Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01511/13.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/18/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; MUNICÍPIO; ATRASO NA EMISSÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO.
Sumário:1. Tendo ficado provado que a concretização do projeto de construção do empreendimento habitacional plurifamiliar e para comércio no terreno em causa e a venda das respetivas frações, entre os anos de 2001 e 2003, geraria para a Autora uma receita expectável de € 1.441.640,00, líquida de custos diretos de construção, impostos, encargos financeiros e outros gastos relacionados com o projeto e que tal só não se verificou porque decorreram dez anos entre o deferimento da licença e a disponibilidade para passar o alvará, pelo Réu, o que tornou mais elevados os custos da construção, fez aumentar o montante da caução e das taxas municipais, o que foi conditio sine qua non da impossibilidade de cumprimento das condições para a passagem do alvará, nomeadamente de obtenção do crédito bancário necessário para efectuar a construção o Município demandado está obrigado a indemnizar a Autora por este prejuízo, já líquido.

2. Dado que esta situação, criada pelo Município, gerou uma perda da chance da Autora de, com a venda das fracções construídas, obter uma receita líquida de €1.441.640,00 este é o valor a pagar de indemnização.

3. A lesada não deu qualquer contributo para a verificação dos danos ou o seu agravamento, com a falta de interposição tempestiva da acção dado ter ficado com a fundada expectativa de uma solução atempado em sede administrativa.

4. Nenhum outro dano há a reparar dado esta indemnização reconstituir a diferença entre a situação real actual e a situação hipotética que existiria se naõ fosse a conduta ilícita e lesiva do Município. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:P., Lda, e Município do (...)
Recorrido 1:Município do (...), e P., Lda.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

P., Ldª veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 3 de Julho de 2017, na presente acção administrativa comum que a Recorrente move contra o Município do (...), pela qual foi julgada a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenado o Réu a pagar à Autora a quantia de €1.441.640,00, acrescida de juros de mora a contar da data da citação e até integral pagamento, tendo sido pedido que:
1. que o R. seja condenado “a reparar todos os danos causados à Autora com o seu comportamento ilícito”;
2. que o R. seja condenado “a reduzir o montante a pagar pelo alvará e a reduzir o valor da caução, aplicando-lhes as normas e regulamento em vigor à data do ato de deferimento repristinado e ocorrido em 2001”;
3. que o R. seja condenado “a ressarcir e pagar à Autora uma indemnização por danos emergentes que se computam no valor global de € 1.958.355,86 (designadamente, custos/despesas com a operação imobiliária incluindo a aquisição do terreno, IMT, IS, emolumentos, comissão de compra e encargos financeiros decorrentes da livrança e contrato contraídos para a aquisição do terreno em 1999, sendo que, do próprio bolso gastou € 1.018.355,86 e deve ainda ao Banco € 940.000,00), entre outros custos:
3.1) € 5.587,55 (pagou taxas SMAS, correspondentes à aprovação dos respetivos projetos de especialidades);
3.2) € 83.382,40 (pagou a um gabinete de projetos e despendeu com a elaboração de anteprojetos, projetos e demais documentos necessários);
3.3) € 79.807,00 (10% de 798.076,64€) valor do IMT correspondente, no montante de valor que lhe teria sido reembolsado nos 3 anos seguintes;

3.4) € 456.948,78 (custos financeiros até 2010 inclusive associados aos empréstimos que obteve junto do Montepio Geral (custos estes relacionados com juros remuneratórios, de mora, imposto do selo do empréstimo e despesas contratuais suportadas) por meio de contratos de abertura de crédito que celebrou para financiamento da operação urbanística em causa)”.
Cumulativamente aos pedidos acima formulados, pede a A.:
4. que o R. seja condenado “a ressarcir e pagar à Autora uma indemnização no valor de € 1.454.113,06 (decorrente da impossibilidade da realização da operação urbanística a Autora deixou de auferir um lucro real já livre de impostos)”;
5. que o R. seja condenado “a ressarcir e pagar à Autora uma indemnização no valor de € 182.011,30 (correspondente ao que resultaria da remuneração média de 3% ano que a Autora obteria com a aplicação, por meio de depósito bancário, do montante de € 1.454.113,06 (lucro líquido), calculado desde 2006 até 2010 inclusive)”;
6. que o R. seja condenado “a ressarcir e pagar à Autora uma indemnização no valor de € 233.913,77 (montante que recebia da diferença líquida (incluindo já impostos) entre o valor a pagar e a receber com a celebração das escrituras de compra e venda de dois prédios rústicos designados por “campo do (...)” descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial do (...) sobre o n.º 1110, folhas 47 verso do Livro B-12 e Livro B-39, folhas 63 verso sob o n.º 29.021 e inscritos na matriz sob os artigos 310 e 311 da freguesia de (...) (…), tendo os respetivos contrato promessa e dependendo a celebração da escritura do deferimento da operação pelo Réu)”;
7. que o R. seja condenado “a ressarcir e pagar à Autora uma indemnização no valor de € 62.401,20 (rendimento pela aplicação daquela quantia de € 233.913,77 num depósito bancário o qual lhe seria remunerado a uma taxa média líquida anual de 3% que renderia um rendimento de capital (entre 2003 e 2010))”;
8. que o R. seja condenado “a ressarcir a pagar à Autora uma indemnização no valor de € 222.563,40 (decorrente do valor de € 1.018.355,86, correspondente à cifra de capitais próprios de que abriu mão para pagamento do preço de aquisição do terreno, custos diretamente relacionados e demais despesas indispensáveis à obtenção do licenciamento e alvará, e caso os tivesse aplicado num depósito bancário tomando em consideração uma taxa líquida anual de 3% remuneração desse capital entre 2003 e 2010 inclusive)”.
Subsidiariamente aos pedidos formulados em 4. e 5., pede a A.:
9. que o R. seja condenado “a ressarcir e pagar à A. uma indemnização no valor de € 528.661,32 (no cenário de venda do terreno, em 2002 a Autora teve e tinha interessados na compra do dito terreno pelo valor de € 1.881.000,00, sem realizar a operação de loteamento, de onde obteria um lucro real, líquido já depois de abatidos todos os custos e impostos inerentes a tal transação)”;
10. que o R. seja condenado “a ressarcir e pagar à Autora uma indemnização no valor de € 141.031,02 (rendimento que obteria se aplicasse aquele lucro de € 528.661,32, sendo que se tivesse recebido este montante tê-lo-ia podido aplicar num depósito bancário, o qual remunerado a uma taxa média líquida de 3%/ano de juro, desde 2003 até 2010)”.
Subsidiariamente aos pedidos 4., 5., 9. e 10., pede a A.:
11. que o R. seja condenado “a ressarcir e pagar à Autora uma indemnização no valor de € 1.410.369,44 (pela desvalorização do terreno em face da “expropriação do plano”)”.
Subsidiariamente aos pedidos 4., 5., 6., 7., 9., 10. e 11., pede a A.:
12. que o R. seja condenado “a ressarcir e pagar à Autora uma indemnização no valor de € 4.131.896,87 (perda de chance)”;
13. a qualquer uma destas quantias acrescem juros de mora a contar da citação e até efetivo e integral pagamento”;
14. que o R. seja condenado a “pagar à Autora todos os demais prejuízos que se venham a apurar, nomeadamente os que resultarem das responsabilidades bancárias e outros, cuja liquidação deverá ser relegada para execução de sentença”.

Invocou, para tanto, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito quanto à não verificação do nexo de causalidade entre os danos inscritos nos factos 33, 34, 37, 39 e 50 e 44 a 48, sustentando que se verifica tal nexo de causalidade, pelo que os danos resultantes dos factos supra enumerados devem dar lugar a indemnização à Autora.

O Recorrido Município do (...) apresentou contra-alegações em que pugna, nessa parte, pela manutenção da decisão recorrida.

O Réu Município do (...) veio, por seu turno, interpor também recurso jurisdicional da referida sentença.

Invocou, para tanto, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito quando considerou verificado o nexo de causalidade entre a sua inércia na passagem do alvará durante dez anos e a perda de chance ou de oportunidade da Autora de concretizar o seu projecto de construção e assim conseguir com a receita da venda das fracções construídas a quantia de €1.441.640,00.

A Recorrida P., Ldª apresentou contra-alegações em que pugna, nesta parte, pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional interposto pela Autora P., Ldª:

1. A recorrente adere, in totum, às considerações dogmáticas tecidas na sentença recorrida na parte alusiva à fundamentação de Direito, v.g., com referência aos pressupostos de que a lei faz depender para a verificação de responsabilidade extracontratual do Estado ou de Entidades Públicas, assim como no que se refere à verificação, in casu, em face dos factos provados, de cada um desses requisitos, com exceção como se verá para o do nexo de causalidade e de parte do montante indemnizatório), determinantes da obrigação de indemnizar.
2. O dissêndio da recorrente prende-se com a alegada, na sentença, falta de nexo de causalidade para, com base nisso, fundamento que serviu para lhe negar indemnização: (i) pelos prejuízos que esta sofreu e que resultaram provados, conforme pontos 33, 34, 37, 39 e 50 da factualidade provada (doravante abreviadamente f.p.) da douta sentença; (ii) pelos lucros cessantes que seriam gerados com a venda de dois terrenos rústicos designados por "Campo do (...)", que a Autora havia prometido adquirir (cfr. pontos 44 a 48 da f.p.) cifrados em 233.913,77€ (valor calculado com base na diferença dos preços das prometidas aquisições e da prometida venda já líquido de impostos); (iii) como pelos danos emergentes (cifrados em 174.578,26€), relacionados com a perda do sinal prestado pela Autora referente ao contrato promessa a que alude o ponto 45 da f.p. e que esta entende ser-lhe também devidos.
3. Como, aliás, reconhecido naquele trecho da sentença, só a conduta ilícita do R. Município, que inviabilizou durante vários anos (depois de antes ter deferido o pedido de loteamento) a construção pretendida, fez com que a Autora não viesse a concretizar o projeto de construção.
4. Foi precisamente por essa actuação do R. Município que a Recorrente Autora ficou impossibilidade de construir e impediu a Autora de realizar as receitas necessárias que lhe permitiam fazer face a todo os custos incorridos, e que além disso. fez com que alguns destes (como é disso exemplo os encargos financeiros e os IMI incidentes sobre o terreno que adquiriu para construção) se agravassem ao longo de todo este tempo.
5. Torna-se claro que estes custos teriam sido repercutidos caso o processo de licenciamento da operação de loteamento em questão tivesse seguido os seus trâmites normais e a Autora tivesse podido construir, como afinal era seu direito — embora somente reconhecido pelo R. dez anos mais tarde — no período previsto, tendo tal acréscimo de custos (bem como a impossibilidade de os repercutir) apenas surgido pelo arrastar da posição errada e ilícita dos serviços camarários em termos que tornaram inviável do ponto de vista económico e de preços de mercado - assim como totalmente impossível à Autora, pelas dificuldades financeiras em que ficou - a concretização de um tal projeto de construção.
6. Estão neste recurso em causa os custos que a Autora suportou em vista à concretização do projeto de construção e que foi inviabilizado pela conduta ilícita dos serviços camarários (e por conseguinte, do R. Município) relacionados com a aquisição do terreno referido nos pontos 2 a 4 da f.p., os encargos financeiros do empréstimo bancário junto do Montepio Geral, no montante de 783.656,54€, assim como o valor suportado ao longo dos anos (entre 2003 e 2016), com o IMI, no montante de 10.688,80€.
8. Por conseguinte, ao invés do sustentado na sentença recorrida, verifica-se a existência do nexo de causalidade entre atuação ilícita aos serviços camarários (ou do R. Município) - a qual redundou na inviabilidade por culpa deste, do projeto de construção que a Autora tinha previsto para o terreno a que veio a corresponder o Lote 1 do processo de licenciamento do loteamento de (...) - e os custos que a Autora incorreu relacionados com a aquisição do terreno e manutenção do mesmo no seu domínio (propriedade), assim como com o projeto de construção (honorários a gabinete de projetos), e a que se referem os pontos 33, 34, 37, 39 e 50.
8.Com efeito, não fosse a actuação do R. Município e teria a Autora repercutido os custos nas receitas que geraria com a venda das frações do empreendimento que se propôs construir, uma parte daqueles custos (como sejam o relacionado com o preço de aquisição do terreno, despesas com escritura, imposto de selo e IMT e registos) como do mesmo modo não suportaria os relacionados com o agravamento dos custos financeiros como ocorreu no período entre 2003 e 2016 e com o IMI desses anos.
9. Trata-se da obtenção de indemnização para reposição da situação da Autora lesada ao estado em que não se encontraria se não fosse a lesão, solução que encontra apoio no art. 563º do C Civil.
10. O montante de tais danos ascende, como se disse, a 1.775.258,60€; no entanto a Autora reduz a este os montantes que peticionou relacionados com a aquisição do terreno (montantes que constam dos pontos 33 e 34 da f.p.), em virtude de o tribunal não se ter sequer pronunciado sobre o valor atual do mesmo e este continuar na sua propriedade, ficando a indemnização que reclama em acréscimo ao da condenação, alicerçado nos pontos 37, 39 e 50 da f.p, no montante de 977.149,25€.
11. Montante a que a Autora tem igualmente direito a ser indemnizada ao abrigo dos art.s 562º, 563º e 564º do C Civil, disposições que a sentença recorrida violou - valor a que acresce os juros de mora, vencidos e vincendos, a contar da citação e até efetivo pagamento, nos termos dos art.s 804º, 805º, nº 2 a'. b), 3, 806º, nº s 1 e 2 e 559º, do C Civil.
12. Inversamente da premissa em que a sentença parte para recusar a indemnização peticionada pela Autora, quer a título de lucro cessante, resultante da diferença dos preços das prometidas compras e da prometida venda por esta última, referente aos terrenos e contratos identificados nos pontos 44 e 47 da f.p., no montante líquido (porque deduzidos os impostos) de 233.913,77€, como quanto ao dano emergente, relacionado (este) com a perda do sinal prestado no âmbito do contrato promessa a que se refere o ponto 45 da f.p., no montante de 174.578,03€, tais terrenos integram a operação de loteamento identificada nos autos, correspondendo nos desenhos da memória descritiva do processo administrativo nº 21612/01 às parcelas designadas pelas letras D e E, constituindo as duas o lote 8 no denominado "Estudo Urbanístico de (...)" desenvolvido para a "Alameda da (...)", como se pode ver na Pasta 1, a págs. 1 e 2 e 132 do p.a. (vide também como prova. ponto 26 da f.p.)
13. Constando do texto dos contratos promessa de aquisição dos ditos terrenos pela Autora que as respetivas escrituras dos contratos prometidos se encontravam condicionadas ao levantamento do alvará de licença de construção do edifício a implementar nos terrenos objecto de tais contratos promessa, e se — como se demonstrou - por razões unicamente imputáveis aos serviços da Câmara, ou seja por culpa do R., apenas em 2011, quando o contexto quer da Autora, quer do mercado era já totalmente diferente, veio a reconhecer a ilicitude cometida, inviabilizando com o decorrer de cerca de dez anos, a concretização do projeto de construção da Autora nos mencionados terrenos da zona de (...), tem de concluir-se que o R. incorreu em responsabilidade civil e na obrigação de a indemnizar. iá que foi devido a tal comportamento ilícito seu que a aqui recorrente se viu privada do lucro que obteria com a realização das escrituras de tais contratos, ficando assim estabelecido o nexo de causalidade entre a conduta ilícita do R. e o dano causado, tendo esse valor sido cifrado (em termos líquidos) em 233.913.77€.
14. Isto mesmo emerge da fundamentação da sentença, quando nesta, depois de justificar a recusa do direito à indemnização pretendida pela Autora/recorrente, partindo da premissa (errada) de que os terrenos objetos das promessas de compra e venda não estariam abrangidos pelo mesmo processo de operação de loteamento, reconheceu que diferente seria se a celebração dos contratos prometidos estivesse de algum modo, condicionado ao deferimento da operação urbanística sobre o terreno de (...), justamente o que aconteceu!!
15. Tal inviabilidade de construção pela Autora causada pela conduta ilícita do R. degenerou ainda na impossibilidade de a mesma poder cumprir com os contratos promessa que havia celebrado (cf. ponto 32 da f.p.), enquadrável na impossibilidade objetiva e subjetiva de realização e cumprimento dos contratos, conforme os arte s 790º e 791º do C CMI — donde, a existência de fundamento para a extinção dos mesmos tendo como consequência a perda do sinal prestado pela Autora no âmbito do contrato promessa a que se referem os pontos 44 e 45 da f.p., no montante de 174,578,26€, valor este igualmente indemnizável, mas não relevado na sentença recorrida.

16. Aos montantes referidos acrescem os juros contados da citação até efetivo e integral pagamento, nos termos dos art.s 804º, 805º, nº 2 al. b), 3, 806, nºs 1 e 2 e 559º, do C Civil.
17. Ao não atribuir a indemnização pelos lucros cessantes que a Autora obteria com a realização dos contratos-promessa de transmissão de propriedade dos dois terrenos rústicos designados por Campo do (...), que vieram a integrar o lote 8 do processo de loteamento, assim como ao negar-lhe a indemnização por danos emergentes correspondente ao valor do sinal prestado, a sentença recorrida, pelos motivos aduzidos, violou os comandos dos artº s 562º, 563º, 564º e 790º, 791º e 442, nº 2 (a contrario), todos do C Civil.
18. Os valores aqui reclamados em acréscimo ao da condenação em instância, ascendem a 1.385.641,00€, devendo, por conseguinte, o valor global da indemnização, uma vez procedente, como espera, este recurso, ser o R. condenado ao pagamento de 2.827.281,00€ acrescido dos juros à taxa legal de 4% desde a citação e até real pagamento.
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional interposto pelo Réu Município do (...):
A. A sentença recorrida enferma do vício de erro de julgamento, quando decide que são indemnizáveis "os danos decorrentes da inviabilização ou impossibilidade de a A. , em 2011 e até hoje, concretizar o projecto de construção do referido empreendimento habitacional plurifamiliar e para comércio no terreno de (...) "8 e quando decide não se observar in casu culpa da lesada, nos termos do disposto no artigo 40 da Lei n o 67/2007, de 31 de Dezembro.
B. Independentemente da tramitação que o processo de licenciamento em apreço mereceu em concreto por parte dos serviços municipais, nomeadamente a revogação do despacho de indeferimento de 21/10/2010 e a repristinação do deferimento do pedido de licenciamento da operação de loteamento de 16/11/2001, a vexata quaestio passa por saber se este último acto causou ou era susceptível de causar prejuízos na esfera jurídica da ora Recorrida.
C. O acto administrativo em apreço veio atribuir à Recorrida e demais requerentes do loteamento, o direito a verem emitido o correspondente alvará e a, assim, erigirem as construções pretendidas para o local.
D. Na sequência da prolação desse acto, veio a Recorrida, de imediato, requerer a emissão do alvará e o cálculo, para esse efeito, da caução aplicável. O que é, desde logo, suficientemente demonstrativo do interesse da Recorrida em prosseguir com a construção aprovada para o local e da sua conformação com o acto em causa.
E. Ora, se assim é, como pode vir depois a Recorrida defender que, afinal, já não tinha condições económicas para o fazer?
F. Os montantes pagos pela Recorrida ao Montepio Geral são apenas relativos à compra do terreno - que é da sua propriedade - e não a qualquer valor para construção.
G. O Recorrente não declarou a caducidade da licença, o que vale por dizer que a Recorrida ainda poderia hoje, em que existem condições de financiamento bancário e um mercado imobiliário em alta no Porto, iniciar a construção do prédio.
H. O acto administrativo em causa, bem como o procedimento que o originou, não lesou a Recorrida, tendo, ao invés, permitido que esta finalizasse o seu desiderato urbanístico, deferindo o seu pedido de licenciamento.
I. Mal seria que a Recorrida pudesse pretender ter "0 melhor de dois mundos ", ou seja, ser ressarcida pelo indeferimento da sua pretensão, quando esta veio, efectivamente, a ser satisfeita pelo Recorrente, permitindo-lhe, assim, legitimamente, proceder à construção.
J. Desde 21 de Janeiro de 2011, mais concretamente desde que foi repristinado o acto de deferimento do pedido de licenciamento de operação de loteamento praticado pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal do (...) em 16 de Novembro de 2011, que a Recorrida tem um título válido para iniciar a construção pretendida.
K. E que para dar eficácia ao acto válido de deferimento da licença, necessitava a Recorrida somente de requerer a emissão do respectivo alvará e levantá-lo depois de liquidar as taxas devidas.
L. Daí que nunca poderia proceder a alegação da Recorrida de que a capacidade construtiva do lote, em face da alteração do PDM do Porto, estará diminuída, com os prejuízos que daí adviriam, caso aquela entendesse executar a construção aprovada, por força dos direitos adquiridos, para o local.
M. Assim, o pagamento de uma indemnização à Recorrida — por referência ao suposto lucro que iria resultar da venda das fracções resulta sempre por se uma duplicação inadmissível, uma vez que ainda existe a possibilidade de construir.
N. Sendo a actual situação de mercado imobiliário e manifestamente favorável à concretização desse negócio.
O. A sentença recorrida parte de um pressuposto errado, porquanto conclui da impossibilidade financeira da Recorrida em rentabilizar aquele terreno e a sua capacidade construtiva, seja através da construção directa, seja através da venda a um terceiro investidor.
P. A este propósito, veja-se o que refere a sentença recorrida a fls. 31, quando refere os depoimentos das testemunhas Sandra Salazar e M., bem como as notícias que têm vindo a dar à estampa, de onde se refere, com mero exemplo, o que é escrito no jornal "Observador" em 26/07/2017: "C) mercado imobiliário continua a dar sinais de vigor. Ainda uma boa parte do aumento da procura esteja concentrada na Grande Lisboa (sobretudo) concelhos de Lisboa e (Cascais) e nos dados do primeiro trimestre mostram que valorização de imóveis, sobretudo no que toca ao setor residencial, está a estender-se a todo o país.
Q. Reitera-se que o pagamento de uma indemnização, nos termos definidos pelo tribunal a quo, consubstancia uma duplicação de valores a que a Recorrida não tem direito.
R. E como bem menciona Júlio Gomes, "a exigência que o dano seja certo é não apenas imposta pelo bom senso, mas é também necessária para a aplicação do princípio de que a indemnização não deve enriquecer o lesado.", sendo que "a mera perda de chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória' . in "Em Torno do Dano da Perda de Chance — Algumas Reflexões, em Studia Juridica, 91, Ars Judicandi, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Volume II: Direito Privado, Coimbra Editora, 2008, págs. 291-292.
S. Tal autor vai, aliás, mais longe, ao afirmar que "na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito"
T. Em sede jurisprudencial, refira-se, a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 2009 (processo n. 0 409/09.4YFLSB), disponível em www.dgsi.pt, no qual se conclui, no essencial, que a perda de chance não releva na vertente jurídica, por contrariar o princípio da certeza dos danos e da causalidade adequada.
U. Importa referir que não se sabe sequer se todas as fracções iriam ser vendidas ou em que data terminaria a obra, bastando recordar que a chamada crise do subprime se iniciou poucos anos depois, conduzindo à insolvência inúmeras empresas de construção civil, bem como promotores imobiliários e outros operadores ligados à actividade imobiliária. O que, curiosa e felizmente, não sucedeu com a Recorrida.
V. Destarte e em conclusão, e ao contrário do que vem decidido pelo tribunal a quo, a Recorrida não detém qualquer direito de ressarcimento.
DA CULPA DA LESADA
W. Face à circunstância de a Recorrida não ter agido judicialmente em relação ao acto que considera efectivamente lesivo, datado de 2005, haverá que atender ao disposto no artigo 4.º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro.
X. Atenta, por um lado, a postura de "inércia judicial" da Recorrida, ilustrada pelo próprio artigo 79.º (a contrario) da sua petição inicial e, bem assim, pelo mencionado parecer da IGAT, no qual se refere expressamente não ter a Recorrida accionado os meios judiciais para fazer valer os direitos em que se arrogava.
Y. Postura essa que a Recorrida pretendeu inverter com o presente pleito, na sequência da prática, pelo Recorrente, do acto administrativo de 29/01/2011 .
Z. E, por outro lado, a iniciativa do Recorrente na prática desse acto, alterados que considerou aqueles que foram os pressupostos do processo de licenciamento do loteamento, até essa data, deverá a indemnização ser excluída ou, pelo menos, reduzida.
AA. Por todo o exposto, deverá o tribunal ad quem revogar a sentença recorrida, julgando a presente acção improcedente in totum, com todas as consequências legais daí decorrentes.



9 Veja-se a sentença recorrida a fls. 31, quando refere que: as testemunhas S. (arquitecta na Câmara Municipal do (...) desde 2004) e M. (engenheira civil na Câmara Municipal do (...) desde 1992, no Departamento de Gestão Urbanística, exercendo actualmente as funções de Chefe de Divisão de Gestão de Procedimento Urbanísticos), ambas com intervenção directa no processo de licenciamento em crise enquanto gestoras do mesmo, prestaram depoimentos centrados no estado actual do mercado imobiliário do Porto que tem vindo a melhorar desde 2014, sendo reflexo disso a entrada de uma maior número de processos de licenciamento na Câmara, que começaram por ser no âmbito da reabilitação urbana (sobretudo na baixa da cidade) mas que hoje se estendem também à construção de raiz de outros empreendimento de maiores dimensões, em terrenos na periferia e na envolvente ao anel da Rua da (...). Mais referiram o papel que tem sido desempenhado pela "I." (gabinete criado pelo Município) no apoio ao investimento no mercado imobiliário)". A este propósito, note-se o que é escrito no jornal "Observador" em 26/07/2017: "O mercado imobiliário continua a dar sinais de vigor. Ainda que uma boa parte do aumento da procura esteja concentrado na Grande Lisboa (sobretudo concelhos de Lisboa e Cascais) e no Porto, dados do primeiro trimestre mostram que a valorização dos imóveis, sobretudo no que toca ao setor residencial, está a estender-se a todo o país, acessível em http://observador.pt/2017/07/26/bolha-no-imobiliário-casas-mas-casas-compradas-semcredito-da-banca/.
*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) A A. é uma sociedade por quotas que tem como objeto social a construção de prédios para venda, compra e venda de imóveis e/ou as suas frações e revenda dos adquiridos para esse fim (cfr. doc. de fls. 436 a 439 do suporte físico do processo).
2) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 07/10/1999 no Segundo Cartório Notarial do Porto, A. e mulher O. venderam à A., que adquiriu, pelo preço de 160.000.000$00, o terreno destinado a construção com a área de 6.141 m2, sito no Lugar de (...), freguesia de (...), concelho do (...), descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do (...) sob o n.º 23117 (cfr. doc. de fls. 47 a 50 do suporte físico do processo).
3) À data da aquisição acima referida, o terreno em causa, juntamente com outros terrenos, fora objeto de um pedido de informação prévia tendo em vista o desenvolvimento de um estudo urbanístico, pedido que veio a ser deferido por despacho do Vereador do Pelouro de Urbanismo e Planeamento, de 30/09/1999, condicionado “ao cumprimento do artigo 8.º do RPDM e à execução prévia dos arruamentos de modo a ser possível dar cumprimento ao artigo 4.º do mesmo Regulamento, bem como ao cumprimento do DL 448/91 e demais legislação aplicável” (cfr. doc. de fls. 51 a 53 do suporte físico do processo e docs. de fls. 1 a 9 do processo administrativo apenso).
4) O terreno identificado em 2) insere-se no chamado “Estudo Urbanístico de (...)”, desenvolvido para a “Alameda da (...)” e aprovado pela Câmara Municipal do (...) em 02/04/1996, o qual visava a reabilitação da zona de (...) através da intervenção de vários promotores imobiliários, incluindo a ora A., estudo posteriormente alterado no ano de 2000 pela necessidade de introdução de um canal de metro à superfície e de definição da estrutura viária envolvente à Alameda (cfr. docs. de fls. 1 a 6 e 56 do processo administrativo apenso – dossiers da Divisão Municipal de Cartografia e Cadastro relativos ao projeto urbanístico n.º 9/96).
5) Em 26/01/2001 a A., juntamente com outros requerentes, apresentou junto do R. um pedido de licenciamento da operação de loteamento urbano para o terreno descrito no ponto 2), ao qual correspondia o Lote 1, tendo em vista a construção de um empreendimento habitacional plurifamiliar e para comércio, pedido a que foi atribuído o n.º 15591/01 (cfr. docs. de fls. 1 e 2 e 51 a 57 da pasta 1 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
6) De acordo com a memória descritiva que instruía o pedido de licenciamento, o terreno em causa tem 7.524 m2 de área de construção acima do solo, dos quais 7.289 m2 destinados a habitação e 235 m2 destinados a comércio, e 3.308 m2 de área de construção abaixo do solo (cfr. doc. de fls. 51 a 57 da pasta 1 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
7) Através do ofício n.º 2148 de 06/09/2001, a Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território – Norte (DRAOT-N) comunicou ao R. a emissão de parecer desfavorável relativamente ao pedido de loteamento da A., constando do referido ofício que “se prevê a canalização de um troço de extensão excessiva do curso de água e a construção de um edifício a cerca de 8.50 m do seu leito (Lote 1)”, devendo o processo “ser reformulado de modo a não haver a ocupação da faixa marginal de 10 m ao longo do ribeiro e que este deve ficar a céu aberto, exceto as passagens hidráulicas inseridas nos arruamentos”, e que “nenhum esgoto deverá drenar para a linha de água” (cfr. doc. de fls. 90 da pasta 1 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
8) Em 12/11/2001 a A. apresentou um aditamento ao pedido de licenciamento inicial, com o objetivo de dar satisfação ao parecer desfavorável emitido pela DRAOT-N, propondo um recuo da linha de construção e salvaguardando a margem de 10 metros ao longo do ribeiro (cfr. docs. de fls. 150 a 152 da pasta 2 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
9) Em 16/11/2001 foi deferido, por despacho do Presidente da Câmara Municipal do (...), o pedido de licenciamento da operação de loteamento urbano para o terreno da A., com as condições constantes da informação do Gabinete de Avaliação de Projetos Estratégicos (GAPE) n.º INF/96/01/GAPE, de 11/10/2001 (cfr. docs. de fls. 54 a 57 do suporte físico do processo).
10) Em 07/01/2002 a A. apresentou nos serviços camarários os projetos de rede de infraestruturas elétricas, telefónicas, de gás, de águas pluviais e de arruamentos (cfr. doc. de fls. 167 e 168 da pasta 2 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
11) Os projetos das redes de infraestruturas de saneamento e de abastecimento de água para o loteamento em causa foram aprovados por despacho da Direção dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do (...) (SMAS (...)), de 12/04/2002, tendo a A. pago, em 24/05/2002, as taxas devidas pela prestação dos serviços referentes à organização e apreciação do projeto e à fiscalização e receção da obra, no valor total de € 5.587,55 (cfr. docs. de fls. 60 a 64 do suporte físico do processo).
12) 12. Em janeiro de 2003 a Direção Municipal do Planeamento e Gestão Urbanística propôs que, não obstante o deferimento do pedido de loteamento da A., este pedido fosse novamente submetido a consulta por parte da DRAOT-N, em face da substituição das Normas Provisórias então em vigor por Medidas Preventivas e considerando que a solução urbanística em causa poderia colidir com estas últimas, proposta que foi homologada por despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade de 29/01/2003 (cfr. doc. de fls. 169, no verso, da pasta 2 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
13) Em 24/02/2003 a DRAOT-N emitiu parecer desfavorável, do qual consta, além do mais, o seguinte:
(…) A área, no seu conjunto, em virtude de se encontrar ainda urbanisticamente descomprometida, merece ser objeto de estudo cuidado de estruturação urbana, que a qualifique e tire partido das suas potencialidades, sem prejuízo dos recursos naturais em presença.
As propostas apresentadas fundamentam-se num estudo urbanístico desenvolvido pelos Serviços Camarários o qual, no momento presente – em que a proposta de PDM se encontra em análise e Medidas Preventivas em vigor – deverá ser reavaliado, nomeadamente no que diz respeito ao modelo de ocupação, densidades, volumetrias, tipologias, rede viária e outras infraestruturas, equipamentos, áreas de uso coletivo, etc.
Assim, considera-se prematuro adotar o estudo urbanístico referido, sem que antes se equacione convenientemente o modelo urbano a adotar, pelo que se emite parecer desfavorável à pretensão, com base no disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do Art.º 3.º da R. C. M. n.º 125/2002, de 15 de outubro (Medidas Preventivas)” (cfr. doc. de fls. 170 da pasta 2 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
14) Notificada do projeto de indeferimento do pedido de loteamento com base no teor do parecer que antecede, a A. exerceu o direito de audiência prévia em 16/04/2003, sustentando, além do mais, que, com o despacho de deferimento da solução urbanística em causa de 16/11/2001, se havia tornado possuidora de um direito adquirido que não poderia ser desconsiderado, e requerendo, a final, a emissão do respetivo alvará de loteamento (cfr. docs. de fls. 171 e 176 a 181 da pasta 2 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
15) Em 08/07/2003 a A. apresentou exposição junto da Inspeção Geral da Administração do Território, alegando que aguardava a deliberação final camarária que conduziria à emissão do alvará de loteamento e invocando “a inércia e a injustificável delonga do processo”, e requerendo, a final, que aquela Inspeção Geral investigasse a situação “tendo em vista a preservação do erário público e a boa gestão e administração da Câmara Municipal do (...)” (cfr. doc. de fls. 215 a 221 da pasta 2 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
16) Após diversos pareceres e informações pelos diferentes departamentos e serviços municipais sobre a situação do pedido de loteamento da A., foi emitido parecer em 30/07/2004, homologado por despacho do Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade, do qual consta o seguinte:
O presente processo deu entrada na Câmara Municipal do (...) em 26 de junho de 2001.
Foi elaborado com base na Informação Urbana I.U./229/01/D.M.I.U. que fixava como regras urbanísticas o Estudo Urbanístico de (...) – Proposta 82/00/D.M.P.G.U. aprovada em reunião de Câmara de 7 de novembro de 2000 e a aplicação das Normas Provisórias publicadas em D.R. – I Série – B, n.º 206, de 6 de setembro de 2000.
A sua apreciação foi alvo de diversas informações e pareceres que não apontavam para o indeferimento da solução urbanística, mas apenas a condicionavam à apresentação de documentos comprovativos da situação legal dos terrenos, à introdução de ajustes ao projeto com vista à criação de uma faixa marginal de 10 m ao longo da ribeira da (…), à apresentação de projeto paisagístico e à garantia de ligação da estrutura viária à Estrada da (...).
Em 16 de novembro de 2001 é homologada pelo Presidente da Câmara o “deferimento da solução urbanística” proposto pelo Diretor de Departamento de Planeamento Urbanístico.
Através dos ofícios OF/10/02/DMS e OF/11/02/DMS é dado conhecimento ao técnico autor do projeto e ao requerente do teor do deferimento e das condicionantes a considerar no desenvolvimento dos trabalhos subsequentes.
Em 7 de janeiro de 2002 dão entrada na Câmara os projetos de infraestruturas, que são remetidos a 18 de janeiro para as entidades.
Em 28 de janeiro de 2003, face à substituição das Normas Provisórias em vigor por Medidas Preventivas, é proposta pelo Diretor Municipal uma nova apreciação do processo à DRAOT, solicitação que foi homologada pelo Vereador do Pelouro em 29 de janeiro e que mereceu parecer desfavorável da DRAOT emitido em 24 de fevereiro. Nesse parecer menciona-se a necessidade de reavaliar o “estudo urbanístico realizado pelos Serviços Camarários”, nomeadamente no que diz respeito ao modelo de ocupação, densidades, volumetrias, tipologias, rede viária e outras infraestruturas, equipamentos, áreas de uso coletivo, etc., por força da “preocupação de renaturalização e requalificação de grande potencial paisagístico e ambiental” da Ribeira da (...).
A 14 de março o requerente é oficiado do indeferimento do processo com base na informação técnica prestada conjuntamente pela Câmara e DRAOT.
Proposta
Em meu entender trata-se de um ato válido constitutivo de direitos (em 16 de novembro de 2001 é homologada pelo Presidente da Câmara o “deferimento da solução urbanística” proposto pelo Diretor de Departamento de Planeamento Urbanístico).
Assim, não obstante estes 2 últimos anos terem permitido aprofundar a reflexão sobre a área de proteção da Ribeira da (...) e estudar novas soluções urbanísticas para o local, verifica-se que nenhuma destas constitui uma alternativa suficientemente sustentável para fazer face às indemnizações que poderiam resultar da revogação do deferimento inicial.
Nesse contexto, proponho que seja emitido o Alvará de Loteamento, conquanto este reúna todos os pareceres favoráveis das respetivas entidades, sujeitando-o posteriormente e com o acordo dos proprietários a uma possível reformulação da implantação, nomeadamente no que se refere à construção prevista no Lote B, que deverá dispor-se no terreno de forma a interferir o menos possível com os recursos naturais em presença” (cfr. doc. de fls. 71 e 72 do suporte físico do processo).
17) Em 10/11/2004 a A. apresenta nova exposição junto do R., na qual reitera o pedido de emissão do alvará de loteamento referente à operação urbanística em causa (cfr. doc. de fls. 73 a 75 do suporte físico do processo).
18) Em 22/12/2004 foi novamente proposto o indeferimento do pedido de licenciamento em face dos pareceres desfavoráveis da DRAOT-N e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) e, bem assim, a notificação da A. para o exercício do direito de audiência prévia, proposta que foi homologada por despacho do Vereador com o Pelouro do Urbanismo, Mobilidade e Desenvolvimento Social de 22/03/2005 (cfr. docs. de fls. 76 e 77 do suporte físico do processo).
19) Em 21/12/2007 foi elaborada a informação n.º I/189951/07/CMP, proveniente da Divisão Municipal de Estudos e Assessoria Jurídica, homologada por despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade de 24/01/2008, na qual se concluiu o seguinte:
1. Da análise da factualidade supra exposta resulta que o ato praticado pelo Presidente da Câmara, Eng. N., em novembro de 2001, consubstanciou o ato de aprovação da operação de loteamento (…), na medida em que, através da prática de tal ato, ficaram definidas as especificações essenciais que uma operação de loteamento deve conter, quais sejam número, área, localização, finalidade, área de implantação e área de construção dos lotes, número de cada lote e áreas de cedência.
2. Em face desta conclusão e mais se constatando que estamos, in casu, perante um pedido de licenciamento de uma operação de loteamento apresentado antes da entrada em vigor do RJUE, ainda que a operação aqui em apreço esteja incluída numa parcela privada de leitos ou margens públicos ou sobre a respetiva área delimitada como zona adjacente, este ato, mesmo que praticado em desconformidade com parecer da entidade competente para se pronunciar sobre o cumprimento do regime do domínio hídrico, cristalizou-se na ordem jurídica um ano após a sua prática (…), sendo, por isso, um ato válido e constitutivo de direitos, enquadrável no âmbito de aplicação do artigo 3.º do PDM atualmente em vigor.
3. O que vimos de afirmar não é, todavia, sinónimo de que o presente pedido possa ser deferido sem que previamente tenha sido obtida a imprescindível licença de ocupação do domínio hídrico (…).
4. Ora, resultando expressamente do presente processo que a entidade competente para emitir tal licença se pronunciou já desfavoravelmente sobre esta operação, reiteramos o nosso entendimento de que o Município se encontra vinculado a indeferir o pedido de licenciamento, a menos que os Requerentes venham fazer prova de que encetaram junto da CCDR o procedimento tendente à obtenção da licença supra referida” (cfr. doc. de fls. 484 a 489 da pasta 4 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
20) Em 30/06/2010 a A. requereu junto da Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P. (ARH Norte) a autorização de utilização do domínio hídrico, tendo o procedimento de licenciamento em crise sido suspenso até decisão final daquela entidade por despacho do Diretor Municipal de Urbanismo de 03/08/2010 (cfr. docs. de fls. 524 a 526 da pasta 4 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
21) Em 07/09/2010 a ARH Norte emitiu decisão de indeferimento da pretensão da A. (cfr. docs. de fls. 547 e 548 da pasta 4 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
22) Na sequência da decisão de indeferimento da ARH Norte, e com base na informação n.º I/141880/10/CMP de 21/10/2010, o pedido de licenciamento apresentado pela A. foi indeferido nos termos do art.º 24.º, n.º 1, alínea c), do RJUE, por despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade de 21/10/2010 (cfr. doc. de fls. 551 e 552 da pasta 4 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
23) Em 19/01/2011 foi elaborado novo parecer pela Divisão Municipal de Estudos e Assessoria Jurídica, do qual consta, além do mais, o seguinte:
O presente processo de licenciamento foi já objeto de múltiplas Informações Jurídicas, sendo que as mais recentes – I/18994/07/CMP e I/189951/07/CMP – concluem, grosso modo, pelo reconhecimento de um direito adquirido pelo Requerente a ver licenciada a solução urbanística deferida em 16/11/2001, direito este, todavia, condicionado à aprovação por parte das entidades com tutela sobre o domínio hídrico, que se tem sucedendo, residindo atualmente tal competência na esfera de competências da ARH Norte – Administração Regional Hidrográfica do Norte, I.P., doravante abreviadamente designada como ARH Norte.
E foi precisamente porque esta entidade emitiu parecer desfavorável em 7/09/2010 que foi proposto o indeferimento do pedido de licenciamento, indeferimento esse que veio a ocorrer em 21/10/2010, por Despacho do Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo.
Subsequentemente, vem o Mandatário Legal do Requerente prestar informações que motivaram o pedido de reanálise por parte do Senhor Diretor da DMU.
De facto, este dirigente alerta, através da Informação a fls. 561, para o facto de o Requerente destacar a existência de um ato de aprovação da solução urbanística que foi erradamente considerado um ato inválido por não ter sido precedido de consulta à DRAOT, o que não corresponde à verdade, uma vez que tinha sido, na data, apresentado um aditamento ao projeto urbanístico que tornava desnecessária esta consulta.
Importa, portanto, proceder a esta reanálise, tendo em conta os novos dados, o que se faz de imediato:
Abstendo-me de enunciar a factualidade que evidencia a bizarra idiossincrasia deste processo, até porque ela já se encontra sobejamente desenvolvida nas informações jurídicas antecedentes, para as quais, nesta parte, se remete, importa apurar se, de facto, a autorização – ou, in casu, a falta dela (nota 1: ausência desta autorização decorre do Parecer desfavorável emitido pela DRAOT Norte em 6/09/01) – de ocupação de domínio hídrico, juridicamente inquinou o ato de deferimento do pedido de licenciamento da operação de loteamento, exarado pelo Senhor Presidente da Câmara a 16/11/2001 (…).
É que, parece-me, para além de ser este o ponto fulcral para a resolução do presente processo, é também este o aspeto que subjaz ao iniciar de um procedimento que reiteradamente labora em erro.
Vejamos porquê:

Quando, em 16 de novembro de 2001, o Senhor Presidente da Câmara exara o despacho de homologação – e, sublinha-se, não devem subsistir quaisquer dúvidas de que este despacho corresponde ao ato de deferimento do pedido de licenciamento da operação de loteamento, conforme defendido na Informação I/189951/07/CMP – os Requerentes tinham já apresentado um aditamento ao seu pedido inicial – NUD 26982/01 – que mais que dar cumprimento ao referido parecer desfavorável da DRAOT tornava este parecer dispensável.
Com efeito, a consulta àquela entidade, auscultada por força do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, foi promovida devido ao facto de parte dos edifícios projetados na proposta de loteamento se localizarem na margem de uma ribeira, impondo, por isso, a autorização daquela entidade nos termos do disposto no artigo 12.º do referido diploma legal. Sucede que, quando a operação urbanística é deferida tal condicionante não subsiste, por força do aditamento apresentado pelo Requerente, que afasta a implantação dos referidos edifícios da área de proteção àquela linha de água. É que tenha-se em especial atenção que o referido parecer é devido, única e exclusivamente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do referido preceito legal, que determina que: “Nas parcelas privadas de leitos ou margens públicos, bem como no respetivo subsolo e no espaço aéreo correspondente, não é permitida a execução de quaisquer obras, permanentes ou temporárias, sem licença do Ministério das Obras Públicas, pela Direção-Geral dos Serviços Hidráulicos”. Pelo que, e a contrario, toda a pronúncia que aquelas entidades tenham vindo posteriormente a prestar deve ser entendida como não vinculativa.
Assim, sou de opinião que, naquele momento, se formou, ao contrário do que veio a ser defendido, lamentavelmente, durante a última década, um ato de deferimento perfeitamente válido, que conferiu ao Requerente o direito adquirido a promover aquela operação de loteamento.
Atente-se, porque particularmente relevante no que a esta convicção se refere, no Despacho do Diretor do Departamento de Planeamento Urbanístico que imediatamente precede o Despacho de homologação do Senhor Presidente. Aí expressamente se refere que:

Considerando que o Requerente apresentou o aditamento 26982/01, onde dá satisfação à “imposição” da DRAOT em afastar 10m a edificação da ribeira, propõe-se o deferimento da solução urbanística (…)‟
E se tanto não bastasse para formar tal convicção, leia-se a informação prestada – já em 2004 – pelo Sr. Arquiteto A., informação esta que mereceu, mais uma vez, Despacho de homologação, desta feita do Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo.
(…)
E se bem que esta informação e respetiva Proposta tenham sido, como já referimos, homologadas pelo Senhor Vereador, o processo de licenciamento seguiu a sua marcha – pasme-se – como se não existisse qualquer ato de deferimento da pretensão urbanística, até ao momento em que é indeferido, por despacho do Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo, de 21/10/2010, com base no parecer desfavorável emitido pela ARH Norte – Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P. (ARH – Norte), apresentado pelos Requerentes através do Requerimento n.º 86037/10/CMP.

Certo é que tais pareceres – entretanto requeridos e emitidos pelas sucessivas entidades titulares do domínio hídrico, designadamente Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) e Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Norte (DRAOT – Norte), devem ser considerados não só como perfeitamente extemporâneos, mas também com natureza meramente não vinculativa, particularmente o parecer emitido recentemente pela ARH – Norte, que conduziu, como dissemos, ao indeferimento do presente processo.

Neste contexto e assumindo que houve claramente erro nos pressupostos que fundaram a decisão de indeferimento, ou seja, partiu-se da errada convicção de que o parecer autorizador da ARH Norte constituía condição sine qua non para o deferimento do pedido de licenciamento, a nossa proposta não pode ser outra senão a de que deve tal ato ser revogado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 141.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

Consequentemente, deve dar-se como repristinado o ato de deferimento praticado em 16 de novembro de 2001 e confirmado em 30 de novembro de 2004, que se mantém, ocorrida a revogação daquele outro, perfeitamente válido na ordem jurídica.
II – Proposta:
Proponho ao Senhor Diretor da Direção Municipal de Urbanismo (DMU), Eng.º J., que coloque à consideração do Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo, Dr. G.:
1. A revogação do ato de indeferimento do pedido de licenciamento de operação de loteamento n.º 21612/01/CMP, por ele praticado em 21 de outubro de 2010, nos termos e para os efeitos do artigo 141.º do CPA;
2. A repristinação do ato de deferimento do pedido de licenciamento de operação de loteamento n.º 21612/01/CMP – com as alterações introduzidas pelo aditamento n.º 26982/01 – praticado pelo Senhor Presidente da Câmara em 16 de novembro de 2001” (cfr. doc. de fls. 84 a 88 do suporte físico do processo).
24) Com base no parecer que antecede, na informação n.º I/10286/11/CMP e na proposta do Diretor Municipal de Urbanismo, que acolheu a proposta daquele primeiro parecer, o Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade proferiu o seguinte despacho, em 21/01/2011:
Revogo o meu despacho praticado a 21 de outubro de 2010 nos termos propostos, repristinando-se o ato de deferimento do pedido de licenciamento de operação de loteamento, praticado pelo Sr. Presidente da Câmara em 16/11/2001” (cfr. doc. de fls. 82 e 83 do suporte físico do processo).
25) Em 10/02/2011 foi elaborada a informação n.º I/23530/11/CMP pelo Departamento Municipal de Gestão Urbanística, que mereceu despacho de concordância do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade, a qual propôs a prestação de caução bancária, para efeitos de garantia das obras de urbanização, no valor de € 2.978.517,25 e a fixação do prazo de 1095 dias para a conclusão das obras de urbanização, notificando-se posteriormente a A. para requerer a emissão do alvará único (cfr. doc. de fls. 80 e 81 do suporte físico do processo).
26) Em abril de 2011 a A. solicitou junto do R. a avaliação dos lotes 7 e 8, abrangidos pela operação de loteamento em causa, para efeitos de apresentação de caução, tendo a Comissão de Avaliação do R., reunida em 26/04/2011, proposto a atribuição dos seguintes valores àqueles lotes:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. docs. de fls. 847 e 865 a 867 da pasta 7 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
27) Em 18/04/2011 a A., juntamente com os proprietários dos demais lotes, requereu a emissão de alvará de licença de operação de loteamento relativo ao seu terreno, tendo sido posteriormente notificada da necessidade de regularização do processo e para juntar elementos em falta (cfr. docs. de fls. 901 a 903 e 963 a 966 da pasta 8 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).

28) As taxas municipais calculadas pela Divisão Municipal de Receita para efeitos de conclusão da operação urbanística em causa ascenderam a € 824.225,01 (cfr. doc. de fls. 897 da pasta 7 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
29) Em 27/01/2012 a A., juntamente com os proprietários dos demais lotes, requereu a prorrogação do prazo para requerer a emissão do alvará, pedido que foi deferido por despacho do Diretor do Departamento Municipal de Gestão Urbanística de 16/05/2012, tendo-se considerado extinto, por desistência, o procedimento iniciado com o requerimento referido no ponto 27) (cfr. docs. de fls. 993 a 995 da pasta 8 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
30) Com base na informação n.º I/110080/13/CMP de 18/06/2013 e no despacho de concordância do Diretor do Departamento Municipal de Gestão Urbanística de 19/06/2013, foi a A. notificada para exercer o direito de audiência prévia relativamente à declaração de caducidade da licença, com fundamento em que não foi requerida a emissão do alvará de licença do loteamento com obras de urbanização no prazo previsto para o efeito (cfr. docs. de fls. 1009 a 1011 da pasta 8 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
31) Em 05/07/2013 a A. exerceu o direito de audiência prévia quanto à projetada declaração de caducidade da licença, alegando, além do mais, que “não tem tido condições de meios, incluindo económico-financeiros, para poder avançar com a concretização do projeto/operação imobiliária, até porque o arrastar temporal de toda esta situação representa um agravamento substancial dos custos”, e que “a putativa decisão de caducidade é uma solução injusta, ilegal, contrária à prossecução do interesse público, viola os princípios da proporcionalidade e da necessidade e configura um abuso de direito e uma atuação de má fé ”, requerendo, a final, a manutenção da validade da licença (cfr. doc. de fls. 1017 e 1018 da pasta 8 do processo administrativo n.º 21612/01 apenso).
32) Em resultado do lapso temporal decorrido entre 2001 e 2011, a A. deixou de possuir os meios e condições económico-financeiros para concretizar o projeto de construção de um empreendimento habitacional plurifamiliar e para comércio no terreno de (...), para o qual aquele pedido de licenciamento fora requerido e deferido, porquanto a realização da operação urbanística deixou de ser rentável em face dos custos acumulados, da indisponibilidade de capitais próprios suficientes por parte da A., da impossibilidade de obter financiamento externo junto da banca e dos custos de execução do projeto, os quais são, em 2011, superiores aos custos de execução do mesmo em 2001.
33) A A. adquiriu o terreno descrito no ponto 2) pelo preço de € 798.076,64 (cfr. doc. de fls. 47 a 50 do suporte físico do processo).
34) Além do preço acima referido, a A. incorreu ainda nos seguintes custos com a aquisição do terreno:
€ 9.337,50, referente ao valor da comissão devida à sociedade MC
Imobiliária pela compra do referido terreno;
€ 8.904,00, referente às despesas com o registo na Conservatória;
€ 14.458,40, referente às despesas com o registo de hipoteca (cfr. docs. de fls. 422 a 429 do suporte físico do processo).
35) A A. celebrou com a Caixa Económica Montepio Geral, em 15/12/2000, um contrato de mútuo no valor de 800.000.000$00, correspondente a € 3.990.383,17, tendo em vista o financiamento da construção do empreendimento habitacional plurifamiliar e para comércio no terreno de (...) (cfr. doc. de fls. 90 a 96 do suporte físico do processo).
36) O valor mutuado teve a primeira libertação para liquidação da Livrança n.º 090.39.000061-1 no montante de € 847.956,43, cuja finalidade foi a aquisição do terreno de (...), ascendendo, em abril de 2017, o capital vincendo e ainda em dívida no âmbito do referido contrato de crédito a € 1.110.000,00 (cfr. doc. de fls. 617 do suporte físico do processo).
37) Desde o início do contrato de crédito e até à data de 31/12/2016, os respetivos encargos ascenderam aos seguintes valores:
juros: € 660.319,42;
juros de mora: € 2.755,67;
impostos (selo e IVA): € 93.684,28;
despesas contratuais: € 26.897,17
(cfr. doc. de fls. 617 do suporte físico do processo).
38) O capital já amortizado no âmbito do referido contrato de crédito foi de € 12.000,00, sendo que, para fazer face ao serviço da dívida ocorrido em 15/12/2015 e em 15/12/2016, a A., por intermédio do seu sócio-gerente, entregou ao Banco as quantias de € 51.225,31 e de € 48.878,93, respetivamente (cfr. doc. de fls. 617 do suporte físico do processo).
39) A A. despendeu com o pagamento de honorários de arquitetos e outros técnicos que realizaram os projetos e os estudos no âmbito do processo de licenciamento da operação de loteamento do terreno de (...) e, bem assim, com o pagamento de honorários de advogados e custas processuais, o valor total de € 182.803,91 (cfr. docs. de fls. 397 a 421 do suporte físico do processo).
40) A concretização do projeto de construção do empreendimento habitacional plurifamiliar e para comércio no terreno de (...) e a venda das respetivas frações, entre os anos de 2001 e 2003, geraria para a A. uma receita expectável de € 1.441.640,00, líquida de custos diretos de construção, impostos, encargos financeiros e outros gastos relacionados com o projeto (cfr. doc. de fls. 625 a 647 do suporte físico do processo).

41) Em 07/10/1999 a A. celebrou com A. e O. um contrato promessa de compra e venda, pelo qual aquela prometeu vender a estes, que prometeram comprar, duas lojas com dois lugares de garagem no empreendimento a construir no terreno de (...), pelo preço de € 174.579,26, tendo sido acordado que a escritura do contrato definitivo seria celebrada a partir da data da emissão da licença de habitabilidade (cfr. doc. de fls. 97 a 101 do suporte físico do processo).
42) Em 2001/2002 a A. teve interessados na compra do terreno de (...), já com a operação de loteamento deferida.
43) Um desses interessados era a S., empresa do ramo imobiliário que, em 2002, prometeu comprar um terreno contíguo ao da A., abrangido pela mesma operação urbanística de loteamento.
44) Em 17/12/1999 a A. celebrou com M. um contrato promessa de compra e venda, pelo qual esta prometeu vender àquela, que prometeu comprar, o prédio rústico denominado “Campo do (...)”, de terreno lavradio, sito no Lugar de (...), descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do (...) sob o n.º 1110 e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo 310, pelo preço de 85.000.000$00 ou € 423.978,21 (cfr. doc. de fls. 111 a 114 do suporte físico do processo).
45) Em cumprimento da cláusula quarta do referido contrato promessa, no ato da sua assinatura foi pago pela A., a título de sinal e como princípio de pagamento, o valor de € 17.457,93, tendo havido dois reforços de sinal em 03/01/2000 e em 31/05/2000, nos valores de € 32.421,86 e de € 124.699,47, respetivamente (cfr. docs. de fls. 111 a 116 do suporte físico do processo).
46) Foi ainda acordado que a restante parte do preço seria entregue pela A. à promitente vendedora, no ato da assinatura da escritura pública de compra e venda, através da celebração de contratos promessa de compra e venda de duas habitações a implantar em edifício a construir no terreno objeto do contrato promessa em causa, sendo que a celebração da escritura pública de compra e venda e dos contratos promessa acabados de referir ficaram condicionados ao levantamento do alvará de licença de construção do edifício a construir no terreno objeto do contrato promessa (cfr. doc. de fls. 111 a 114 do suporte físico do processo).
47) Em 11/02/2000 a A. celebrou com A. um contrato promessa de compra e venda, pelo qual este prometeu vender à A., e esta prometeu comprar, o prédio rústico denominado “Campo do (...)”, de terreno lavradio, sito no Lugar de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial do (...) sob o n.º 29021 e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo 311, pelo preço de 55.000.000$00 ou € 274.338,84, cujo pagamento seria efetuado através de permuta de dois apartamentos inseridos em prédio a construir no terreno objeto do contrato promessa, os quais deveriam estar concluídos no prazo máximo de dois anos após a emissão do respetivo alvará de licença de construção (cfr. doc. de fls. 117 e 118 do suporte físico do processo).
48) Em 31/05/2000 a A. celebrou com D., F., ambos seus sócios gerentes, e M. um contrato promessa de compra e venda de bens futuros, pelo qual aquela prometeu vender a estes, que prometeram comprar, os dois prédios rústicos identificados supra nos pontos 44) e 47), designados por “Campo do (...)”, pelo preço de € 1.122.295,27 (cfr. doc. de fls. 121 a 123 do suporte físico do processo).
49) O índice de construção na zona onde se situa o terreno de (...) é atualmente, por força da sucessão de normas provisórias, medidas preventivas e outros instrumentos de gestão territorial, inferior ao índice de construção que vigorava em 2001 para a mesma zona.

50) A A. suportou despesas com o imposto municipal sobre imóveis (IMI) relativo ao terreno de (...), entre 2003 e 2016 (cfr. docs. de fls. 364 a 389 e 625 a 647 do suporte físico do processo).
51) A presente ação foi intentada no dia 07/06/2013, tendo o R. sido citado no dia 20/06/2013 (cfr. comprovativo de entrega de documento de fls. 2 e AR assinado de fls. 130 do suporte físico do processo).
*
III - Enquadramento jurídico.

1. Recurso do Município do (...).

Vem o presente recurso interposto da sentença que julga a acção administrativa comum parcialmente procedente e, em consequência, condena o Réu no pagamento à Autora da quantia de €1.441.640,00.
O Réu Município do (...) alega que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por ter decidido que são indemnizáveis os danos decorrentes da inviabilização ou impossibilidade de a Autora, em 2011 e até hoje, concretizar o projecto de construção do referido empreendimento habitacional plurifamiliar e para comércio no terreno de (...) e quando decide não existir, no caso concreto, culpa da lesada, nos termos do disposto no art. 4º da Lei nº 67/2007, de 31/12.

1.1. A inviabilização ou impossibilidade de a Autora, em 2011 e até hoje, concretizar o projecto de construção do empreendimento habitacional plurifamiliar e para comércio.
A matéria de facto não foi impugnada por nenhuma das partes em litígio, pelo que só os factos supra dados como provados, fixados na 1ª instância, são atendíveis.
Se atentarmos no facto provado no ponto 32, não podemos deixar de concluir que existe um nexo de causalidade adequada entre o atraso na emissão de alvará de licenciamento do projecto de construção do referido empreendimento e a falta de posse dos meios e condições económico-financeiros para a Autora concretizar tal projecto.
Reproduzindo o facto 32):
Em resultado do lapso temporal decorrido entre 2001 e 2011, a A. deixou de possuir os meios e condições económico-financeiros para concretizar o projeto de construção de um empreendimento habitacional plurifamiliar e para comércio no terreno de (...), para o qual aquele pedido de licenciamento fora requerido e deferido, porquanto a realização da operação urbanística deixou de ser rentável em face dos custos acumulados, da indisponibilidade de capitais próprios suficientes por parte da A., da impossibilidade de obter financiamento externo junto da banca e dos custos de execução do projeto, os quais são, em 2011, superiores aos custos de execução do mesmo em 2001.
O artigo 563º do Código Civil, pela sua redacção e pela análise dos trabalhos preparatórios do Código Civil, na parte referente a este preceito, revela a consagração da teoria da causalidade adequada, pois que outra interpretação da vontade do legislador parece estar excluída.

Para quem defende uma formulação positiva da causa adequada o dano é causa adequada se for consequência normal, típica do facto.

Quem defende a via da formulação negativa da causa adequada, da autoria de Ennecerus, o facto é causa adequada do dano se foi condição que não se mostrou de todo em todo indiferente para a verificação do dano, segundo a sua natureza geral, não tendo o dano sido resultado de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto.
Sendo esta versão que sufragamos e defendida por Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª edição, pág. 797/798.

No caso concreto, tem de concluir-se que o dano da inviabilização ou impossibilidade de a Autora, em 2011 e até hoje, concretizar o projecto de construção é consequência normal, típica do facto da Autora ter deixado de possuir os meios e condições económico-financeiros para o concretizar e esta só deixou de possuir tais meios como consequência normal do resultado da operação urbanística ter deixado de ser rentável em face dos custos acumulados, da indisponibilidade de capitais próprios suficientes por parte da A., da impossibilidade de obter financiamento externo junto da banca e dos custos de execução do projeto, os quais são, em 2011, superiores aos custos de execução do mesmo em 2001.
A inércia na liquidação das taxas municipais, da informação do montante da caução e na emissão do alvará foi causa adequada dessa impossibilidade económico-financeira da Autora, a qual foi causa adequada da impossibilidade de concretização do projecto de construção que lhe foi licenciado pelo Réu.
O acto administrativo de deferimento e homologação do projecto de construção em apreciação nos autos datado de 16/11/2001 fundou um direito da Autora e demais requerentes do loteamento dessa construção a verem emitido o correspondente alvará e, assim, a erigirem as construções pretendidas para o local.
O Réu não emitiu esse alvará entre 16/11/2001 e só se prontificou a fazê-lo após 18/04/2011, quando a Autora, juntamente com os proprietários dos demais lotes, requereram a emissão do mesmo (facto provado no ponto 27).
Só depois de fixadas as taxas municipais, no montante de € 824.225,01 (facto provado no ponto 28) e a caução bancária, no montante de €2.978.517,25, esta notificada pela informação de 10/02/2011 (facto provado no ponto 25) e que constituíam condição de emissão do alvará requerido, é que a Autora constatou que não detinha condição económica que lhe permitisse cumprir essas condições legais para tal emissão.
Assim, não temos dúvidas de que os 10 anos decorridos entre o deferimento da licença e a disponibilidade para passar o alvará, pelo Réu, e os mais elevados custos da construção, que aumentaram o montante da caução e das taxas municipais, foram conditio sine qua non da impossibilidade de cumprimento das condições para a passagem do alvará, nomeadamente de obtenção do crédito bancário necessário para efectuar a construção.
Esta impossibilidade gerou uma perda da chance da Autora de, com a venda das fracções construídas, obter uma receita líquida de custos directos de construção, impostos, encargos financeiros e outros gastos relacionados com os projectos de €1.441.640,00 (Facto provado no ponto 40).
Assim, a omissão do Réu de passagem do alvará durante 10 anos, impediu a Autora de ter a referida receita expectável.
Este dano é indemnizável? Entende a Autora que sim e o Réu que não.

O Réu invoca o acórdão do STJ de 22/10/2009, Proc. nº 409/09.4YFLSB, disponível em www.dgsi.pt, no qual se conclui, no essencial, que a perda de chance não releva na vertente jurídica, “por contrariar o princípio da certeza dos danos e da causalidade adequada” e os acórdãos do mesmo Tribunal de 26/10/2010, proferidos nos Proc. nºs 1410/04.0TVLSB.L1.S1 de 18 de Outubro de 2012 e proc. nº 7/04.9TVLSB:L1.S1., no sentido de que “a doutrina da perda de chance não tem, em geral, apoio na nossa lei civil que exige certeza dos danos indemnizáveis e a existência de nexo de causalidade entre eles e a conduta do lesante. Apenas quando se prove que o lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chance perdida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respectivos danos”.
O Réu invoca ainda o acórdão do mesmo Tribunal, de 29/05/2012, proferido no Proc. nº 8972/06.5TBBRG, nos termos do qual “Os danos futuros só são indemnizáveis quando forem previsíveis” e “a doutrina da perda de chance ou de oportunidade, em geral, não tem apoio na nossa lei civil”.
Lidos integralmente os referidos acórdãos conclui-se que tendo sido dados como provados os factos dos pontos 32 e 40, tais acórdãos devidamente adaptados ao caso em apreciação nos autos, se orientam no sentido da indemnização do referido dano, pelo que a razão assiste à Autora e não ao Réu.
No primeiro acórdão do STJ de 22/10/2009, Proc. nº 409/09.4YFLSB, conclui-se:
«“O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que a chance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.”
(…)
“Não se encontrando a possibilidade de a autora ser vencedora do concurso público a que se pretendia submeter, apenas, dependente da sua vontade, mas, também, do entendimento e querer do júri do concurso de selecção, o que, de todo o modo, era um dado imprevisível, no sentido de coisa fortuita ou acidental, que ocorreria ou poderia deixar de acontecer, mas que não é susceptível de demonstração, não pode imputar-se à ré o facto de aquela não ter ganho o concurso, em virtude da sua exclusão preliminar, como consequência, necessária e directa, do incumprimento contratual da obrigação de entrega atempada da proposta que deveria fazer chegar à entidade destinatária da mesma.
O dano do não vencimento do concurso, mesmo superada que fosse a exclusão proveniente da apresentação intempestiva da proposta, não pode ser considerado como uma lesão que a autora, provavelmente, não teria sofrido, em virtude de a sua selecção e escolha, também, depender de um juízo de discricionariedade técnica e científica.

Não existe nexo causal entre o acto danoso da entrega intempestiva da proposta pela ré e o facto de a autora ter sido excluída do concurso público a que se pretendia candidatar através da mesma.”
Por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo, perante os factos provados de que o autor, soldado da GNR, se não tivesse sido afastado da corporação, “poderia já ter concorrido e sido promovido ao posto de cabo, podendo estar a auferir o vencimento e demais abonos correspondentes àquele posto”, entendeu que “ a perda definitiva da possibilidade de ter progredido na carreira constitui, sem dúvida, um dano decorrente daquele afastamento ilegal e, portanto, indemnizável, verificados que estão os pressupostos do artigo 483.º do Código Civil (facto ilícito e culposo), mas não através da condenação do Estado a pagar ao Autor as diferenças salariais entre o posto de soldado e o de cabo, como foi decidido e muito menos aumentando para o dobro esses montantes, como pede o Autor, no recurso subordinado, mas sim pela fixação, na falta de outros elementos, de uma importância que se afigure justa e razoável para compensar essa perda de chance, ou seja, com recurso à equidade (artigo 566.º, n.º3 do Código Civil)”. E continua: “Dado que decorre dos autos que a possibilidade de o Autor ter ascendido ao posto de cabo era elevada…considera-se adequado, em juízo de equidade, que o valor desta indemnização seja fixado em 50% do montante da indemnização fixada, a título de diferenças salariais, no tribunal a quo” (Ac. de 24.10.2006, processo n.º 0289/06, que se pode ver ainda no mesmo sítio, agora na parte referente a tal Tribunal),
XV
A figura da perda de chance tem tido tratamento circunstanciado noutros países, com destaque para a França, principalmente nos casos de tratamento médico em que se coteja o resultado da actuação clínica negligente com o estado do paciente se não fora ela (Cfr-se Yvonne Lambert-Faivre, Droit Du Dommage Corporel, Systèmes d’Indemnization, 685 e seguintes). Nessa conformidade, surge-nos a definição da Cour de Cassation (1.ª Chambre Civil, Acórdãos de 21.11.2006, 4.6.2007 e 14.5.2009) de que “só constitui uma perda de chance reparável, o desaparecimento actual e certo duma eventualidade favorável”. Fica-nos aqui uma definição particularmente clara sobre o que seja a figura que vimos abordando. Mas não podemos ir, perante ela, mais longe, na perspectiva da temática, que aqui nos importa, porque se, por um lado, se exige que o desaparecimento seja actual e certo, por outro, a “éventualité favorable” abre caminho a particulares incertezas.
Para aquele Tribunal, a indemnização constitui a regra desde que – como se refere no Tratado de Responsabilidade Civil coordenado por Reglero de Campos, I, 321 – a perda de oportunidade de ganho seja real e séria e não demasiado hipotética. Vindo tais ideias já – sempre parafraseando esta obra, agora a páginas 785 – da decisão do Conselho de Estado francês, de 3.8.1928, que concedeu indemnização em caso de concurso público perdido porque havia uma possibilidade “séria e real de vitória”.
Concedendo a indemnização, vêm entendendo, porém, os franceses que, perante a perda de chance, a insegurança sobre esta deve levar a uma diminuição do montante indemnizatório em comparação com o que seria devido no caso de o conteúdo daquela se ter efectivamente verificado (por todos, o Ac. da Cour de Cassation de 16.7.1998, 1.ª Chambre Civil, em que se acentuou que ”la réparation d’une perte de chance doit être mesurée à la chance perdue et ne peut être égale à l’avantage qu’aurait procuré cette chance si elle s’était réalisée”, e, bem assim, Yvonne Faivre, ob. e loc. citados).
Ainda a propósito da perda de chance, continua aquela obra coordenada por Reglero de Campos:
“…hay que ser conscientes de que incluso el criterio base de la incertitud causal es cuestionable. Su utilización contradice un postulado básico del Derecho de daños; incurre en responsabilidad quien causó un daño, no alguien del que solo se sabe que pudo ocasionar-lo.” Claro que esta afirmação tem de ser interpretada com alguma subtileza. Como se refere ainda na mesma obra, agora a páginas 798, a certeza cede lugar à probabilidade em plano muito geral, vista a incapacidade de ser alcançado um conhecimento incontroverso no mundo da experiência. Provar é “apoiar a existência de factos na formulação de hipóteses válidas, não a partir da segurança total, mas apenas da probabilidade. A actividade probatória converte-se, assim, num juízo de aceitabilidade dos factos em função do seu nível de probabilidade. E, por isso, a apreciação fáctica fica sujeita às regras ou critérios (positivos) com que apreciar que se alcançou um grau de probabilidade suficiente. Debaixo desta perspectiva, a perda de oportunidade é a chave que abre a porta a um ressarcimento quando não se alcança esse grau suficiente de probabilidade…”
XVI –
Na ponderação de todo este quadro, impõe-se-nos uma tomada de posição, em ordem a alcançarmos a decisão do presente recurso.
É, pois, na perspectiva de caso submetido a julgamento em recurso de revista, que temos que situar a nossa apreciação sobre a figura da perda de chance.
Nesta perspectiva, distinguimos entre:
Vertente jurídica;
Vertente factual.
XVII
Quanto à vertente jurídica, logo constatamos que, na ordem interna portuguesa, a figura da perda de chance não tem tido um tratamento, quer a nível doutrinário, quer a nível jurisprudencial, que permita guindá-la a um capítulo autónomo dentro do direito dos danos e (ou) da relação de causalidade.
Mais constatamos que não se trata dum dano futuro, porque a natureza dos danos, para estes efeitos, há-de ser aferida tendo em conta a data da decisão judicial que os aprecia e, quando é proferida a decisão judicial de primeira instância, já se verificou a perda da chance (veja-se o presente caso em que, quando foi proferida aquela, já se consumara a não apreciação da pretensão da autora relativamente à classificação de “excelente”). Não vale aqui o critério da previsão – com toda a sua insegurança - que o artigo 564.º, n.º2 do Código Civil contempla.
Mantêm-se, portanto, os contornos que se vêm sedimentando no tempo relativos, quer aos danos, quer ao nexo de causalidade.
Quanto aos danos, o que nos importa é o da certeza, emergente do artigo 483.º. Certeza essa que cede dando lugar à “previsibilidade” só no caso do artigo 564.º.
Esta referência a “previsibilidade” afasta a aplicação deste preceito, por analogia, aos casos de perda de chance porque nestes, no momento em que se julga, não se estabelece já qualquer raciocínio relativamente ao que é previsível. Tudo se passou e só se o preceito se referisse a “probabilidade” poderia valer, analogicamente, para aqui.
Paredes-meias com a certeza dos danos, caminham as regras da causalidade adequada, interpenetrando-se em ordem a pensar-se, não só se o dano se verificou, como se se está numa relação causal com a conduta do agente.
O acolhimento da teoria da causalidade adequada – comum entre nós – não deixa de encerrar a que a antecede logicamente da “conditio sine qua non“ ou da equivalência de condições. Antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se foi “conditio sine qua non” dele. Não o tendo sido, falece logo a relação causal.
Tem sido este o entendimento face ao artigo 563.º do Código Civil, como se pode ver em Pessoa Jorge, ob. cit., 393, Galvão Teles, Direito das Obrigações, 404, A. Varela, Das Obrigações em Geral, 9.ª ed., 918, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed., 654 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 343 e, bem assim, em acórdãos deste Tribunal (por todos o de 17.04.2007, no referido sítio).
Aliás, o artigo 3:101 dos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil (Um documento de Maio de 2005 – com grandes referências e comentários noutros países, como a Espanha e algo ignorado em Portugal - emergente duma tentativa levada a cabo em Viena, por conceituados juristas de vários países, de aproximação dos entendimentos em matéria de responsabilidade civil nos vários países da Europa, que se pode ver, na versão portuguesa, inserindo no motor de busca da internet o aludido título) intitula-se, precisamente “conditio sine qua non” e refere que “Uma actividade ou conduta é causa do dano se, na ausência dessa actividade, este não tivesse ocorrido” (embora nos artigos seguintes se temperem o que seriam os exageros da teoria da equivalência das condições).

XVIII
Por outro lado, o quantum indemnizatório obedece, entre nós, ao princípio da reparação integral do artigo 562.º do Código Civil (aliás, é este logo o primeiro princípio da Resolução 7/75, de 14.3. do Conselho da Europa cujo texto se pode ver em Armando Braga, ob. citada, páginas 295). Decerto que o artigo 494.º pode levar a redução do montante indemnizatório, mas ali não está, a nosso ver, o caso da incerteza sobre o dano ou sobre o nexo de causalidade. Sendo ainda certo que o preceito se refere a condutas culposas, quando muitas das que estão na base da perda de chance (como a do presente caso) são dolosas.
Não se justifica, entre nós, a redução do montante indemnizatório que os franceses levam a cabo e que referimos em XV.
XIX
Outrossim, não se descortina, nos artigos 342.º e seguintes do Código Civil, a nosso ver e sempre com respeito por entendimentos diversos, uma inversão do ónus de prova, no sentido de caber ao agente que afastou a chance provar que esta não conduziria à vantagem invocada. A “extrema dificuldade de prova do facto” não inverte o critério legal de inversão do ónus da prova (A. Varela e Outros, ob. citada, 467, nota de pé de página e M. Andrade NEPC, 203).
Aliás, na maioria dos casos em que se levanta a questão da perda de chance, tanto é difícil ao autor provar que o conteúdo da chance veria a luz do dia, como ao réu que não veria.
XX
Do que vem sendo exposto, resulta o nosso entendimento de que, no plano jurídico (visto este como oposto ao plano factual, de acordo com a dicotomia que fizemos em XVI) a perda de chance não leva a indemnização, quer total, quer parcial, relativamente aos benefícios que poderiam resultar da sua concretização.
XXI -
Tudo repousa, afinal, no plano factual, no círculo que é traçado pela figura da convicção própria de quem julga a matéria de facto.

O tribunal tem de decidir a matéria de facto. Não poderá deixá-la em termos de “non liquet” (cfr-se, ainda com actualidade, A. dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 553 e III, 270).
Mas esta imposição ao tribunal não significa, nem pode significar, que se considerem provados apenas os factos correspondentes a certeza absoluta. Nalgumas vezes – muito raras, aliás - alcança-se tal certeza. Por regra, porém, a decisão factual assenta apenas em certeza relativa, a qual, acrescentada pela ponderação de quem julga, conduz a uma situação de convicção e a subsequente exposição em termos necessariamente categóricos (cfr-se a citação da obra coordenada por Reglero de Campos, que fizemos em XV, parte final, e A. Varela e Outros, ob. cit. 435). Nadando no mar da incerteza, o juiz de facto acrescenta a esta a sua convicção em ordem a transformá-la em certeza fictícia, ou em negação desta.
O círculo de abrangência desta certeza relativa é, ele próprio, extremamente fluído. Da certeza absoluta vai-se descendo e, percorre-se, com frequência, todo um caminho que tanto pode ser de proximidade daquela, como de afastamento gradual.
Por exemplo, a natureza dos factos pode exigir uma prova menos intensa. Como diz, socorrendo-se dum brocado latino, Manuel de Andrade, no local citado, “para o que é mais difícil de provar são admitidas provas mais leves”. Ou pode até exigir do juiz de facto uma extrapolação –por presunção judicial ou mesmo independentemente dela – indo para além do que efectivamente aconteceu. Como se refere nos citados Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil, agora no artigo 2:105, sob a epígrafe “Prova do dano”, “O dano deve ser provado de acordo com as regras processuais gerais. O tribunal pode calcular o dano por estimativa quando a prova exacta se revele demasiado difícil ou onerosa.” O que nos parece seguro é que este cálculo, por estimativa, ainda se situa no domínio da decisão factual, pois ali se situam os dados que permitem a extrapolação e, bem assim, as presunções judiciais.
Do mesmo modo, provar o que é normal ou vulgar exigirá muito menos do que provar o que é invulgar ou raro.
Nesta senda – extremamente difícil, diga-se – o juiz, não alcançando o grau de convicção que lhe permita a decisão factual, tem, se necessário for, a ajuda da lei. Quer o recurso às presunções judiciais (artigo 351.º do Código Civil) quer a atenção ao artigo 516.º do Código de Processo Civil, permitem-lhe alcançar, ainda em plano factual, a fixação que corresponda, ou mais aproximadamente corresponda, à justa composição do litígio.
XXII
Na natureza dos factos a provar e respectiva exigência de prova, podem-se incluir, não só aqueles que ninguém presenciou e não deixaram vestígios, como aqueles que não tiveram, efectivamente, lugar.
Se uma pessoa que se aprestava para participar num concurso, foi impedida de nele tomar parte, ninguém poderá saber ou testemunhar sobre o resultado daquele em relação a ela.
Mas, ainda assim, cremos que será o juiz a ter de esforçar-se em ordem a fixar factualmente e, apenas para efeito de julgamento, tal resultado. Ficcionará, é certo, porque este resultado não viu a luz do dia, mas essa ficção é imprescindível. Repare-se, aliás, que – ainda que imperceptivelmente, dada a vulgaridade e probabilidade - a ficção existe com imensa frequência nos julgamentos da matéria de facto. Assim, por exemplo, se alguém vê o seu veículo destruído por outrem, não deixam de se considerar os prejuízos daí derivados, quando não se sabe, nem se pode saber, se, não tendo ocorrido a destruição, o proprietário não teria um acidente gerador de danos superiores, que assim teriam sido evitados. Claro que nestes casos, o grau de probabilidade de minoração da relevância do facto danoso é tão pequeno que ninguém deixará de julgar ignorando a possibilidade de se verificar o acidente. Já nos casos de tratamento médico negligente (e lembremo-nos da dimensão que os franceses dão à figura da “perte de chance”) a fixação factual relativamente ao que se passaria se não tivesse tido lugar tal tratamento, poderá envolver muito menor grau de incerteza. Assim como nos concursos em que a probabilidade relativamente ao resultado, ainda que nublosa, também assenta em dados atendíveis. O juiz tem de decidir no plano factual, com os elementos de que disponha. No primeiro caso, perante os dados médicos certos e os conhecimentos de medicina que lhe forem facultados; no segundo, face ao número de concorrentes e respectiva preparação, à preparação da pessoa impedida de participar e aos critérios de exigência do júri. Tudo factos que as partes podem trazer ao tribunal acompanhados da respectiva prova.
O que acabamos de afirmar vem de encontro ao entendimento, a maior parte das vezes apenas implícito, mas firme, da nossa jurisprudência, que tem fixado factualmente e com seguimento indemnizatório, por exemplo, que um estudante universitário, que se viu impossibilitado de acabar o curso em virtude do facto danoso, ganharia determinado montante se o acabasse - Cfr-se, a este propósito, o texto, supra transcrito, de Rute Pedro.
Estamos agora em condições de voltar ao nosso caso, tendo como ponto de partida os factos dos pontos 32 e 40 dados como provados.
Provou-se inequivocamente e com dose de certeza que a Autora deixou de auferir uma receita de € 1.441.640,00 por ter ficado, por inércia ilícita dos serviços do Réu, durante 10 anos, sem a possibilidade de construir as fracções cuja venda lhe renderia tal quantia.
Não há, como na situação em apreço no acórdão supra referenciado, um vazio relativamente à fixação factual desse facto. Ele é dado como provado, sem margem para dúvidas.
A decisão factual é alheia aos poderes deste tribunal em recurso porque não foi impugnada.
Do que vem sendo exposto, a situação dos autos teria proteção jurídica, ou seja, responsabilização do Réu pelo dano previsível dado como provado também no acórdão parcialmente supra transcrito, em face do nele defendido e supra transcrito.

No 2º acórdão, de 27/10/2010, Proc. nº 1410/04.0TVLSB, L1.S1, conclui-se:
«Assim, Armando Braga escreve (A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, pág. 125):
“O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente.
Este dano consiste na perda da probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura.

Considera-se que a chance de obter um acréscimo é um bem jurídico digno de tutela.
A vantagem em causa que poderia surgir no futuro deve ser aferida em termos de probabilidade.

O dano de perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado.
O dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança, e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.
É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização .”
Também Carneiro da Frada (Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, aborda esta temática, nos termos seguintes:
“Um exemplo de dano é conhecido por “perda de chance”, praticamente por desbravar entre nós.
Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica : se o atraso de um diagnóstico diminui em 40 % as possibilidades de cura do doente, quid juris ?.
Já fora deste âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar?.
Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade como um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano (apenas hipotético, v. g. ausência de cura, perda de concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente.
Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável.

Se, no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa chance a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar …
Ainda assim surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável.
Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 563, nº3, do C.C.)”.
Rute Pedro afirma (A Responsabilidade Civil do Médico, pág. 179):
“A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito.
Em Portugal, poucos são os autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida.
Pode, porém, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem” (pág. 232).
Júlio Gomes ( Direito e Justiça, Vol. XIX; 2002, II), refere, em jeito de conclusão:
“Afigura-se, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória…

Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção da causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito …
Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso ou de uma fase posterior de um concurso. Trata-se de situações em que a chance já se densificou o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de uma quase propriedade, de um bem”.
Finalmente Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual, I, 1103, nota de pé de página, também ensina:
“Não parece que exista para já, entre nós, base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chance.
Antes parece mais fácil percorrer o caminho de inversão do ónus da prova, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art. 494 do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da perda de chance como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios …”
Face à posição da doutrina que ficou exposta, entendemos que a perda de chance em sentido jurídico não releva, no caso em apreciação, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada.
Com efeito, perante os factos provados, a falta de instauração da acção de impugnação do despedimento colectivo não se trata de uma situação em que a chance já esteja suficientemente densificada, para, sem se cair no arbítrio do tribunal, se poder falar numa quase propriedade ou num bem digno de tutela.
Acresce que a obrigação de indemnização, só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão - art. 563 do C.C.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 578), em anotação ao referido preceito “ a obrigação de reparar o dano causado supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto, lícito ou ilícito, causador da obrigação de indemnizar, deve ser a causa do dano, tomada agora esta expressão no sentido de dano real e não de dano de cálculo.
A disposição deste artigo, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se aceitou a doutrina mais generalizada entre os autores – a doutrina da causalidade adequada – que Galvão Telles formulou nos seguintes termos : “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar “ ( Manual do Direito das Obrigações, nº 229).

Vaz Serra, depois de referir vários casos em que não há causa adequada, afirma igualmente: “Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse resultado.
O problema não é de ordem física ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto de ele ser obrigado a indemnizar.
Ora, sendo assim, parece razoável, que o agente só responda pelos resultados cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária”.»
No caso concreto, provou-se que inércia do Réu durante 10 anos na passagem de alvará constitui uma omissão ilícita e os factos 32 e 40 dados como provados apontam a provada, sem margem para dúvidas, previsibilidade do dano sofrido pela Autora de €1.441.640,00, por falta de vendas de fracções que, por culpa, do Réu, aquela não pôde construir, estando como já supra afirmado verificado o nexo de causalidade adequada entre a omissão do réu, consistente na falta de passagem do alvará e o dano fortemente previsível, não fora a chance ou oportunidade perdida, pelo que há o substrato jurídico para a obrigação de indemnizar por tal dano patrimonial, mesmo ao abrigo deste acórdão.
Não encontramos no site www.dgsi.pt o terceiro acórdão invocado pelo Réu, de 26/10/2010, proc. nº 7/04.9TVLSB.L1.S1, pelo que não podemos confrontar o caso dos autos com o caso nele explanado.
No acórdão do STJ de 29/05/2012, proferido no Proc. nº 8972/06.5TBBRG, conclui-se:
«O pedido de indemnização formulado pela autora relativamente aos danos que a conduta do réu lhe causou com o incumprimento dos deveres profissionais como advogado no exercício de um contrato de mandato forense em que a autora é mandante e o réu é mandatário e, ainda, no exercício, por parte do mesmo réu, do encargo legal de defender a autora em tribunal, no âmbito do instituto do apoio judiciário, foi julgado procedente, em parte, no tocante aos danos não patrimoniais peticionados, e foi julgado totalmente improcedente no tocante aos danos patrimoniais.
Esta improcedência na sentença de 1ª instância baseou-se na ausência de prova de que os peticionados danos tenham nexo de causalidade bastante na conduta do réu. Para chegar aqui a sentença rejeitou a aplicação ao caso da nova doutrina da perda de chance ou de oportunidade.
Por outras palavras, a douta sentença entendeu que da conduta negligente do réu não resulta, em termos de nexo de causalidade, os danos patrimoniais futuros que a autora peticionou, por estes se mostrarem incertos, eventuais ou hipotéticos e, por isso, não se poderem considerar previsíveis, como exige o disposto no nº 564º, nº 2 do Cód. Civil.
Por seu lado, o acórdão recorrido afastando também a aplicação da nova doutrina da perda de chance ou de oportunidade também concluiu que os danos peticionados, revestindo a natureza de danos futuros não se mostram previsíveis, confirmando a improcedência daquela parte do pedido de indemnização.
Vem agora a recorrente para atacar a conclusão de que os danos peticionados sendo futuros, não revestem a natureza de previsíveis exigida no art. 564º, nº 2 do Cód. Civil, defender a aplicação da doutrina da perda de chance ou de oportunidade que entende que os danos decorrentes dessa perda são presentes e logo indemnizáveis.
Temos de concordar com as instâncias quanto ao afastamento da doutrina da perda de chance ou de oportunidade.
Esta doutrina surgiu na França nos anos sessenta do século XX e não tem sido acolhida por grande parte da nossa doutrina e pela jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Assim, o douto acórdão desta mesma secção, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos, em 26-10-2010, no processo 1410/04.OTVSB.L1:S1. tratou a questão com grande desenvolvimento e acerto pelo que o iremos seguir de muito perto na exposição da matéria.
Assim, Armando Braga, citado no referido acórdão, escreve no seu “Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual”, pág. 125.”: O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda da probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura.
Considera-se que a chance de obter um acréscimo é um bem jurídico digno de tutela.
A vantagem em causa que poderia surgir no futuro deve ser aferida em termos de probabilidade.
O dano de perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado.
O dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança, e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.
É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.”
Também Carneiro da Frada (Direito Civil , Responsabilidade Civil, Método do Caso ), trata a questão, nos seguintes termos:
“Um exemplo de dano é conhecido por “perda de chance”, praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: se o atraso de um diagnóstico diminui em 40% as possibilidades de cura do doente, quid iuris?
Já fora deste âmbito, como resolver também o caso de exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar?
Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade como dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano (apenas hipotético, v.g. ausência de cura, perda de concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo de causalidade causal suficiente.
Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável.
Se, no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa chance a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar...
Ainda assim surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável.
Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 563º, nº 3 do CC) .“
Aquele acórdão mencionado também transcreve Rute Pedro na Responsabilidade Civil do Médico, pág. 179 que diz o seguinte:
“A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. Em Portugal, poucos são os autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida.
Pode, porém, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, contudo, no entanto, se lhe referirem” (pág. 232).
Também Júlio Gomes (Direito e Justiça, XIX; 2002, II), refere, em jeito de conclusão:
“Afigura-se, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória...
Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção da causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de iure condito...
Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso ou de uma fase posterior de um concurso. Trata-se de situações em que a chance já se densificou o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de uma quase propriedade, de um bem”.
E finalmente, aquele acórdão ainda cita Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, 1103, nota de pé de página ):
Não parece que exista para já, entre nós, base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chance.
Antes parece mais fácil percorrer o caminho de inversão do ónus da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art. 494º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da perda de chance como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios...”
Com base nestes ensinamentos, entendeu aquele acórdão que vimos a transcrever:
“Face à posição da doutrina que ficou exposta, entendemos que a perda de chance em sentido jurídico não releva, no caso em apreciação, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada.
Com efeito, perante os factos provados, a falta de instauração da acção de impugnação do despedimento colectivo não se trata de uma situação em que a chance já esteja suficientemente densificada, para, sem se cair no arbítrio do tribunal, se poder falar numa quase propriedade ou num bem digno de tutela. Acresce que a obrigação de indemnização, só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – art. 563º do C.C.”
Também o notável acórdão deste Supremo Tribunal de 29-04-2010, proferido no processo nº 2622/07.OTBPNF.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas refere:
“Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa. Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida. Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.”
Daqui resulta que a doutrina da perda de chance ou de oportunidade não tem apoio na lei portuguesa, nomeadamente, no art. 563º do Cód. Civil que exige a prova de que os danos a indemnizar são apenas os que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Por isso, no caso em apreço, a falta de alegação no recurso interposto na acção nº 40/2002 acima referida não podia, sem mais, indiciar que se esse recurso fosse alegado, dali resultaria qualquer vantagem para a autora.
É óbvio que nessa acção a autora directamente nunca poderia ter qualquer vantagem, como a ali peticionada, pois a causa de pedir era o incumprimento por parte da ali ré M... Empreendimentos Turísticos, Lda. do contrato de arrendamento de que aquela demandada era locadora e em que era arrendatária a sociedade F...A...A..., Lda. e de que a autora era simples sócia gerente.
Por um lado a haver um direito de indemnização por incumprimento contratual era a referida sociedade F...A...A..., Lda. a ser dele titular e não a aqui autora.
Por outro lado também a referida locadora havia demandado a referida Sociedade F...A...A..., Lda, pedindo o despejo por falta de pagamento das rendas e do fornecimento da energia eléctrica.
Daqui que o sucesso da acção nº 40/2002 nunca poderia ser considerado ter uma forte probabilidade de ocorrer.
De igual modo, no tocante às demais acções em causa – injunção e processo criminal –, tal como doutamente expôs o acórdão recorrido que se dá por reproduzido nesse segmento, não há elementos de facto para que se conclua pela forte probabilidade de a recorrente poder ganhá-las, se a conduta do recorrido tivesse sido observadora das regras legais acima apontadas, como decorrentes do exercício da sua actividade forense.
Em conclusão diremos:
Os danos patrimoniais aqui peticionados são danos futuros de verificação incerta, eventual ou hipotética.
Desta forma, se não pode considerar que esses danos sejam indemnizáveis ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 564º do Cód. Civil.
A doutrina da perda de chance não tem, em geral, apoio na nossa lei civil que exige a certeza dos danos indemnizáveis e a existência de nexo de causalidade entre eles e a conduta do lesante.
Apenas quando se prove que o lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chance perdida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respectivos danos.»
No caso concreto, estamos perante uma situação em que a chance já se densificou o suficiente para, sem se cair no arbítrio, se poder falar de uma quase propriedade da quantia que a Autora deixou de auferir como consequência da impossibilidade de construir o seu empreendimento.
Se lhe tivesse sido conferida tal possibilidade quando ela detinha condições económicas para construir, a Autora teria embolsado a quantia líquida, deduzida de custos, mencionada no ponto 40 dos factos provados.
Este dano correspondente à perda da receita de €1.441.640,00 é indemnizável porque é de verificação certa e resulta da omissão ilícita do Réu na passagem do alvará num prazo de dez anos.
Face ao exposto, o Recurso do Réu Município do (...) improcede com este fundamento.

O Réu alega que mesmo para quem conclua, como nós o fizemos, não se sabe sequer se todas as fracções iriam ser vendidas ou em que data terminaria a obra, bastando recordar que a chamada crise do subprime se iniciou poucos anos depois, conduzindo à insolvência de inúmeras empresas de construção civil, bem como promotores imobiliários e outros operadores ligados à actividade imobiliária, do que extrai que a Autora não detém qualquer direito de ressarcimento.
Ora, a Autora ao alegar tais circunstâncias contradiz o facto provado no ponto 40 dos factos provados, sendo certo que não recorreu da matéria factual dada como provada, pelo que apenas nos podemos cingir aos factos provados, aceites pelas duas partes em litígio. Assim, tais fundamentos não colhem para afastar a indemnização pedida a este título.
A perda da chance como dano indemnizável é atendida nos acórdãos:
do Tribunal da Relação do Porto, de 27/10/2009, Proc. nº 2622/07.0TBPNF.P1
do STJ, de 05/02/2015, Proc. nº 4747.2TVLSB.L1.S1
do STJ, de 30/03/2017, Proc. nº 12617/11.3T2SNT.L1.S1.S1..

1.2 A culpa da lesada.

Alega o Réu que face à circunstância de a Recorrida não ter agido judicialmente em relação ao acto lesivo, datado de 2005, haverá que atender ao disposto no art. 4º da Lei nº 67/2007, de 31 /12, no qual se preceitua que “quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Vejamos.
O comportamento da Autora não é culposo.
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531).
Esta ficou sempre à espera que o seu caso fosse solucionado pela via administrativa e com efeito conseguiu o que se propunha, embora tarde demais, quando já não tinha capacidade económica para prosseguir com o projectado empreendimento, pelas razões dadas como provadas no ponto 32 da factualidade provada, somente imputáveis à Ré e ao seu comportamento omissivo de passagem de alvará durante 10 anos.
Nenhuma censura ou reprovação poderemos assacar a tal comportamento da Autora, que foi surpreendida com a impossibilidade de obter crédito bancário para pagamento das taxas municipais e a caução, de cujos valores foi informada apenas em 2011, e assim se viu impossibilitada de prosseguir com o processo administrativo de passagem de alvará.
Conclui-se, assim, pela ausência de culpa da lesada que concorresse para a verificação do dano dado como provado.
Improcede, por isso, o recurso do Réu na sua totalidade.

2. Recurso da P., Ld.ª
Discorda a Recorrente que não sejam indemnizáveis os valores despendidos por esta, conforme pontos 33, 34, 37, 39 e 50 da factualidade provada na sentença, por considerar que estão abrangidos pela operação de loteamento gorada por omissão ilícita e culposa do Réu, entendendo, por isso, que se verifica o nexo de causalidade que a sentença não aceita como verificado.
Bem como os lucros cessantes correspondentes à frustração de ganhos com a transação dos dois prédios rústicos sitos no Lugar de (...), designado por "Campo do (...)) — pontos 44 a 48 da factualidade provada.
A decisão recorrida considerou que tais danos não são indemnizáveis por não serem causa adequada da inércia durante 10 anos do Réu na liquidação das taxas, informação da caução e passagem do alvará.
A resposta ao problema da causalidade (ou seja, do nexo exigível entre a omissão e o dano, para que este seja indemnizável) vem dada no art. 563º do Código Civil, cujo texto é o seguinte: «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
Os trabalhos preparatórios do Código, na parte referente a este preceito, revelam de modo inequívoco que com ele se quis consagrar a teoria da causalidade adequada.
O Réu só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem a inércia daquele durante 10 anos na liquidação das taxas, na informação da caução e emissão do alvará de construção.
Ora, da matéria factual provada não resulta que se não se tivesse verificado a omissão ilícita do Réu, o Autor não teria que suportar tais dispêndios e lucros cessantes dados como provados em 33, 34, 37, 39 e 50 e 44 a 48, respectivamente.
Esse nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita do Réu e a verificação de tais danos é ónus da prova da Autora, art. 342º nº 1 do Código Civil, pelo que, na falta de alegação e prova do mesmo, falha um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que a Autora faz valer na presente acção, para fundamentar os pedidos que se alicerçam nesses factos dados como provados.

Concorda-se, por isso, com a sentença recorrida quando afirma que não se verifica o nexo de causalidade adequada entre as quantias inscritas nos referidos pontos da matéria factual dada como provada e a lesão provocada pela inércia do Réu na liquidação das taxas, na informação da caução e emissão do alvará de construção.
Se a lesão não tivesse ocorrido a Autora teria na mesma que ter os encargos que teve, danos emergentes – factos 33, 34, 37, 39, 44, 45, 47 e 50.
Quanto à ausência de lucros pela impossibilidade de venda dos prédios descritos em 44 e 47, está contida na indemnização que já se fixou à Autora por falta de receita líquida de €1.441.640,00.
O único dano que não se verificaria se não fosse a lesão é a receita que a Autora teria com a venda das fracções a construir no empreendimento licenciado, esta indemnizável porque a Autora não a teria sofrido se não fosse a lesão, facto 40 da matéria factual dada como provada, já reconhecido como dano indemnizável na apreciação do recurso interposto pelo Réu.

Ao indemnizar a Autora com a quantia de €1.441.640,00, está-se a dar cumprimento ao disposto no art. 566º nº 2 do Código Civil ou seja está a medir-se a situação real em que a inércia do Réu deixou a Autora e a situação hipotética em que esta se encontraria sem tal inércia. O art. 566º nº 2 do Código Civil aceita esta teoria da diferença ao prescrever que «A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.”
Quer dizer que a diferença se estabelece entre a situação real actual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento e que, no caso concreto, se cifra nas goradas expectativas de ganho no montante de €1.441.640,00.
Improcede, como tal, o recurso interposto pela Recorrente P., Ldª, impondo-se manter a decisão recorrida.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO aos dois recursos jurisdicionais interpostos, respectivamente, pelo Município do (...) e pela P., Ldª, pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas de cada recurso a cargo de cada um dos Recorrentes.
*
Porto, 18.09.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco