Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00146/14.8BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/16/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Cristina Flora
Descritores:RECLAMAÇÃO
SUBIDA DIFERIDA
SANÇÃO PECUNIÁRIA
MÁ-FÉ
Sumário:I. Não é susceptível de causar prejuízo irreparável ou tornar totalmente inútil a reclamação, para que possa obter a subida imediata da reclamação, quer a falta ou nulidade da citação, quer um fundamento que não constitua um direito ou interesse legítimo na própria reclamação, conforme pressupõe o disposto no art. 276.º do CPPT;
II. É justificada a condenação por litigância de má-fé prevista no n.º 6 do art. 278.º do CPPT, não só quando se invoca prejuízo irreparável sem fundamento razoável, mas também quando estamos perante a ausência de alegação de quaisquer factos que sirvam de suporte ao pedido de subida imediata da reclamação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Anulada parcialmente a sentença.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

P… vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, que julgou a reclamação do acto do órgão de execução fiscal improcedente, e condenou ao pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante de 10 UC, por infundado pedido de subida imediata da reclamação.

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

1 - Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no âmbito dos presentes Autos que julgou improcedente e por não provada a Reclamação oportunamente apresentada pela aqui Recorrente e, ainda, julgou igualmente infundado o pedido de subida imediata da mesma, condenando a Reclamante na sanção pecuniária de 10 UC;
2 - No âmbito do Processo de Execução Fiscal nº 0760200301001892, do Serviço de Finanças da Lousã, movido contra o Executado J… (ex-cônjuge da ora Recorrente), e conforme resulta do mesmo, foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra P do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 7…-P e descrito na Conservatória de Registo Predial da Lousã sob o número 5…;
3 - Através de requerimento, datado de 11/12/2013, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças da Lousã, e com os fundamentos que constam do mesmo, a ora Recorrente veio ao PEF em questão expor, e, in fine, requerer grosso modo a suspensão da execução fiscal quanto à fracção objecto de penhora no PEF, tudo até trânsito em julgado da Acção Pauliana que corre termos na Secção Única do Tribunal Judicial da Lousã sob o nº 785/12.1TBLSA (que tem designadamente como objecto o mesmo bem imóvel), bem como que se conhecesse de nulidade insanável de falta de citação (da aqui Recorrente) para requerer a separação judicial de bens;
4 - Sobre o referido requerimento recaiu o Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lousã, proferido em 27/12/2013, que indeferiu o pedido de suspensão da Execução Fiscal quanto ao imóvel penhorado no âmbito do presente PEF, bem como não conheceu/reconheceu a Nulidade arguida referente à citação da ora Recorrente;
5 - Veio então a aqui Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 276º e seguintes do CPPT, no âmbito do PEF em análise, deduzir Reclamação do Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lousã, supra referido, pedindo e fundamentando a sua subida imediata e apresentando com a mesma, meios de prova, nomeadamente prova testemunhal;
6 - Compulsada a Sentença, ora colocada em “crise”, verifica-se desde logo que o Tribunal “a quo” considerou, grosso modo, que a Reclamante não “… alegou quaisquer factos que suportassem o seu pedido de subida imediata da reclamação”, pelo que veio, in fine, e pese embora se ter pronunciado e debruçado sobre as questões suscitadas na Reclamação, a julgar manifesto e infundado o pedido de subida imediata, condenando ainda a aqui Recorrente na sanção pecuniária de 10 unidades de conta;
7 - Mais, e desta feita apreciando as questões invocadas pela Reclamante, considerou o Tribunal “ a quo” que no que concerne ao “Indeferimento do pedido de suspensão”, e em termos sintéticos, a Acção Pauliana visa assegurar ou conservar a garantia patrimonial do Estado na Execução, sendo que o prosseguimento da execução e o seu desfecho não fica prejudicado com a mesma Acção, antes pelo contrário;
8 - No que respeita à “Nulidade da Citação”, o Tribunal “a quo” preconiza, em primeira linha, que as dívidas tributárias são da responsabilidade de ambos os cônjuges, nos casos em que estão em causa actividades lucrativas (comércio) e pela presunção de proveito comum das dívidas contraídas nesse exercício. Acrescenta, ainda, que no caso do cônjuge ser citado sem essa finalidade específica (requerer a separação de bens), a citação confere-lhe a qualidade de co-executado, com a possibilidade de exercer todos os direitos processuais que são atribuídos a este. Por último, enuncia com relevância e grosso modo que ao longo do processo a aqui recorrente foi exercendo a par do cônjuge (aliás, ex-cônjuge) os seus direitos de defesa, sem nunca ter levantado qualquer questão relativamente à responsabilidade da divida.
9 - Nesta esteira, veio o Tribunal “a quo” julgar improcedente e por não provada a Reclamação apresentada.
10 - A ora Recorrente discorda frontalmente na presente peça com a Sentença recorrida, mostrando o seu inconformismo da seguinte forma, que esquematiza:
a) Da Nulidade da Sentença por falta de audição das testemunhas arroladas e por falta de despacho a fundamentar a dispensa da inquirição:
11 - O Tribunal “a quo” conheceu imediatamente e decidiu os presentes Autos, sem terem sido inquiridas as testemunhas arroladas pela Reclamante, e sem ter sido proferido despacho interlocutório, nesse sentido;
12 – Afigurava-se ABSOLUTAMENTE ESSENCIAL E NECESSÁRIO a audição das mesmas designadamente, e quanto à arguida nulidade de citação, para provar (o que incumbia à ali Reclamante) que a divida em causa não foi contraída em proveito comum do casal (cfr. artigos 39 a 47 da Reclamação);
13 - Neste encadeamento, quando o Tribunal “a quo”, na sentença recorrida (PÁGS. 16 e 17 – primeiros quatro parágrafos), se debruça sobre a arguida nulidade de citação aborda a problemática, com apego no preceituado do artigo 1691º do CC, das dividas que responsabilizam ambos os cônjuges, resultando ainda implícita a ideia na sentença que in casu as dividas tributárias em análise são comuns, ISTO TUDO sem possibilitar à ali Reclamante, aqui Recorrente, demonstrar e provar (através de prova testemunhal) que, tal como alega na Reclamação, a pretensa divida que consta do PEF não foi contraída em proveito comum do então casal;
14 - Em processo de execução fiscal são admitidos os meios gerais de prova - artigos 114.º e 115.° do CPPT, sendo que entre esses meios de prova, a Lei admite a testemunhal – cfr. artigo 118º do CPPT;
15 - Não constando a invocada nulidade do rol de nulidades insanáveis que o legislador consagrou nomeadamente no artigo 165º do CPPT, a mesma terá de ser aferida à luz do regime do artigo 195º e ss do CPC (nulidade secundária) - aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT;
16 - No caso em apreço, a omissão invocada influi claramente, quer no exame, quer na decisão da causa, ao violar-se um princípio básico do direito processual, o do contraditório, não se permitindo que ao processo sejam trazidos elementos de forma a decidir-se a causa de acordo com as várias soluções plausíveis ao Direito;
17 - Assim sendo, no caso em análise, invoca-se a presente Nulidade, devendo serem anulados os termos processuais subsequentes ao momento em que se omitiu pronúncia acerca da produção da prova indicada no final da Reclamação, e consequentemente da própria Sentença.
b) Da discordância quanto à decisão de infundado pedido de subida imediata da Reclamação e da condenação da Reclamante na sanção pecuniária de 10 unidades de conta;
18 – Hoje, é pacífico junto da jurisprudência que os tipos enunciados no nº3 do artigo 278º não esgotam a possibilidade de subida imediata da reclamação extraordinária. Sendo esse o espírito do n° 3 do artigo 278° do CPPT, então há que alargar a sua norma a todas as reclamações cuja retenção tomaria irreparável ou irreversível a efectivação dos direitos e interesses do executado;
19 - Ademais, e de acordo com JORGE LOPES DE SOUSA, in "Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado", 3ª edição, Vislis 2002, pág. 1166, em anotação ao artigo 278º, nº 6, refere que "Parece mesmo dever ir-se mais longe e assegurar a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade. Na verdade, prevendo-se na L.G.T. a obrigatoriedade de assegurar a possibilidade de reclamação de todos os actos lesivos (arts. 95º nºs 1 e 2 alínea j) e 103º nº 2 da L.G.T.) e sendo reconhecida a supremacia das normas da L.G.T. sobre as do C.P.P.T. (art. 1º deste e alínea c) do nº 1 do art. 51º da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro), este Código não poderá afastar a possibilidade de reclamação em todos os casos em que o acto praticado no processo de execução fiscal seja potencialmente lesivo. (...);
20 – Em segundo lugar, e em sentido contrário ao preconizado na Sentença recorrida, a agora Recorrente, na Reclamação produzida enunciou, quer no item IV) da Reclamação quer nas Conclusões plasmadas na mesma, a factualidade (ainda que de forma sintética) que justifica a subida imediata da Reclamação, não só porque a eventual subida deferida lhe causava um prejuízo irreparável, justificando-o, como também (com a subida deferida) a Reclamação perderia todo o efeito útil (utilidade), justificando-o.
21 - É objecto da reclamação apresentada, por um lado, a suspensão da execução fiscal, pela existência e pendência de uma acção pauliana – aos dias de hoje ainda não transitada em julgado - proposta pelo MP (em representação da Fazenda Pública) que incide designadamente sobre a fracção penhorada no âmbito do PEF que motivou a Reclamação;
22 - Ora, é, salvo outra e melhor opinião, evidente que a subida diferida conduzia a que a Reclamação, nesse aspecto, perdesse todo o seu efeito útil, uma vez que o que se pugnou nesse articulado é a suspensão do PEF e não subindo imediatamente já não fazia sentido apreciá-la, considerando que possivelmente a acção pauliana nessa altura já havia transitado em julgado (o que poderia redundar na não subsistência da venda em execução fiscal);
23 - Por outro lado, também nos parece evidente que a invocada nulidade da citação, com a eventual subida diferida ou retenção da Reclamação, acarretava um prejuízo irreparável para a Reclamante, uma vez que prejudica a sua defesa ao longo do processo, e nem nos parece sequer razoável que o conhecimento de uma nulidade insanável seja relegada para depois da venda;
24 - Ademais, o facto de na sentença recorrida se dizer “No que tange à questão da citação é manifesta a sua insustentabilidade, logo identificada nos primeiros passos do processo de execução…”, configura sobretudo uma avaliação de mérito da nulidade invocada, não sendo fundamento, na nossa opinião, para justificar a retenção da Reclamação;
25 - Sendo de subir imediatamente (como se pugnou na Reclamação e agora também se ajuíza), impõe-se também a revogação da sentença na parte em que condenou a Reclamante/recorrente na sanção pecuniária de 10 unidades de conta;
26 - Aliás, e a este propósito, mesmo que por mera hipótese não houvesse fundamento razoável para a Reclamação subir imediatamente (o que não se concebe!), jamais, na nossa opinião, haveria motivo para a condenação da Reclamante na sanção pecuniária em causa, uma vez que o Tribunal, pese embora reflicta que inexiste fundamento para subida imediata, acaba por, mesmo assim, apreciar as questões suscitadas em sede de Reclamação, sendo assim incongruente vir sustentar uma condenação em sanção pecuniária;
27 - Sem prescindir, dir-se-á ainda, e apenas por mera cautela, que a condenação em 10 unidades de conta redundaria sempre por excessivo e, salvo o devido respeito, por arbitrário, por não se encontrar justificado e fundamentado (na sentença recorrida) uma condenação tão elevada.
c) Da discordância quanto à improcedência da Reclamação no que respeita ao Indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal;
28 - Pugna a Sentença recorrida, a este respeito, e grosso modo, que aquela acção – referindo-se à acção pauliana – visa assegurar a garantia patrimonial do estado na execução, o prosseguimento da execução e o seu desfecho não fica prejudicado com aquela acção, antes pelo contrário. Mais plasma que a aqui Recorrente pretende beneficiar de uma acto por si praticado e lesivo para a Fazenda Pública;
29 – A decisão recorrida enferma, neste campo, de uma clara INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO, uma vez que o Tribunal “a quo” não se debruça sobre o âmago do que foi suscitado em sede de Reclamação, isto é, se uma acção/impugnação pauliana (que se encontra pendente – tal como ainda sucede aos dias de hoje) tem ou não enquadramento na previsão do artigo 172º do CPPT, o que pugnamos pela afirmativa;
30 - O artigo 172.º do CPPT estabelece que “a acção judicial que tenha por objecto a propriedade ou posse dos bens penhorados suspende a execução quanto a esses bens, sem prejuízo de continuar noutros bens”, sendo a finalidade desta norma evitar que sejam vendidos bens sobre que há litígio que pode conduzir à não subsistência das vendas a efectuar em processo de execução fiscal;
31 - Quanto a nós, a pendência da Acção Pauliana, que tem como objecto, entre outros, a Fracção que foi penhorada no âmbito do PEF ora em causa, é incompatível com a continuação das diligências de venda da mesma em execução fiscal, tudo até a mesma Acção ser objecto de decisão/Sentença, com trânsito em julgado;
32 - Aliás, se assim não fosse (que é!) mal se compreenderia o facto do Ministério Público, em representação da Fazenda Pública, ter instaurado a acção pauliana – que como é sabido é uma acção pessoal atento o preceituado do artigo 616º do Código Civil - em causa, atenta a possibilidade do órgão de execução fiscal poder continuar a promover a venda e adjudicação dos imóveis penhorados;
33 - No caso em apreço coexistem a mesma similitude de razões que subjazem à previsão do artigo 172º do CPPT (atenta a finalidade dessa norma), uma vez que, especificadamente, a eficácia ou ineficácia do acto de compra e venda reflectir-se-á na possibilidade ou não da concreta fracção poder ser “executada no património do obrigado…”, in casu, ser vendida;
34 - Na circunstância da acção em causa ser julgada improcedente e por não provada, o concreto negócio será válido e eficaz em relação à Fazenda Pública, pertencendo a terceiro (e não aos Executados) a propriedade do bem (tal como hoje em dia já sucede);
35 - Neste sentido, por maioria de razão, e por aplicação e interpretação extensiva do preceituado do artigo 172º do CPPT (que a decisão recorrida quanto a nós viola), pugna-se pela procedência da Reclamação devendo ser suspensa a execução fiscal quanto à fracção objecto de penhora no presente PEF, já identificada neste arrazoado, tudo até trânsito em julgado da Acção Pauliana que corre termos na Secção Única do Tribunal Judicial da Lousã sob o nº 785/12.1TBLSA.
d) Da discordância quanto à improcedência da Reclamação no que respeita à arguida Nulidade de Citação.
36 - Contrariamente ao defendido na sentença recorrida (Vide o ponto 8 das Conclusões), a verdade é que a ora Recorrente não havia suscitado anteriormente a questão da responsabilidade da divida nos Autos de PEF (e que, por conseguinte, a divida não é comum), precisamente porque só teve conhecimento desse circunstancialismo com o Relatório de Inspecção a que se faz referência na Reclamação e se anexa à mesma. - tendo então levantado essa “questão” junto do SF da Lousã (cujo Despacho foi objecto de Reclamação);
37 - Conforme resulta inequivocamente do dito Relatório (que, diga-se, A SENTENÇA RECORRIDA NEM SE QUER FAZ MENÇÃO ao mesmo, ou se pronuncia, tal como devia): o artigo 7...P (penhorada no âmbito do PEF), e as rendas derivadas do mesmo, afiguram-se como um bem relacionado com a actividade de compra e venda de imóveis, isto é, unicamente da esfera empresarial do sujeito passivo J…;
38 - Ademais, e considerando que o PEF em questão é referente a dividas de IRS dos anos de 1999 e 2001, as próprias declarações de IRS, apesar de ter sido feita em conjunto (entre a ora Recorrente e o seu então marido J…), o seu anexo “C” é exclusivamente referente à actividade empresarial do sujeito passivo J…;
39 - OU SEJA: tal como resulta implicitamente da Reclamação, a ora Recorrente nunca devia ter figurado nestes Autos de PEF como EXECUTADA, uma vez que a divida em causa não é comum, mas apenas da responsabilidade de J…;
40 - Ademais, e como se verteu também em sede de Reclamação, a divida que consta do PEF NÃO FOI CONTRAÍDA EM PROVEITO COMUM DO ENTÃO CASAL. Contudo, a verdade é que o Tribunal “a quo” conheceu imediatamente e decidiu os presentes Autos, sem terem sido inquiridas as testemunhas arroladas pela Reclamante, o que se afigurava ABSOLUTAMENTE ESSENCIAL E NECESSÁRIO para prova de que a “divida” não foi contraída em proveito comum do então casal;
41 - Logo, e para além do supra referido, igualmente a Recorrente, atento o circunstancialismo relatado, como se pugnou, aquando da penhora da fracção 7...-P, deveria ter sido a Recorrente citada para efeitos de requerer a separação judicial de bens, nos termos do preceituado do artigo 220º do CPPT, o que não sucedeu, com as legais consequências.
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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, porquanto a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia relativamente à produção de prova testemunhal.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.
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As questões a apreciar e decidir são as seguintes:

_ Aferir se a reclamação deve, ou não, ter subida imediata, e se a Recorrente deveria, ou não, ter sido condenada na sanção pecuniária de 10 UC.
_ Saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por não se ter pronunciado expressamente sobre a não produção de prova testemunhal;
_ Conhecer do invocado erro de julgamento da sentença recorrida quanto aos vícios de preterição do direito de audiência, da suspensão da execução fiscal, e nulidade de citação.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“1. Foi instaurada execução fiscal n° 0760-2003/01001892, em 13/6/2003, contra J…, casado no regime da comunhão geral de bens com P…, para pagamento da quantia de 98.182,19 €, respeitante a IRS de 1999 e 2001;
2. Os executados citados para a execução, sendo a executada em 29/10/2003 e o executado em 28/11/2003 (doc. de fls. 30 a 45 e 67 a 68 e 94 e seguintes do vol I);
3. No seguimento de tal citação, veio o executado em 30/11/2003 requerer o pagamento da dívida em prestações, o qual foi deferido, não tendo sido pagas todas as prestações (doc. de fls. 69, 71 e 138 a 165 do Vol I);
4. Em 18/2/2004 e 25/2/2004 vieram ambos os executados requerer, por documento assinado pela executada P…, a substituição de um dos lotes hipotecados, lote n.3, por um lote de terreno para construção, com o artigo 6… e pelo artigo 7…, fração “P”, por aquele à data da hipoteca estar já apalavrado, com vista ao levantamento da hipoteca do artigo 6…° (Doc. de fls.62 e 96 do vol. I);
5. Em 26/2/2004 lavrou-se auto de penhora da fração ‘P”, composto por vários andares e lojas e outro auto de penhora relativo a um lote de terreno destinado a construção, artigo 6085, da freguesia da Lousã assinados pela executada P…a (fls. 94 e 95 do I Vol.;
6. Por requerimento de fls. 112 de 21/4/2004, subscrito pela executada P…, a pedir a substituição o lote 1, com o art. 6… por terreno para construção, omisso na matriz, inscrito na CRP da Lousã sob o nº 4…, com área de 1.335m2, cm virtude de ter sido necessário pôr vários lotes à venda para fazer face a pagamentos e o lote 1 é o que foi procurado para ser comprado;
7. Em 28/4/2004 lavrou-se auto de penhora de um terreno para construção, sito em Poças, com área de l.355m2, com os lotes 1,4,6,8,10 e 12, registado na CRP sob o nº 4…, e provam dos prédios urbanos com os artigos 5412 e 5336, assinado pela executada, (Doc. de fls. 121 do I vol.);
8. Por requerimento de fls. 145, de 16/10/2004, veio a executada P... solicitar o levantamento da penhora do artigo P8…, terreno sito em Poças, com vista a avançar com vista a solucionar problemas existentes, sendo que os restantes artigos oferecem garantia bastante (doc. de fls.145)
9. Em 2005/09/23, o executado J… por requerimento assinado pela executada P... requereu a troca da penhora da fração “b” para a fração “A”, por aquela estar vendida e feito os registos a favor do comprador, a estas duas frações foi atribuído provisoriamente o n.° 9…, o qual foi deferido (doc. de fls. 184);
10. Em 30/12/2005 foi feito um pagamento, pelos executados, de 10.141,07, passando a ser a dívida de 74.571,38 € (fls. 185)
11. Por requerimento de 24/1/2006, o executado J… veio requerer o levantamento da penhora do artigo registado na CRP a favor da FP sob o n.° 0… e na matriz sob o artigo 9…, fração “A”, com vista a ser realizada escritura de compra e venda uma vez que o processo está garantido com a fração “P” registado na CRP sob o n.° 5... e na matriz sob o n.° 7..., que foi deferido por despacho de fls. 188 (doc. de fls. 186);
12. Em 30/11/2006 foi agendada, para 29/1/2007, e publicitada a venda da fração “P”, correspondente a loja posterior destinada a comércio, com área de 224m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo 07... e registado na CRP sob o n.° 05...-P/Lousã, tal tendo havido propostas (doa. de fls. 205 a 228);
13. Em 24/10/2008 foi determinada a avaliação da fração penhorada com a letra “P”, sendo que em 30/10/2007 foram feito pagamentos relativos à renda da fraçao “P” de
175,00 € e 2/1/2008, 7/2/2008, 5/3/2008, 24/3/2008, foram feitos pagamentos de 175,00 e o último de 875,00 e entre 11/4/2008 a 7/7/2008, pagamentos de 175,00 e em 16/7/2008 de 525,00, e 25/8/2008 a 13/10/2008, de 175,00 e em 24/10/2008 de 350,00 de 5/11/2008 a 5/12/2008 de 175,00 e em 2/3/09 a 31/03/2010 a 5/5/2010, 7/7/2010, 2/8/2010, 7/9/2010 e 6/10/2010 foram sendo feitos pagamento de quantias de 350,00 e 175,00 € (doc. de fls. 234 a 288 e 295, 379 a 381, 482, 563, 574 a 578, 604, 643, 661, 674 prosseguindo tais depósitos fls. 771);

14. Por requerimento de fls. 291, de 8/5/2009, dirigida ao Chefe de Finanças, o executado alertando para o acordo verbal com o anterior Chefe, para o pagamento da dívida, à medida, em que fossem sendo vendidas as frações, o atual Chefe recusou o pagamento em prestações, bem como a hipoteca legal de um imóvel desonerado com valor superior à dívida (…);
15. Por despacho de 14/7/2009 foi determinada a venda por negociação particular para o único bem descrito no auto de penhora de 26/2/2004; prédio urbano inscrito na matriz n.° 7...-P, tendo sido avaliado o bem para venda em 76.390,00, sendo fixado o valor mínimo para venda de 38.195,00 (50% daquele valor da avaliação) (doc. de fls.
297 a 378, 383 a 386 e 417);

16. Os arrendatários vieram exercer o direito de preferência na venda pelo valor mínimo e o filho dos executados exerceu o direito de remissão (fls.476 e 484),e em 7/1/2010 os preferentes declaram desistir da proposta de aquisição da fração “P” tendo juntado cópia da escritura pública de 29/10/2010, em que os executados declaram vender a P… e este declara comprar pelo valor de 25 mil euros a fração “P” do art. 7... (fls. 538 e 548 a 549 e 757 a 760);
17. Por despacho de fls. 551 foi revogado o despacho de reconhece a validade da única proposta apresentada por M…s, Lda., na sequência da venda por negociação particular, considerando que a avaliação anterior avaliou com área de 124m2 e na matriz antiga tinha 224m2 ordenando nova avaliação e novo procedimento de venda, que veio a confirmar-se haver divergência, por existência de duas áreas distintas, uma comercio outra armazém mas com um só acesso, a fração foi novamente avaliada em 6/5/2010 no valor de 105.070,00, com área privativa total de 224m2 designando-se nova venda por negociação particular, com sorteio de mediadores para o dia 21/7/2010 (doc. de fls. 606 a 609 e 628)
18. Foi anunciada a venda da fração “P” penhorada, com 224m2,com valor base de 52.535,00 (50% do da avaliação) (doc. de fls. 641 a 660);
19. Em 23/9/2010 o executado J… anuncia no p.e.f. que foi interposta ação de anulação da avaliação no TAF de Coimbra;
20. Por despacho do Diretor de Finanças da DFC, foi sancionada a continuação do procedimento da venda com base na última avaliação (referida em 17.), notificado ao executado, no auto de abertura de propostas de 25/10/2010 verificou-se inexistência das mesmas (doc. de fls. 687 a 690, 694 a 696);
21. Foi designada nova venda por negociação particular (2ª tentativa), com o preço base reduzido em 30% do valor da avaliação, 31.521,00 € e sorteio electrónico, com data de realização do sorteio em 26/10/2010 (doc. de fls. 698 a 727);
22. Foi anunciada a venda da fração “P” penhorada, artigo nº 7..., com 224m2,com valor base de 31.521,00 e M…, Lda. requer ao Chefe de Finanças esclarecimento relativamente ao pagamento da renda relativa à fração “P” e notificação de novo proprietário, juntando escritura pública de venda de 29/10/2010, cujos vendedores são J… e P..., e comprador P… que mereceu o despacho do respetivo chefe de fls. 761, no sentido de a venda ser inoponível à Fazenda Pública, mantendo-se a obrigatoriedade de fazer tais pagamentos a esta (doc. de fls. 761 e 762, 766 a 769);
23. Por requerimento de 4/11/2010, o executado J… veio requerer certidão do levantamento da penhora da fração “P” por este estar prescrito, estando a reter rendas da mesma fração indevidamente pelo que requer também a sua restituição (fls. 774), a qual mereceu a resposta de indeferimento de fls. 779, e resultou a oposição do executado J… do fls. 788, com respostas da AT de fls. 789;
24. O arrendatário por requerimento de 9/12/2010 volta a pedir esclarecimento à repartição de finanças na medida em que voltou a ser interpelado por P… de forma escrita (fls.797) a pagar-lhe as rendas, equacionando a hipótese, em face de tantos incómodos e indefinições a manutenção do arrendamento (fls. 796);
25. Por requerimento de G…, na qualidade de descendente de J… dizer que pretende exercer o direito de remissão na venda que vier a ser feita ao bem penhorado artigo 7... letra “P”, foi dado conhecimento pelo órgão de execução de que deveria fazê-lo até a assinatura do titulo que documenta a venda (fls. 802 e 803 e 808);
26. Por requerimento de 4/1/2011 a firma M…, Lda. arrendatária da fração “P”, tendo outorgado em 1999 um contrato de arrendamento comercial com os executados J… e P..., face à exigência de rendas por parte da AT e do P…, tornou-se impossível a manutenção do contrato, sendo prejudicial para a empresa a afixação de editais de venda á porta do estabelecimento, que pensam que a locatária é que é incumpridora (...) e as exigências da nova legislação sobre as clínicas dentárias, havendo infiltrações sempre que chove, será feita entrega do locado no final de Fevereiro dando conhecimento da resolução do contrato ao senhorio (doc.fls.805 a 806);
27. Não foram apresentadas propostas, e foi dado conhecimento à filha do executado (doc. fls. 819 a 824);
28. Foi anunciada a venda da fração “P” penhorada, artigo n.° 7..., com 224m2, sem valor base, sendo a fiel depositária a executada P... (com base em informação da DE de 11/3/2011 e despacho de 16/3/2011, fls. 878 a 880 e 911), houve prorrogação de apresentação das propostas (fls. 1007) e por suspeita de conteúdo fraudulento da proposta foi revogada a aceitação da mesma que constitui na. 1005 e a aceitação da proposta de C… que não procedeu ao pagamento dentro dc prazo (doc de fls. 1131 a 1134);
29. Em 7/3/2011 a equipa de inspeção deu informação a que alude fls. 925 entre outras, a informação da existência de uma conta titulada pelo executado na CGD e um contrato de arrendamento (fls. 927 a 930);
30. Por requerimento de 11/5/2011 a executada P... dirigiu ao Chefe da RF a lembrar que: “no TAF de Coimbra decorre um processo de impugnação da 2ª avaliação, a dívida está prescrita também confirmada pelo despacho de 25/01/2010 (…)” (doc. fls. 957) e por requerimento de 23/5/2011 o executado G… veio “informar, o que já fiz pelo telefone, que existem várias irregularidades graves no processo de venda desde o seu inicio da fração “P” e que este processo já esta a ser contestado no TAF de Coimbra (...) devem informar os possíveis proponentes e/ou adquirente a consultarem o processo na RF da Lousã e atestarem as irregularidades do mesmo, (...) embora o Chefe S…, teima em ignorar os factos que são do seu conhecimento e voluntariamente cometidos. (...) (doc. de fls. 986);
31. Por requerimento de 14/7/2011, veio novamente o Executado J…, dirigido ao Chefe, “(...) para que não possa dizer que não sabia. Tem ao longo do tempo desde que entrou para a repartição de Finanças da Lousã cometido voluntariamente irregularidades (…) que este processo está prescrito por despacho assinado pelo Senhor; No Edital de Venda a descrição do prédio não corresponde à da matriz no que diz respeito á área e ao andar (…) e por requerimento de 15/7/2011, a executada P... vem reiterar as irregularidades do processo, declarando que “se opõe a qualquer iniciativa do Chefe da Repartição de Finanças ou de qualquer outro funcionário (…)” (doc. de fls.1127 e 1129);
32. Por ofício de Agosto de 2011, notificado ao executado com carta registada de 10/8/2011 (fls. 1160 e 1165 a 1169) foi dada resposta às várias interpelações escritas do executado no processo que aqui se dá por reproduzida;
33. A Proponente Cristiana veio após requerimento feito ao Chefe de Finanças anulação da venda, indeferindo, que mereceu reclamação para este Tribunal que igualmente veio a ser julgada improcedente, não tendo pago as custas do processo não lhe são conhecidos bens ou rendimentos, conforme consta do vol. VI do processo (fls. 1172 a 1338, 1343 a 1346);
34. A executada veio reclamar do não reconhecimento da prescrição do Chefe da RF para o TAF de Coimbra que por sentença declarou não se verificar a prescrição (fls. 1360 a 1490) e dela interpôs recurso para o ICA Norte, que por Acórdão que confirmou que o IRS de 2001 em cobrança no p.e.f. 0760/200301001892 ainda não prescreveu e ainda quanto ao mesmo processo de execução foram deduzidos embargos de terceiro pelo P… em 18/4/2013 que mereceu sentença de indeferimento liminar por intempestivos (fls. 1955 e seguintes);
35. Em virtude dos factos relatados, também, no item 16, foi proposta no tribunal da Lousã pelo M°P° ação contra os aqui executados e P…, filho de ambos, para que seja declarada a ineficácia do negócio de compra e venda entre eles celebrado em 29/10/2010, relativa à fração autónoma com a letra “P” do artigo 7...-P, ou a nulidade do negócio jurídico e subsequente cancelamento do registo a favor de P… (doc. de fls. 3002 a 3034);
36. A presente reclamação da decisão tomada em 12/12/2013 deu entrada em 20/1/2014 na respetiva repartição (fls.2064 e seguintes).”

2. Do Direito

I. Antes de mais, cumpre, então, aferir se a reclamação deve, ou não, ter subida imediata.

Conforme resulta da sentença recorrida, entendeu-se que não se encontravam reunidos os fundamentos para a subida imediata da reclamação, e com esse fundamento, condenou-se a reclamante ao pagamento de sanção pecuniária de 10 UC, nos termos do disposto no art. 278.º do CPPT.

A apreciação das reclamações do órgão de execução fiscal, ao abrigo do art.º 276.º, do CPPT, é, por princípio, diferida para o momento em que o processo executivo seja remetido, a final, ao Tribunal, e depois de concretizadas a penhora e a venda (art.º 278.º do CPPT).

A lei admite excepções a tal princípio, nos casos elencados, no n.º 3 do aludido art.º 278.º, do CPPT, normativo que tem que ser interpretado como tendo natureza meramente exemplificativa e não taxativa, pois o seu âmbito tem de abarcar todas aquelas situações em que a subida diferida seja susceptível de provocar ao reclamante um prejuízo reparável ou de desproporcional reparação, bem como aquelas em que ela (subida diferida) venha a retirar todo e qualquer efeito útil à reclamação.

Ou seja, o regime regra, na apreciação das reclamações interpostas de decisões da autoria do órgão de execução fiscal que afectem direitos e interesses legítimos, seja do executado seja de terceiros, é de que a oportunidade para tal efeito apenas ocorre a final, depois de realizadas as penhora e venda de bens – cfr. art.ºs 276.º a 278.º/1, do CPPT.

In casu, foi apresentada reclamação do despacho do serviço de finanças da Lousã que indeferiu o pedido de suspensão da execução fiscal até ao trânsito em julgado da acção pauliana proposta pelo Ministério Público e que não reconheceu a nulidade da citação da Reclamante.

A Reclamante peticiona a subida imediata da reclamação com o fundamento de que a eventual subida diferida faria perder todo o seu efeito útil, pois o imóvel penhorado se encontra na fase da venda judicial, não tendo sido suspensa a execução, sendo certo que a Reclamante não foi citada para efeitos de requerer a separação judicial. Mais se invoca que os prejuízos causados à Reclamante pela decisão da AT afiguram-se como irreparáveis, porquanto a execução fiscal não ficou suspensa.

No que diz respeito ao fundamento de que a Reclamante não foi citada para efeitos de requerer a separação judicial, este não é susceptível de lhe causar um prejuízo irreparável ou tornar totalmente inútil a reclamação, pois se esta vier a ser atendida o acto processual em causa – citação – será anulado, ficando sem efeito todos os actos subsequentes, designadamente o acto de penhora (nesse sentido, Ac. do STA de 19/04/2012, proc. n.º 0293/12, cujo sumário é o seguinte: “I – A norma do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT deve ser interpretada no sentido de que em processo de execução fiscal só há subida imediata da reclamação quando, sem ela, ocorram prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer processo judicial de execução para cobrança de quantia certa. II – Essa subida imediata deve ser estendida a todas as situações em que a reclamação fique sem finalidade alguma por força da sua subida diferida, por essas situações também serem susceptíveis de provocar um prejuízo irreparável. III – Não tem subida imediata a reclamação da decisão do órgão da execução fiscal que indefere a arguição de nulidade da citação da executada para a execução fiscal.” Sublinhado nosso).

Por conseguinte, a eventual nulidade da citação não conduz à subida imediata da reclamação, nem tão-pouco o facto de o bem se encontrar em fase de venda, pois os efeitos inerentes ao processo judicial de execução não podem fundamentar a subida imediata da reclamação.

No que diz respeito à pendência de acção pauliana constituir, ou não, fundamento para a subida imediata da reclamação, não se vislumbra qual o prejuízo que possa advir para a Reclamante, uma vez que a acção pauliana proposta pelo Magistrado do Ministério Público visa a protecção do interesse do Estado credor contra um acto dos executados que envolveu diminuição da garantia patrimonial do crédito.

Por outro lado, não foram alegados factos que concretizassem esse pedido de subida imediata, designadamente, em que medida a não suspensão do processo, face à acção pauliana, prejudica a Reclamante, e como bem se refere na sentença recorrida “o prosseguimento da execução e o seu desfecho não fica prejudicado com aquela acção, antes pelo contrário, ela poderá vir reforçar os direitos do Estado na preservação do património em execução”.

Tal significa também que, quanto a este fundamento (pendência de acção pauliana) a Reclamante não tem qualquer direito ou interesse legítimo para sindicar o acto do órgão de execução fiscal, nos termos do art. 276.º do CPPT, porquanto, seja qual for o resultado daquela acção, o destino do bem penhorado, no âmbito do processo de execução fiscal, não afecta a esfera jurídica da Reclamante, uma vez que esta o vendeu a um terceiro (seu filho), acto esse que o Ministério Público está a sindicar na acção pauliana, para protecção do Estado credor.

Dito de outro modo, o acto reclamado, na parte que indefere o pedido de suspensão do processo de execução, não tem a virtualidade de afectar qualquer direito ou interesse legítimo da Reclamante, considerando a venda do bem penhorado, pela própria Reclamante ao seu filho. Assim, a suspensão ou prosseguimento da execução para a venda do bem, no âmbito do processo de execução fiscal, não afecta qualquer direito ou interesse legítimo da Reclamante, pois já não é a proprietária do bem penhorado, por acto, por si própria, livremente praticado.

Assim sendo, e nesta parte, não se pode dizer que a subida diferida da reclamação origine a perda do efeito útil da reclamação, quando nem sequer há um direito ou interesse legítimo na própria reclamação, conforme pressupõe o disposto no art. 276.º do CPPT.

Por conseguinte, e em súmula, não se verifica prejuízo irreparável ou perda do efeito útil da reclamação que fundamente a sua subida imediata, pelo que, a reclamação apenas deverá ser conhecida a final, depois de concretizada a venda (art. 278.º, n.º 1 do CPPT).

Por conseguinte, a sentença recorrida, na parte em que decidiu que a reclamação deve ter subida diferida, deve ser confirmada.

Aqui chegados, cumpre então, saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter condenado a Reclamante ao pagamento de sanção pecuniária de 10 UC, nos termos do disposto no art. 278.º do CPPT.

Apreciando.

Dispõe o n.º 6 do art. 278.º do CPPT que “[c]onsidera-se haver má fé, para efeitos de tributação em sanção pecuniária por esse motivo, a apresentação do pedido referido no n.º 3 do presente artigo sem qualquer fundamento razoável”.

Este regime de litigância de má-fé é mais gravoso do que o previsto no actual art. 542.º do CPC, uma vez que, ao contrário deste último preceito legal, não se exige a actuação dolosa ou com negligência grave. A razão de ser deste regime mais gravoso prende-se com os inconvenientes da paragem do processo de execução fiscal que advém quando é invocado o prejuízo irreparável pelo Reclamante, deste modo, exige-se a invocação de “fundamento razoável”, sob pena de ser aplicação a sanção pecuniária prevista no n.º 6 do art. 278.º do CPC.

In casu, a sentença recorrida entendeu que a Reclamante não alegou quaisquer factos que suportassem o seu pedido de subida imediata “não concretiza de modo plausível os factos de que ele deriva, ou seja, como é que prejudica a reclamante a não suspensão do processo em face da acção proposta pelo M.P.?”, e relativamente à questão da citação “é manifesta a sua insustentabilidade”.

A Reclamante entende que, mesmo que não houvesse fundamento razoável para a reclamação subir imediatamente, ainda assim, não haveria motivo para a condenação da Reclamante na sanção pecuniária em causa “uma vez que o Tribunal, pese embora reflicta que inexiste fundamento para subida imediata, acaba por, mesmo assim, apreciar as questões suscitadas em sede de Reclamação, sendo assim incongruente vir sustentar uma condenação em sanção pecuniária” (conclusão 26 das alegações de recurso), e por outro lado, a condenação em 10 UC carece de justificação e é excessiva (conclusão 27 das alegações de recurso).

Com efeito, tal como a Reclamante invoca, resulta da sentença recorrida que, apesar de se ter concluído pela subida diferida da reclamação, e se ter condenado a Reclamante ao pagamento de sanção pecuniária de 10 UC, acabou-se por conhecer do mérito da reclamação com o fundamento de que “dada a extensão do processo com incidentes que foi alvo até ao momento, entende este Tribunal que, para obviar a mais protelamentos, deve, em nome do princípio da prevalência da substância sobre a forma, pronunciar-se já em concreto aos vícios que a reclamante imputa à actuação do órgão de execução.”

Porém, o conhecimento do mérito da reclamação quando não se verificam os pressupostos para a subida imediata da mesma, tal como sucede no caso dos autos, viola o disposto no art. 278.º, n.º 1 do CPPT que impõe o dever ao tribunal de apenas conhecer da reclamação (do seu mérito) “quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final”, não podendo o juiz, casuisticamente, fazer um juízo de valor sobre a utilidade e economia processual do conhecimento do mérito da reclamação, sob pena de esvaziar de conteúdo aquele normativo.

Por conseguinte, há que anular a sentença recorrida na parte em que conheceu do mérito da reclamação, por violação do disposto no art. 278.º, n.º 1 do CPPT.

Anulada a sentença recorrida naquela parte, carece de fundamento o invocado pela Reclamante quanto à incongruência da sentença ao sustentar uma condenação em sanção pecuniária quando conheceu do mérito da reclamação.

Relativamente ao quantum da condenação, invoca a Reclamante que o montante fixado de 10 UC carece de justificação e é excessivo.

Mas sem razão, pois in casu, a subida imediata da reclamação peticionada carece de fundamento razoável, desde logo porque, conforme jurisprudência do STA supra referida, a citação não é fundamento de subida imediata. Por outro lado, a reclamante não alegou factos que concretizassem em que medida a não suspensão do processo, face à acção pauliana, prejudica a Reclamante. Ora, sem essa alegação, não é razoável pretender-se a suspensão da execução fiscal quando a acção pauliana proposta pelo Magistrado do Ministério Público visa a protecção do interesse do Estado credor contra um acto dos executados que envolveu diminuição da garantia patrimonial do crédito.

Como escreve a este respeito Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. IV, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 316 “[a]ssim deverá considerar-se como justificando a condenação por litigância de má fé prevista no n.º 6 do art. 278.º do CPPT, não só a invocação de prejuízo irreparável sem fundamento razoável, como a falta de alegação de quaisquer factos que sirvam de suporte ao pedido de subida imediata da reclamação.”.

Acresce que, a condenação na quantia de 10UC, tem fundamento legal no disposto no art. 27.º, n.º 1 e 2 do RCP, e a sentença recorrida alicerça suficientemente a condenação no entendimento de que a Reclamante “não concretiza de modo plausível os factos de que ele deriva, ou seja, como é que prejudica a reclamante a não suspensão do processo em face da acção proposta pelo M.P.?”, e relativamente à questão da citação “é manifesta a sua insustentabilidade”.

Deste modo, não nos afigura excessivo o montante em que a Reclamante foi condenada, face à excepcional gravidade da sua conduta, pois é manifesta a falta de razão de ser do fundamento invocado quanto à acção pauliana (fundamento que nem sequer consubstancia um direito ou interesse legítimo da reclamante), o que revela a intenção da Reclamante de paralisar o processo de execução fiscal, pelo uso ilegítimo do pedido de subida imediata da reclamação.



Face ao exposto, não merece provimento o recurso quanto a este fundamento.

Em suma, a presente reclamação deve ter subida diferida, e por conseguinte, a sentença deve ser mantida nessa parte, bem como na parte em que condenou a Reclamante na sanção pecuniária de 10 UC, devendo ser anulada na parte em que conheceu do mérito da reclamação, e deste modo, relativamente a esta parte, não se conhece dos fundamentos do recurso.

3. Sumário

I. Não é susceptível de causar prejuízo irreparável ou tornar totalmente inútil a reclamação, para que possa obter a subida imediata da reclamação, quer a falta ou nulidade da citação, quer um fundamento que não constitua um direito ou interesse legítimo na própria reclamação, conforme pressupõe o disposto no art. 276.º do CPPT;
I. É justificada a condenação por litigância de má-fé prevista no n.º 6 do art. 278.º do CPPT, não só quando se invoca prejuízo irreparável sem fundamento razoável, mas também quando estamos perante a ausência de alegação de quaisquer factos que sirvam de suporte ao pedido de subida imediata da reclamação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso interposto, e confirmar a sentença recorrida na parte em que julgou que a reclamação deve ter subida diferida, e na parte em que condenou a Reclamante na sanção pecuniária de 10 UC, e por conseguinte, determinar a sua subida diferida, após a venda, anulando-a na parte em que conheceu do mérito da reclamação.
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Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
D.n.
Porto, 16 de Outubro de 2014.
Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos