Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00865/11.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; REEMBOLSO DO PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA;
INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA; TAXA;
DEVER DE COLABORAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO COM OS PARTICULARES;
Sumário:
I. A inspeção tributária prevista no n.º 3 do artigo 93.º do CIRC (anteriormente, art. 87.º) não pode qualificar-se como prestação de um serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem, tratando-se, antes e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal.

II. Pela inspeção tributária prevista naquela disposição legal não pode ser exigida a taxa por ato inspetivo prevista no Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, e na Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro.

III. A Administração fiscal encontra-se obrigada ao dever de colaboração com os particulares, do qual decorre, além do mais, a obrigação dos seus órgãos e agentes procurarem suprir oficiosamente as deficiências dos requerimentos dos sujeitos passivos.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida em 2016-09-01 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a ação administrativa interposta por [SCom01...], S.A., tendo por objeto a decisão de indeferimento do pedido de reembolso do pagamento especial por conta referente ao exercício de 2003 no montante de EUR 7.025,89, vem interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
Conclusões
I. Do artigo 93º, nº 3, al. b) do CIRC resulta que os sujeitos passivos para solicitarem a devolução do PEC devem obedecer a dois requisitos:
II. O sujeito passivo tem de pedir que lhe seja efectuada uma acção de inspecção; e
III. Esse pedido tem de ser feito no prazo de 90 dias após o termo do prazo de apresentação periódica relativa ao mesmo exercício.
IV. As acções inspectivas a pedido do sujeito passivo são reguladas pelo Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro.
V. Caso o sujeito passivo não possa efectuar a dedução à colecta do PEC no exercício a que o mesmo respeita ou num dos quatro exercícios seguintes, existe sempre a possibilidade de obter o reembolso nos termos do n.º 3 do referido preceito legal, desde que verificados os requisitos aí enunciados.
VI. O facto de não terem sido ainda publicados os rácios de rentabilidade a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 93º (ex 87º) não impede o sujeito passivo de obter o reembolso nos termos daquela norma, uma vez que não lhe sendo imputável a falta de publicação nos referidos rácios, não parece legítimo retirar-se o direito de solicitar o pedido de reembolso, conforme resulta do entendimento vertido no Despacho n.º 249/2005-XVII, de 31 de Maio de 2015 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
VII. Nestes termos, a falta de publicação da referida portaria não impede a realização da acção inspectiva prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 93º (ex 87º) do CIRC.
VIII. Nos termos do referido diploma a intervenção da inspecção está condicionada ao pagamento de uma taxa cujo montante é determinado nos termos da Portaria n.º 923/99, de 20 de Setembro.
IX. O pagamento especial por conta na sua génese foi criado no sentido de evitar a fraude e a evasão fiscal, com a possibilidade de dedutibilidade do pagamento efectuado até aos quatro exercícios seguintes;
X. A acção inspectiva a posteriori, a pedido do contribuinte, onde é este que goza do ónus de requerer ou não o reembolso após os quatro exercícios;
XI. Deste modo, a acção inspectiva funciona de forma residual, onde para o reembolso operar, importa o pagamento de uma taxa – na medida em que estamos perante uma contra prestação por parte da Administração, a qual implica uma alocação extraordinária de recursos, dependendo do volume de negócios do requerente.
XII. Pelo que, independentemente do montante peticionado a título de reembolso a Administração terá sempre de afectar alguns recursos para cumprimento da acção inspectiva, a qual tem de ser realizada num espaço de tempo e cujo trabalho e dispêndio de horas varia, não em função do montante peticionado, mas sim da dimensão do sujeito passivo, o que traduzirá uma perda para o erário público de recursos humanos e materiais que poderiam/deveriam estar a executar outras tarefas.
XIII. Compare-se o custo de uma inspecção feita pela AT a pedido do contribuinte com uma auditoria feita por uma consultora/auditora externa aos quatro exercícios e facilmente se conclui que o montante a pagar à consultora/auditora externa seria manifestamente superior.
XIV. Por isso, não se pode invocar qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, já que os custos da inspecção são proporcionais à dimensão dos sujeitos passivos.
XV. A acção inspectiva vai muito além da função confirmativa ou da mera verificação do declarado pelo contribuinte.
XVI. No presente caso, isto é aquando da inspecção a pedido do sujeito passivo dá-se uma inversão da posição na ordem jurídica que é determinante para a imputação de uma taxa que minimize os encargos, despesas e o prejuízo daí resultante para o Estado.
XVII. E não se diga, parece ser entendimento do tribunal a quo, que os sujeitos passivos estão apenas a exercer um direito ou que a inspecção imposta ao sujeito passivo para o exercício do seu direito ao reembolso, está inserida dentro das obrigações da administração tributária, de confirmação da sua situação tributária que determinará aquele reembolso (procurando minimizar o acto inspectivo),
XVIII. Porque conforme é consabido, o Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), no artigo 2º, alíneas a) e ss., determina que não só os actos inspectivos incidem sobre a confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, mas também a indagação de factos tributários não declarados e demais actos cujo cumprimento do princípio da legalidade obriga.
XIX. A introdução de uma “flat tax” para o acto inspectivo implica para o acto inspectivo implica para a Administração não só a perda de receita tributária, mas também, eventualmente, a paralisação de toda a acção inspectiva;
XX. Basta, para o efeito, a existência de um acréscimo anormal de pedidos de reembolso, para que toda a estrutura inspectiva integrante no Órgão Periférico Regional fique paralisada a realizar inspecções a pedido dos contribuintes;
XXI. No presente caso o tribunal a quo ignorou a “outra face” da relação jurídica, cujo sujeito passivo é a Administração.
XXII. O Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro é aplicável às situações como a aqui em apreço, não violando por isso quaisquer princípios constitucionais, designadamente o princípio da proporcionalidade e tributação sobre o rendimento real.
XXIII. Pelo que não pode a AT ser condenada a apreciar o pedido de reembolso dos PEC’s;
XXIV. E muito menos, sem obrigatoriedade do pagamento das taxas inspectivas.
XXV. Não existe qualquer violação dos princípios do acesso ao direito, da proporcionalidade, do estado de direito democrático, da tributação das empresas pelo seu lucro real ou de qualquer outro preceito constitucional, quando se exige um pedido de uma acção inspectiva para efeitos do reembolso do pagamento especial por conta pago pelo contribuinte, tendo-se pronunciado neste mesmo sentido o Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em Sentença proferida no Processo n.º 102/09.8BEPNF.
XXVI. A sentença ora recorrida viola o artigo 93.º, n.º 3 do CIRC e, bem assim, o DL 6/99, de 08-01, a Portaria n.º 923/99, de 20-10, o artigo 36º do RCPIT e faz uma errada aplicação do artigo 58º da LGT.
Termina pedindo:
Pelo que, nestes termos e nos mais de Direito, que V.ªs Exas., doutamente suprirão, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente e revogada a sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.
***
A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:
- CONCLUSÕES:
i. Como resulta da matéria de facto provada, e como feito notar pelo Tribunal a quo, a Recorrida, no final pedido de reembolso, solicitou à AT que desse “cumprimento ao legalmente estipulado (…)” - ou seja, solicitou que procedesse ao reembolso do PEC depois de cumpridas as formalidades legais estabelecidas para o efeito, incluindo a inspecção à sua esfera tributária ou qualquer outra formalidade legalmente exigível para apreciação e decisão do pedido de reembolso.
ii. Vale isto por dizer que, como correctamente julgado, o pedido de reembolso de PEC, nos termos da lei, tem inerente um pedido de realização de acção inspectiva, incumbindo à AT, por conseguinte, a adopção dos procedimentos considerados adequados à realização da inspecção para aferir e decidir o peticionado reembolso.
iii. Em situações semelhantes, de pedidos de reembolso de PEC outro Tribunal de primeira instância anulou o acto de indeferimento do pedido de reembolso, nos seguintes termos: «Atendendo a que o pedido de reembolso da autora tem também inerente um pedido de realização de acção inspectiva, a administração tributária tinha de adaptar os procedimentos adequados à realização da inspecção a pedido do sujeito passivo, para decidir o pedido de reembolso.». (Acórdão de 26.07.2010, proferido no proc. n.º 102/09.SBEPNF, pelo TAF de Penafiel).
iv. Como resulta dos autos, a Recorrida deixou documentalmente demonstrado que em situações semelhantes a AT, antes de indeferir o reembolso de PEC formulado nos termos do artigo 93.º n.º 3 CIRC, notificou os Contribuintes para, querendo confirmarem o pedido de inspecção ao abrigo do D.L. n.º 6 /99 doc. n.º 3 com a petição inicial.
v. Como igualmente resulta dos autos, no caso concreto a AT indeferiu liminarmente o pedido de reembolso, sem, antes disso, notificar o Contribuinte para clarificar se pretendia, ou não, a realização de uma inspecção, para suprir as irregularidades eventualmente existentes no pedido, sendo que a AT tampouco convolou o pedido de reembolso no pedido de inspecção que considera ser necessário.
vi. Quando a Recorrida formulou o pedido de reembolso de PEC, solicitou à AT que “desse cumprimento ao legalmente estabelecido - pelo que, subsistindo à AT dúvidas sobre o âmbito e extensão do que lhe fora pedido, cabia-lhe solicitar ao Contribuinte os esclarecimentos que entendesse necessários, em lugar de indeferir liminarmente o pedido.
vii. Perante o pedido da Recorrida, a AT não ponderou convenientemente que, na relação jurídica tributária, o Contribuinte surge como “a parte mais fraca”, actuando no procedimento administrativo sem necessidade de constituição de mandatário com conhecimentos técnicos necessários para a interpretação e aplicação das normas fiscais..
viii. Essa posição relativa do Contribuinte face à AT implica que esta deve actuar em obediência ao princípio da legalidade, não podendo a sua actuação resumir-se a uma subordinação cega a formalismos, ficando, outrossim, vinculada no dever de sopesar os reflexos práticos que o procedimento e a decisão procedimental podem causar na esfera jurídica dos particulares - porquanto a AT actua (ou melhor, deve actuar) em cumprimento dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé. da colaboração e do inquisitório..
ix. Nos termos da lei, o princípio da colaboração entre a AT e Contribuinte abrange a correcção de erros ou omissões manifestas nos pedidos apresentados para salvaguarda dos seus direitos.
x. Também o artigo 19.º n.º 1 do D.L. n.º 135/99 de 22.04, que estabelece regras tendentes à modernização da Administração Pública - nela incluída, naturalmente, a AT - estabelece que «(...) devem os serviços diligenciar no sentido de oficiosamente serem supridas as deficiências dos requerimentos ou pedidos. de modo a evitar aos interessados preiuízos por simples irregularidades ou mera imperfeição dos pedidos.» (destaque nosso).
xi. Aliás, o dever de oficiosamente promover a sanação de irregularidades dos pedidos decorreria já do dever geral de colaboração e boa-fé da AT com o Contribuinte, como Administrado, estabelecido nos artigos 59.º n.º 1 e 2 da LGT e 6.º-A e 7.º do CPA.
xii. Também o artigo 52.º do CPPT impõe à AT o dever de, oficiosamente, convolar o procedimento impróprio no considerado próprio - como corolário da necessária prevalência da substância sobre a forma.
xiii. De outro modo, a AT facilmente se prevaleceria de erros e omissões que considera existir nos pedidos formulados pelos Contribuintes para. invocando razões meramente formais, obstar ao exercício de direitos legalmente consagrados - como é o direito ao reembolso de imposto10.
xiv. Logo, e ainda que se entendesse que o pedido de reembolso de PEC deveria incluir, expressamente, um pedido de inspecção - o que não se concede - nunca a AT poderia indeferir liminarmente o pedido, sem antes disso, clarificar o objecto do pedido ou convolar o mesmo na forma considerada adequada.
xv. A Fazenda Pública funda agora o seu recurso em matéria que o Tribunal não apreciou por considerar que não estava inserido no objecto do processo - e de que, na contestação apresentada nos autos (cfr. pontos 80 a 88). a própria Fazenda Pública afasta a sindicância.
Termina pedindo:
TERMOS EM QUE, com a falta de provimento do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida manter-se nos seus precisos termos, assim se cumprindo a Lei e se fazendo justiça.
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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal foi oportunamente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1 do CPTA, nada tendo vindo requerer ou promover.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de direito por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no art. 93.º, n.º 3 do CIRC, do DL 6/99, de 08-01, da Portaria n.º 923/99, de 20-10, do art. 36º do RCPIT e do art. 58º da LGT.
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II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

II – Fundamentação:
Factos Provados:
1. No dia 29 de Agosto de 2008, a autora apresentou, no Serviço de Finanças ..., requerimento, solicitando o reembolso do montante de Pagamento Especial por Conta do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas entregues ao Estado, relativo ao exercício de 2003, no montante de € 7.025,89, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com fundamento na circunstância de não poder tal montante ser deduzido à colecta da autora, naquele exercício nem nos quatro seguintes (fls. 2 a 14 do PA).
2. No dia 21.1.2011, o Chefe do Serviço de Finanças ... proferiu projecto de decisão de indeferimento do pedido referido em 1., com os seguintes fundamentos:
“(…)
Na dedução à colecta foram utilizados pec’s de anos anteriores e do próprio exercício.
No entanto, não tendo sido dado cumprimento ao estipulado na al. b) do nº 3 do art. 93º do CIRC, com a redacção dada pelo nº 3 do art. 26º da Lei nº 32-B/2002, da 30 de Dezembro, actualizado com a redacção dada pela Lei nº 3-B/2010, de 28.4 (Orçamento do Estado para 2010) não foram cumpridos os requisitos necessários.
Em face do exposto, sou de opinião que se deverá indeferir o pretendido (…). (fls. 16 a 17 do PA).
3. Por ofício datado de 27.1.2011, enviado sob registo postal, foi a autora notificada do projecto de decisão, para exercer o direito de audição prévia (fls. 28 e 19 do PA).
4. Por decisão proferida em 22.2.2011, do Chefe do Serviço de Finanças ..., foi indeferido o pedido de reembolso (fls. 20 do PA).
5. A decisão referida em 3., foi notificada à autora, por ofício datado de 23.2.2011, enviado por via postal registada e aviso de recepção, assinado em1.3.2011 (fls. 21 a 23 do PA).
Factos não Provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes dos autos e do processo administrativo, como se indicou ao longo dos factos provados.
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II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pelo Recorrente, ou seja, se nela se fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no art. 93.º, n.º 3 do CIRC, do DL 6/99, de 08-01, da Portaria n.º 923/99, de 20-10, do art. 36.º do RCPIT e do art. 58.º da LGT.
Efetivamente, e se bem se interpreta o seu recurso, o cerne do desacordo da Recorrente com a sentença prende-se com o entendimento de que tendo o pedido de reembolso do PEC sido efetuado nos termos do disposto no n.º 3 do art. 93.º do CIRC, a Recorrida deveria ter requerido explicitamente a realização da inspeção prevista na respetiva alínea b), in fine, sendo que a esta se aplicaria o regime do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro, diploma que prevê a possibilidade de fiscalizar a situação tributária por iniciativa do próprio contribuinte ou de terceiro que demonstre interesse legítimo, pelo que nos termos daquele diploma, a intervenção da inspeção estaria condicionada ao pagamento de uma taxa cujo montante seria determinado nos termos da Portaria n.º 923/99, de 20 de outubro.
Recordando, a sentença julgou procedente a ação administrativa interposta pela Recorrida tendo por objeto o ato que indeferiu o requerimento que apresentara em 29 de Agosto de 2008, solicitando o reembolso do montante referente a Pagamento Especial por Conta (PEC) do IRC entregue ao Estado, relativo ao exercício de 2003 no montante de EUR 7.025,89, tendo o indeferimento tido por fundamento o facto de não ter “sido dado cumprimento ao estipulado na al. b) do n.º 3 do art. 93.º do CIRC, com a redacção dada pelo n.º 3 do art. 26.º da Lei nº 32-B/2002, da 30 de Dezembro, actualizado com a redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28.4 (Orçamento do Estado para 2010) não foram cumpridos os requisitos necessários(cf. pontos 1 e 2, da fundamentação de facto).
Para tanto, foi a seguinte a sustentação da sentença, que se passa a reproduzir no extrato pertinente:
“(…)
Na situação em apreço, o pedido de reembolso apresentado pela autora enquadra-se nesta última situação prevista no nº 3 do art. 93º do Código do IRC.
Sucede que tal pedido de reembolso veio a ser indeferido com fundamento na falta de cumprimento do estipulado na al. b), do nº 3, do art. 93º, do CIRC, ou seja, na falta de inspecção, que não foi pedida pela autora, no prazo ali estabelecido.
In casu, tratando-se de um PEC de 2003 e verificando-se a falta de dedução no quarto exercício posterior, o prazo referido na norma em apreço terminaria no final de Agosto de 2008, pelo que o pedido efectuado pela autora é tempestivo.
No entanto, para se poder concluir no sentido de que a autora tem direito ao reembolso peticionado, cumpre verificar se estão preenchidas as duas condições impostas pelo citado normativo, a saber: (i) o não afastamento, em relação ao exercício a que diz respeito o PEC (2006), em mais de 10%, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se insere a autora, rácios esses a publicar em Portaria do Ministro das Finanças, e (ii) a consideração da situação que deu origem ao reembolso como justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo.
Ora, apesar de estarmos perante requisitos cumulativos, a verdade é que a primeira condição não é aplicável porquanto não foram ainda publicados quaisquer rácios por Portaria do Ministro das Finanças.
Assim sendo, basta que a situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo, formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação.
Do requerimento apresentado pela autora resulta claro que a mesma pediu o reembolso do PEC. Em face de tal requerimento, nada mais tinha a Administração Tributária que fazer do que proceder à inspecção da autora para que o respectivo reembolso fosse ou não concedido, pois que, ao contrário do defendido no despacho impugnado, não consideramos que tenha que existir um requerimento autónomo a solicitar a realização de uma inspecção tributária.
Na verdade, basta a apresentação do requerimento de reembolso do PEC para que a Administração Fiscal esteja obrigada a efectuar todas as diligências necessárias à verificação das condições necessárias a esse reembolso, em concretização do princípio do inquisitório, previsto no art. 58º, da LGT.
Por outro lado, sendo obrigação dos sujeitos passivos conhecer os regimes fiscais a que estão sujeitos, não desconhece a autora que o pedido de reembolso pode implicar a realização de inspecção tributária, que não recusou nem, aliás, o poderia fazer.
(…)”
Ora, desde já se antecipa que a Recorrente não tem razão.
Com efeito, e ao contrário do que pretende, à inspeção prevista na alínea b), do n.º 3, do art. 93.º (anteriormente numerado 87.º), do CIRC não é aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro, nem a taxa prevista Portaria n.º 923/99, de 20 de outubro, pois estando em causa o exercício de um direito – o de obter o reembolso do PEC que não possa ter sido deduzido à matéria coletável por insuficiência da mesma no período legalmente determinado – e sendo a inspeção tributária necessária para a verificação de um pressuposto desse direito, em causa não está um serviço que deva ser prestado pela Administração tributária aos sujeitos passivos tendo por finalidade a obtenção de uma qualquer vantagem por parte dos mesmos, mas antes única possibilidade que estes têm de provar o pressuposto da concretização desse mesmo direito.
Esta questão encontra-se, de resto, claramente dilucidada por jurisprudência constante dos nossos Tribunais superiores (cf. nesse sentido os Acórdãos do STA proferidos em 2017-05-31, no proc. 072/17, em 2017-10-11, no proc. 0581/17, em 2019-11-06, no proc. 03265/11.9BEPRT 0123/17, e em 2022-07-13, no proc. 03261/11.6BEPRT, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Assim sendo, reproduzem-se os fundamentos que sustentam a supracitada jurisprudência, tal como sintetizados no já mencionado Acórdão proferido pelo STA em 2019-11-06, no proc. 03265/11.9BEPRT 0123/17, e que aqui se acolhem na integra e sem qualquer reserva, por mera remissão (cf. n.º 3 do art. 94.º do CPTA):
(…)
3. De direito
3.1. A questão aqui em apreço – liquidação pela AT da taxa por acto inspectivo estipulada no Decreto-Lei n.º 6/99 e na Portaria n.º 923/99 na sequência do pedido de reembolso do valor do pagamento especial por conta (PEC) previsto no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC – não é nova na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, pois sobre ela já se pronunciaram os acórdãos de 31 de Maio de 2017 (processo n.º 072/17) e de 11 de Outubro de 2017 (processo n.º 0581/17), em sentido do qual aqui não iremos divergir.
De resto, a questão de direito a que há que responder no âmbito do presente recurso é idêntica à que foi analisada e decidida nos acórdãos antes mencionados, pelo que deve aplicar-se o disposto no n.º 3 do artigo 94.º do CPTA, i. e., proceder-se a uma fundamentação sumária da presente decisão, através de remissão para as decisões precedentes e os fundamentos aí expendidos. Optamos, porém, por transcrever excertos do acórdão de 31 de Maio de 2017 (processo n.º 072/17), que se nos afiguram essenciais para a compreensão da fundamentação da decisão aqui adoptada:
“Pretendeu o legislador com a redacção, na altura vigente, do n.º 3, do artigo 93.º, do CIRC, sujeitar o pedido de reembolso do PEC à realização de uma acção de inspecção. Mas tal não significava necessária e imediatamente a sujeição desta acção inspectiva ao previsto no Decreto-Lei n.º 6/99 e Portaria n.º 924/99 e ao inerente pagamento de taxas, como pretende a Administração Tributária.
O preâmbulo deste normativo dispõe que: a inspecção tributária depende exclusivamente, no quadro da legislação actual, da iniciativa da própria administração tributária. No entanto, a certeza e segurança jurídicas e a necessidade de viabilizar negócios jurídicos relevantes do ponto de vista da reestruturação empresarial e da dinamização da vida económica aconselham a flexibilização desse regime, posto que com a devida salvaguarda dos interesses da administração tributária. É, assim, criado um regime especial de inspecção por iniciativa do sujeito passivo, com efeitos vinculativos para a administração tributária, cujo acesso depende da prova de interesse legítimo pelo sujeito passivo ou terceiro, devidamente autorizado por este.
Por isso este normativo tem fins específicos, consubstanciando-se num serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo para apuramento da situação tributária deste e tendo em vista a realização de actos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica, entre outras.
O conceito de “interesse legítimo” do sujeito passivo está definido no n.º 6, do artigo 2.º, do normativo em análise, que explica que “o interesse legítimo referido no presente artigo consiste em qualquer vantagem resultante do conhecimento da exacta situação tributária do sujeito passivo, proveniente, nomeadamente, de actos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica ou de acesso a regimes legais a que o requerente pretende ter direito.
Trata-se de um elenco meramente exemplificativo e reforça a ideia de se tratar de um serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo em vista a obtenção por este de uma qualquer vantagem. E, como serviço que é, está sujeito ao pagamento de uma taxa, de montante variável consoante o âmbito e extensão da acção de inspecção, e cuja tabela vem prevista na já referida Portaria n.º 923/99.
Desta interpretação só se pode concluir, ao contrário do defendido pela Administração Tributária, que não é aplicável este Decreto-Lei n.º 6/99 ao regime de reembolso de PEC de IRC, mormente o seu artigo 4. °, e concomitantemente, a tabela de taxas previstas na Portaria n.º 923/99.
Trata-se de avaliar se existe uma falta de correspondência entre a finalidade inicial das inspecções a pedido com o regime previsto no n.º 3, do artigo 93.º, do CIRC. E, na verdade, inexiste qualquer correspondência.
O regime previsto no Decreto-Lei n.º 6/99 regulamenta um serviço prestado pela administração ao sujeito passivo quando este pretende realizar uma operação ou procurar uma qualquer vantagem, alheia a uma relação tributária preexistente.
Já quanto à inspecção feita a “pedido do sujeito passivo” para efeitos de reembolso de PEC de IRC, não estão em causa as mesmas finalidades. Não se trata de uma inspecção necessária à obtenção pelo particular de uma qualquer vantagem, mas antes de um procedimento necessário ao exercício de um direito.
Determinava o n.º 2, do artigo 106.º, do CIRC, em vigor à data que o montante do pagamento especial por conta é igual a 1% do volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, com o limite mínimo de (euro) 1000, e, quando superior, é igual a este limite acrescido de 20% da parte excedente, com o limite máximo de (euro) 70.000 (sendo o volume de negócios correspondente ao valor das vendas e dos serviços prestados).
Estabeleceu o regime de PEC um conceito de “rendimento legal”: o legislador fixa um rendimento sem necessária correspondência com o rendimento real, o único tributável por imposição constitucional. E fê-lo qualificando aquele rendimento legal como uma verdadeira presunção legal, em sentido estrito. Como determina o artigo 349.º do CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um desconhecido. E a lei, no CIRC, retira uma ilação de um facto conhecido, o volume de negócios do período de tributação anterior, para firmar um desconhecido, o rendimento do ano fiscal a que os pagamentos especiais por conta dizem respeito.
Ora, dispõe o n.º 2, do artigo 350.º do CC que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir. No que respeita ao PEC, não existe qualquer proibição legal de ilisão da presunção nem poderia nunca haver, atenta a imposição constitucional de tributação das pessoas colectivas segundo o seu rendimento real (n.º 2, do artigo 104.º, da CRP), estando antes taxativamente consagrada a possibilidade de ilidir tal presunção (artigo 73. ° da LGT).
Consequentemente, e ao contrário do entendimento da AT, não existe aqui qualquer “inversão”, ainda que aparente, da relação jurídica tributária, já que continuam a ser os mesmos o sujeito activo e o sujeito passivo daquela relação (nos termos previstos no artigo 18.º e seguintes da LGT). Também não colhe o argumento de que a acção inspectiva é necessária para a verificação de um “pressuposto legal” do direito ao reembolso: este direito nasce ope legis, se o rendimento dito “legal” for superior ao rendimento real. Ocorre, apenas e tão-só, uma inversão do ónus da prova quanto à determinação do rendimento real do sujeito passivo.
Se normalmente compete à Administração, mediante a operação desta presunção legal passa a caber àquele o ónus de a ilidir, se com a mesma não se conformar. E o meio imposto pelo legislador para ilidir tal presunção, nos termos do previsto naquela norma do n.º 3, do artigo 93.º, do CIRC, é a obrigação de o sujeito passivo pedir que lhe seja feita uma inspecção.
Todavia, não se trata aqui da prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem, mas sim, e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal fixado pelo legislador no supra-referido normativo. Ou seja, trata-se do exercício pelo sujeito passivo de um direito que lhe assiste por lei.
Não tem, por isso, aplicação a esta situação o previsto no Decreto-Lei n.º 6/99”.
(…) [fim de citação].
Por outro lado, sempre se dirá que ainda que assim não fosse, a decisão de indeferir o requerimento da Recorrida por a mesma padecer de uma mera irregularidade formal, sempre revelaria um erro palmar na interpretação do dever de colaboração com os contribuintes que impende sobre a Administração fiscal (cf. art. 59.º da LGT), e a violação do disposto no (então) n.º 2 do então art. 76.º do Código de Procedimento Administrativo, na redação em vigor à data, e aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, e do qual expressamente decorria a obrigação dos órgãos e agentes administrativos procurarem suprir oficiosamente as deficiências dos requerimentos dos administrados.
Assim sendo, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente.
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No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe à Recorrente, atendendo ao seu decaimento [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA].
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. A inspeção tributária prevista no n.º 3 do artigo 93.º do CIRC (anteriormente, art. 87.º) não pode qualificar-se como prestação de um serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem, tratando-se, antes e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal.
II. Pela inspeção tributária prevista naquela disposição legal não pode ser exigida a taxa por ato inspetivo prevista no Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, e na Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro.
III. A Administração fiscal encontra-se obrigada ao dever de colaboração com os particulares, do qual decorre, além do mais, a obrigação dos seus órgãos e agentes procurarem suprir oficiosamente as deficiências dos requerimentos dos sujeitos passivos.
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III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 12 de outubro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – José Coelho – Carlos de Castro Fernandes.