Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00689/09.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NULIDADE SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL; ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
DESCONSIDERAÇÃO DE CUSTOS; LIQUIDAÇÃO ACTO DIVISÍVEL
Sumário:I. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, não se verifica quando a sentença aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não tenha em conta todos os argumentos apresentados pelas partes.
II. A nulidade por ineptidão da petição inicial é susceptível de ser conhecida no despacho saneador ou, o mais tardar, na sentença, ficando o seu conhecimento precludido depois desta data (cfr. artigo 200.º, n.º 2, do CPC).
III. Não cumpre a Recorrente o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto imposto pela al. b), do nº1, do art. 640º, do CPC (especificada, indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida), quando se limita a impugnar factos em bloco, sem especificação concreta das provas, ponto por ponto, transcrevendo a prova testemunhal produzida em jeito de ilacções e colocando em causa a razão de ciência das testemunhas. As referidas faltas de indicação especificada dos meios probatórios e de análise crítica das provas, têm como consequência a rejeição do recurso, nessa parte.
IV. Administração Fiscal tem o ónus de provar a factualidade que a levou a desconsiderar um custo, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
VI. O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J., LDA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que foi julgada procedente o pedido da ora recorrida de anulação da liquidação adicional de IRC do exercício de 2005, e respectivos juros compensatórios, no montante global de €251.886,80, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem presente recurso foi interposto da douta sentença proferida que julgou procedente a impugnação deduzida da liquidação adicional de IRC de 2005 e respetivas liquidações de juros compensatórios, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito dos atos tributários impugnados, concretizado nas específicas alegações exposta na petição inicial; o Tribunal a quo decidiu, enfim, pela procedência da impugnação judicial, “anulando a liquidação impugnada”.
B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, por entender estar afetado de nulidade por omissão de pronúncia e de erro de julgamento de facto e de direito, pelos motivos que passa a enunciar.
C. Existe nulidade por omissão de pronúncia em relação à questão suscitada pela impugnante acerca do alegado custo fiscal com o desenvolvimento de coleções/consultadoria publicitária/organização de feiras, silenciando completamente quanto à questão colocada nos pontos 251. a 277. da PI.
D. Afigura-se à Fazenda Pública, então, que a sentença recorrida padece de erro na sua elaboração, infringindo, em particular, a norma do nº2 do art. 608º do CPC, aplicável por via do art. 2º, e), do CPPT, nulidade encontra-se prevista no art. 125º, nº1, do CPPT e no art. 615º, nº1, al.d), do CPC, aplicável por via do art. 2º, e), do CPPT, devendo tal vício ser corrigido, salvo melhor entendimento, pela baixa do processo ao Tribunal a quo.
E. Ademais, o pedido formulado a final pela impugnante, de anulação dos atos de liquidação de IRC do ano de 2005 e dos correspondentes juros compensatórios, não tem base na causa de pedir apresentadas para sustentar esse pedido e sobre as quais o tribunal é chamado a pronunciar-se.
F. No caso dos autos, as causas de pedir apresentadas ficam muito aquém da consequência peticionada de anulação das liquidações de IRC e dos correspondentes juros compensatórios, consequência a que a sentença recorrida deu, indevidamente, pleno acolhimento.
G. Atentando no ponto 117. da petição inicial, constata-se que a presente impugnação não abarca todas as correções efetuadas no RIT, designadamente aquelas que implicaram o recurso a métodos indiretos.
H. Sendo assim, por faltarem causas de pedir que sustentem o pedido de anulação total da dos actos tributários impugnados, a petição inicial padece de ineptidão parcial, nos termos do art. 186º, nº2, al. a), do CPC.
I. Sempre com o devido respeito, que é muito, no que concerne às causas de pedir relativas aos indícios e conclusões indicados nos pontos 1.2.1, 1.2.2, 1.2.3, 1.2.5 e 1.2.7 do RIT (cfr. quadro a pág. 30/57 do RIT) e que levaram a concluir pela simulação das faturas que titulam os custos,
J. a Fazenda Pública entende que a sentença recorrida procede a uma análise insuficiente e errónea da factualidade patente no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), e que não demonstra ter sido infirmada pela prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal.
K. A organização expositiva da sentença em causa revela contradição no discurso fundamentador: conclusivamente, afirma que “a AT não fez a prova que lhe competia”, tornando desnecessário que se fosse “analisar se a Impugnante (...) logrou provar a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efetuou”,
L. por outro, na estreitíssima factualidade que firmou como provada a propósito das operações consideradas simuladas, declara que os pontos 14. a 16. foram dados como provados pela ”conjugação dos documentos referidos a seguir a cada um dos factos com os depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante a ouvidas em audiência contraditória”.
M. Da sentença não se compreende em que medida os parcos factos que dá como provados contribuíram para que o Tribunal declarasse a falta de prova por parte da AT de que as faturas analisadas em inspeção não correspondiam a reais e efetivas operações económicas.
N. A Fazenda Pública entende que a sentença recorrida não fez uma análise exclusiva e cuidada da suficiência dos indícios e provas reunidos pelos serviços de inspeção e do acerto das ilações tiradas a partir desses inícios e provas, tornando despiciente a prova que a Impugnante tivesse produzido sobre a pretensa existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efetuou.
O. A Fazenda identificou na exposição destas alegações a insuficiente e errónea seleção e julgamento da matéria de facto, em cumprimento do disposto no art. 640º do CPC.
P. A Fazenda Pública propugna que devem ser dados como provados os factos supra indicados, em complemento da factualidade assente na sentença recorrida, de conformidade com os poderes que são concedidos a esse Tribunal ad quem pelo art. 662º, nº 1, do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2º do CPPT, por se encontrarem documentalmente demonstrados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa, assim se modificando o segmento relativo a factos provados.
Q. No que concerne à dedução do custo das fatura emitida como relativa a ações de “formação profissional não financiada”, a Impugnante não logrou refutar a deficiente documentação dos custos a que supostamente se referem, designadamente a falta de mapas dos custos incorridos com as ditas ações de formação e de assinatura das folhas de presença por parte dos formadores, bem como da sua completa identificação, a inadequação de várias formações aos seus destinatários, o modo de formação do preço e as incoerências dos custos entre a formação financiada para a formação não financiada, em especial se se tiver presente que a formação financiada é objeto de auditoria.
R. No que concerne à dedução do custo inerente à nota de débito emitida como relativa a “controlo de qualidade”, os indícios da falta de materialidade subjacente da fatura em causa começam, na inverosimilhança dos supostos serviços dessa natureza serem adquiridos a entidades exteriores à empresa, não tendo sido foi exibida qualquer prova do serviço efetuado e da forma como foi executado, bem como do cálculo do preço.
S. No que concerne à dedução do custo com “diagnóstico de investimento”, causa estranheza que na realização do pretenso serviço prestado pela emitente tenha intervindo a mesma pessoa que interveio como formador nas ações de formação profissional não financiadas em relação às quais se recolheram indícios fortes de não ter sido realizadas, onde, tal como na prestadora/emitente, essa pessoa é sócio.
T. O facto de não ter sido apresentado qualquer contrato prévio, estudo concreto ou relatório, no conjunto da restante factualidade indiciária detetada, como o destino dos fluxos financeiros gerados com a movimentação dos cheques que teriam servido ao pagamento do serviço de “diagnóstico de investimento”, concorre para a formação de uma conclusão de falta de materialidade da fatura que titula o custo deduzido.
U. No que concerne à dedução do custo das faturas relativas a compra de “pares de cortes”, o facto de o sujeito passivo conseguir relacionar as matérias-primas supostamente adquiridas com os produtos acabados, sem explicar como foi conseguida nem juntar qualquer outro dado que credibilize essa relação, não aponta, por si só, no sentido da veracidade da transação.
V. Deste modo, a Fazenda Pública entende que a AT preencheu o ónus probatório de demonstrar factos que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitem concluir fundadamente que às faturas em causa não correspondem operações reais.
W. A sentença recorrida, por sua vez, não contrapõe ao discurso fundamentador desenvolvido no RIT uma análise circunstanciada e de conjunto, não procede a uma análise crítica e conjugada dos indícios sérios e credíveis reunidos pela AT em sede de procedimento inspetivo, ficando-se, essencialmente, pela mera negação da sua valia fundamentadora.
No demais,
X. Os custos com comissões de vendas não foram excluídos apenas com base na infração do princípio da especialização dos exercícios: da resposta ao exercício da audição prévia exposta no RIT conclui-se que esses custos foram excluídos também por causa das incongruências do cálculo do valor base e na falta de comprovação do seu pagamento.
Y. No que concerne às correções relativas à reposição de provisões, a sentença não ultrapassa um óbice de relevo: à data da anulação das provisões da dívida da “N/F.” essa mesma dívida já não existia nos registos da impugnante, não estava em nenhuma conta de terceiros, nem, por isso, o risco de incobrabilidade.
Z. Com o movimento respeitante à dívida da “N/F.” a impugnante está a tentar justificar uma saída financeira, sem ter base para o fazer – daí a correção do valor respetivo como proveitos do exercício, cabendo questionar se é normal, quando se anula uma provisão, creditar uma conta 122.
AA. Quanto à anulação das provisões acumuladas relativas à entidade “T.”, a Fazenda Pública insiste na falta de prova documental da origem da dívida e das diligências dirigidas à sua cobrança ou incobrabilidade definitiva, pelo que aceitar a anulação da provisão, sem submeter o valor correspondente ao apuramento do imposto, implicaria permitir uma saída financeira à custa do IRC do ano em que essa movimentação indevida nas contas da impugnante é efetuada.
BB. No que respeita às tributações autónomas, estas foram lançadas com a justificação de que as operações a que respeitavam os cheques elencados para esse efeito a fl.s 88/57 e 84/57 do RIT, por se reputarem inexistentes nos termos já longamente desenvolvidos, tiveram destino desconhecido, e, afinal, estavam associados a despesas confidenciais ou não documentadas, objeto de tributação autónoma, conforme o n°1 do art. 81° do CIRC.
CC. Conclui-se, pois, sempre ressalvado o devido respeito e melhor opinião, que a presente impugnação seja dada por improcedente, por não provada,
DD. ou, sem prescindir nem conceder, por não ser exequível o conhecimento em substituição do tribunal a quo, atenta a falta de elementos necessários, nos termos supra expostos, seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, baixando os autos devem baixar ao tribunal a quo para que se faça a devida análise e exposição da prova produzida, exteriorizando e confrontando depoimentos e documentos para fundadamente ficar os factos pertinentes.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade parcial da sentença, por omissão de pronúncia, e a procedência dos erros de julgamento invocados, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.»
1.2. A Recorrida (J., Ld.ª.), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:
«1. É manifesto que a douta decisão, ao decidir que a AT não cumpriu o ónus que sobre si recaia quanto à existência de facturas de favor relativas a operações inexistentes, uma vez que os factos-índices invocados não estão suportados em dados objectivos ou não são adequados a suportara sua conclusão e ao considerar que não tendo a AT feito a prova que lhe competia, a questão relativa à legalidade da sua actuação, terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em Tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou, se revela certeira.
2. Não há assim, lugar à invocação de qualquer dos fundamentos de recurso invocados pela AT. Sem prescindir,
3. Como supra se alegou em A, não existe qualquer nulidade da douta sentença por omissão de pronuncia, pois que, se por um lado, a recorrente não tem legitimidade para arguir a eventual existência de nulidade por omissão de pronúncia, que não existe, porquanto, quem alegou tal matéria foi a impugnante na sua petição inicial, e como tal a AT não tem interesse em agir (uma vez que o interessado na anulação dos actos é apenas e só, a impugnante), por outro, a douta sentença fundamentou a procedência da impugnação, no facto de a administração tributária não ter cumprido o ónus que sobre si recaía quanto à existência de facturas de favor relativas a operações inexistentes, uma vez que os factos-índices invocados não estão suportados em dados objectivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão, pelo que, não tendo a AT feito a prova que lhe competia, a questão relativa à legalidade da sua actuação, terá de ser resolvida contra ela.
4. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, pronunciou-se, pois, embora indirectamente, sobre todas as questões alegadas e intrinsecamente relacionadas com o incumprimento de tal ónus, que tem obrigatoriamente de ser decidido em desfavor da AT, e mesmo que assim se não entendesse, foi claro ao decidir sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em Tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.
5. Pelo que, não existe a apontada nulidade, não se mostram violadas as normas dos artigos 608º, nº 2 e 615º, nº 1 al. d) do CPC, nem o artigo 125, nº 1 do CPPT.
Por outro lado,
6. É manifesto que o recurso terá de improceder, porque como melhor se explanou em B supra, a recorrente impugna ilegalmente — ou melhor, não impugna validamente –, a decisão sobre a matéria de facto, pelo que esta não poderá alvo de qualquer modificação devendo, ao invés, ser rejeitado o recurso nesta parte, por violação do que dispõe o artigo 640º do CPC.
7. Por outro lado, e conforme melhor se explanou em C, inexiste a pretendida ineptidão da petição inicial, pois que,
8. Para além da petição inicial não padecer, de todo, de ineptidão, a verdade é que, não pode a AT vir, nesta fase, levantar tal nulidade, quando nunca o fez na contestação, nem ao longo de todo o processo.
9. Como se constata da análise do processo, a recorrente nunca, em momento algo dos autos, levantou tal nulidade, pelo que, se outro motivo não houvesse, não o poderia fazer nesta sede.
10. Efectivamente, a p.i. da recorrida, indica os factos que sustentam a sua pretensão, sustentando a sua causa de pedir o respectivo pedido.
11. Diz a recorrente que a alegada falta gera a ineptidão parcial da petição inicial, nos termos do artigo 186º, nº 2 al. a) do CPC, contudo, olvidou a existência do nº 3 dessa norma que estipula que “Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.”
12. In casu, o R., ora recorrente, não arguiu tal alegada nulidade por alegada ineptidão na contestação,
13. E quando apresentou a contestação interpretou convenientemente a petição inicial.
14. Pelo que, se mais não fosse, também por aqui improcedia tal nulidade.
15. Ademais, é manifesto que, conforme se explanou em D supra, o Tribunal analisou criticamente todos os pretensos indícios invocados pela AT, formou livre e certeiramente a sua convicção e julgou, portanto, sem reparo, cada um dos pontos da matéria de facto.
16. Andou, pois, bem o Tribunal ao decidir no sentido de que a AT não apresentou indícios sérios ou aptos a abalar a presunção de veracidade da escrita comercial, previsto no artigo 75º da LGT.
17. É evidente que a AT pretende com o presente recurso que se faça um novo julgamento – ilegal –, substituindo a convicção fundamentada do Tribunal pela convicção daquela.
18. Como se defendeu em E, para alcançar a finalidade da procedência do recurso, a AT não se coíbe de atacar dissimuladamente, através de apreciações próprias da validade dos depoimentos que não foi capaz de impugnar, o princípio da livre apreciação da prova, que o Tribunal fez funcionar de forma devidamente fundamentada e inabalada pela recorrente.
Termos em que V/Exas
Negando provimento ao recurso, farão a costumada
JUSTIÇA.»

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 762 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos:
«I– (…)
II– Parece-nos que o recurso não merece provimento.
Das conclusões das alegações resulta que a recorrente Fazenda Pública imputa à sentença erro na valoração da prova e na aplicação do direito e omissão de pronúncia.
A recorrida apresentou bem fundamentadas contra-alegações, com as quais se concorda.
Refere a douta sentença que a decisão da AT de desconsiderar como custo as comissões de venda alegadamente pagas à empresa S., assentou na alegada violação do princípio da especialização dos exercícios.
O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios impõe, assim, que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado. É uma regra contabilística e um princípio fiscal da tributação do rendimento.
Todavia, ... não põe em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios. Tal postulado é exigido pelo princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 50.º da LGT.”.
Acolhendo esta jurisprudência e na medida em que não resultou demonstrado qualquer prejuízo para a administração fiscal, é de aceitar a imputação das facturas em causa como custo do exercício de 2005.
Conclui, assim, pela ilegalidade da correcção efectuada, sendo, em consequência, de proceder, nesta parte, a Impugnação.
Relativamente à existência de facturas de favor relativas a operações inexistentes, a douta sentença considerou que a Fazenda Pública não cumpriu o ónus que sobre si impendia, uma vez que os factos índice invocados não estão suportados em dados objetivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão.
Quanto à reposição de provisões considerou a sentença que a correcção introduzida pela AT ao resultado líquido do exercício mostra-se ilegal, na medida em que assenta na consideração de proveitos que na realidade não existiram.
Do mesmo modo quanto à tributação autónoma, tendo em conta que as referidas operações foram desconsideradas sem que tivessem sido recolhidos indícios bastantes que apontassem no sentido da sua simulação, tal como decidido supra, cai por terra toda a fundamentação vertida no RIT
*
Na inspeção que efectuou e na análise dos elementos contabilísticos a administração tributária considerou que a impugnante contabilizou pagamentos cujos custos pretendia deduzir, tendo como suporte documentos que não correspondiam a verdadeiras transações comerciais, cfr artº 32 do CIRS e 42, nº1 b) do CIRC.
A liquidação foi efetuada na sequência dessa ação inspetiva, de cujo relatório constam os elementos em que a AT se baseou para calcular a matéria tributável.
Não há dúvidas que a declaração do contribuinte deve ser controlada pela administração tributária, que tem o dever de proceder às correções nela evidenciadas e aferir da sua correspondência à realidade sempre que o contribuinte não forneça os elementos indispensáveis ao controlo da sua situação tributária, e proceder à liquidação oficiosa do imposto devido quando houver discrepâncias que o justifiquem.
Em abono do que foi referido, decidiu o STA nos Acs de 4-05-2005, proferido no Proc n.º 0943/04 e de 07-05-2003, PLENO DA SECÇÃO DO CT e o TCAN, entre outros, no Ac proferido no Proc 01834/04, em 24-01-2008, que transcrevemos:
I - O princípio da legalidade administrativa impõe à AT a prova (e faz recair sobre ela o ónus respectivo) da verificação dos requisitos legais das decisões positivas e desfavoráveis ao destinatário, como sejam a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação (ressalvadas as excepções do art. 100.º, n.º 2, do CPPT), isto quando o acto por ela praticado tem por fundamento a existência do facto tributário e a sua quantificação.
Do exposto, resulta que a declaração do contribuinte goza da presunção da veracidade desde que esteja apresentada nos termos previstos na lei e sejam fornecidos à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária (artigo 75.º, n.º 2, alínea b) da L.G.T.).
Cabe à administração tributária o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar uma determinada operação que se encontre relevada na contabilidade do contribuinte, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso ordenamento jurídico), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente.
A recorrente entende que a impugnante não fez prova, como se lhe impunha, da materialidade das operações, por forma a poder concluir-se que o custo declarado resulta das efetivas operações tituladas pelas facturas em causa.
Em audiência, foram ouvidas as testemunhas indicadas e analisados os documentos juntos.
A nosso ver, é correcto o processo lógico da decisão no sentido de que a recorrente não provou a existência de indícios sérios da falta de verdade das operações em causa.
Da sentença consta, pois, quanto à fundamentação da matéria de facto os meios de prova atendidos, a suas análise crítica, o que esteve na base e sustentou a convicção no sentido da matéria de facto fixada e o direito aplicado.
Pelo exposto, não se verificando erro no julgamento da matéria de facto e no julgamento de direito nem omissão de pronuncia, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso com manutenção da sentença recorrida.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia:
Ø Da ineptidão da petição inicial;
Ø Do erro de julgamento de facto e de direito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«A) Com relevância para a boa decisão da causa, mostram-se PROVADOS os seguintes factos:
1. A Impugnante desenvolve a actividade de fabricação de calçado (CAE 19301).
2. A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva credenciada pela Ordem de Serviço nº OI200603254, de 30.06.2006, emitida pela Sr.ª Chefe de Divisão, M., para os exercícios de 2003, 2004 e períodos 0510, 0511, 0512, 0601 e 0602, com âmbito de IVA – cfr. fls. 157 do PA (reclamação graciosa).
3. Por despacho de 31.01.2007, o Director de Finanças Adjunto dispensou a notificação do início do procedimento inspectivo, ao abrigo do artigo 50º do RCPIT, com fundamento nos seguintes indícios: “SUJEITO PASSIVO COM INDÍCIOS DA PRÁTICA DE FRAUDE EM “CARROSSEL”. ACÇÃO INSPECTIVA A DESENVOLVER CONJUNTAMENTE COM (...). ATENÇÃO: PARA ESTE SUJEITO PASSIVO FOI SOLICITADA ACÇÃO INSPECTIVA PARA INFORMAÇÃO DOS REEMBOLSOS REFERENTES AOS PERÍODOS: 0510, 0511, 0601 E 0602 (PROPOSTA EM ANEXO), PORQUANTO SE EMITE UMA SÓ ORDEM DE SERVIÇO, COM EXTENSÃO A 2005 E 2006” – cfr. fls. 158 do PA (reclamação graciosa).
4. A Impugnante tomou conhecimento da referida Ordem de Serviço em 13.02.2007 – cfr. fls. 157 do PA (reclamação graciosa).
5. Em 14.06.2007 foi elaborada proposta de alteração da extensão e âmbito da inspecção, no sentido da mesma englobar os períodos de tributação de 2003, 2004, 2005 e 2006, abrangendo o IVA e o IRC, por se ter verificado “no decorrer da acção inspectiva necessidade de introduzir correcções em sede de IVA e IRC nos exercícios de 2003, 2004, 2005 e 2006” – cfr. fls. 155 do PA (reclamação graciosa).
6. Tal proposta, acompanhada de parecer confirmativo, veio a merecer despacho de concordância, datado de 14.06.2007, da Exma. Sr.ª Chefe de Divisão, M. – cfr. fls. 155 do PA (reclamação graciosa).
7. Em 21.06.2007, foi prestada a seguinte informação no procedimento inspectivo:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[cfr. fls. 165 do PA].
8. Sobre esta informação a Sr.ª Chefe de Divisão, M., proferiu o seguinte despacho, datado de 26.06.2007: “Face ao exposto, concordo com a ampliação do prazo do procedimento inspectivo pelo período de três meses, uma vez que se verificam as circunstâncias elencadas no artigo 36º, nº 3 a) do RCPIT” – cfr. fls. 165 do PA (reclamação graciosa).
9. A Impugnante foi notificada da alteração do âmbito da acção inspectiva, em 20.06.2007, nos termos constantes de fls. 154 do PA (reclamação graciosa).
10. Em 22.10.2007, a Impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção tributária, que incluía o parecer da chefe de equipa, M. – cfr. fls. 202 e ss. do PA (reclamação graciosa).
11. Através de ofício remetido via postal em 09.11.2007, foi a Impugnante notificada do relatório final, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, atenta a extensão do mesmo – cfr. fls. 31 e ss. do PA (reclamação graciosa).
12. Na sequência das conclusões da inspecção, foi emitida a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios nº 2008 8310000941, constante de fls. 67 do PA (77 fls.), no montante global de €251.886,80.
13. Em 23.07.2008, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a referida liquidação, que veio a ser indeferida por despacho de 06.04.2009 – cfr. fls. 2 e ss. e fls. 301/302 do PA (reclamação graciosa).
Mais se provou que:
14. O valor/hora facturado na formação financiada ascendia a €70,45 (com exclusão do IVA), correspondendo o valor de €28,93/hora apenas à remuneração do formador - cfr. fls. 251 dos autos.
15. Alguns cursos de formação eram ministrados durante o horário de trabalho, sendo frequentados à vez pelos trabalhadores.
16. Os “pares de cortes” comprados à T., a que se referem as facturas 5026 de 24.03.2005 e 5027, de 31.03.2005, incluíam a matéria-prima (pele) – cfr. facturas de fls. 164 e 165 dos autos.
A prova dos factos descritos nos pontos 14. a 16. resultou da conjugação dos documentos referidos a seguir a cada um dos factos com os depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante e ouvidas em audiência contraditória. Assim, P., sócio-gerente das empresas P., C., T. e M. demonstrou profundos conhecimentos quanto às transacções subjacentes às facturas emitidas por estas entidades. O seu depoimento mostrou-se coerente e assertivo, designadamente quanto à factualidade descrita sob o nº 14, o que levou o Tribunal a formar a sua convicção assente no mesmo.
Por seu lado, as testemunhas F., modelador de calçado, M., escriturária (área da exportação), M., modelador de calçado, A., escriturário na área da contabilidade, A., consultora na área da contabilidade, G., técnica oficial de contas e M., escriturária (área da facturação), todos eles trabalhadores da Impugnante ou funcionários de empresas que prestaram serviços à Impugnante, depuseram de forma assertiva, revelando um elevado grau de conhecimento sobre as questões que lhe foram colocadas, sem hesitações que fizessem o Tribunal duvidar da consistência das suas declarações.
Saliente-se que as facturas da T. aludem a “pares de cortes” e não à prestação de serviços de corte, tendo a testemunha M. afirmado, de forma convicta, que as compras à T. envolviam a matéria-prima.
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Inexiste qualquer factualidade que, relevando para o exame e decisão da causa, tenha sido julgada como não provada.
C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, e, bem assim, do depoimento das testemunhas ouvidas, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.»
2.1.2 – Aditamento oficioso de matéria de facto provada
Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC (ex vi, artigo 281.º do CPPT), adita-se, ainda, a seguinte matéria de facto que igualmente se mostra provada e, que concretiza o item 11. da matéria de facto assente, fundamentação constante do RIT composto por 57 páginas, relevante ao IRC de 2005:
17. A atividade exercida respeita à fabricação de calçado quer diretamente quer recorrendo a subcontratação, por duas formas: - Vendendo/cedendo as matérias-primas e adquirindo produtos acabados, sendo que as vendas de matérias-primas são contabilizadas a crédito da respetiva conta de existências e o IVA liquidado é contabilizado na conta de “Regularizações a favor do Estado”; - Subcontratando serviços de corte, costura, montagem e acabamento;
Pela análise dos documentos contabilizados a maioria das aquisições de existências e de outros bens e serviços são efetuados no mercado nacional, sendo as vendas dos produtos acabados efetuados maioritariamente no mercado comunitário, razão pela qual se encontra em permanente crédito de IVA. Salienta-se ainda a situação de dependência do cliente “S. BV, para quem se destinou a maioria das vendas em 2003, 2004, 2005 e 2006 (fls. 2 e 3 do relatório inspetivo);
18. Conforme exposto e concluído no ponto 1.1) do capitulo III do RIT, referente às correcções meramente aritméticas à matéria tributável (descrição dos factos e fundamentos das correcções, Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2005) em sede de “Comissões de venda” consta que a (…) “Contabilização de custos em 2005 relativos a 2003; As facturas identificadas como base de cálculo das comissões e emitidas em 2003 totalizam 51.250,00 €, sendo mencionado na factura n.º 3829 emitida pela “S.” a comissão de 5.328,36 €, situação que implica uma comissão de 10,40% (5.328,36 € / 51.250,00 € x 100), ou seja, diferente dos 9% praticados no exercício de 2003. O documento de pagamento das comissões à “S.”, contabilizado em 2005, no total de 6.875,33 €, é o documento interno n.º 5181 de Dezembro/2005, com o lançamento contabilístico (267008/122), não estando este movimento registado no extracto bancário do Banco Espírito Santo.
Assim, não será aceite como custo do exercício de 2005, o valor de 5.328,36 €, face às incongruências detectadas quer ao nível do próprio calculo da comissão quer ao nível do movimento financeiro de pagamento desse valor o que conjugado com o facto de, sendo esse custo calculado em função de vendas ocorridas em 2003, reunia todas as condições para ter sido reconhecido no próprio exercício.”
19. Conforme exposto e concluído no ponto 1.2) do capitulo III do RIT, em sede de “Custos não aceites nos termos do art. 23º do CIRC.” consta que Da análise documental efectuada, foram seleccionadas, em função do valor e da natureza dos bens e serviços nelas descritos, as facturas a seguir identificadas, sendo que algumas das quais tinham já sido referenciadas aquando da análise interna dos reembolsos do IVA bem como em acções levadas a efeito aos respectivos fornecedores:
(dá-se aqui por reproduzido o quadro constante de fls. 5/50 e 6/50 do RIT)
Decorrente do princípio do inquisitório e no sentido da descoberta da verdade material, previsto no artº 58º da Lei Geral Tributária (LGT), foi o sujeito passivo notificado em 20/06/2007, na pessoa do sócio gerente J., contribuinte n.º (…), para prestar esclarecimentos por escrito e apresentar documentos justificativos das operações descritas nas facturas atrás referidas. No mesmo âmbito e com o mesmo objectivo foi derrogado o sigilo bancário, mediante autorização concedida pelo sócio gerente da empresa, com o objectivo de acedermos aos meios financeiros utilizados para pagamento das facturas em causa.
Em função dos elementos disponíveis e das justificações apresentadas, passamos a analisar e enquadrar, na óptica da tributação, cada uma das operações, agrupadas em função da natureza dos bens ou serviços em causa:
1.2.1) – Formação Profissional
Sendo que nos anos de 2004 e 2005 a empresa contabilizou elevados montantes relativos a formação profissional não financiada, e considerando que no ano de 2003 e 2005, existem também acções de formação financiadas, na notificação efectuada foi solicitado:
Ø Identificação dos formandos e formadores;
Ø Indicação dos períodos em que decorreram as acções de formação dos diversos cursos referidos nas citadas facturas;
Ø Apresentação dos mapas dos custos suportados nos diversos cursos indicados nas facturas e folhas de presenças assinadas pelos formandos e formadores;
Ø Justificação do motivo do preço hora indicado nas facturas relativas a formação não financiada ser superior aos preços indicados nas facturas relativas à formação financiada (facturas n.º 74 de 30/11/2005 e n.º 95 de 30/12/2005), todas elas emitidas pela mesma empresa “P., Lda”, contribuinte n.º (...);
Na resposta ao solicitado o sujeito passivo coloca à disposição «... dossiers para que possam analisar, donde consta toda a informação relevante solicitada...».
Analisados os referidos dossiers, verificamos o seguinte:
(dá-se aqui por reproduzido os quadros constantes de fls. 7 e 8 do RIT)
Dos quadros anteriores verifica-se que do total de trabalhadores (média de 54 em 2004 e 53 em 2005) foram alvo de acções de formação, para além dos sócios gerentes, cerca de 13 trabalhadores, os quais se encontram referenciados em vários cursos com conteúdo igual ou similar e em anos consecutivos, conforme passamos a evidenciar:
(dá-se aqui por reproduzido os quadros constantes de fls. 9 do RIT)
Verificamos também que nos cursos não financiados, contrariamente ao que se verifica nos financiados, existe alguma incoerência entre as matérias versadas nas acções e as categorias dos trabalhadores referenciados como tendo participado nas mesmas, nomeadamente:
(dá-se aqui por reproduzido os quadros constantes de fls. 10 do RIT)
Não deixa também de causar alguma estranheza, dado que os formadores são remunerados por hora de formação ministrada, que haja acções iguais em períodos diferentes dirigidas apenas a grupos de três ou cinco formandos. De facto, incorrendo a empresa no mesmo custo, poderia ter valorizado profissionalmente mais trabalhadores.
Por outro lado, nas pastas que nos foram colocadas à disposição não constam mapas dos custos das formações não financiadas, contrariamente à formação financiada nos exercícios de 2003 e 2005, cujos mapas foram apresentados.
No que se refere às folhas de presença, estas foram apresentadas, estando rubricadas pelos formandos, o mesmo não acontecendo relativamente aos formadores, os quais não estão devidamente identificados, sendo apenas mencionados dois nomes, conforme consta dos quadros anteriores.
Relativamente à diferença de preços facturados no caso de formação financiada e não financiada, vem o contribuinte alegar que:
«... Os preços facturados foram negociados com a P. e são preços inferiores aos que se praticam no mercado, por isso os contratei. ...não tem nada a ver a formação financiada com a não financiada...os preços de mercado naquele momento, foram os praticados, atendendo à formação concreta ministrada ... não faz sentido querer criar uma relação entre o ano de 2004 e a formação financiada em 2005...»
Ora, considerando a diferença de preços em análise, 28,93E/hora no caso da formação financiada e 70,00€/hora na formação não financiada, e tendo em conta que a formação financiada é objecto de auditoria por parte da entidade responsável pela atribuição dos subsídios, os preços deste tipo de formação serão aqueles que se praticam no mercado, contrariando assim a alegação do contribuinte de que os preços acordados se apresentam inferiores aos praticados no mercado.
Por outro lado, não parece coerente que a mesma empresa fornecedora deste tipo de serviços pratique preços tão díspares em função da formação ser ou não ser financiada, porquanto esse financiamento não se traduz num benefício directo para os formadores mas sim para a empresa que promove a formação.
Os meios financeiros utilizados para pagamento das facturas relativas à formação não financiada foram os seguintes:
(dá-se aqui por reproduzido os quadros constantes de fls. 11 do RIT)
Do quadro anterior destaca-se o facto dos dois últimos cheques terem sido levantados por P., verificando-se na contabilidade da “C.”, conforme diligência efectuada àquela, que o cheque n.º 7289558.6 no valor de 9.270,00 € não foi contabilizado, ou seja, o dinheiro não entrou na empresa emitente da factura n.º 87.
1.2.2) -Controle de Qualidade
Relativamente aos documentos contabilizados com a descrição de “Serviços prestados no controle de qualidade de peles” (Factura n.º 116 de 31/12/2004 e Nota Débito nº9/05 de 30/08/2005), foi o sujeito passivo notificado para:
Identificar os técnicos responsáveis pelo controle de qualidade na compra de peles;
Apresentar documentos/papeis/relatórios que evidenciem o trabalho efectuado e os resultados desse controle;
Justificar e indicar os motivos de recorrer a entidades exteriores à própria empresa, nomeadamente “P. , Lda” uma empresa cuja actividade é a formação profissional, e “B., Lda” um fornecedor de peles da empresa, para a realização de serviços de controle de qualidade de peles;
Justificar, com apresentação de documentos, os valores facturados;
Justificar a necessidade do controle de qualidade para compra de peles no estrangeiro, para a indispensável realização de proveitos ou ganhos;
Factura n.º 116 de 31/12/2004
Em resposta ao solicitado o sujeito passivo indica como técnicos responsáveis pelo controle facturado através da factura nº 116 emitida pela “P. , Lda”, o Dr. P. e Eng.º J..
Sendo que, de acordo com os quadros constantes do ponto anterior, em que se analisaram as acções de formação, estes senhores estão referenciados como formadores na área de gestão e informática, respectivamente, não se vislumbra o conhecimento necessário a um controle de qualidade de peles. De referir ainda que o Dr. P. é simultaneamente sócio da empresa P..
Relativamente à determinação do valor facturado, veio apresentar contrato donde consta a taxa de 10 %, a qual, segundo refere, inclui todas as operações de controle, toda a logística exigível, etc. Apresentou também cópias de facturas relativas a aquisições de peles efectuadas ao Brasil em 2003 e 2004, como forma de justificar o valor base sobre que incidiu a taxa dos 10%, ou seja, um total de 418.410,74 €. Contudo, não se consegue estabelecer uma relação entre as facturas e a relação apresentada que totaliza os 418.410,74 €. Destaca-se ainda o facto da Cláusula I do citado contrato referir que o controle de qualidade das peles incide sobre as adquiridas ao Brasil em 2004, contrariamente à resposta dada pelo sujeito passivo em que considera na sua relação facturas de 2003.
Relativamente ao pagamento da factura n.º 116, no montante de 49.790,87€, emitida em 31/12/2004, pela “P. , Lda., verifica-se a contabilização de uma transferência bancária no valor de 11.000,00 € datada de 08/11/2005 (documento interno n.º 5160 de 31/12/2005) que, conforme contabilidade, seria para pagamento parcial da factura. No entanto, a conta de destino dessa transferência – n.º ….do B…. – não pertence à “P. , Lda”.
Salienta-se ainda o facto dos cheques n.º …. e …, ambos no valor de 19.395,00 € cada, que conforme contabilidade terão sido emitidos para pagamento desta factura, o primeiro foi depositado na conta da CCA..n.º (...), pertencente à “T., Lda”, contribuinte n.º (…), e o segundo levantado pelo titular da conta do B…. n.º (…), em 14/09/2006 e 11/10/2006, respectivamente, ou seja, quase dois anos após a emissão da factura, o que não dá garantias de que esses meios financeiros tenham sido para pagamento da referida factura.
Na “P. , Lda” os referidos dois cheques no valor de € 19.395,00 cada, não foram contabilizados, conforme diligência efectuada em 12/10/2007.
De referir ainda que tratando-se de serviços alegadamente prestados de uma forma continuada ao longo do ano, não parece razoável a emissão de uma única factura em 31/12/2004 e que o pagamento tenha ocorrido com o desfasamento evidenciado na contabilidade e nos documentos referenciados como suporte.
Nota Débito nº9105 de 30/08/2005
Em resposta ao solicitado o sujeito passivo indica como técnico responsável pelo controle facturado através da Nota Débito nº 9/05, emitida peia empresa “B., Lda”, contribuinte n.º (…), a Dr.ª F., não se considerando, portanto, devidamente identificada quer em termos pessoais quer em termos profissionais, de forma a formar opinião sobre a aptidão para as tarefas em causa.
Salienta-se ainda o facto da “B., Lda” ser um fornecedor de peles da empresa em análise, ou seja, a empresa recorre ao próprio fornecedor de peles para testar a qualidade das mesmas. A este respeito o sujeito passivo refere que «... recorremos àquela empresa por naquele momento entendermos ser a indicada para o efeito...».
Não apresentou, nem fez qualquer referência a qualquer Contrato.
Relativamente à determinação dos 11.435,00 € indicados na nota de débito, o sujeito passivo nada diz.
Relativamente a ambos os documentos em análise, não foi apresentado qualquer documento que evidencie o trabalho alegadamente efectuado nem conclusões e propostas sobre o mesmo, situação no mínimo estranha, tendo em conta o valor facturado, a necessidade de troca de informação com as empresas fornecedoras das peles, no sentido de as mesmas eventualmente aperfeiçoarem a referida qualidade das peles. Alega o sujeito passivo que o «...controlo de qualidade das peles faz--se com conhecimentos efectivos e in loco e não através de papéis ou relatórios...a pele boa aceita-se, a má rejeita-se...».
Ora, parece-nos que a empresa em análise, com a experiência alcançada ao longo dos anos, tem nos seus quadros, técnicos com capacidade suficiente para determinar que «...a pele boa aceita-se, a má rejeita-se...», não necessitando de recorrer a serviços externos, incluindo o do próprio fornecedor.
No que respeita à necessidade do controle de qualidade na compra de peles no estrangeiro, o sujeito passivo afirma que «... a relevância do controle de peles é obviamente a vontade de querer que os produtos no final sigam para os clientes em óptimas condições. As devoluções que tivemos durante o ano de 2004 não tiveram como justificação a falta de qualidade nas peles...» Além da resposta ser vaga, não foram apresentados elementos concretos que provem que este custo é indispensável para a realização de proveitos ou ganhos, destacando-se ainda o facto das devoluções dos sapatos vendidos em 2004 ser significativa, apesar do sujeito passivo alegar que tal facto não se deve à qualidade das peles.
O meio financeiro utilizado foi o seguinte:
(dá-se aqui por reproduzido o quadro constante de 14 do RIT)
Do quadro anterior destaca-se o desfasamento temporal entre a emissão da Nota de Débito e o seu pagamento, ou seja, quase quatro meses para efectuar o pagamento, situação diferente das restantes facturas emitidas pela “B., Lda”, que conforme contabilidade o período de pagamento foi de 1 a 2 meses.
1.2.3) – Serviços de Diagnóstico de Investimento e Organizacional
Relativamente aos serviços de “Diagnóstico de Investimento “e “Diagnóstico Organizacional” descritos nas factura n.º 536 de 15/11/2004 e nº 174 de 30/04/2005, ambas emitidas pela “C., Lda”, contribuinte n.º (…), foi o sujeito passivo notificado para:
Ø Identificar os técnicos responsáveis pelos diagnósticos e estudos referidos nas facturas;
Ø Apresentar documentos/papeis/relatórios que evidenciem o trabalho efectuado e conclusões dos mesmos;
Ø Apresentar cópia do Contrato estabelecido entre as partes;
Ø Justificar a necessidade dos diagnósticos e estudos, para a indispensável realização de proveitos ou ganhos.
Em resposta ao solicitado o sujeito passivo indica como técnico responsável o Dr. P. no caso do “Diagnóstico de Investimento” descrito na factura n.º 536 de 15/11/2004 e os técnicos responsáveis pelo “Diagnóstico Organizacional” descrito na factura nº 174 de 30/04/2005, o Dr. P., Dr. A. e Dra. T..
Mais uma vez, além de os técnicos não serem devidamente identificados, aparece referenciado como interveniente nas operações o Dr. P. que é simultaneamente sócio da empresa emitente dos documentos.
Relativamente aos documentos de evidência do s trabalhos facturados, o sujeito passivo colocou à disposição aquilo a que denomina «...projecto de investimento...» como forma de justificar o serviço da factura 536 de 2004, não tendo apresentado quaisquer evidências do serviço da factura 174 de 2005, o que não parece razoável uma vez que a própria factura fala em “Definição do Programa de Acção”, o que de acordo com a própria definição de programa, implica determinar tarefas, objectivos e datas de realização.
Da análise do referido “projecto de investimento” verificamos que o mesmo não estava assinado nem rubricado, pelo que não está identificado o seu autor. Não faz qualquer referência a quem foi apresentado, nem os objectivos pretendidos.
Questionado o responsável da empresa (sócio gerente) acerca dos objectivos daquele “projecto de investimento”, a quem foi apresentado, os resultados obtidos da sua elaboração, este mostrou total desconhecimento, delegando em P. a responsabilidade em esclarecer o assunto. Salienta-se ainda o facto de nos anos seguintes não terem sido efectuados investimentos significativos nem ter sido recebido qualquer subsídio para investimento, resultante daquele alegado “projecto de investimento”, ou seja, foi suportado um custo no valor de 67.000,00 €, que considerando 3% do valor a investir (taxa normal de mercado após aprovação do investimento), resultaria num investimento de 2.233.333,33 € (67.000,00 € / 3%), situação que não se verificou, declarando suportar um custo de 67.000,00 € por um projecto sem resultados.
No que respeita aos contratos solicitados, não foram apresentados nem foi feita qualquer referência na resposta à nossa notificação, o que não se apresenta consistente com o que acontece em situações análogas a que normalmente temos acesso. De facto, é normal a existência de contratos onde são estipulados os prazos e montantes a liquidar, os quais acompanham as várias etapas deste tipo de projectos: adiantamento inicial; uma prestação quando o projecto é apresentado; outra quando é aprovado, prolongando-se muitas vezes durante a vida do próprio projecto para que execução do mesmo seja devidamente acompanhada.
As justificações apresentadas para a necessidade deste tipo de custos, são justificações teóricas genéricas conforme passamos a transcrever:
«... a necessidade de diagnóstico e estudo, foi uma decisão comercial e não financeira. As suas repercussões como sobredito, podem não ser as desejadas. Felizmente a empresa não perdeu com ele mas efectuou com o sentido nos ganhos de médio e longo prazo e não tem dúvidas da sua utilidade...»,
«...necessidade do diagnóstico organizacional foi mais uma vez decisão comercial de investimento com vista à melhoria dos fluxos internos e externos, ao nível organizacional e comercial, procurando melhorar toda a performance desta e obter ganhos de competitividade no médio e longo prazo: investimento e não despesa pura...».
Os meios financeiros utilizados para pagamento das facturas relativas aos serviços de diagnóstico de investimento e organizacional, foram os seguintes:
(dá-se aqui por reproduzido o quadro constante de 16 do RIT)
Do quadro anterior destaca-se o facto de todos os cheques, após endosso pela empresa, terem sido levantados pelo sócio gerente P. o qual utilizou para esse efeito uma conta particular do B…, sendo os recebimentos contabilizados através da conta caixa, à excepção do último cheque referido que, de acordo com os elementos contabilísticos da empresa “C.”, a que tivemos acesso, não foi contabilizado.
(…)
1.2.7) – Pares de Gáspeas/ Pares de Cortes
Relativamente às facturas n.º 4066 de 29/10/2004 e nº 4071 de 16/11/2004, relativas a “Pares de Gáspeas” e facturas n.º 5026 de 24/03/2005 e nº 5027 de 31/03/2005, relativas a “Pares de Cortes”, todas elas emitidas pela “T. , Lda”, contribuinte n.º (…), foi o sujeito passivo notificado para:
Ø Apresentar fichas de produção comprovativas da utilização das matérias-primas indicadas;
Ø Motivo(s) de ter recorrido a este fornecedor sendo que normalmente recorre a outros na compra deste tipo de bens/serviços;
Ø Indicar o(s) motivo(s) dos preços unitários dos pares das gáspeas e dos pares de cortes serem elevados comparativamente com os praticados pelos fornecedores que normalmente fornecem este tipo de bens/ serviços.
Respondendo às questões colocadas, o sujeito passivo não apresentou as fichas de produção comprovativas da utilização daquelas matérias-primas, mas anexou as facturas de venda 04¬2535, 04-2536 e 04-2547 afirmando serem «...as facturas que incluem os sapatos que foram produzidos com os materiais adquiridos à T....», o que mais uma vez não parece coerente.
Indica como motivo da contratação do fornecedor bem como dos elevados pregos unitários, a qualidade das peles e a forragem em pele das gáspeas, referindo que «...os motivos que levaram contratar este fornecedor são de que as gáspeas tinham melhor pele e forros em pele... o que fez com que tivéssemos que pagar mais pelas gáspeas...».
Este argumento não tem consistência quando, considerando que as gáspeas são apenas uma das componentes do sapato, comparamos os preços pagos pelas referidas gáspeas (11,50 € e 12,50 € por par) com os preços de venda dos produtos alegadamente facturados através das facturas atrás referidas (14,50 €e 16,00 €o par).
No que respeita ao serviço de Corte vem referir que «...Não se trata do preço do serviço de corte ..., mas sim dos cortes com inclusão das matérias-primas...», não fazendo referência sequer ao facto de outros fornecedores que normalmente prestam este tipo de serviço, o fazerem a preços bem mais baixos.
Considerando que não é normal este tipo de serviço incluir as matérias-primas, conjugado com o facto de na descrição das facturas referir apenas “pares de cortes” tal e qual como os restantes fornecedores descriminam, fica por justificar a diferença de preços que relativamente aos ditos fornecedores habituais e com respeito à mesma referência (K1484) ronda os 4,61€ e neste caso foi de 8,25€.
Por outro lado, a empresa “T.” foi objecto de uma acção de consulta e recolha de elementos tendo-se apurado que:
- Não obstante os sócios serem M., contribuinte n.º (…), e M. (gerente), contribuinte n.º (…), a informação recolhida em acções inspectivas anteriores refere que a gerência de facto da sociedade era exercida por E., contribuinte n.º (…), sócio gerente da “P., Lda”;
- A empresa foi decretada insolvente pelo Tribunal Judicial de Guimarães em 06/10/2005, tendo como fundamento para a sentença proferida, a fuga do titular da empresa, dos administradores, ou o abandono do local em que a mesma tinha a sua sede e exercia a sua actividade (Rua (…));
- O processo de insolvência foi requerido pelo credor “T., Lda”;
- As declarações periódicas de rendimentos (MOD 22) de 2004 e 2005 não foram entregues, apresentando apenas o anexo J das declarações anuais relativas àqueles exercícios.
- Até à presente data, a contabilidade da empresa, relativamente aos exercícios de 2004 e 2005, não foi encerrada;
- Os inventários finais de existências relativos a 2003, 2004 e 2005 não foram apresentados;
- A base tributável das declarações periódicas do IVA, relativas aos períodos em que foram emitidas as facturas para “J., Lda”, comporta o valor das mesmas;
- Estão contabilizadas as facturas n.º 4004 de 29/10/2004 no valor total de 136.251.32 € e nº 4008 de 31/12/2004 no valor total de 50.168,01 €, ambas emitidas pela “P., Lda”, sendo o descritivo das mesmas relativo a venda de peles.
Contudo, de acordo com a já referida acção levada a efeito à empresa “P.”, as referidas facturas não foram registadas na contabilidade desta empresa emitente, tendo-se concluído, através da análise efectuada à contabilidade, que a “P.” não tinha peles e gáspeas que permitissem a venda das quantidades mencionadas nas facturas contabilizadas, muito menos naquelas que não foram objecto de contabilização que é o caso das já referidas facturas nº 4004 e 4008 emitidas para a T., o que conjugado com o facto de a gerência das duas empresas ser comum, faz pressupor uma operação tipo “carrossel”.
Relativamente aos meios financeiros utilizados para pagamento das facturas em análise, verificamos que foram emitidos sobre o BES:
- Os cheques n.º …..no valor de 21.000,00 €, n.º …. no valor de 20.000,00 € e n.º …. no valor de 25.347,00 €, para pagamento das facturas n.º 4066 de 29/10/2004 e nº 4071 de 16/11/2004;
- Os cheques n.º…. no valor de 19.264,00 E, n.º … no valor de 19.264,00 € e n.º … no valor de 19.264,00 €, para pagamento das facturas 5026 de 24/03/2005 e nº 5027 de 31/03/2005.
Tendo sido solicitado ao B…., mediante autorização do sócio gerente da empresa, cópia frente e verso, após desconto bancário, dos referidos cheques, verificou-se que os mesmos foram levantados pelo titular da conta do B… n.º (…), (facturas de 2004) e pelos titulares das contas do B….n.º (…) e n.º (…) (facturas de 2005), ou seja, contas diferentes das pertencentes à empresa “T. , Lda”, conforme foi apurado na sua contabilidade e que são:
(…) do Finibanco,
(…) do Crédito Predial Português e,
(…) do Banco Português do Investimento.
Assim, os cheques alegadamente emitidos para pagamento das facturas não foram depositados em nenhuma conta pertença da “T.”, não sendo, portanto, provado o seu recebimento.
1.2.8) – Reintegrações e Amortizações
As facturas contabilizadas no exercício de 2004 nas contas de imobilizado, originaram reintegrações e amortizações contabilizadas nos exercícios de 2004, 2005 e 2006, conforme quadro seguinte:
(constante de fls. 26 do RIT que aqui se dá por reproduzido)
1.2.9) – Caracterização das empresas envolvidas e relações entre elas
(…) Da simples análise comparada evidenciam-se alguns dados relevantes, nomeadamente ao nível das pessoas responsáveis pela gestão / contabilidade das empresas, nomeadamente P., contribuinte n.º (…), que à excepção da “T.”, tem intervenção directa em todas as empresas atrás descritas bem como na empresa aqui em análise e objecto da nossa acção, relativamente à qual é, e foi nos anos em análise, o TOC responsável pela contabilidade e pela apresentação das declarações fiscais.
De realçar também o incumprimento, nomeadamente os pagamentos em falta de IVA, como factor comum a todas elas.”
20. Sob o ponto 1.2.10) de epigrafe Conclusão! Resumo das Correcções em sede de IRC consta: “Conclusão
Em jeito de conclusão podemos sintetizar o enquadramento das situações descritas em duas vertentes:
O enquadramento económico das operações;
O enquadramento tributário dos custos associados a essas operações.
Em termos económicos e de gestão propriamente dita, consideramos não terem ficado demonstrados, quer pelos próprios documentos quer pelas evidências e esclarecimentos, ou falta deles, carreados pelo sujeito passivo no âmbito deste procedimento inspectivo, os efeitos alegadamente pretendidos e expectáveis ao nível da produtividade e rentabilidade económica e financeira da empresa.
Ao nível tributário consideramos também não ter sido comprovadamente demonstrada a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a IRC ou para a manutenção da fonte produtora, dos custos associados a estas operações económicas, contrariando assim o disposto no artigo 23º do Código do IRC, havendo inclusive indícios que permitem questionar a própria ocorrência dessas operações.
Esta nossa convicção resulta, conforme análise efectuada e exposta nos pontos anteriores das várias incongruências verificadas e que passamos a resumir:
Ausência de descriminação e quantificação dos serviços referidos nas facturas;
Inconsistência verificada nas evidências extra-contabilísticas, quando apresentadas;
Valores exageradamente elevados face à dimensão da empresa e àquilo que é normal no sector de actividade em que a mesma se insere;
Concentração em termos de datas de emissão deste tipo de facturas (de 29/10 a 31/12 de 2004 e 28/02 a 30/04 de 2005);
Procedimentos anormais e diferentes daquilo que seria expectável ao nível da movimentação dos meios financeiros envolvidos nestas operações;
Promiscuidade verificada ao nível das várias empresas envolvidas que apresentam como elo de ligação o P. cuja intervenção é evidenciada a vários níveis:
Sócio / sócio gerente
Toc
Técnico responsável pela formação
Técnico responsável pelos serviços de diagnóstico de investimento e organizacional
Técnico responsável pelo estudo de imagem de marca
Técnico responsável pelo controle de qualidade de peles
Técnico destacado para presença em feiras
Técnico de consultadoria para o desenvolvimento de colecções
Responsável pela movimentação financeira de todas as empresas.
Inconsistência entre a actividade desenvolvida e os serviços descritos nas facturas;
Ausência de evidências de resultados concretos decorrentes da utilização dos serviços descritos nas facturas;
Recurso a empresas fornecedoras de existências relativamente às quais foi apurada ausência de capacidade para esses fornecimentos, quer por inactividade quer por recurso a aquisições falsas.
Pelo que, concluímos estar perante a emissão de facturas de favor relativas a operações inexistentes, com o objectivo de permitir obter vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem uma diminuição do lucro tributável com a consequente diminuição das receitas tributárias ao nível do IRC do sujeito passivo “J. , Lda”, situação prevista e penalizada nos termos do artigo 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).”
21. Prosseguindo o relatório na fundamentação e correcções efectuadas sob o ponto 1.4) – “Reposição de Provisões” no que se refere ao ano de 2005 temos que1.4.1) – Anulação da provisão acumulada da “N/ F.”
A conta “2812202 N/ F.” a ser debitada tem de haver redução de provisões “7962 Reduções de Provisões” e nunca a contrapartida ser uma subconta de Depósitos à Ordem e, dado o facto da dívida nem sequer existir em nenhuma conta de Terceiros, significa que à data a referida dívida é inexistente, logo a incobrabilidade da mesma não existe.
Assim, verifica-se a não contabilização de proveitos no valor de 40.604,64 €.
1.4.2) – Anulação da provisão acumulada da “T.”
O sujeito passivo foi notificado em 20/06/2007, na pessoa do sócio gerente, para prestar esclarecimentos por escrito e apresentar documentos justificativos da anulação da provisão no valor de 22.815,19 €, nomeadamente:
Ø Identificar documentos que originaram a dívida no valor total de 22.815,19 €;
Ø Apresentar cópia de documentos que provem tratar-se de uma dívida incobrável.
No dia 23/07/2007 respondeu à citada notificação, tendo informado que a «...provisão foi constituída em 1996, como já não existe a empresa decidimos anular o cliente, uma vez que já se passaram mais de quatro anos após a constituição da provisão. A empresa não existe, a dívida não é da responsabilidade pessoal dos gerentes ou sócios, logo é incobrável o crédito...», anexando apenas os extractos das contas “2112038 T.” de 1996 e “21812401 T.” de 2000 e 2005, não identificando o(s) documento(s) que originaram a dívida, as diligências efectuadas para a receber, nem fez qualquer prova da sua incobrabilidade
Assim, considerando que a anulação de uma provisão constituída, implica a contabilização do respectivo proveito por via da conta “7962 Reduções de Provisões”, e uma vez que não foi identificada a origem da dívida nem feita prova da sua incobrabilidade, falta reduções de provisões no valor de 22.815,19 €.
1.4.3) - Resumo
Não foram contabilizados no ano de 2005 proveitos associados a redução de provisões num total de 63.419,83 € (40.604,64 € + 22.815,19 €).
22.No que tange à Tributação Autónoma, consta do RIT, sob o ponto “1.5) – Tributação Autónoma
1.5.1) Cheques emitidos cujo destino é desconhecido
Através dos extractos bancários, verificou-se que foram levantados cheques nos exercícios de 2003, 2004 e 2005, que conforme contabilidade se destinavam ao reforço do “Caixa”.
Tendo sido solicitado ao BES e ao BTA cópia frente e verso após desconto bancário, verificou-se que os cheques descritos nos quadros anteriores foram depositados no Montepio Geral, Caixa Agrícola e BANIF, pelo que o seu destino não foi o “caixa”, mas sim uma saída financeira da empresa, cujo destino é desconhecido, tratando-se de uma despesa não documentada.
Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 81º do Código do IRC tais despesas não documentadas são tributadas autonomamente à taxa de 50 %, pelo que o valor da correcção da tributação autónoma é de:
12.250,00 € (24.500,00 € x 50%), em 2003.
14.832,54 € (29.665,08 € x 50%), em 2004.
1.025,00 € (2.050,00 € x 50%), em 2005.
1.5.2) Cheques emitidos relativos a operações inexistentes
As operações mencionadas nas facturas emitidas a favor de “J. , Lda”, descritas na alínea 1.2) deste Capítulo, foram consideradas inexistentes, pelo que o destino dos cheques emitidos para o alegado “pagamento” daquelas facturas é desconhecido, considerando-se que esses fluxos financeiros estão associados a despesas confidenciais ou não documentadas ocorridas na data de movimento dos cheques, conforme a seguir se evidencia:
(…)
Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 81º do Código do IRC tais despesas não documentadas são tributadas autonomamente à taxa de 50 %, pelo que o valor da correcção da tributação autónoma é de:
125.568,50 € (251.137,00 € x 50%), em 2004.
149.442,00 € (298.884,00 € x 50%), em 2005.
57.474,50 € (114.949,00 € x 50%), em 2006.
1.5.3) - Resumo
O valor total das correcções da tributação autónoma por exercícios é de: (…)
Exercício de 2005
150.467,00 € (1.025,00 x 149.442,00 €), campo 365 do quadro 10 da MOD 22 de 2005.
Exercício de 2006
57.474,50 €, campo 365 do quadro 10 da MOD 22 de 2006.
23. Na sequência do exercício do direito de audição pelo sujeito passivo relativamente ao projecto de relatório, foram os argumentos apresentados analisados nos termos constantes de fls. 50/57 a 56/57, onde se refere “(…)7- Comissões de vendas (…) Ano de 2005:
Não obstante o sujeito passivo vir referir que houve errada identificação de uma das facturas que serviram de base ao cálculo das comissões de vendas cobradas pela “S.” e, vir alegar que a citada operação foi declarada em 2005 pelos seus intervenientes, o principio da especialização dos exercícios voltou a não ser respeitado, ocorrência que volta a contrariar o n.º 2 do artigo 18º do Código do IRC. (…)
11- Tributação Autónoma (ponto 1.5 do Direito de Audição)
Cheques emitidos cujo destino é desconhecido.
(…) Cheques emitidos relativos a operações inexistentes.
Considerando que mantemos a posição inicial de considerar que as facturas identificadas e analisadas no ponto 1.2) do Capitulo II deste relatório consubstanciam operações inexistentes, mantemos da mesma forma a tributação autónoma calculada com base nos fluxos financeiros associados ao alegado pagamento dessas facturas, no pressuposto de que os mesmos terão sido utilizados para pagamento de despesas não devidamente documentadas. (…)”
2.2. De direito
A Recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRC do exercício de 2005, e respectivos juros compensatórios, no montante global de €251.886,80, com fundamento na ilegalidade dos actos tributários impugnados, considerando que:
- quanto aos custos com comissões de vendas, da imputação ao exercício de 2005 de custos incorridos em exercícios anteriores, mais especificamente de 2003, “não resultou demonstrado qualquer prejuízo para a Administração Fiscal”, e que, segundo o critério vertido no acórdão do STA de 25.06.2008, proc. 0291/08, a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores não põe em causa o princípio da especialização dos exercícios, desde que não resulte de omissões voluntárias e excepcionais;
- quanto às correções dos custos titulados por faturas reputadas de falsas, em razões que sintetiza na afirmação de que a AT “não cumpriu o ónus que sobre si recaía quanto à existência de faturas de favor relativas a operações inexistentes, uma vez que os factos-índice invocados não estão suportados em dados objetivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão”, e que “não tendo a AT feito a prova que lhe competia, a questão relativa à legalidade da sua atuação terá de ser resolvida contra ela”, tornando desnecessário que o Tribunal a quo fosse “analisar se a Impugnante (…) logrou provar a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efetuou”;
- quanto à anulação das provisões dos créditos sobre as sociedades N/F. e T., que “os lançamentos contabilísticos em causa revelam uma intenção de saldar contas de clientes nas quais se mostravam refletidos créditos que, tendo em conta o hiato temporal decorrido, foram considerados definitivamente incobráveis”, e que “os movimentos contabilísticos realizados não tiveram reflexo na matéria tributável do exercício de 2005”;
- quanto à tributação autónoma das despesas tidas por não documentadas, por se apoiarem em operações simuladas e, portanto, inexistentes, de que “não se teriam recolhido indícios bastantes que apontassem no sentido da sua simulação”, e, por outro, que na asserção de que “mesmo tratando-se de operações simuladas é pacífico na jurisprudência que as mesmas não dão lugar a tributação autónoma”, como decidido, entre outros, no acórdão do TCA Norte de 20.01.2004, proc. 00589/03.
Ora, constitui entendimento uniforme e pacifico da doutrina e jurisprudência que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pela Recorrente, as quais limitam o âmbito de acção do tribunal ad quem cujo conhecimento fica circunscrito às matérias que nessas tenham sido versadas, com a ressalva das questões de conhecimento oficioso, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigo 282º, n.º 5 a 7 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 635º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável ex vi do artigo 281º do CPPT.
Assim, sendo analisadas as conclusões formuladas pela Recorrente, constata-se que a mesma vem imputar à decisão recorrida, seguindo a indiciação apresentada, (i) nulidade por omissão de pronúncia - pois que, em relação à questão suscitada pela impugnante acerca do alegado custo fiscal com o desenvolvimento de coleções/consultadoria publicitária/organização de feiras, no valor sem IVA de € 2.499,75, por via da amortização do valor da fatura nº 4047, a sentença remeteu-se ao silêncio sobre a questão colocada nos pontos 251. a 277. da p.i.; (ii) do erro de julgamento em que incorre ao não ter declarado a ineptidão parcial da petição inicial, nos termos do artigo 186º, n.º 2 al. a), do CPC, por a mesma ser omissa quanto à indicação de causas de pedir que determinem a anulação total da liquidação de IRC impugnada e dos correspondentes juros compensatórios; (iii) erro de julgamento da matéria de facto, no sentido de que o tribunal a quo efectuou uma errada apreciação de todos os elementos de prova (documentais e prova testemunhal), nomeadamente aquando da fixação dos pontos de facto dados como provado nos itens 14 a 16, bem como da insuficiente e errónea selecção e julgamento da matéria de facto (esta última colmatada pelo aditamento oficioso); (IV) por último, erro na valoração da prova e na aplicação do direito.
Seguindo a enunciação sequencial das alegações e conclusões de recurso, impõe-se que a análise que se segue se inicie pela nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Da omissão de pronúncia
A Recorrente alega que a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia, ao não ter conhecido da questão suscitada pela impugnante nos artigos 251 a 277 da p.i., acerca do alegado custo fiscal com o desenvolvimento de coleções/consultadoria publicitária/ organização de feiras, infringindo a norma do nº2 do art. 608º do CPC, aplicável por via do art. 2º, e), do CPPT, e ferindo a mesma da nulidade prevista no art. 125º, nº1, do CPPT e no art. 615º, nº1, al. d), do CPC, aplicável por via do art. 2º, e), do CPPT.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 608º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” Vide, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13.07.11 e de 20.09.11, proferidos nos recursos nºs 0574/11 e 0268/11, respectivamente.
E, como se refere no Acórdão do STA de 11.03.2015, proferido no âmbito do proc. nº 01035/12, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.
Em reforço deste entendimento, cumpre salientar o expendido no Acórdão do STA de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB] “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.
Munidos destes ensinamentos jurisprudências, em jeito de súmula, temos que: «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (cfr. Jorge Lopes Sousa, in CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363). A este propósito, refere-se que «as questões que o tribunal deve apreciar e decidir são apenas aquelas que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir, do pedido e das exceções, não se confundindo com as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pela parte (e, portanto, quanto a estas últimas, o tribunal não só não tem de ser pronunciar, como nenhuma consequência daí advirá se o não fizer, nomeadamente, não configurando tal situação uma omissão de pronúncia)» (cfr. Helena Cabrita, in A sentença cível, Fundamentação de facto e de direito, Almedina, 2019, p. 235). «O conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes e só a falta de conhecimento de questões constitui nulidade por omissão de pronúncia» (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in ob cit, p.364).
Cientes de tais princípios e uma vez compulsada a petição inicial (artigos 251 a 277) e a sentença sob recurso, contata-se que não ocorre a alegada omissão de pronúncia.
No caso “sub judice”, a petição inicial distende-se ao longo de 403 artigos, nelas se alegando, em síntese, o seguinte:
- Preterição de formalidades legais no âmbito do procedimento inspectivo (o projecto de relatório de inspecção tributária incluía o parecer da chefe da equipa de inspecção, emitido antes de o sujeito passivo ter exercido o direito de audição, sendo, por isso, violado o disposto no artigo 62º, nº 6 do RCPIT; a prorrogação do prazo inspectivo, por 3 meses, é ilegal, por não ter sido invocada qualquer situação tributária de especial complexidade; não houve lugar à notificação prévia prevista no artigo 49º do RCPIT; respeitando o âmbito da inspecção a IVA, a extensão a IRC é ilegal);
- As conclusões e indícios que a AT apresenta não são suficientes nem decisivos para concluir pela simulação das facturas identificadas no RIT;
- As referidas facturas dizem respeito a custos efectivamente suportados pela Impugnante;
- O atraso na contabilização das comissões de venda pagas à empresa S. não põe em causa o princípio da especialização dos exercícios, devendo ser aceite como custo;
- As reintegrações e amortizações alegadamente indevidas deixam de assim poder ser consideradas, logo que decidida a legalidade da dedução dos custos desconsiderados pela AT:
- A consideração de “proveitos” alegadamente não contabilizados associados à anulação das provisões dos clientes N/F. e T. mostra-se ilegal porque, independentemente dos lapsos nos lançamentos contabilísticos, não resultou nenhum benefício para o sujeito passivo, nem nenhum prejuízo para o Estado;
- Não deve haver lugar às pretendidas tributações autónomas porque, desde logo, existem documentos externos que identificam devidamente quem os emitiu e que se encontram registados apropriadamente em custos de terceiros e, acima de tudo, porque os custos que a inspecção considerou como despesas confidenciais foram efectivamente suportados e revelam essencialidade para o normal funcionamento do seu objecto comercial e industrial.
O que a Recorrente alega é que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre a questão suscitada pela Impugnante acerca do alegado custo fiscal com o desenvolvimento de colecções/consultadoria publicitária/organização de feiras, no valor sem IVA de 2.499,75€, por via da amortização do valor da factura n.º 4047 emitida pela M, Ld.ª, emitida em 2004, mas com relevância no ano de 2005 (cfr. artigos 251 a 277 da p.i. e pontos 1.2.5 e 1.2.8 do capitulo III do RIT).
Com relevo para apreciação da nulidade imputada, na sentença sob recurso fundamentou a procedência da impugnação no facto de a administração tributária não ter cumprido o ónus que sobre si recaia quanto à existência de facturas de favor relativas a operações inexistentes, uma vez que os factos-índices invocados não estão suportados em dados objectivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão, discorre nos seguintes termos “Não tendo a AT feito a prova que lhe competia, a questão relativa à legalidade da sua actuação terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.”
E prosseguindo, sob o ponto 7), sob a epigrafe das reintegrações e amortizações (quadro de fls. 26 do RIT), que “A legalidade das reintegrações e amortizações efectuadas no exercício de 2005 dos bens corpóreos ou incorpóreos (despesas de investigação e desenvolvimento) adquiridos em 2004 (facturas 536 da C., 04-1051 da TD e 4047 da M.) não é passível de discussão nos presentes autos, do ponto de vista da sua materialidade, ou seja, quanto à existência ou não das operações, devendo antes ser apreciada no âmbito da impugnação da liquidação de IRC respeitante ao exercício em que as aquisições/despesas terão ocorrido (2004), sendo certo que se aí se concluir que as operações foram erradamente desconsideradas pela AT, haverá que dar sem efeito as correcções introduzidas no ano de 2005 em sede de custos com reintegrações/amortizações dos referidos bens, nos termos do artigo 133º nº2 al. i) do CPA.”
No caso concreto a sentença apreciou aquela questão, como bem evoca no seu despacho de sustentação a Juiz a quo, referenciando que “Esquece, todavia, a Fazenda Pública que a correcção efectuada no exercício de 2005 (em causa nos presentes autos), em sede de amortizações, teve como pressuposto a desconsideração do custo incorrido no exercício anterior (cfr. fls. 26 do relatório de inspecção), questão que foi enfrentada na impugnação da liquidação do exercício de 2004 – a sede própria para o efeitos -, sendo que a decisão definitiva que aí vier a ser proferida importará consequências quanto à legalidade da referida correcção.”
A questão foi objecto de decisão, certamente em sentido contrário ao pretendido pela ora Recorrente, remetendo a sua apreciação em concreto no âmbito do processo de impugnação em que se discute a liquidação do exercício de 2004. Poderia eventualmente existir erro de julgamento ou deficiente fundamentação, mas não nulidade da sentença (acórdão do STA de 17.03.2010, proferido no recurso n.º 0964/09).
Improcede, pois, este fundamento de recurso.

Da nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial
Alega a Recorrente que a petição inicial padece de nulidade por ineptidão e, que consequentemente, impõem-se a substituição da sentença sob recurso por outra que reconheça aquela nulidade e declare a absolvição da fazenda Pública da instância.
No seu entender, estamos perante uma nulidade insuprível, que pode ser oficiosamente conhecida ou deduzida a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. Artigos 98º, n.º 2, do CPPT e 577º, alínea b), 196º e 578º do CPC), a ineptidão parcial ora alegada in casu deve ter por consequência a absolvição da instância (artigo 493º, n.º 2, do CPC) em relação à parte dos actos tributários impugnados que não é afectada pela procedência dos fundamentos dados à impugnação em apreço (nesse sentido, António Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, I, 2ª edição, pág. 258).
Pois que, atentando no ponto 117. da petição inicial, constata-se que a presente impugnação não abarca todas as correções efetuadas no RIT, designadamente aquelas que implicaram o recurso a métodos indiretos. Sendo assim, por faltarem causas de pedir que sustentem o pedido de anulação total da dos actos tributários impugnados, a petição inicial padece de ineptidão parcial, nos termos do art. 186º, nº2, al. a), do CPC. (cfr. conclusões G. e H. das alegações de recurso).
Aprecie-se.
Temos por assente que, não há acção sem petição, sendo, justamente, a petição inicial o articulado, cuja função específica é a propositura da acção, em que o autor formula a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter e expõe as razões de facto e de direito em que a fundamenta.
Elucida Lebre de Freitas que é na petição inicial que o autor deve formular o pedido [cfr. artigo 552.º, n.º 1, al. e), do CPC], isto é, solicitar ao tribunal a providência processual quer julgue adequada para tutela da situação jurídica ou do interesse que afirma materialmente protegido, e deve indicar a causa de pedir [cfr. artigos 552.º, n.º 1, al. d), e 581.º, n.º 4, do CPC], isto é, identificar o(s) facto(s) constitutivo(s) da situação jurídica material que o autor quer fazer valer ou, numa fórmula mais genérica, o(s) facto(s) concreto(s) que terão constituído o efeito pretendido (Cfr. Lebre de Freitas, A acção declarativa comum à luz do Código revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 2011 (2.ª edição), pp. 37 e s., e Introdução ao Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo Código, Coimbra, Gestlegal, 2017, 4.ª edição, pág. 66 e ss.).
Ora, pode acontecer que o pedido tenha sido claramente formulado e a causa de pedir claramente indicada, mas entre eles não exista uma correlação total.
Sobre a hipótese de contradição entre o pedido e a causa de pedir versa, no quadro normativo actual, o artigo 186.º do CPC, que dispõe o seguinte:
1 – É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 – Diz-se inepta a petição inicial quando:
(…)
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir (…)”.
Perante isto, não restam dúvidas de que, verificando-se a contradição entre o pedido e a causa de pedir, a petição inicial é inepta e que, sendo a petição inepta, é nulo todo o processo (uma vez nula a petição, todo o processo fica sem base ou suporte).
Mas há que dar atenção ao disposto no artigo 200.º do CPC, que regula o momento de conhecimento da nulidade e, no seu n.º 2, o momento do conhecimento desta nulidade em particular (nulidade por ineptidão da petição inicial). Dispõe-se aí:
(…)
2 – As nulidades a que se referem o artigo 186.º e o n.º 1 do artigo 193.º são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado; se não houver despacho saneador, pode conhecer-se delas até à sentença final (…)”.
Dos normativos expostos, com apoio no consenso generalizado da doutrina, temos que a nulidade por ineptidão da petição inicial é susceptível de ser conhecida no despacho saneador ou, o mais tardar, até à sentença (nas situações em que o processo não comtempla despacho saneador) ficando o seu conhecimento precludido depois daquelas etapas processuais, ou seja, no que ora nos importa, a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial não pode ser oficiosamente suscitada e conhecida na fase de recurso .
A propósito, refere José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, pág. 359, compreende-se que a nulidade por ineptidão da petição inicial pode ser qualificada como uma nulidade de primeiro grau ou de primeira categoria ou uma nulidade principal e que é assim atendendo à gravidade (maior do que nas nulidades secundárias), à possibilidade de invocação oficiosa por confronto (que não existe, em regra, nas nulidades secundárias) e ainda ao momento do conhecimento (o tribunal conhece das nulidades principais, em regra, no despacho saneador ou até à sentença enquanto as nulidades secundárias devem ser conhecidas logo que sejam reclamadas). A categoria das nulidades principais perdurou até hoje e está patente na epígrafe do artigo 198.º do CPC.
Sobre esta nulidade, e naquele sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, dizem que “a prolação de despacho saneador tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento das nulidades previstas nos arts. 186.º e 193.º, n.º 1, significando isso que, proferido o despacho saneador, fica encerrada a hipótese de o juiz suscitar aquelas nulidades. Se o processo não comportar ou não tiver despacho saneador, o juiz pode conhecer destes dois vícios até à sentença final” (in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 240).
Igual entendimento é propugnado pela jurisprudência. Neste sentido, entre outros, e com plena aplicação à situação dos autos, o acórdão do STJ de 26.03.2015, proferido no Proc. 6500/07.4TBBRG.G2.S2, onde se assevera que “[o] vício de ineptidão da petição inicial não pode ser apreciado, mesmo oficiosamente, aquando do julgamento da apelação” e, que, “a nulidade por ineptidão da petição inicial está irremediavelmente precludida no momento em que é proferida sentença em 1ª instância, não podendo, consequentemente, ter-se por verificada, mesmo por impulso oficioso do Tribunal, apenas na fase de recurso” e, mais recentemente, o acórdão também do STJ de 14.01.2021, proferido no Proc. 3935/18.0T8LRA.C1.S1.
Somos, pois, de concluir que, quando a questão da ineptidão da petição inicial não é suscitada pelo réu/Fazenda Pública na contestação nem conhecida ex officio até à sentença final, a eventual ineptidão da petição inicial fica, em princípio, suprida ou ultrapassada, sendo que o réu, que não a arguiu, e o tribunal, que dela oficiosamente não conheceu, compreenderam o sentido da petição inicial.
In casu, proferida a sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância e tendo este conhecido e decidido o mérito do pedido, não é possível atestar se “faltaram causas de pedir que sustentem o pedido de anulação total da dos actos tributários impugnados” como pretende a Recorrente nesta sede enquadrável na ineptidão da petição inicial.
Pois que, verificando-se ou não, ab initio, uma oposição/ contradição entre o pedido e a causa de pedir, o certo é que tanto a Fazenda Pública como o tribunal interpretaram a petição inicial e lhe fizeram corresponder um sentido.
Concluindo:
Temos que, a nulidade de todo o processo é uma excepção dilatória [cfr. artigo 577.º, al. b), do CPC], as excepções dilatórias são de conhecimento oficioso (cfr. artigo 578.º do CPC) e, uma vez verificadas, obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância (cfr. artigo 576.º, n.º 2, do CPC).
Assim sendo, quando a sua causa é a ineptidão da petição inicial, esta excepção segue um regime especial do qual decorre uma limitação temporal ao seu conhecimento oficioso. Quer dizer: tal como as outras excepções dilatórias, a nulidade de todo o processo é de conhecimento oficioso, mas este conhecimento oficioso está, no caso especial de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, limitado no tempo, nos termos do artigo 200.º, n.º 2, do CPC.
Portanto, proferida a sentença pelo Tribunal de 1ª instância e tendo este apreciado e decidido do mérito do pedido, este tribunal ad quem não pode, oficiosamente ou a requerimento de quem recorre, conhecer da ineptidão da petição inicial e declarar a nulidade de todo o processo e, na sequência disso, determinar absolvição da instância, entendimento extensível ao propugnado pela Recorrente de configuração do por si alegado em erro de julgamento ao não conhecer oficiosamente o Tribunal a quo da ineptidão.
Improcede, pois, este fundamento de recurso, na vertente consignada na Conclusão G das alegações de recurso, no entanto o conhecimento da questão enunciada pela Recorrente (conclusões E. a G – do erro em que incorre a sentença recorrida ao anular a liquidação na sua totalidade?) será objecto de apreciação por este Tribunal ad quem a final, se o mesmo não se mostrar prejudicado pelo conhecimento do erro de julgamento da matéria de facto e de direito imputados.
Do erro de julgamento da matéria de facto
Imputa a Fazenda Pública à sentença erro de análise da matéria de facto por valoração errada da prova produzida, ao concluir que as faturas correspondem a efetivas operações económicas nelas descritas, pois que a prova produzida não permite extrair tal conclusão, nem abalar os indícios aportados para o relatório da inspeção.
Entende a Recorrente que a sentença recorrida procede a uma análise insuficiente e errónea da factualidade patente no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), e que não demonstra ter sido infirmada pela prova produzida, nomeadamente pela prova testemunhal. Mais refere, que a organização expositiva da sentença em causa revela contradição no discurso fundamentador: conclusivamente, afirma que “a AT não fez a prova que lhe competia”, tornando desnecessário que se fosse “analisar se a Impugnante (...) logrou provar a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efetuou”, por outro, na estreitíssima factualidade que firmou como provada a propósito das operações consideradas simuladas, sob os pontos 14. a 16. não se compreende em que medida, aqueles parcos factos contribuíram para que o Tribunal declarasse a falta de prova por parte da AT de que as faturas analisadas em inspeção não correspondiam a reais e efetivas operações económicas. Mais entende que a sentença recorrida não fez uma análise exclusiva e cuidada da suficiência dos indícios e provas reunidos pelos serviços de inspeção e do acerto das ilações tiradas a partir desses indícios e provas, tornando despiciente a prova que a Impugnante tivesse produzido sobre a pretensa existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efetuou.
A Fazenda Pública propugna que devem ser dados como provados os factos supra indicados, em complemento da factualidade assente na sentença recorrida, em conformidade com os poderes que são concedidos a esse Tribunal ad quem pelo art. 662º, nº 1, do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2º do CPPT, por se encontrarem documentalmente demonstrados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa, assim se modificando o segmento relativo a factos provados (veja-se itens N a P das conclusões de recurso).
Apreciando, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do Código de Processo Civil (CPC).
Preceitua o aludido normativo que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.º 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida [ António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013].
Nos presentes autos ocorreu produção de prova testemunhal, a par da prova documental carreada para os autos e elementos constantes do Processo Administrativo apenso, nomeadamente e com particular incidência o conteúdo do RIT. Do exposto, importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC, balizando a amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova documental constante dos autos que se afigure relevante para a reapreciação a operar, conforme decorre do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
In casu, a Recorrente, a par da errada apreciação da prova, insurge-se como decorre do corpo das alegações com o facto de terem sido dados como provados os factos enunciados nos itens 14 a 16, atentos os documentos juntos aos autos e ao depoimento das testemunhas.
Considerou-se provado naqueles itens que: (14) “O valor/hora facturado na formação financiada ascendia a €70,45 (com exclusão do IVA), correspondendo o valor de €28,93/hora apenas à remuneração do formador - cfr. fls. 251 dos autos.” (15) “Alguns cursos de formação eram ministrados durante o horário de trabalho, sendo frequentados à vez pelos trabalhadores” e (16) “Os “pares de cortes” comprados à T., a que se referem as facturas 5026 de 24.03.2005 e 5027, de 31.03.2005, incluíam a matéria-prima (pele) – cfr. facturas de fls. 164 e 165 dos autos.”.
E, em sede de motivação da matéria de facto, a Mm. ª Juiz desenvolveu-a de forma autónoma quanto aos mesmos, nos seguintes termos “A prova dos factos descritos nos pontos 14. a 16. resultou da conjugação dos documentos referidos a seguir a cada um dos factos com os depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante e ouvidas em audiência contraditória. Assim, P., sócio-gerente das empresas P., C., T. e M. demonstrou profundos conhecimentos quanto às transacções subjacentes às facturas emitidas por estas entidades. O seu depoimento mostrou-se coerente e assertivo, designadamente quanto à factualidade descrita sob o nº 14, o que levou o Tribunal a formar a sua convicção assente no mesmo.
Por seu lado, as testemunhas F., modelador de calçado, M., escriturária (área da exportação), M., modelador de calçado, A., escriturário na área da contabilidade, A., consultora na área da contabilidade, G., técnica oficial de contas e M., escriturária (área da facturação), todos eles trabalhadores da Impugnante ou funcionários de empresas que prestaram serviços à Impugnante, depuseram de forma assertiva, revelando um elevado grau de conhecimento sobre as questões que lhe foram colocadas, sem hesitações que fizessem o Tribunal duvidar da consistência das suas declarações.
Saliente-se que as facturas da T. aludem a “pares de cortes” e não à prestação de serviços de corte, tendo a testemunha M. afirmado, de forma convicta, que as compras à T. envolviam a matéria-prima.” (fim da transcrição)
Resulta do transcrito que a convicção da Mmª Juíza no estabelecimento do quadro factológico em questão fundou-se na consideração do teor dos documentos juntos aos autos (que não foram impugnados), nos ínsitos no processo administrativo apenso aos mesmos e no depoimento prestado pelas testemunhas apresentas pela impugnante, nomeadamente a testemunha P., sócio-gerente das empresas P., C., T. e M., que mostrou profundos conhecimentos quanto à transações subjacentes às faturas emitidas pelas respetivas entidades, sendo que o depoimento mostrou-se coerente e assertivo, contribuindo para a formação da convicção do tribunal e bem assim, nas restantes testemunhas trabalhadoras da Impugnante que depuseram de forma assertiva, revelando um elevado grau de conhecimento sobre as questões que lhe foram colocadas, sem hesitações que fizessem o Tribunal duvidar da consistência das suas declarações.
Considera a Recorrente que os depoimentos, nomeadamente da testemunha P., deve ser apreciado com particular acuidade porque tinha intervenção em todas as sociedades emitentes das faturas, quer como sócio, quer como gerente ou técnico oficial de contas, movimentando os meios financeiros que estão em discussão e bem assim, das restantes testemunhas com ligações com a Impugnante, procurando ao longo das suas extensas alegações (itens 45 a 100) descredibilizar os depoimentos prestados, quer pelas ligações existentes, quer pela falta de espontaneidade nas respostas prestadas, assertividade e em geral considerando que os depoimentos foram generalistas e abstractos.
Para alcançar tal desiderato, limita-se a mesma a uma súmula, apresentada em itálico nas suas alegações, da sua convicção ou percepção do depoimento das testemunhas, exemplificando veja-se o ali consignado quanto à 4ª testemunha A.: “Declarou trabalhar para a Impugnante, mas no gabinete onde esta faz a contabilidade, presta serviços indirectos. Lembrava-se das questões colocadas a respeito da fiscalização na origem dos atos impugnados. Respondeu dizendo, a propósito das comissões da S., que contabilizou os documentos (faturas), não se recordando, porém, de uma troca entre fatura emitida por uma empresa denominada T. para, outra emitida………, tanto quanto se podia lembrar, mas nada sobre as operações em concreto. Mesmo quando inquirido sobre a formação profissional quando confirma que a impugnante fez formação profissional, em momento nenhum especificou dados sobre o tipo de formação, financiada ou não financiada e menos ainda sobre a execução da formação não financiada.
E, após este “aclamado” modum de transcrição, a recorrente tece sobre cada uma das testemunhas considerações no sentido de abalar a credibilidade do seu depoimento.
Efectuada esta resenha sintética, direcionada, para a forma como a Fazenda Pública manifesta a sua discordância do julgamento da matéria de facto efectivado pela primeira instância, importa aferir se in casu se impõe a este Tribunal ad quem conhecer da pertinência/mérito da impugnação que a recorrente dirige à decisão proferida pelo Tribunal a quo atinente à matéria de facto.
Atento os considerandos aqui já elencados, certo é que a Recorrente não deu cabal cumprimento ao ónus que sobre si recaía, de especificar os concretos pontos de facto que considerou incorretamente julgados e de indicar as exactas passagens dos depoimentos gravados em que se apoia para o efeito (desconsideração que conduza a que os factos enumerados sejam dados como não provados (art. 690º A, nºs 1 e 2 do CPC)).
Consideramos assim, que não cumpre a Recorrente o ónus imposto pelo n.º 2, al. a), do artigo 640.º do CPC- indicação exata das passagens da gravação em que se funda a sua discordância – sendo que, aquela não indicou as passagens da gravação, nem procedeu à respetiva transcrição, limitando-se a estabelecer um resumo subjetivo, das partes que considerou pertinentes desses depoimentos. (cfr. acórdão do STJ de 06.06.2018, proferido no Proc. n.º 125/11.7TTVRL.G1. S1.).
Não cumpre, pois, aqueles ónus o “apelante” que, nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, limitando-se a transcrever as declarações, a mencionar documentos, tomando como referência determinados tópicos que elencou. (cfr. acórdão do STJ de 11.04.2018, proferido no Proc. n.º 789/16.5T8VRL.G1.S1.)
A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
In casu, a Recorrente remeteu-se em bloco para o conteúdo dos depoimentos, ou seja, quedou-se por um recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, atirando para o tribunal de recurso a tarefa de averiguar e adivinhar os factos que tinha em vista e as passagens dos depoimentos gravados que os confirmavam ou infirmavam.
Aliás, o que a Recorrente pretende, do modo como estruturou o seu recurso, é uma repetição do julgamento da matéria de facto pelo tribunal de recurso, ou seja, um reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.
É um dado adquirido e insofismável que a trave-mestra da valoração da prova testemunhal assenta nos princípios da livre apreciação, da oralidade e da imediação e daí que, em bom rigor, o tribunal ad quem não possa sindicá-la na globalidade.
Mais se diga, que as conclusões são a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também são e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles factos cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.
Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do n.º 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
Ora, tendo a recorrente nas conclusões se limitado a consignar considerações sobre a errada valoração da matéria de facto dada como provada, nomeadamente quanto aos factos insertos a 14. a 16. em contraposição com os factos inerentes ao RIT e, mais entende que a sentença não fez uma análise cuidada e exclusiva da suficiência dos indícios e prova reunidos pelos serviços de inspecção, sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art.º 640.º, n.º 1, als. a) e c) do Código de Processo Civil, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte (cfr. conclusões J. a P.)
Por todo o exposto, nos termos em que a Recorrente configura o erro de julgamento da matéria de facto não permite ao tribunal de recurso aquilatar o concreto erro de que padece o julgamento em ordem à alteração da matéria de facto.

Razão pela qual, o recurso no que toca à impugnação sobre a matéria de facto, por incumprimento dos ónus legais que incumbiam à Recorrente, não pode ser, senão rejeitado.

Do invocado error in judicando da sentença sob recurso, ao julgar a impugnação procedente com base na factualidade provada

O recurso da Fazenda centra-se no erro de julgamento, apoiando-se no relatório da inspeção onde foram elencados vários factos que, no seu entender, não foram infirmados pela prova produzida, relevando-se aqueles outros como indícios suficientes das correcções aritméticas operadas à matéria tributável ao IRC de 2005.
Por conseguinte, imputa à sentença uma análise insuficiente e errónea valoração da prova produzida, nomeadamente da patente no RIT, ao concluir que “…a AT não fez a prova que lhe competia”, tornando desnecessário que se fosse “analisar se a Impugnante (…) logrou provar a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efectuou”, pois que a prova produzida não permite extrair tal conclusão, nem abalar os indícios aportados para o relatório da inspeção.
Apreciando,
A administração tributária no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade dos contribuintes com a lei actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus da prova da existência de todos os pressupostos do ato de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis que presidem às correções que suportam a liquidação.
Neste sentido a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar determinadas custos, em termos de abalar a presunção de veracidade das operações económicas inscritas nas faturas e registadas na contabilidade da Recorrida e nos respetivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem do princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito [art. 75º da LGT]; passando a partir dai, a competir ao contribuinte o ónus da prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.
Cabe-lhe o ónus de provar a existência de todos os pressupostos (de facto e de direito) que a determinaram a efetuar correções ao declarado, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação dos factos tributários que afirma não terem existido, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, só podendo efetuar a liquidação adicional quando os elementos que tiver apurado permitam formar a séria convicção sobre a inexistência do facto tributário declarado (total ou parcialmente) pelo contribuinte (princípio da verdade material - arts. 50º do CPPT e 58º nº 1 da LGT).
No presente caso, a liquidação adicional de IRC, no valor de 84.913,98€, assentou na convicção de que as operações económicas descritas nas faturas não são verdadeiras, utilizando os termos do relatório a fls. 28, resultam das incongruências verificadas e que se passam a resumir:
Ø Ausência de descriminação e quantificação dos serviços referidos nas faturas;
Ø Inconsistência verificada nas evidências extra-contabilísticas quando apresentadas;
Ø Valores exageradamente elevados face à dimensão da empresa e àquilo que é normal no setor de atividade em que a mesma se insere;
Ø Concentração em termos de datas de emissão deste tipo de faturas (29/10 a 31/12/2004);
Ø Procedimentos anormais e diferentes daquilo que seria expectável ao nível da movimentação dos meios financeiros envolvidos nestas operações;
Ø Promiscuidade verificada ao nível das várias empresas envolvidas que apresentam como elo de ligação o P. cuja intervenção é evidenciada a vários níveis:
[Sócio/sócio gerente; TOC; Técnico responsável pela formação; Técnico responsável pelos serviços de diagnóstico de investimento e organizacional; Técnico responsável pelo estudo de imagem de marca; Técnico responsável pelo controle de qualidade das peles; Técnico destacado para presença em feiras; Técnico de consultadoria para o desenvolvimento de coleções; responsável pela movimentação financeira de todas as empresas;
Ø Inconsistência entre a atividade desenvolvida e os serviços descritos nas faturas;
Ø Ausência de evidências de resultados concretos decorrentes da utilização dos serviços descritos nas faturas;
Ø Recurso a empresas fornecedoras de existências relativamente às quais foi apurada ausência de capacidade para esses fornecimentos quer por inatividade quer por recurso a aquisições falsas.
E, prosseguindo, o aludido sobre o ponto 1.4) Reposição de Provisões, mediante anulação da provisão acumulada da “N/F.” e da T.” e, no que tange à tributação Autónoma as despesas apresentadas, nos termos do n.º 1 do artigo 81º do CIRC foram consideradas despesa não documentada dois cheques.
Na sentença sob recurso o Tribunal a quo analisou os fundamentos aduzidos no RIT por ordem de descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável do ano de 2005, em sede de IRC, em função da sua natureza, tal como ali foi estabelecido, nos seguintes termos [por razões de clareza na enunciação e pragmatismo, apreciação em sede de recurso será concretizado in fine após cada transcrição]:
5). Das comissões de vendas
Do relatório de inspecção resulta que a intenção da AT de desconsiderar como custo as comissões de venda alegadamente pagas à empresa S., assentou inicialmente nos seguintes elementos:
- os custos contabilizados em 2005 são relativos a 2003.
- as facturas identificadas como base de cálculo das comissões e emitidas em 2003 totalizam 51.250,00€, sendo mencionado na factura nº 3829 emitida pela S. a comissão de 5.328,36€, situação que implica uma comissão de 10,40%, ou seja, diferente dos 9% praticados no exercício de 2003.
- O documento de pagamento das comissões à S., contabilizado em 2005, no total de 6.875.33€ é o documento interno nº 1581 de Dezembro/2005, com o lançamento contabilístico 267008/122, não estando este movimento registado no extracto bancário do Banco Espírito Santo.
Em sede de audição prévia, o sujeito passivo contrapôs o seguinte:
“A AT neste procedimento contabilizou erradamente a factura 1917, que nada tem a ver com vendas à T., agenciada pela S., antes se refere a 12 cones de linhas fornecidos a G. e não contabilizou como devia a factura 1899 de 4/7/2003, essa sim daquela entidade.
Assim e consequentemente, a soma das facturas ascende a 68.360€ e não a 51.250€, o que determina que a comissão cobrada efectivamente e a final foi pouco mais de 8% e tal procedimento apenas se concluiu em 2005.
Acresce que a S. também só deu este dossier por concluído em 2005 e confirmou estes rendimentos e custos do SP como respeitantes a 2005, decorrentes do doc. mod. 12 e do documento emitido pelo Ministério da Economia Francesa constantes da contabilidade ao tempo da inspecção.
Deverá, pois, ser considerado como custo aquele valor de 5.328,36€.
(...)” [cfr. fls. 177/178 do PA – reclamação graciosa].
Pronunciando-se sobre esta argumentação, os serviços de inspecção decidiram manter a correcção proposta com base na seguinte fundamentação:
“Não obstante o sujeito passivo vir referir que houve errada identificação de uma das facturas que serviram de base ao cálculo das comissões de vendas cobradas pela “S.” e, vir alegar que a citada operação foi declarada em 2005 pelos seus intervenientes, o princípio da especialização dos exercícios voltou a não ser respeitado, ocorrência que volta a contrariar o nº 2 do 18º do Código do IRC.” [cfr. fls. 84 do PA – reclamação graciosa].
Concluiu-se, deste modo, da leitura do relatório de inspecção que a correcção projectada foi mantida apenas e tão só com base na alegada violação do princípio da especialização dos exercícios.
Entende, todavia, a aqui Impugnante que o atraso na contabilização não obsta à consideração do custo, citando em abono da sua posição o Acórdão do
STA de 25.06.2008, processo 0291/08, disponível em www.dgsi.pt.
Vejamos.
Estabelecia o artigo 18.º do CIRC, na redacção em vigor à data, o seguinte:
“1. Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios”.
2. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
3. Para efeitos de aplicação do princípio da especialização dos exercícios:
(...)
a) Os proveitos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada ou sucessiva, em que deverão ser levados a resultados numa medida proporcional à da sua execução.”
O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios impõe, assim, que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado. É uma regra contabilística e um princípio fiscal da tributação do rendimento.
Todavia, como se pode ler no Acórdão citado pela Impugnante, “[não] põe em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios. Tal postulado é exigido pelo princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 50.º da LGT.”.
Acolhendo esta jurisprudência e na medida em que não resultou demonstrado qualquer prejuízo para a administração fiscal, é de aceitar a imputação das facturas em causa como custo do exercício de 2005.
Conclui-se, assim, pela ilegalidade da correcção efectuada, sendo, em consequência, de proceder, nesta parte, a presente Impugnação.”
Contrapõe a Recorrente (conclusão X) que os custos com comissões de vendas não foram excluídos pela AT apenas com base a infracção do principio da especialização dos exercícios, mas também por causa das incongruências do cálculo do valor base e na falta de comprovação do seu pagamento.
Alude o tribunal a quo que a exclusão foi operada exclusivamente com fundamento na violação do princípio da especialização dos exercícios.
Vejamos, efectivamente, na sequência do direito de audição operado, na análise que os Serviços de Inspeção efetuaram ao mesmo, foram reapreciadas as correcções e reformulados os cálculos dos pontos, relativamente aos quais, houve aceitação parcial dos argumentos invocados pelo sujeito passivo, mantendo-se todas as restantes correcções propostas. A fundamentação ou melhor a refutação da fundamentação ou a sua reformulação, operada na sequência dos argumentos apresentados pelo sujeito passivo, tem que ser tida como integrante ou correctiva daquela outra fundamentação, certa de que esta na posse de mais elementos e quanto a estes, estabeleceu a sua correcta contra-argumentação.
Assim temos, que nesta sede e quanto às “Comissões de vendas” do ano 2005, ali se exteriorizou o seguinte “Não obstante o sujeito passivo vir referir que houve errada identificação de uma das facturas que serviram de base ao calculo das comissões de vendas cobradas pela “S.” e, vir alegar que a citada operação foi declarada em 2005 pelos seus intervenientes, o princípio da especialização dos exercícios voltou a não ser respeitado, ocorrência que volta a contrariar o n.º 2 do 18º do Código do IRC” (cfr. fls. 84 do PA e 53 do RIT), ou seja, os argumento apresentados de erro na identificação não foram refutados, tendo a correcção sido sustentada por força da violação do principio da especialização dos exercícios.
Assim sendo, propugna-se o decidido pelo Tribunal a quo.
E, prosseguindo, sob a designação 6). Da insuficiência dos indícios recolhidos pela AT, assim se discorre na sentença sob recurso:
“Em causa nos presentes autos estão correcções à matéria tributável para efeitos de IRC, com referência ao disposto no artigo 23º do Código IRC, por desconsideração de facturas reputadas pela AT de falsas. Daquilo que se tratou foi, pois, de correcções técnicas efectuadas na sequência de acção inspectiva levada a cabo, no termo da qual a Administração Tributária concluiu que as aludidas facturas, contabilizadas pela Impugnante, não correspondiam a reais e efectivas operações económicas.
Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-012008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim sendo, importa analisar se a Administração fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.
Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT), disponível em www.dgsi.pt.
Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.
Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311.
Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado – cfr. neste sentido, o Acórdão do TCA-Norte de 28.02.2013, Processo: 00383/08.4BEBRG, disponível em www.dgsi.pt.
Posto isto, comecemos por analisar se o juízo formulado pela AT no que concerne à falsidade das facturas se pode considerar como pertinente e adequado, isto é, se os elementos indiciários apontados pela AT permitem inferir, com um grau de probabilidade elevada, a simulação das operações subjacentes àquelas facturas.
No caso dos autos, estão em causa diversas operações, que foram agrupadas no relatório de inspecção em função da natureza dos bens ou serviços em causa, pelo que se impõe uma análise particularizada dos fundamentos que levaram a AT a considerar que as facturas contabilizadas no ano de 2005 (ano em causa nos autos) não correspondem a efectivas operações, o que se passa a fazer.
Quanto à factura respeitante a formação profissional (factura nº 87, de 28.02.2005, emitida pela C., Lda.), foram os seguintes os elementos indiciários recolhidos pela AT para sustentar o juízo sobre a falsidade dessas facturas:
§ alguns trabalhadores encontram-se referenciados em vários cursos de formação com conteúdo igual ou similar no mesmo ano ou em anos consecutivos;
§ existe alguma incoerência entre as matérias versadas nas acções de formação e as categorias dos trabalhadores referenciados como tendo participado nas mesmas (exemplo: um “gaspeador de 1ª” referenciado num “curso de marketing”);
§ dado que os formadores são remunerados por hora de formação ministrada, não se compreende que haja acções iguais, em períodos diferentes, dirigidas apenas a grupos de três ou cinco formandos;
§ na documentação cedida pela Impugnante não constam mapas dos custos das formações não financiadas, contrariamente à formação financiada nos exercícios de 2003 e 2005, cujos mapas foram apresentados;
§ as folhas de presença estavam rubricadas pelos formandos, o mesmo não acontecendo relativamente aos formadores, os quais não estão devidamente identificados (apenas são mencionados dois nomes);
§ preços díspares em função da formação ser ou não financiada (28,93€/hora e 70,00€/hora, respectivamente).
Da prova produzida nos autos resultou que o valor de €28,93 corresponde apenas à remuneração/hora do formador e que considerando os outros custos da formação, esta atinge um valor superior a €70/hora, ou seja, superior ao custo da formação não financiada. Conclui-se, assim, que as realidades comparadas pela AT são distintas, pelo que discrepância assinalada não tem qualquer relevo.
Relativamente à alegada inobservância de determinadas formalidades (elaboração de mapas dos custos, identificação do nome completo dos formadores), importa assinalar que tratando-se de formação não financiada, as partes não estão obrigadas a cumprir o formalismo legal da formação financiada, pelo que vigora aqui o princípio da liberdade de forma.
Os restantes elementos recolhidos pela AT (conteúdos idênticos de algumas acções de formação, incoerência entre as matérias versadas nas acções e a categoria dos trabalhadores que a frequentaram e, por último, a existência de acções iguais em períodos diferentes apenas para um grupo reduzido de trabalhadores) resultam de decisões tomadas pela empresa, quanto à necessidade de formação e ao modo como a mesma deveria ser ministrada, pelo que, por si só, não constituem indícios de existência de facturação simulada.
Conclui-se, assim, quanto a esta factura, que os elementos relatados no relatório de inspecção não são aptos a fundar, de forma sólida, a convicção de que as mesmas não traduzem transacções reais.
Quanto à factura respeitante a controlo de qualidade (nota de débito nº 9/05, de 30.08.2005, emitida pela B., Lda.), o relatório de inspecção descreve o seguinte circunstancialismo:
§ o técnico responsável pelo controle facturado não foi devidamente identificado pelo sujeito passivo;
§ a empresa B., Lda. é, simultaneamente, fornecedor de peles da aqui Impugnante;
§ o sujeito passivo não apresentou qualquer contrato, nem disse como foi calculado o valor facturado;
§ não foi apresentado qualquer documento que evidencie o trabalho alegadamente efectuado, nem conclusões e propostas sobre o mesmo;
§ a empresa J., Lda. tem nos seus quadros técnicos com capacidade suficiente para determinar a qualidade das peles;
§ verifica-se um desfasamento temporal entre a emissão da Nota de Débito e o seu pagamento, ou seja, quatro meses para efectuar o pagamento, situação diferente das restantes facturas emitidas pela B., Lda. que conforme contabilidade foi de 1 a 2 meses.
Em primeiro lugar, é de salientar que a Impugnante forneceu a identificação completa da técnica responsável pelo serviço prestado em sede de audição prévia sobre o projecto de relatório de inspecção (cfr. fls. 185 do PA – reclamação graciosa).
Em segundo lugar, cumpre realçar que a afirmação de que a Impugnante tem nos seus quadros técnicos com capacidade suficiente para efectuar o controlo de qualidade das peles não se encontra devidamente fundamentada, pois nem sequer são identificados esses técnicos. Por outro lado, ainda que assim fosse, é de admitir a hipótese de a Impugnante recorrer a serviços externos, nomeadamente, em casos pontuais ou especiais ou com vista a credibilizar o juízo da qualidade perante o fornecedor, em caso de divergência. Trata-se, no fundo, de opções estratégicas da empresa que não cabe à AT sindicar.
Em terceiro lugar, também não foi demonstrado pela AT que as peles em causa foram fornecidas pela B., Lda. tirando essa hipótese, não se encontra fundamento para duvidar da veracidade da transacção em causa.
Quanto ao desfasamento temporal entre a emissão da nota de débito e o pagamento, também não se vislumbra que o mesmo constitua indício de operação simulada.
Por fim, os restantes elementos não configuram, em rigor, verdadeiros indícios. O que a Administração Fiscal faz é imputar ao contribuinte, no procedimento tributário, o ónus da prova da veracidade das transacções. Ora, só depois de a AT fazer a prova indiciária da existência de simulação é que passaria a competir ao contribuinte demonstrar a existência dos factos tributários que alega.
Conclui-se, assim, que não foram recolhidos indícios válidos da falta de veracidade do conteúdo da factura em causa.
Para a desconsideração da factura nº 174, de 30.04.2005, emitida pela C. – , Lda., respeitante a serviços de “Diagnóstico Organizacional” foram avançados os seguintes indicadores:
§ o sujeito passivo não identificou devidamente os técnicos responsáveis pelo estudo referido na factura;
§ um dos técnicos identificado pelo sujeito passivo, Dr. P., é simultaneamente sócio da empresa emitente dos documentos;
§ o sujeito passivo não apresentou quaisquer evidências do serviço titulado pela factura;
§ não foi apresentado contrato escrito;
§ o cheque utilizado para pagamento do serviço alegadamente prestado foi, após endosso da empresa, levantado pelo sócio gerente P., o qual utilizou para esse efeito uma conta particular do B…. O recebimento, de acordo com os elementos contabilísticos da empresa C., não foi contabilizado.
É de salientar, desde logo, que o facto do técnico que alegadamente realizou o estudo ser simultaneamente o sócio gerente da empresa que facturou o serviço não causa qualquer estranheza, sendo, pelo contrário, normal que o administrador de uma sociedade desempenhe também funções de natureza executiva.
No que concerne à alegada omissão de formalidades, na celebração do contrato de prestação de serviços, vale aqui o princípio da liberdade de forma, pelo que tal constatação não constitui, a nosso ver, indício válido de facturação simulada.
As dúvidas suscitadas no relatório de inspecção com os meios de pagamento também são destituídas de relevo. Com efeito, provado o pagamento à empresa que emitiu a factura, o endosso dos cheques ou a não contabilização dos recebimentos são factos alheios à Impugnante e que não põem em causa a veracidade da transacção, pelo que não constituem indícios válidos da falta de veracidade do conteúdo da factura.
Os restantes elementos não configuram, em rigor, verdadeiros indícios, tratando-se, antes, de exigências probatórias impostas ao sujeito passivo que apenas se justificariam em caso de existência de indícios suficientes que apontassem no sentido da simulação da transacção.
Por fim, convocam-se os elementos que sustentaram a desconsideração das facturas de compra de pares de cortes (facturas nº 5026 de 24/03/2005 e nº 5027 de 31/03/2005, emitidas pela T. , Lda.):
§ apesar de não possuir fichas de produção, o sujeito passivo conseguiu identificar os produtos vendidos resultantes do consumo das matérias-primas adquiridas;
§ ficou por justificar a diferença de preços relativamente aos fornecedores habituais (com respeito à mesma referência – K1484 – ronda os 4,61€ e neste caso foi de 8,25€).
§ a empresa T. foi objecto de uma acção de consulta e recolha de elementos, tendo-se apurado que:
• a empresa foi declarada insolvente pelo Tribunal Judicial de Guimarães em 06.10.2005, a pedido do credor T., Lda.
• as declarações periódicas de rendimentos (modelo 22) de 2004 e 2005 não foram entregues, apresentando apenas o anexo J das declarações anuais relativas aqueles exercícios;
• até à presente data, a contabilidade da empresa, relativamente aos exercícios de 2004 e 2005, não foi encerrada;
• os inventários finais de existências relativos a 2003, 2004 e 2005 não foram apresentados;
• a base tributável das declarações periódicas do IVA, relativas aos períodos em que foram emitidas as facturas para “J., Lda.”, comporta o valor das mesmas;
§ De acordo com a acção levada a efeito à empresa P., acima referida, esta não tinha peles e gáspeas que permitissem a venda das quantidades mencionadas nas facturas nº 4004, de 29.10.2004, no valor de €136.251,32 e nº 4008 de 31.12.2004, no valor de €50.168,01, registadas na contabilidade da T., mas omissas na contabilidade daquela, o que conjugado com o facto de a gerência das duas empresas ser comum faz pressupor uma operação tipo “carrossel”;
§ Os cheques alegadamente utilizados para pagamento das facturas em análise foram depositados numa conta diferente das pertencentes à T., conforme apurado na sua contabilidade.
Importa referir, desde logo, que facto de o sujeito passivo conseguir correlacionar as matérias-primas adquiridas com os produtos vendidos resultantes do consumo das mesmas não constitui qualquer indício da simulação das transacções, antes apontando no sentido da veracidade das mesmas.
Por seu lado, quanto à apontada diferença de preços relativamente a fornecedores habituais, só por si não chega para dizer que as transacções não ocorreram, tanto mais que ficou provado que se tratou da compra de cortes e não da prestação de serviços de corte, pelo que as duas realidades não são comparáveis.
Depois, há que assinalar que as irregularidades contabilísticas apuradas no âmbito da acção de consulta e recolha de elementos levada a cabo à empresa emitente das facturas também não servem como indício de que as transacções em causa não ocorreram, tanto mais que aí se concluiu que a base tributável das declarações periódicas do IVA, relativas aos períodos em que foram emitidas as facturas em causa, “comporta o valor das mesmas”. Acrescente-se que a data da declaração da insolvência é posterior à data da emissão das facturas em análise.
No que concerne às conclusões vertidas no relatório de inspecção da empresa P., designadamente, a alegada existência de operações tipo “carrossel” entre esta empresa e a T., não se pode aceitar, sem mais, a ilação de que as facturas em análise nos autos também titulavam operações simuladas. Parece, de resto, que a fiscalização pretendeu apenas pôr em causa a credibilidade dos sujeitos (por alegadamente estarem envolvidos em tais operações) mas, como referia o Prof. Saldanha Sanches (in «A Quantificação da Obrigação Tributária», pág. 361) a ausência de credibilidade subjetiva dos sujeitos não constitui fundamento da avaliação administrativa.
Por último, refira-se que o destino final do cheque que, de acordo com a contabilidade da Impugnante, serviu como meio de pagamento das facturas em causa também não serve como indiciador da simulação, conforme se referiu supra.
Atento ao exposto e em suma, impõe-se concluir que a administração tributária não cumpriu o ónus que sobre si recaía quanto à existência de facturas de favor relativas a operações inexistentes, uma vez que os factos-índice invocados não estão suportados em dados objetivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão.
Não tendo a AT feito a prova que lhe competia, a questão relativa à legalidade da sua actuação terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.” (sublinhados nossos)
Vejamos.
Do assim exposto, não se acolhe a afirmação [conclusão K] de que a organização expositiva da sentença revela desde logo existir contradição no discurso fundamentador, por conclusivamente afirmar que a “AT não fez prova do que lhe competia” e, bem assim no mais, do exposto ao longo das conclusões Q. a W, que recalcam o discurso fundamentador do RIT e de que estamos perante indícios sérios e credíveis que por si permitem concluir fundadamente que às facturas em causa não correspondem operações reais.
A sentença afirma é que a AT não cumpriu o ónus que sobre si recaia, sendo que os factos índices fundamentadores da sua actuação não estão suportados em dados objectivos ou não são adequados a suportar a conclusão que os serviços de inspecção granjearam.
E, para além de uma análise pormenorizada e exaustiva dos facto-índices constantes do RIT, o Tribunal a quo reforça a sua apreciação e asserção, com os factos dados como provados decorrentes da prova produzida nos autos, ou seja, para além de decompor os índices coligidos pela AT, destruindo a sua robustez enquanto indicadores objetivos e suficientemente indiciadores da “faturação falsa” ou de “favor”, assevera paralelamente que logrou a Impugnante demonstrar que algumas das operações descritas em facturas elencadas são reais, a saber as que decorrem dos factos provados sob o itens 14 a 16.
Nada cumpre, a este Tribunal ad quem, acrescentar ao quadro normativo que antecede a análise cabal que estabeleceu o Tribunal a quo aos factos-índices constantes do RIT, e é imbuído daquele, que cumpre reapreciar se a Administração Tributária, no seu poder de averiguação e inspeção, colheu indícios fundados e objetivos, para desconsiderar os custos inerentes às facturas (acções de formação profissional, controlo de qualidade, diagnóstico de investimento e a compra de “pares de cortes”.
Ora, os indícios são definidos como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (Saldanha Sanches in A Quantificação da Obrigação Tributária, de, 2ª edição, pág. 311, citando o Professor Castro Mendes).
Fazendo apelo ao quadro factual e circunstancial do RIT, verifica-se desde logo que os factos erigidos para o efeito, são em si frágeis e de per si não revelam as consequências retiradas pela AT, o que a sentença sob recurso fundamentou de forma exaustiva e sólida, que não vê este Tribunal ad quem (perante a manutenção da matéria de facto dada como provada, sendo que o aditamento oficioso, apenas procedeu à transcrição dos elementos do RIT que considerou por pertinentes e aos quais aludia a fundamentação da sentença) razões, perante as conclusões da Recorrente, de concatenar numa fundamentação de reiteração.
Diremos apenas, em termos circunstanciais, que alguns dos factos erigidos pelos Serviços de Inspecção tem directamente a ver com decisões estratégias da empresa, pior ou melhor sucedidas, revestem sem dúvida uma vertente subjetiva; comparam-se realidades diferentes, porque contextualizadas em pressupostos diversos, como o caso da formação financiada e não financiada; depois também não são apresentados argumentos que possam afastar os conhecimentos dos formadores e a não oportunidade dos cursos ministrados em face da categoria dos trabalhadores, imputam-se efeitos de comportamentos de terceiros à Recorrida, sem que haja um fio condutor que permita ajuizar que esta tinha conhecimento de factos que não estão diretamente no campo do seu controle ou conhecimento; os meios de pagamento das faturas são os cheques, fazendo-se considerações sobre as vicissitudes que os acompanham sem trazer o elo de ligação entre as vicissitudes apontadas e quem paga através deste meio de pagamento; irregularidades contabilísticas de terceiros para descredibilizar as operações descritas nas faturas; a incapacidade económico-financeira ou da existência de stocks da empresa P., as irregularidades da empresa T. também não está suficientemente estruturada porque assenta única e exclusivamente em declarações periódicas apresentadas, ou não, ficamos tão só com a diferença de preço relativamente aos fornecedores habituais, sem mais dados que permitam inferir existir uma forte e injustificada discrepância.
Todas estas objeções que estão devidamente pormenorizadas na sentença são suficientes para afirmar que a AT não colheu indícios “fortes” de faturação de favor; acrescendo que no âmbito da prova produzida a Impugnante/Recorrida consegue demonstrar a existência e realidade de algumas operações económicas, corroborando o infundado das suspeitas enunciadas no relatório.

A Recorrente nas suas conclusões Y) a AA), e no que concerne às correções relativas à reposição de provisões, afirma que a sentença não ultrapassa um óbice de relevo: à data da anulação das provisões da dívida da “N/F.” essa mesma dívida já não existia nos registos da impugnante, não estava em nenhuma conta de terceiros, que justificasse o risco de incobrabilidade, quanto à anulação das provisões acumuladas relativas à entidade “T.”, a Fazenda Pública insiste na falta de prova documental da origem da dívida e das diligências dirigidas à sua cobrança ou incobrabilidade definitiva, pelo que aceitar a anulação destas provisões equivale a permitir saídas financeiras sem justificação.
Entendeu o SI que os movimentos contabilísticos efectuados em 2005 com vista a anular os saldos alegadamente incobráveis dos clientes “N/F.” e “T.” traduzem-se em proveitos não contabilizados.
Em relação à N/F., pode ler-se no relatório de inspecção que “a conta “2812202 N/F.” a ser debitada tem de haver redução de provisões “7962 Reduções de Provisões” e nunca a contrapartida ser uma subconta de depósitos à ordem e, dado o facto da dívida nem sequer existir em nenhuma conta de Terceiros, significa que à data a referida dívida é inexistente, logo a incobrabilidade da mesma não existe”. [cfr. fls. 30/32 e 54 do RIT]
Quanto à T., conclui-se naquele relatório, após análise da argumentação trazida pelo sujeito passivo em sede de audição prévia, que “a anulação do referido crédito devia ter sido justificada através de documentos integrantes do dossier fiscal do contribuinte. Esses documentos deveriam justificar, nomeadamente, a existência do crédito (cópia da factura ou documento equivalente), diligências para a sua cobrança e prova da sua incobrabilidade (troca de correspondência)” [cfr. fls. 54 do RIT).
O Tribunal a quo discorreu que:
“É de referir, desde logo, que as contas movimentadas em 2005 pela empresa inspeccionada são contas do activo, que não tem implicações directas no resultado líquido do exercício.
Por outro lado, não se mostra lícito concluir pela “omissão” de proveitos no ano de 2005, com base em alegada falta de verificação dos pressupostos da constituição das provisões contabilizadas em 1996, 1997 e 1999, pois a legalidade destas apenas poderia ser questionada nos anos em que as mesmas foram consideradas como custo.
Os lançamentos contabilísticos em causa revelam uma intenção de saldar contas de clientes, nas quais se mostravam reflectidos créditos que, tendo em conta o hiato temporal decorrido, foram considerados como definitivamente incobráveis. Deste modo, apesar de a metodologia adoptada não respeitar as regras da contabilidade, como a própria Impugnante reconhece, é possível concluir que os movimentos contabilísticos realizados não tiveram reflexo na matéria tributável do exercício de 2005.
Nesta conformidade, a correcção introduzida pela AT ao resultado líquido do exercício mostra-se ilegal, na medida em que assenta na consideração de proveitos que na realidade não existiram.”
Como resulta da sentença apoiada nos elementos constantes do RIT, a Impugnante constitui em 1996, 1997 e 1999 provisões – na conta ajustamentos de dívidas a receber - dividas clientes, e a FP não discorre do facto da impugnante em 2005 proceder anulação (se bem sem motivo aparente) a anulação da provisão respeitante a “N/F.”, no entanto paralelamente o valor inscrito na conta “281 Ajustamentos de dívidas a receber – dívidas de clientes” tem que ser anulada no valor correspondente, não podendo as duas operações existentes na contabilidade coexistirem, o que leva a crer que nenhuma divida existe, assim como a sua incobrabilidade.
Neste particular, a escassez de elementos e a sua carreação aos autos, faz pender sobre este Tribunal ad quem a questão que se nos avoca e cuja resposta procuramos alcançar no RIT e Processo de Reclamação Graciosa sem êxito, de quais os elementos constantes dos Modelos 22 e elementos contabilísticos respeitantes aos exercícios de 1996, 1997 e 1999 que permitissem infirmar a tese do impugnante ou pelo contrário dar consistência a tese dos SI, assim não acontecendo cumpre manter o decidido, firmada na posição de que prevalece a presunção de veracidade da escrita comercial, prevista no artigo 75º da LGT.
Por último, a Recorrente alega (conclusão BB) que as tributações autónomas, foram lançadas com a justificação de que as operações a que respeitavam os cheques elencados para esse efeito a fls. 88/57? e 84/57? (numeração que não se alcança) do RIT, por se reputarem inexistentes nos termos já longamente desenvolvidos, tiveram destino desconhecido, e, afinal, estavam associados a despesas confidenciais ou não documentadas, objeto de tributação autónoma, conforme o n°1 do art. 81° do CIRC.
Na sentença recorrida ponderou-se que: “Ora, tendo em conta que as referidas operações foram desconsideradas sem que tivessem sido recolhidos indícios bastantes que apontassem no sentido da sua simulação, tal como decidido supra, cai por terra toda a fundamentação vertida no ponto 1.5.2 do RIT (fls. 34 e 35 do RIT).
Acrescente-se, ainda, que mesmo tratando-se de despesas simuladas é pacífico na jurisprudência que as mesmas não dão lugar a tributação autónoma.
Veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão do TCA-Norte de 20.01.2004, processo 00589/03, disponível em www.dgsi.pt, no qual se pode ler o seguinte:
“(...) Também e no que concerne à tributação fiscal da despesa simulada como de despesa confidencial se tratasse não pode tal tese ser acolhida como bem referiu a sentença.
O artigo 41do CIRC na alínea h) diz que as despesas havidas com caracter confidencial não podem ser dedutíveis como custo.
(…) Já o mesmo não sucede quanto às facturas fictícias e correspondentes despesas que nem são relevadas fiscalmente nem consideradas despesas efectuadas já que não têm subjacentes verdadeiras e reais operações.”
Argumentação da Recorrente falece, prevalecendo o decidido em 1ª instância, tendo em conta que as referidas operações foram desconsideradas sem que tivessem sido recolhidos indícios bastantes que apontassem no sentido da sua simulação, tal como decidido supra, cai por terra toda a fundamentação vertida no RIT.
Efectivamente, da fundamentação do RIT em sede de tributação autónoma do ano de 2005, refere-se “As operações mencionadas nas facturas emitidas a favor de “J. ,Lda”, descritas na alínea 1.2) deste Capítulo, foram consideradas inexistentes, pelo que o destino dos cheques emitidos para o alegado “pagamento” daquelas facturas é desconhecido, considerando-se que esses fluxos financeiros estão associados a despesas confidenciais ou não documentadas ocorridas na data de movimento dos cheques, conforme a seguir se evidencia: …”
E, a fls. 54 do RIT na análise efectivada aos elementos fornecidos pelo sujeito passivo em sede de audição, após terem sido aceites a utilização de alguns cheques como meios de pagamento atenta a prova apresentada, quanto aos cheques emitidos relativos a operações inexistentes, consta que “Considerando que mantemos a posição inicial de considerar que as facturas identificadas e analisadas sob o ponto 1.2) do Capitulo II deste Relatório consubstanciam operações inexistentes, mantemos da mesma forma a tributação autónoma calculada com base nos fluxos financeiros associados ao alegado pagamento dessas facturas, no pressuposto de que os mesmos terão sido utilizados para pagamento de despesas não devidamente documentadas.
Por definição e em traços largos, despesas confidenciais são as “não especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade” Cfr. v.g. Acs. STA de 23.3.1994, rec. 17812 e de 3.12.2003, rec. 01283/03., que, pela sua própria natureza, não são documentadas, devendo qualificar-se como despesas não documentadas aquelas “relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade”. Ambas têm, portanto, como denominador comum, o facto de serem despesas não comprovadas por documentos.
Apresentadas as características de cada uma das despesas (confidenciais e não documentadas), em função do fundamento eleito pelos serviços de fiscalização para proporem a não dedução como custos fiscais e a tributação autónoma “dos cheques emitidos cujo destino é desconhecido” contabilizadas pela impugnante, impõe-se que devotemos atenções se aquelas podem assumir a condição de “não documentadas”.
Ora, no caso em apreço, a despesa encontra-se documentada através de facturas emitidas que haviam sido desconsideradas pela AT em sede do mesmo procedimento inspectivo, sendo que em sede de impugnação foi considerado que AT não cumpriu o ónus que sobre si recaia quanto aquelas serem facturas de favor relativas a operações inexistentes, pelo que se remete para a fundamentação expendida nessa sede, falecendo por completo a fundamentação constante do RIT e a conclusão a retirar é a de que não é possível concluir-se estar-se perante despesas não documentadas.
Aqui chegados cumpre volver a questão da anulação dos actos de liquidação de IRC do ano de 2005, atento o alegado pela Recorrente nas suas conclusões E. a G..
Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados naquelas conclusões E. a G. e nos itens 11. a 20 das alegações, a Recorrente tece considerações sobre a causa de pedir versus pedido, para concluir que a petição inicial não abarca todas as vertentes das correcções efectuadas no RIT ao IRC de 2005, designadamente aquelas que implicaram o recurso a métodos indirectos (dado se ter concluído ter havido omissão de vendas à contabilidade), concluindo que as causas de pedir apresentadas ficam muito aquém da consequência peticionada de anulação das liquidações de IRC e dos correspondentes juros compensatórios, consequência a que a sentença recorrida deu, indevidamente, pleno acolhimento.
É certo que, depois prossegue a sua alegação configurado este erro de julgamento indevidamente em ineptidão da petição inicial (a qual supra foi objecto de apreciação, e para onde se remete), mas independentemente da “designação” imputada ao alegado, o que resulta do exposto, é saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao anular na totalidade, e não parcialmente, a liquidação do IRC (2005) tão só quanto ao segmento das correções meramente aritméticas (proveitos e custo não aceites) e tributações autónomas, sendo que a liquidação comporta correcções efectuadas com recurso aos métodos indirectos não impugnadas nos autos.
Vejamos
Tem sido entendido, em geral, pelo Supremo tribunal Administrativo, que os actos administrativos que impõem a obrigação de pagamento de uma quantia, designadamente os actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial dos mesmos (art. 100º da LGT) - cf. entre outros, os acórdãos proferidos em 26.03.2003, no proc. n.º 1973/02; em 27.09.2005, no proc. n.º 287/05; em 12.01.2011, no proc. n.º 583/10, em 21.02.2018, no recurso 12/15 e, em especial, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de10.04.2013, proferido no processo 298/12.
Como decorre do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 10.04.2013, proferido no processo 298/12 «se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira».
O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado, de acordo com aquela jurisprudência, passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
Deste modo, se o vício que constitui o fundamento da procedência da impugnação apenas afectar parte da liquidação, e não a sua totalidade, a liquidação deve ser anulada parcialmente, ou seja, apenas na parte que fica afectada por esse vício, subsistindo a liquidação na restante parte.
A doutrina e a jurisprudência do STA admitem e fomentam a possibilidade de anulação parcial do acto tributário com base na natureza de sentença de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto e por duas ordens de razões. (i) Por um lado, por força do princípio da economia processual, para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária. (ii) Por outro lado por razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação, num sistema de administração executiva como o nosso, no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa – neste sentido Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 6ª ed., pág. 421/422 e Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs.
Do exposto decorre, que, quando um acto de liquidação se baseia em determinada matéria colectável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada, não há qualquer obstáculo a que o acto de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por qualquer ilegalidade.
E esse, é a nosso ver, a situação em crise nos presentes autos.
A impugnante, ora recorrida, sindicou a liquidação invocando:
a) preterição de formalidades legais no procedimento de inspecção:
- o projecto de relatório de inspecção tributária incluía o parecer da chefe da equipa de inspecção, emitido antes de o sujeito passivo ter exercido o direito de audição, sendo, por isso, violado o disposto no artigo 62º, nº 6 do RCPIT;
. a prorrogação do prazo inspectivo, por 3 meses, é ilegal, por não ter sido invocada qualquer situação tributária de especial complexidade;
. não houve lugar à notificação prévia prevista no artigo 49º do RCPIT;
. respeitando o âmbito da inspecção a IVA, a extensão a IRC é ilegal.
b) As conclusões e indícios que a AT apresenta não são suficientes nem decisivos para concluir pela simulação das facturas identificadas no RIT;
c) As referidas facturas dizem respeito a custos efectivamente suportados pela Impugnante;
d) O atraso na contabilização das comissões de venda pagas à empresa S. não põe em causa o princípio da especialização dos exercícios, devendo ser aceite como custo.
e) As reintegrações e amortizações alegadamente indevidas deixam de assim poder ser consideradas, logo que decidida a legalidade da dedução dos custos desconsiderados pela AT.
f) A consideração de “proveitos” alegadamente não contabilizados associados à anulação das provisões dos clientes N/F. e T. mostra-se ilegal porque, independentemente dos lapsos nos lançamentos contabilísticos, não resultou nenhum benefício para o sujeito passivo, nem nenhum prejuízo para o Estado.
g) Não deve haver lugar às pretendidas tributações autónomas porque, desde logo, existem documentos externos que identificam devidamente quem os emitiu e que se encontram registados apropriadamente em custos de terceiros e, acima de tudo, porque os custos que a inspecção considerou como despesas confidenciais foram efectivamente suportados e revelam essencialidade para o normal funcionamento do seu objecto comercial e industrial.
Este o objecto da acção impugnatória e, naturalmente, aquele sobre o qual o tribunal a quo se pronunciou. Assim, tendo sido julgada procedente a impugnação, por ilegalidade das correcções meramente aritméticas descritas nos pontos do RIT, 1.1) Comissões de venda; 1.2) Custos não aceites nos termos do artigo 23º do CIRC; ilegalidade da anulação das provisões mencionadas em 1.4) e por último da ilegalidade da Tributação Autónoma operada, apenas o segmento da liquidação a eles relativo é atingido pela decisão anulatória (permanecendo incólume a liquidação no segmento referente por exemplo às correcções operadas por métodos indirectos).
Sucede que, não obstante o assim decidido, a sentença recorrida determinou a anulação (total) da liquidação de IRC controvertida. Assim circunscrevendo-se as ilegalidades constantes do peticionado e declaradas ilegais às correcções meramente aritméticas e Tributação Autónoma, e mostrando-se que esses valores podem ser definidos mediante simples operações aritméticas, haverá que proceder à anulação parcial da liquidação sindicada e não à sua anulação total.

2.3. Conclusões
I. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, não se verifica quando a sentença aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não tenha em conta todos os argumentos apresentados pelas partes.
II. A nulidade por ineptidão da petição inicial é susceptível de ser conhecida no despacho saneador ou, o mais tardar, na sentença, ficando o seu conhecimento precludido depois desta data (cfr. artigo 200.º, n.º 2, do CPC).
III. Não cumpre a Recorrente o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto imposto pela al. b), do nº1, do art. 640º, do CPC (especificada, indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida), quando se limita a impugnar factos em bloco, sem especificação concreta das provas, ponto por ponto, transcrevendo a prova testemunhal produzida em jeito de ilacções e colocando em causa a razão de ciência das testemunhas. As referidas faltas de indicação especificada dos meios probatórios e de análise crítica das provas, têm como consequência a rejeição do recurso, nessa parte.
IV. Administração Fiscal tem o ónus de provar a factualidade que a levou a desconsiderar um custo, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
VI. O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação.
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida (segmento decisório) e julgar parcialmente procedente a impugnação, determinando a anulação da liquidação de IRC de 2005 e respectiva liquidação de juros compensatórios apenas na parte que decorre das ilegalidades determinadas: das correcções meramente aritméticas descritas no RIT sob os pontos 1.1) Comissões de venda; 1.2) Custos não aceites nos termos do artigo 23º do CIRC; ilegalidade da anulação das provisões mencionadas em 1.4) e por último da ilegalidade da Tributação Autónoma operada ponto 1.5) do RIT.
Custas a cargo de ambas as partes, nas duas instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa em 50%.
Porto, 13 de janeiro 2021

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Maria Celeste Oliveira