Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00121/14.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO; PROPRIEDADE E POSSE
Sumário:I. Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

II. De acordo com o estatuído no artigo 237.º, n.º 1, do CPPT, “quando o arresto, a penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, este pode fazê-lo por meio de embargos de terceiro”.

III. Desta norma decorre, portanto, serem pressupostos da procedência dos embargos de terceiro: (i) o embargante ter a qualidade de terceiro; (ii) haver um ato de apreensão ou entrega de bens (v.g. arresto, penhora, arrolamento); (iii) aquele ato ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência.

IV. "Posse" é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art.º 1251.º do Código Civil. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:B.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Braga, nos embargos de terceiro intentados por B., contra ato de penhora, efetuada em 13.04.2012, no âmbito da execução fiscal nº 3425201101054007 e apensos que o Serviço de Finanças de (...) move contra C., com quem a Embargante foi casada até 04.05.2009, que incidiu sobre a meação indivisa da fração autónoma designada pela letra “F” .

A Recorrente interpôs recurso jurisdicional da sentença que julgou procedente os embargos de terceiro, pelo que formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…)

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, datada de 08.03.2017, que julgou procedente o incidente de Embargos de Terceiro com fundamento na conclusão de que a penhora da meação indivisa em causa (…) ofende o direito da Embargante e é incompatível com ele, pelo que, tudo considerado, a penhora sob litígio se não deve manter na ordem jurídica, com todos os efeitos legais.
B. A Fazenda Pública não se pode conformar com o decidido a respeito deste pressuposto e, consequentemente, com a decisão de procedência dos Embargos de Terceiro.
C. Considera a Fazenda Pública que a sentença recorrida está ferida de erro e insuficiência de julgamento quanto à matéria de facto, vício de nulidade por não especificar os fundamentos de direito da decisão e por ser ininteligível e, finalmente, erro de interpretação e aplicação do Direito.

Quanto à matéria de facto,
D. O douto Tribunal a quo ignorou ou omitiu factos relevantes à boa decisão da causa que resultam de prova documental por si positivamente valorada, a saber: certidão judicial do processo de Inventário/ Partilha de Bens em Casos Especiais n.º 77/08.0TMBRG-A.
E. A douta sentença sob recurso fez um lacunar julgamento da factualidade provada ao não dar como provado o seguinte facto cuja ampliação se impõe:

h) – 1: Em 17.10.2012, foi proferida no Processo referido em g) sentença homologatória nos seguintes termos que se transcrevem:
(…) O Banco … nada veio dizer.
Quer pela qualidade dos intervenientes, quer pelo objeto do processo, relativo a direitos disponíveis, julga-se válida e juridicamente relevante a transação antecedente e, homologando-a, adquire força de sentença, ficando os bens partilhados nos termos acordados, art. 1382º C.P.C. (…).

F. Este elemento factual é determinante para a boa decisão da causa e, por isso, impõe-se a ampliação da matéria de facto nos termos supra expostos, nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), aplicável, ex vi, artigo 2º, alínea e) do CPPT.

G. A sentença sob recurso fez um errado julgamento da matéria factual ao dar como provado o facto identificado sob a letra i) dos FACTOS PROVADOS.
H. O douto Tribunal recorrido labora em erro quando se refere na letra i) da factualidade provada ao trânsito em julgado da sentença homologatória, isto porque, não deu como provada a prolação da sentença homologatória, facto cuja ampliação se impõe.
I. O facto identificado sobre a letra h) dos factos provados não corresponde à sentença homologatória, mas sim, ao requerimento de transação apresentado pelas partes no âmbito do processo de Inventário.
J. Assim, em cumprimento do preceituado no artigo 640º, n.º 1 do CPC, no lugar de:
i)Em 11-01-2013 transitou em julgado a sentença de homologação referida em h) – certidão de fls. 128 dos autos; deveria constar:
i) Em 11-01-2013 transitou em julgado a sentença de homologação referida em h) – 1, – certidão de fls. 128 dos autos;
K. Estes factos são distintos e não se confundem, devendo, por isso, ser acrescidos à matéria de facto assente e corrigidos nos termos expostos, requerendo-se, assim, a ampliação e correção do rol factual provado, nos termos dos artigos 640º, n.º 1 e 662º, n.º 1, ambos, do CPC, aplicáveis, ex vi, artigo 2º, alínea e) do CPPT.

Quanto à matéria de direito,
L. Na douta sentença objeto de recurso, o douto Tribunal a quo entendeu que a penhora em causa nos autos ofende o direito da Embargante e é incompatível com ele, pelo que, tudo considerado, a penhora sob litígio se não deve manter na ordem jurídica, com todos os efeitos legais. (sublinhado nosso) Cfr. página 16 da douta decisão judicial
M. Sucede que a sentença sob recurso conclui nestes termos mas não fundamenta legalmente a decisão proferida.

N. A inexistência de fundamentação de facto e de direito constitui, nos termos dos artigos 125º, n.º 1 do CPPT e 615º, n.º 1, alínea b) do CPC, aplicável, ex vi, artigo 2º, alínea e) do CPPT, causa de nulidade da sentença.
O. Associada a esta inexistente fundamentação de direito, no entender da Fazenda Pública, a sentença recorrida está ferida de nulidade por ser ininteligível.
P. O Tribunal recorrido não esclarece, concretiza ou identifica qual o direito da embargante que entendeu haver sido ofendido pela penhora: se, o direito de propriedade plena, sendo este o direito arrogado pela embargante – cfr. pedido da petição inicial (doravante, p.i.); ou, se o direito da embargante seria a posse ou qualquer outro direito incompatível com a penhora, como possibilita o regime prescrito no artigo 237º, n.º 1 do CPPT.
Q. É inexistente a identificação da natureza do direito que o Tribunal recorrido entendeu haver sido ofendido pela penhora em causa, circunstância que consubstancia uma obscuridade que torna ininteligível a decisão proferida.
R. O douto Tribunal a quo refere, num primeiro momento: Também demonstrou que em 04-04-2012 foi apresentada em Tribunal a transação relativa à partilha de bens e que apenas, e sem culpa sua, foi homologada em 17-10-2012 posteriormente ao registo da penhora efetuado em 13-04-2012 (mais de uma semana após a transação efetuada);
S. e, num segundo momento, refere-se à utilização exclusiva por parte da ora recorrida, nos seguintes termos: Documentalmente (corroborada pelas testemunhas) a Embargante demonstrou desde 2007 (veja-se facto provado na sentença de divórcio e depoimento das testemunhas) a fração é exclusivamente utilizada por si e que por vicissitudes várias (desaparecimento do cônjuge e atrasos no Tribunal) apenas e só em 2012 chegou a bom porto a partilha dos bens..
T. Estas referências – direito de propriedade plena e/ou posse (utilização exclusiva) – não elucidam as razões que levaram o douto Tribunal recorrido a decidir como decidiu, até porque, o mesmo não identifica qual foi o direito da recorrida que entendeu haver sido ofendido pela penhora.
U. Também esta ambiguidade ou obscuridade constitui causa de nulidade da sentença, nos termos prescritos pelos artigos 125º, n.º 1 do CPPT e 615º, n.º 1, alínea c), 2.ª parte do CPC, aplicável, ex vi, artigo 2º, alínea e) do CPPT.

Discorda a Fazenda Pública da decisão proferida porquanto à data da penhora – 13.04.2012 – a embargante, ora recorrida, era detentora, tão-só, de uma quota ideal do património globalmente considerado, património do qual fazia parte o imóvel objeto de penhora.
W. A penhora da meação indivisa da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar esquerdo, lado sul e nascente, tipo T3, com terraço e uma garagem na cave com o n.º X, sito na Rua (…), (…), (…), inscrito sob o artigo … na matriz urbana da União de Freguesias (…) e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial (...) sob o n.º 144/20000523-F, levada a registo, através da apresentação n.º 3354, na data de 13.04.2012, não ofende o direito de propriedade plena por si arrogado.
X. A adjudicação do imóvel objeto de penhora à embargante, ora recorrida, apenas ocorreu por homologação da transação – aliás, assim, sustenta a embargante na p.i. (artigo 6º da p.i.) – ou seja, só depois deste facto é que a embargante passou a ser proprietária exclusiva do imóvel objeto de penhora.
Y. E, este facto apenas ocorreu em 17.10.2012, ou seja, depois de já haver sido efetuada a penhora em causa.
Z. Uma vez dissolvido o vínculo conjugal, por sentença datada de 04.05.2009 que decretou o divórcio entre a embargante e o executado: (…) o património comum converte-se em comunhão ou compropriedade tipo romano, podendo, então, qualquer dos consortes dispor da sua quota ideal ou requerer a divisão da massa patrimonial através da partilha. É uma situação semelhante à sucessão mortis causa, ou seja, a uma herança, e é entendimento pacífico que esta, antes da partilha, constitui uma universitas juris, um património autónomo, com conteúdo próprio. Até à partilha, os direitos dos herdeiros recaem sobre o conjunto da herança; cada herdeiro apenas tem direito a uma parte ideal da herança e não a bens certos e determinados. In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (doravante, STJ), proferido em 18.11.2008, no âmbito do processo n.º 08A2620
AA. À data de 13.04.2012, data da penhora, estava pendente processo especial de Inventário para partilha judicial de bens em casos especiais.
BB. Em 17.10.2012, foi proferida sentença homologatória da partilha, nos termos do artigo 1382º do CPC, na redação à data, decisão judicial que transitou em julgado em 11.01.2013.
CC. Só com a homologação da transação é que existe a prolação de sentença, ato pelo qual o juiz decide a causa principal, conforme define o artigo 152º do CPC.
DD. E, só após o trânsito em julgado de tal decisão judicial, só após a insusceptibilidade de recurso, é que tal decisão se torna exequível na ordem jurídica. Só após a insusceptibilidades de recurso da sentença que homologou a partilha, é que ficaram definitivamente fixados os direitos dos intervenientes no processo de Inventário. Até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da “transação judicial”, existia, tão só, uma mera expetativa por parte dos intervenientes processuais.
EE. Não é com o requerimento de transação da partilha entre as partes apresentado em 04.04.2012 (ou seja, nove dias antes do registo da penhora), que a embargante adquire o direito de propriedade plena sobre o imóvel em causa, nem tal facto foi por si trazido à colação do douto Tribunal recorrido.
FF. Só com a prolação da sentença homologatória da partilha e, o respetivo trânsito em julgado, é que efetivamente se concluiu, se completou ou se tornou definitivo o facto jurídico – “o evento da vida social a que o Direito reconhece relevância jurídica”.
GG. A partilha judicial é feita mediante um processo especial, designado por Inventário, que segue uma tramitação especial, desenvolvida por diversas fases, e que precisamente culmina com a fase do julgamento – forma de extinção da instância, conforme preceitua o artigo 277º, alínea a) do CPC – e o trânsito em julgado da sentença homologatória, como preceitua o artigo 1382º do CPC na redação à data.
HH. Facto é que a sentença de homologação da transação da partilha efetuada pelas partes foi proferida em data posterior à realização da penhora da meação indivisa e, por isso, é quanto a ela ineficaz.
II. Razão pela qual, à data da penhora, a recorrida não possuía o direito de propriedade plena sobre o imóvel, não se verificando assim um dos requisitos imprescindíveis à procedência dos Embargos de Terceiro.
3 Cfr. a n
JJ. Ao não decidir assim, a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente dos artigos 237º, n.º 1 do CPPT, artigos 152º e 1382º do CPC, e artigos 1302º e 1305º do CCivil, devendo ser substituída por douto acórdão que considere os Embargos de Terceiro improcedentes por a penhora em causa não ofender o direito de propriedade arrogado pela recorrida.
Como sempre farão V/ Excelências a acostumada JUSTIÇA.:

A Recorrida contra-alegou tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Entende a Recorrida que a sentença proferida corresponde à melhor apreciação dos
factos e do direito aplicável.
2. No que respeita ás alegações da Recorrente a Recorrida discorda por inteiro
3. Pretende a Recorrente ver alterada a decisão no que respeita aos factos provados
4. Todavia a alteração que sugestiona é impercetível pois, na realidade, a Recorrente
parecer querer uma alteração que corresponde a que a sentença fique tal como está
5. Sendo irrelevante e incompreensível esse pedido deve, por conseguinte, improceder
6.. No que respeita à matéria de direito alega a Recorrente que existe falta de fundamentação, contradição e uma errada subsunção dos factos ao direito aplicável na sentença recorrida
7.Mas não é verdade que assim seja tanto mais que a sentença recorrida é abundante em fundamentação crítica da prova produzida, explana a valoração feita a cada meio de prova e incorpora exaustivamente a aplicação do direito aos factos
8. Diz a Recorrente que a sentença em apreço não justifica qual o direito da Recorrida incompatível com a penhora. Mas na realidade a sentença fá-lo de forma clara e objetiva
9. A sentença recorrida analisa todos requisitos de forma de que depende a procedência dos embargos de terceiro e no que respeita ao direito incompatível da Recorrida conclui que, por um lado, existiu um acordo entre a Recorrida e o ex-cônjuge que é o único e exclusivo devedor à Recorrente, através do qual se decidiu a sua propriedade exclusiva do imóvel não tendo contribuído sob qualquer forma para a demora do Tribunal em homologar esse entendimento, e que, por outro, existe posse sobre o imóvel pela Recorrida desde 2007, muito antes do registo da penhora.
10. A sentença sindicada compôs o presente litígio à luz do direito aplicável e do entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência
11. Analisou criticamente a prova produzida por ambas as partes tendo assente a sua convicção nesse acervo probatório
12. A Recorrente quer alhear-se a todos esses elementos e insistir em datas Isto é, na data em que registou a penhora sobre o imóvel e na data em que o Tribunal do processo de Inventário/Partilha homologou a transação pela qual os ex-cônjuges acordaram a adjudicação do imóvel em exclusivo à Recorrida
13.Acontece que essa tese não merece provimento pois também a posse sobre o imóvel foi discutida e demonstrada através de prova documental e prova testemunhal Mas sobre isso não se pronuncia a Recorrente...
14.No que toca aos depoimentos das testemunhas é de salientar os princípios da mediação e oralidade que no fundo atestam que é ao juiz do julgamento que caberá determinar a credibilidade das testemunhas mediante o seu comportamento, rigor, isenção, exatidão e imparcialidade no discurso.
15.No que toca aos documentos estes têm força probatória plena ou, em determinados casos, são sujeitos à livre apreciação pelo Tribunal.
16. Neste contexto, a sentença em apreço teve em consideração uma correta e justificada valoração da prova produzida
17.Assim nada há a apontar à sentença recorrida que se deverá manter nos exatos termos em que foi proferida
TERMOS EM QUE, Deve o RECURSO interposto pela FAZENDA PÚBLICA ser julgado improcedente, por manifesta falta de fundamento legal ou/e factual, Assim se fazendo, como habitualmente, JUSTIÇA!

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos das Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em saber se a sentença recorrida incorreu em: (i) erro de julgamento de facto: (ii) vício de nulidade por não especificar os fundamentos de direito da decisão e por ser ininteligível e, finalmente: e (iii) erro de interpretação e aplicação do direito, nomeadamente dos artigos 237.º, n.º 1 do CPPT, artigos 152.º e 1382.º do CPC, e artigos 1302.º e 1305.º do Código Civil.
3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, no Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
FACTOS PROVADOS
a) O PEF 3425201101054007 e apenso foram instaurados contra C., contribuinte fiscal n.º (…), com domicílio na Rua (…), freguesia de (…), concelho (…), para cobrança coerciva de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respeitante ao ano de 2009, coimas fiscais e encargos, no montante global de € 2.951,14 (dois mil novecentos e cinquenta e um euros e catorze cêntimos) – informação de fls 33 dos autos e FEF apenso;
b) Através do Sistema de Penhoras Eletrónicas, foi efetuado o pedido de penhora de imóveis n.º342520120000013205 e efetuada a penhora n.º 3425.2012.413, que incidiu sobre a meação indivisa do seguinte bem imóvel: fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao segundo andar esquerdo, lado sul e nascente, tipo T3, com terraço e uma garagem na cave com o n.º X, sito na Rua (…), (...), concelho (…), inscrito sob o artigo … na matriz urbana da União de freguesias (…) – fls 38 do PEF apenso.
c) A penhora referida em b) foi registada na 2.ª Conservatória do Registo Predial (...), através da apresentação n.º 3354, datada de 13.04.2012, conforme resulta da descrição predial junta a fls 33 do PEF apenso;
d) O Serviço de Finanças de (...), por ofício datado de 18-11-2013 e sob a epígrafe “citação” enviou à aqui embargante carta registada com aviso de receção com o n.º de registo RM 984456542PT com o seguinte teor, que aqui se transcreve em parte: “ Fica V. Exª por este meio citada, nos termos e para os efeitos do artº 239º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de que foi penhorado para o processo de execução fiscal (…)”
- fls 41 do Pef apenso
e) Em 20.11.2013 recebeu o ofício referido em d) - conforme se comprova pela assinatura aposta no referido aviso de receção, junto a fls 42 do Pef apenso;
e) Os presentes autos foram instaurados em 20.12.2013 – fls 4 dos autos;
f) Em 04-05-2009 foi proferida sentença de divórcio de B. e C. no Tribunal de Família e Menores de Braga, 1ª secção – Doc de fls 25 e seguintes dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
g) Em 28-07-2009 deu entrada no Tribunal de Família e Menores de Braga requerimento de Inventário/Partilha de Bens, sob nº 77/08.OTMBRG – A – certidão de fls 128 dos autos;
h) Em 04-04-2012 deu entrada no Processo referido em g) a transação celebrada entre B. e C. relativa á distribuição de bens, através de procuração com poderes especiais – conforme notificação CITIUS junta a fls 128 dos autos e DOC nº 2 de fls 28 dos autos;
i) Em 11-01-2013 transitou em julgado a sentença de homologação referia em h) – certidão de fls 128 dos autos;
j) Desde Agosto de 2007 que B. e C. vivem separados de facto – facto dado como provado na sentença de divórcio e prova testemunhal;
K) Em data não concretamente apurada mas antes da sentença de divórcio C. se ausentou do pais e não mais foi contactado – prova testemunhal;
L) Desde 2007 que a embargante cuida da manutenção e preservação do imóvel – prova testemunhal.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.

Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto provada, consonante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
Da Prova testemunhal:
Nos presentes autos, prestou depoimento a testemunha J. (filha da embargante), R. (namorado da filha da embargante) e M. (amiga e vizinha da embargante).
Particularizando:
J. (filha da embargante), referiu que os pais antes de decretado o divorcio se encontravam separados de facto, sendo que quem custeava todas as despesas com o agregado familiar, constituído por ambas, nomeadamente os estudos superiores dela e custos inerentes à utilização da fração. Referiu que presenciou a celebração do acordo de partilha de bens e o pagamento de tornas efetuado a seu pai.
R. (namorada da filha da embargante), referiu que nunca teve qualquer tipo de relacionamento com C. pois desde o início do namoro nunca o conheceu ou viu por casa. Mais disse que a J… não tem contacto com o pai.
M. (amiga e vizinha da embargante), disse não ver C. por casa e pelas imediações à cerca de 8 anos.
Mais referiu que aqui a Embargante lhe disse que era ela que pagava sozinha as contas e a faculdade e explicações da filha.
As testemunhas apesar de não conseguirem ser muito concretas relativamente a datas, o que é justificável atendendo aos anos a que os factos dizem respeito, mostraram-se credíveis e isentas no seu depoimento. (…)”

3.2. Alteração e Aditamento Oficioso à Matéria de Facto.
Ao abrigo do artigo 662º, nº 1, alínea a) do Código do Processo Civil importa oficiosamente reformular a alínea h) da matéria de facto dada como provada e aditar a alíneas h1) e h2), sendo que dos autos constam documento que o habilitam:

h) Em 04.04.2012 foi apresentado no processo n.º 77/08.OTMBRG-A a transação celebrada entre B. e C. relativa à partilha e distribuição de bens, a através de procuração com poderes especiais – conforme notificação CITIUS junta a fls 113 dos autos e DOC nº 2 de fls 28 dos autos;

h1) No acordo de transação apresentado no processo n.º 77/08.OTMBRG-A consta o seguinte:
B.
e C.
Requerente e requerido, respectivamente, nos autos epigrafados, tendo conseguido acordo quanto à distribuição dos bens,
vem apresentar TRANSAÇÃO nos seguintes temos,
1. Ao requerente C. são adjudicadas as verbas 1 a n.º14, pelos valores constantes dos autos de avaliação de fls. 33 e seguintes, sendo que relativamente à verba n.º 14, relativamente à qual a perícia não se pronunciou, as partes fixam o respectivo valor conforme resulta infra, a saber:
VERBA n. 1: (…)
(…)
2. (…)
3. (…)
4. À requerente B. é adjudicadas as verbas imóveis – n.º1 e 2 a saber:
Fração Autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2.º Andar, Esquerdo, sito na Rua (…), freguesia de (…), (…), omisso na matriz, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 144-F/(…) (…) à qual corresponde a valor de € 89.750,00
(…)
5- Sobre as referidas verbas imóveis impendem hipotecas decorrentes de financiamentos contraídos junto do BPI, sendo que, na presente data, o passivo relativo à verba n.º 1 imóvel é de € 13 355,77 e o passivo relativo à verba n.º 2 é de € 7.521,15.
6. A fração n.º 1 foi adquirida com a entrega da quantia de € 24.039.89, que as partes reconhecem tratar-se de bem próprio da requerente B., porquanto já na sua titularidade em data anterior ao casamento objecto de dissolução nos presentes autos.
7. As partes desde Agosto de 2007 e até à dissolução judicial do casamento viveram em separações de facto, sendo que desde aquela data de Agosto de 2007 e até à presente data foi a requerente B. que suportou exclusivamente todos os encargos relativos aos imóveis, nomeadamente as prestações bancárias (BPI) - € 350,00/mês para cada um dos imóveis – e impostos.
8. As prestações pagas exclusivamente pela requerente B. totalizam desde Agosto de 2007 até à presente data, totalizam a quantia de € 36.400,00, confessando-se o requerente C… devedor de metade daquele valor (€ 18 200,00).
9. (…)
10 . Assim para efeitos de partilha e tendo em conta que a divisão dos bens móveis entre os requerentes não resultam quaisquer tornas a pagar, aplica-se o seguinte regime de valor liquido a partilhar quanto aos bens imóveis, no valor global de € 81.933,19
- Verba n.º1: 89.750,00 € - 24 039, 89 € (supra 6) – 13.355,77 € (supra 5) = 52.353,34 €
Verna n.º2: (…)

11. Atendendo que à requerente B. são adjudicados os dois bens imóvel, resulta que a mesma é devedora de tornas ao requerente C.. no valor de € 40. 966,60, a cujo valor se subtrai o crédito a que se refere supra 8, o que resulta no valor liquido de tornas a pagar de € 22.7656,60.
12. (…)
13. A requerente B. pagou na presente data ao Requerente C… a quantia de tornas a que se refere o paragrafo anterior, dando a esta total quitação, declarando nada mais ter a receber da requerente B.. (…)” fls. 128 a 137 dos autos.
h2) Em 17.10.2012, foi proferida no Processo n.º 77/08.OTMBRG- a sentença homologatória nos seguintes termos que se transcrevem:
(…) O Banco BPI nada veio dizer.
Quer pela qualidade dos intervenientes, quer pelo objeto do processo, relativo a direitos disponíveis, julga-se válida e juridicamente relevante a transação antecedente e, homologando-a, adquire força de sentença, ficando os bens partilhados nos termos acordados, art. 1382º C.P.C. (…). (fls. 137 dos autos constante da certidão de fls. 120/137 dos autos)
3.3. Nas conclusões D a K a Recorrente pugna pela alteração da matéria de facto provada e ainda pela sua ampliação, face alteração oficosa efetuada no ponto anterior nada mais há alterar.
4. JULGAMENTO DE DIREITO
Nas conclusões a Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade por inexistência de fundamentação de facto e de direito constitui, nos termos dos artigos 125º, n.º 1 do CPPT e 615º, n.º 1, alínea b) do CPC, aplicável, ex vi, artigo 2º, alínea e) do CPPT, causa de nulidade da sentença. E que associada a esta inexistente fundamentação de direito, no entender da Fazenda Pública, a sentença recorrida está ferida de nulidade por ser ininteligível.
Vejamos.
Nos termos do art.º 668º CPC (atual art.º 615º) sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Decorre do n.º 1 do art.º 125º do CPPT, que constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
No que concerne à falta de fundamentação de direito, como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in Código do Procedimento e Processo Tributário anotado, II, 2011, fls 359 e segs. “(…) A fundamentação de direito da sentença deverá consistir na indicação, interpretação e aplicação das normas em que se baseia a decisão (art. 659.°, n.º 2, do CPC).
No entanto, como fundamentos de direito, podem ser invocados, cumulativa ou exclusivamente, princípios jurídicos (art. 3.º n.º 1, do CPTA), mesmo que não sejam expressamente enunciados em norma determinadas.

Não é necessário, para obstar à existência de nulidade, a apreciação e análise de todos os argumentos invocados e invocáveis sobre as questões de direito a apreciar, mas apenas indicar aqueles que ser servem de suporte à decisão.

Por outro lado, no que concerne à fundamentação de direito, o tribunal tem de indicar apenas a relativa às questões apreciadas em que se baseia a parte dispositiva e não a meras considerações marginais, argumentos «ex abundanti» ou de «obiter dicta», isto é, algo que não é necessário apreciar para conhecer da pretensão que é formulada, nem tem reflexos em qualquer das questões apreciadas que o tribunal tinha de resolver. (…)”

Há que realçar que só a ausência total de fundamentação fere a sentença de nulidade. Compulsada a sentença recorrida, a MMª juíza fundamentou de direito, profusamente, delineando o quadro legal em que se enquadra os presentes embargos e ainda apreciação dos factos que no seu entender conduziram à decisão de considerar ilegal a penhora efetuada, por lesiva dos interesses da Recorrida.
A sentença recorrida fez uma interpretação e aplicação das normas em vigor aplicável à data dos factos pelo se encontra fundamentada de direito.
Quanto à falta de fundamentação de facto.
A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto encerra tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123º, nº 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no n.º 3 do artigo 659.º do CPC (atual art. 607º, nº 4).
Por força do n.º 2 do art.º 123.º CPPT o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Determinava o n.º 2 do art.º 653.º do CPC relativamente à matéria de facto que a decisão proferida declarará quais os fundamentos de facto que o tribunal julgue provados e quais os que julgue não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
O art.º 655.º do CPC determinava que tribunal aprecia livremente as provas decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código do Processo e Procedimento Tributário, Anotado, II, 2011, pp. 321 e 322 (In CPPT anotado, II, 2011, pp. 321 e 322) “(…) A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.° 2 do art. 123. do CPPT.
Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.

A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção. Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.
Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária.(…)”(sublinhado nosso).
Assim, a fundamentação da matéria de facto, deve consistir na indicação dos factos provados e não provados, elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do julgador e a sua apreciação crítica, de maneira a ser possível conhecer as razões porque se decidiu num sentido e não noutro.
No que concerne exame crítico da prova, o juiz deve revelar, esclarecendo, quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma e caso haja elementos probatórios divergentes, explicar as razões porque se valorizou um em detrimento do outro.
Se a sentença não contiver análise crítica da prova documental e testemunhal e outras provas produzidas no processo e que foram relevantes para a decisão incorre em nulidade nos termos do n.º 1 do art.º 125.º n.º 1 do CPPT alínea b) do art.º 668.º do CPC (atual 615.º).
Baixando ao caso dos autos, a sentença recorrida fixou treze factos provados que se deixaram transcritos e não fixou nenhum não provado.
Nos factos provados, foram indicados os meios probatórios por referência aos documentos existentes nos autos e à prova testemunhal produzida, fazendo uma apreciação critica e sintética.
A sentença recorrida permite assim verificar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz sobre todos os pontos da matéria de facto e permite o controlo dos mesmos, pelo que não incorre em nulidade nem tão pouco é ininteligível.

4.2. Por fim importa saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errada interpretação do direito, nomeadamente dos artigos 237º, n.º 1 do CPPT, artigos 152º e 1382º do CPC, e artigos 1302º e 1305º do Código Civil.
Entende a Recorrente que na data em que foi efetuada a penhora à Recorrida estava pendente processo especial de Inventário para partilha judicial de bens em casos especiais. Em 17.10.2012, foi proferida sentença homologatória da partilha, decisão judicial que transitou em julgado em 11.01.2013.
Só com a homologação da transação é que existe a prolação de sentença, ato pelo qual o juiz decide a causa principal, conforme define o artigo 152º do CPC. E, só após a insusceptibilidade de recurso da sentença que homologou a partilha, é que ficaram definitivamente fixados os direitos dos intervenientes no processo de Inventário. Até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da “transação judicial”, existia, tão só, uma mera expetativa por parte dos intervenientes processuais.
Entende que não é com o requerimento de transação da partilha entre as partes apresentado em 04.04.2012 (ou seja, nove dias antes do registo da penhora), que a embargante adquire o direito de propriedade plena sobre o imóvel em causa, nem tal facto foi por si trazido à colação do douto Tribunal recorrido.
Decidindo:
De acordo com o estatuído no artigo 237.º, n.º 1, do CPPT,quando o arresto, a penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, este pode fazê-lo por meio de embargos de terceiro”.
Desta norma decorre, portanto, serem pressupostos da procedência dos embargos de terceiro: (i) o embargante ter a qualidade de terceiro; (ii) haver um ato de apreensão ou entrega de bens (v.g. arresto, penhora, arrolamento); (iii) aquele ato ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência.
No processo sub judice é o exame do terceiro requisito que está em causa. No caso, fundam-se os embargos numa alegada ofensa da posse e propriedade de um imóvel (fração) objeto da penhora no âmbito da execução fiscal supra identificada.
A sentença recorrida entendeu que: “(…) Por fim, quanto ao último requisito, a posse ou qualquer outro direito incompatível com a diligência realizada, a existir, terá de ser anterior ao ato de apreensão.
Como resulta da factualidade descrita a Embargante logrou demonstrar que na sequência do divórcio deixou de ser responsável pelas dívidas do casal geradas a partir de então, sendo certo que as dívidas resultantes de coimas são da exclusiva responsabilidade de quem comete a infração e foram geradas depois do divórcio.
Resulta do probatório que a Embargante após o divórcio deu entrada de um requerimento em 17-07-2009 de partilha e inventário de bens, onde se integrava o imóvel penhorado e que só se “resolveu” por transação.
Também demonstrou que em 04-04-2012 foi apresentada em Tribunal a transação relativa à partilha de bens e que apenas, e sem culpa sua, foi homologada em 17-10-2012 posteriormente ao registo da penhora efetuado em 13-04-2012 (mais de uma semana após a transação efetuada)
Documentalmente (corroborada pelas testemunhas) a Embargante demonstrou desde 2007 (veja-se facto provado na sentença de divórcio e depoimento das testemunhas) a fração é exclusivamente utilizada por si e que por vicissitudes várias (desaparecimento do cônjuge e atrasos no Tribunal) apenas e só em 2012 chegou a bom porto a partilha de bens.
Assim e conjugando todos os elementos carreados no processo temos que antes do registo da penhora foi efetuado o pedido de partilha de bens (na qual foi adjudicado à embargante o imóvel objeto de penhora) e a sua transação (sendo que a sua homologação, foi realizada posteriormente não por culpa da embargante).
Portanto, a penhora em causa nos autos ofende o direito da Embargante e é incompatível com ele, pelo que, tudo considerado, a penhora sob litígio se não deve manter na ordem jurídica, com todos os efeitos legais.
O que equivale a dizer que os presentes Embargos devem proceder; o que se declara. (…)”
No entanto, recorde-se que, estamos no âmbito de um processo de embargos de terceiro, pelo que a prova de que a Embargante tinha a posse e propriedade do imóvel, em data anterior ao registo da penhora, cabe-lhe a si, nos termos do disposto no art.º 237.º do CPPT e n.º 1 do art.º 74.º da LGT e 342.º do CC, como facto constitutivo do direito que se arroga.
E como refere a jurisprudência “Os embargos de terceiro desempenham a mesma função que as acções possessórias propriamente ditas: são meios de defesa e tutela da posse ameaçada ou violada. O que sucede é que desempenham essa função no caso particular de a ameaça ou ofensa da posse provir de diligência judicial, Alberto dos Reis, in Processos Especiais, vol. I, pág. 402.
"Posse" é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art.º 1251.º do C. Civil. Para ter a posse não é necessária a prática de actos materiais sobre a coisa; basta a possibilidade de os praticar, já que o nosso Código Civil perfilhou uma concepção subjectiva da posse, onde, a par da actuação de facto sobre a coisa é preciso que haja por parte do detentor a intenção "animus" de exercer como o seu titular um direito real e não um mero poder de facto sobre ela - cfr. na doutrina , Código Civil Anotado, Vol. III, de Pires de Lima e A. Varela, 2.ª Edição revista e actualizada, pág. 5 e segs., França Pitão, Direito das Coisas, Coimbra 1976, pág. 47 e segs. e POLIS - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Vol. IV, pág. 1427 e segs.
É necessária uma posse real e efectiva, com o seu elemento material ou corpus e o elemento intencional ou animus sibi habendi. (…)
acórdão TACS 3945/10 de 08.06.2010
Remetendo para as considerações acima expendidas, só a posse efetiva e causal, que se traduz pelos mencionados elementos objetivo e subjetivo (“corpus” e “animus”), pode fundamentar, regra geral, os embargos de terceiro. Por outro lado, a posse há-de ser anterior à diligência contra a qual se reage.
Compulsada a matéria de facto dado como provada dela resulta que contra C. foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 342520001101054007, correr termos no Serviço de Finanças de (…), por dívidas tributarias de IRS de 2009 e Coimas.
Em 13.04.2010, através do SIPA (Sistema Informático de Penhoras Automáticas) o Serviço de Finanças procedeu à penhora que incidiu sobre a meação indivisa de imóvel, fração autónoma, Tipo T4, com o artigo matricial …, da freguesia (…), (…) [(facto b) e c)].
Resulta dos factos provados [a) e f)] que o executado foi casado com a Embargante, tendo-se divorciado em 04.05.2009 por sentença proferido pelo Tribunal de Família e Menores de Braga.
Porém, em 28.7.2009 deu entrada no mesmo Tribunal, requerimento de Inventário/Partilha de Bens, sob nº 77/08.OTMBRG – A.
Em 04.04.2012 deu entrada no Processo referido nº 77/08.OTMBRG – A. transação celebrada entre B. e C. relativa á partilha e distribuição de bens cujo documento não foi impugnado.
Resulta do facto provado e neste acórdão aditado que “a fração foi adquirida com a entrega da quantia de 24 039, 89 € que se tratava de bem próprio da Embargante B., já na sua titularidade em data anterior ao casamento.
Que desde Agosto de 2007 até à dissolução do casamento viveram em separação de facto, sendo que foi a Embargante que suportou exclusivamente todos os encargos relativos aos imóveis (2), nomeadamente as prestações bancárias (€ 350 000.00 para cada um dos imóveis) e impostos.
Resulta ainda da matéria provada e não impugnada que desde agosto de 2007 que B. e C. vivem separados de facto.
Em data não concretamente apurada, mas antes da sentença de divórcio C. ausentou-se do país e não mais foi contactado.
E que desde 2007 que a Embargante cuida da manutenção e preservação do imóvel.
Destarte, existe prova convincente que a Recorrida detinha a posse do imóvel e exerceu o direito correspondente ao direito de propriedade sobre a meação indivisa da fração objeto de penhora, provando ter tido na sua esfera jurídica o domínio de facto sobre esse bem e a intenção de exercer sobre ele o direito correspondente.
Destarte ficando provado ter exercido sobre ele uma posse digna de tutela jurídica logo os embargos merecem procedência.
Porém não se pode olvidar, que no Tribunal de Família e Menores de Braga foi apresentada transação no Inventário/Partilha de Bens, sob nº 77/08.OTMBRG – A – em 04.04.2012, (9 dias antes da penhora) e que foi homologado pelo Tribunal em 17.10.2012 a qual transitou em julgado em 11.01.2013.
Pese embora, seja juridicamente discutível se a propriedade do imóvel passou para a titularidade da Embargante, na data da apresentação da transação no processo de partilha ou após a data do trânsito em julgado da homologação, a verdade é que, a Recorrida alegou e demonstrou posse efetiva e causal, que se traduz pelos mencionados elementos objetivo e subjetivo (“corpus” e “animus”), o que pode fundamentar, regra geral, os embargos de terceiro.
Destarte, improcede o recurso.
4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário:
I. Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
II. De acordo com o estatuído no artigo 237.º, n.º 1, do CPPT, “quando o arresto, a penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, este pode fazê-lo por meio de embargos de terceiro”.
III. Desta norma decorre, portanto, serem pressupostos da procedência dos embargos de terceiro: (i) o embargante ter a qualidade de terceiro; (ii) haver um ato de apreensão ou entrega de bens (v.g. arresto, penhora, arrolamento); (iii) aquele ato ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência.
IV. "Posse" é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art.º 1251.º do Código Civil.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida, na ordem jurídica, com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente, nos termos do art.º 527.º do CPC.

Poto, 21 de maio de 2020



Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes