiscal nº 3476200701037323 relativamente ao mesmo.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
- conceder parcial provimento ao recurso;
- revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar procedente a oposição relativamente à execução fiscal nº 3476200701037323, extinguindo a execução contra o Recorrente;
- manter a sentença recorrida no demais.
Custas na proporção do decaimento, sendo que a Fazenda Pública apenas por elas responde em 1ª instância.
Porto, 31 de Maio de 2012
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos
Ass. Anabela Russo