Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:05008/04 - Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/19/2011
Relator:José Luís Paulo Escudeiro
Descritores:FALTA DE LIQUIDAÇÃO DE IVA
DEDUÇÃO INDEVIDA DE IVA
Sumário:I - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal – Cfr. artº1º-1 do CIVA;
II- Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade – Cfr. atº 3º-1 do mesmo Código;
III- Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo, designadamente, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto – Cfr. artº 3º-3 do CIVA;
IV- A alienação de veículos automóveis não afectos ao património particular do Recorrente mas antes à sua actividade enquanto empresário em nome individual, ou seja tratando-se de bens do activo imobilizado da empresa, importam a liquidação do correspondente IVA;
V- Não confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes que não tenham sido passadas em forma legal – Cfr. artº 19º-2 do CIVA, a contrario seusu;
VI- Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 35.º do CIVA – Cfr. artº 19º-6 do mesmo Código;
VII- Para evitar a fraude fiscal, o legislador determinou que só seria dedutível o imposto mencionado em facturas, documentos a estas equivalentes passados em forma legal ou no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, e desde que tais documentos estivessem em nome e na posse do sujeito passivo.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do TCAN:
I- RELATÓRIO
R…, devidamente id. nos autos, inconformada com a sentença do TAF de Viseu, datada de 04.JUL.05, que, julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra a FAZENDA PÚBLICA respeitante liquidações adicionais de IVA dos anos de 1997e 1998, e respectivos juros compensatórios, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
1. Andou mal a sentença recorrida ao julgar totalmente improcedente a Impugnação Judicial, mantendo as liquidações adicionais impugnadas;
2. Na verdade, aquele acto tributário enferma de vícios materiais e de fundamentação;
3. Na verdade, há vício material quanto à alegada falta de liquidação do IVA, pois ela não se verifica, tendo a sentença, ora recorrida violado, além do mais, o disposto no arts 1°, n.° 1, al. a) e 3°, n.° 3, al. f), ambos do CIVA;
4. Pois, aqueles dois veículos alienados, os veículos Renault Clio, matrícula FH e Toyota Hilux, matrícula BF, não estavam afectos ao seu património particular mas, sim, à sua actividade;
5. E isto tanto mais é assim quanto as referidas viaturas foram alienadas, já em 2a e/ou 3a mão, pelo recorrente, enquanto empresário em nome individual, numa altura em que não havia cessado a sua actividade;
6. Assim sendo, não se tratando de uma afectação permanente de bens da empresa a uso próprio do titular e, muito menos, se tratou de uma transmissão gratuita, tanto mais que não houve sequer dedução total ou parcial do imposto;
7. Não se enquadrando no conceito de "transmissão de bens" e, consequentemente, não havendo lugar a qualquer liquidação de IVA;
8. Violou, a sentença ora recorrida, o art. 35°, n.° 5 e 19°, n.° 2 do CIVA, ao considerar que houve dedução indevida do IVA;
9. Na verdade, interessando (ou devendo interessar) à Administração Fiscal a verdade material, certo é que aquele imposto, relativamente aos bens constantes das ditas facturas, foi, efectivamente, pago;
10. Na verdade, não se poderá punir o ora recorrente pelo não cumprimento daquelas meras formalidades, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração Fiscal e do atropelo do Princípio da Boa Fé;
11. No que diz respeito à viatura JS, constituindo parte do imobilizado, entende-se que se consubstancia numa transmissão gratuita, e não tendo existido, aquando da aquisição do veículo referido, dedução total ou parcial do respectivo IVA, desta forma, e considerando o artigo em questão, também não terá de liquidar-se esse mesmo IVA (Cfr, art. 3º, n.° 3, al. f) do CIVA);
12. Violando-se, desta forma, ao exigir do contribuinte, ora recorrente, mais do que lhe é exigível, o princípio da legalidade e o princípio da capacidade contributiva (Cfr. art.103°, n.° 3 e 266°, n.° 2, ambos da CRP e art. 8° da LGT);
13. A falta de fundamentação do acto torna insindicável a hipotética margem de discricionariedade técnica da Administração;
14. O órgão recorrido não apresentou, convenientemente, como lhe era imposto, uma resposta clara, suficiente e fundada àquelas liquidações adicionais, muito menos concretizou os factos em que se apoiou;
15. Ao lançar mão de conceitos genéricos, limitou-se aquele órgão a, genericamente, concluir que havia lugar àquela liquidação adicional;
16. A sentença recorrida violou, entre outras, as normas constantes dos arts.l°, n.° 1, al. a), 3°, n.° 3, al. f), 35°, n.° 5° e 19°, n.° 2, todos do CIVA, art. 8° da LGT, arts. 103°, n.° 3 e 266°, n.° 2, ambos da CRP;
17. Deve, pois, dando-se provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, declarando-se nulo ou anulável o acto recorrido, tudo acrescido das demais consequências legais.
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Mº Pº emitiu parecer, nesta instância, no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II – QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
a) O erro de julgamento de direito por errada apreciação da ilegalidade de violação de lei, imputada ao acto de liquidação, consistente na alegada falta de liquidação de IVA, na alienação dos veículos, em referência, com violação do disposto nos artºs 1º-1-a) e 3º-3-f) do CIVA, 8º da LGT e 103º-3 e 266º-2 da CRP (conclusões 3 a 7 e 11 e 12);
b) O erro de julgamento de direito por deficiente apreciação da ilegalidade de violação de lei, imputada ao acto de liquidação, consistente na consideração da dedução indevida de IVA, relativamente às facturas identificadas, com violação do enunciado nos artºs 35º-5 e 19º-2 do CIVA (conclusões 8 a 10); e
c) O erro de julgamento de direito por errada apreciação da ilegalidade de falta de fundamentação, imputada ao acto de liquidação (conclusões13 e segs.).
III – FUNDAMENTAÇÃO
III-1. Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:
II- I FACTOS PROVADOS
Compulsados os autos, vista a prova produzida, com relevo para a decisão a proferir dão-se como provados os seguintes factos:
A) O Impugnante foi objecto de acção inspectiva originada na ordem de serviço n° 22575, que decorreu entre 28-07-99 e 06-10-99, abarcando os exercícios de 1995 a 1998, com especial incidência neste último exercício; cfr. fols. 2 e 3 do Relatório de exame constante de fols. 9 a 15 do PÁ apenso que aqui se dá por reproduzido;
B) O Impugnante, contribuinte n° 203 941 365, iniciou em 02-11-95 e cessou em 16-03-1998, como empresário em nome individual, a actividade de "estucagem” com o código CAE 2045410, cadastrado em termos de IVA no regime normal trimestral, cfr. Fols. 2 do já aludido relatório e 33, ponto 6 do PA apenso;
C) O Impugnante, na qualidade de empresário em nome individual, com as datas de 07-03-97 e 28-09-97 facturou a venda das viaturas Renault Clio, matrícula FH e Toyota Hilux de matrícula BF, facturas n° 13 e 21, pelo preço de Esc. 900 000$00 e 1 550 000$00, cfr. Fols. 3 do Relatório que se vem aludindo e artigos 7 a 12° da PI que aqui se dão por reproduzidos;
D) A viatura Renault era património particular do Impugnante e por ele foi afectada ao exercício da actividade de "estucagem", em 27-11-95 pelo valor de Esc. 1 500 000$00. Aplicando a taxa de 17% sobre o valor da venda referido em C) alcança-se o valor de Esc. 153 000$00, idem anterior;
E) A viatura Toyota havia sido adquirida pelo Impugnante em 14-01-97, ao abrigo do regime de bens em segunda mão, pelo valor de Esc. 2 000 000$00. Aplicando a taxa de 17% sobre o valor da venda referido em C) alcança-se o valor de Esc. 263 500$00, idem C);
F) O Impugnante procedeu à dedução de Esc. 178 500$00 com base na factura n° 202/97/1 de 12-08-97 do fornecedor "M…t". Esta factura refere-se à compra de diversos produtos cujo valor unitário ascende a Esc. 1 262 199$00, não se fazendo qualquer referência ao IVA da máquina de projectar, (figurando esta com o valor unitário de Esc. 1 228 500$00, sendo este o valor lançado no livro de registo de bens e investimento n° 4) registando-se apenas a palavra "Isento" idem C e documento de fols. 15 do processo de reclamação incorporado no PA apenso;
G) A fornecedora da máquina de projectar veio, posteriormente, a remeter à Impugnante "cópia da mesma factura, onde indicou, à mão, as contas movimentadas na sua contabilidade pela venda suportada pela factura em causa (na conta de vendas terá sido lançado o montante de 1 083 699$00 e na conta de IVA liquidado o valor de 184 229$00)". "O Sujeito passivo considerou que os 1 228 500$00 indicados como preço da máquina de projectar incluíam IVA à taxa de 17% e que, portanto, o valor da máquina sem IVA se cifrava em 1 050 000$00, correspondendo o respectivo IVA a Esc. 178 500$00, idem C, doc, de fols. 16 do processo de reclamação incorporado no PA apenso, art°s 150 a 18 da PI e documentos de fols. 8 a 12;
H) O Impugnante procedeu à dedução de Esc. 51 000$00 com base na factura n° 24 de 15-0697 emitida por J… sendo que nesta apenas se refere "serviço de molduras", não quantificando ou especificando as operações efectuadas, as quantidades, o preço unitário ou as obras em que foram executadas, cfr. Fols. 4 do já aludido relatório, art°s 19° e 20° da PI e doc, de fols. 40 do processo de reclamação incorporado no PA apenso;
I) O Impugnante procedeu à dedução de Esc. 1 018 300$00 com base na factura n° 106 de 02-12-97 emitida por R…, sendo que nesta apenas se refere "Execução de trabalhos em gesso projectado", não quantificando ou especificando as operações efectuadas, as quantidades de m2 de gesso projectado, o respectivo preço unitário ou as obras em que foram executados os serviços em causa, cfr. Fols. 4 do já aludido relatório, art° 210 da PI e doc, de fols. 39 do processo de reclamação incorporado no PA apenso;
J) Tendo o Impugnante cessado a actividade em 16-03-98, dispondo de vários elementos que integravam o imobilizado e que, não tendo sido vendidos antes da cessação da actividade, "se presumem afectos ao património particular do sujeito passivo", estando nestas circunstâncias Cavaletes pé de galinha, telemóvel Telecel, aparafusadora com bateria, rebarbadora B&D e viatura Renault JS, cujo valor considerado atendeu ao de aquisição subtraindo a este o das amortizações acumuladas até ao fim do ano de 1997, cfr. fols. 4 e 5 do Relatório e al. E) da reclamação, vide Processo Administrativo apenso, para o qual o Impugnante remete no artº 25 da Petição inicial; e
K) A Administração Fiscal, considerando os factos descritos em C) a J), fazendo o enquadramento legal, procedeu a correcções meramente aritméticas que originaram as liquidações nestes autos Impugnadas, cfr. 2 a 5 do Relatório;
L) As liquidações adicionais impugnadas foram pagas nos termos do DL 248-A/2002, tendo as liquidações dos juros compensatórios sido anuladas nos termos do diploma referido, cfr. Informação de fols. 32 do PA.
II-II FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram factos que estejam em contradição com a factualidade provada, ou outros.
A convicção do tribunal formou-se com base nos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados.
III-1. Matéria de direito
Como supra se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional, determinar se a sentença recorrida enferma dos imputados erros de julgamento de direito, por errada ou deficiente apreciação das ilegalidades de violação de lei, imputadas ao acto de liquidação, consistentes, por um lado, na alegada falta de liquidação de IVA, na alienação dos veículos, em referência, com violação do disposto nos artºs 1º-1-a) e 3º-3-f) do CIVA, 8º da LGT e 103º-3 e 266º-2 da CRP (conclusões 3 a 7 e 11 e 12), na consideração da dedução indevida de IVA, relativamente às facturas identificadas, com violação do enunciado nos artºs 35º-5 e 19º-2 do CIVA (conclusões 8 a 10); e de falta de fundamentação (conclusões13 e segs.).
III-2.1. Do erro de julgamento quanto à apreciação da ilegalidade de violação de lei, com violação do disposto nos artºs 1º-1-a) e 3º-3-f) do CIVA, 8º da LGT e 103º-3 e 266º-2 da CRP
Sustenta o Recorrente que os dois veículos alienados, os veículos Renault Clio, matrícula FH e Toyota Hilux, matrícula BF, não estavam afectos ao seu património particular mas, sim, à sua actividade, tendo sido alienados, já em 2ª e/ou 3ª mão, pelo recorrente, enquanto empresário em nome individual, numa altura em que não havia cessado a sua actividade.
Assim, não se tratou de uma afectação permanente de bens da empresa a uso próprio do titular e, muito menos, de uma transmissão gratuita, tanto mais que não houve sequer dedução total ou parcial do imposto, não se enquadrando no conceito de "transmissão de bens", não havendo lugar a qualquer liquidação de IVA.
Por outro lado, no que respeita à viatura Renault JS, constituindo este parte do imobilizado, entende-se que a sua alienação se consubstancia numa transmissão gratuita, e não tendo existido, aquando da sua aquisição, dedução total ou parcial do respectivo IVA, também não terá de liquidar-se IVA (Cfr. art. 3º, n.° 3, al. f) do CIVA), violando-se, desta forma, ao exigir do contribuinte, ora recorrente, mais do que lhe é exigível, o princípio da legalidade e o princípio da capacidade contributiva (Cfr. art.103°, n.° 3 e 266°, n.° 2, ambos da CRP e art. 8° da LGT.
Vejamos.
Dispõem os artºs 1º-1-a) e 3º-3-f) do CIVA, 8º da LGT e 103º-3 e 266º-2 da CRP, o seguinte:
Artº 1.º
1 - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
(…)
Artº 3.º
1 - Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
2 – (…)
3 - Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo:
(…)
f) Ressalvado o disposto no artigo 25.º, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.
Excluem-se do regime estabelecido por esta alínea as amostras e as ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais;
(…)
Artº 8.º
(Princípio da legalidade tributária)
1 - Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações fiscais.
2 - Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária:
a) A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade;
b) A regulamentação das figuras da substituição e responsabilidade tributárias;
c) A definição das obrigações acessórias;
d) A definição das sanções fiscais sem natureza criminal;
e) As regras de procedimento e processo tributário.
Artº 103º
(Sistema fiscal)
(…)
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
Artº 266º
(Princípios fundamentais)
(…)
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
Ora, tratando-se da alienação de veículos automóveis não afectos ao património particular do Recorrente mas antes à sua actividade enquanto empresário em nome individual, ou seja tratando-se de bens do activo imobilizado da empresa, não se vislumbra como tais operações não se enquadrem na previsão e estatuição dos artºs 1º-1-a) e 3º-1-f) do CIVA e nessa medida deva ser liquidado o correspondente IVA, tudo isto sem que se esteja a exigir do Contribuinte/Recorrente, mais do que lhe é exigível, nem, em consequência, a violação dos princípios da legalidade e da capacidade contributiva enunciados nas citadas normas constitucionais.
Termos em que improcedem as conclusões de recurso quanto ao primeiro fundamento de recurso.
III-2.2. Do erro de julgamento quanto à apreciação da ilegalidade de violação de lei, com violação do enunciado nos artºs 35º-5 e 19º-2 do CIVA
Alega o Recorrente ter a sentença recorrida violado o disposto nos art. 35°, n.° 5 e 19°, n.° 2 do CIVA, ao considerar que houve dedução indevida do IVA, quando o certo é que aquele imposto, relativamente aos bens constantes das identificadas facturas foi, efectivamente, pago.
Assim, não poderá punir-se o ora recorrente pelo não cumprimento de meras formalidades, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração Fiscal e do atropelo do Princípio da Boa Fé.
Vejamos se lhe assiste razão.
Estabelecem os artºs 19º-2 e 35º-5 do CIVA, que:
Artº 19.º
1 – (…)
Só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.
(…)
Art. 35.º - Prazo de emissão e formalidades das facturas e documentos equivalentes
(…)
5 - As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;
c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;
d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;
e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso.
No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados em b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.
Ora, compulsados os actos, maxime o teor das alíneas F) a I) da matéria de facto assente e analisado o teor das normas pretensamente violadas, designadamente as alíneas b) e segs. do nº 5 do artº 35º do CIVA, constata-se à evidência, não terem as facturas, em referência, respeitado as exigências legais nele contempladas, pelo que, de acordo com o enunciado no artº 19º-2 do mesmo Código, interpretado a contrario sensu, não confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes que não tenham sido passadas em forma legal, isto porque, tal como se escreve no Ac. do STA de 31.JAN.08, in Rec. nº 902/07, “para evitar a fraude fiscal, o legislador determinou que só seria dedutível o imposto mencionado em facturas, documentos a estas equivalentes passados em forma legal ou no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, e desde que tais documentos estivessem em nome e na posse do sujeito passivo.
E, atento aquele objectivo, o legislador foi especialmente exigente – n.º 6 do dito artigo 19.º: “para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 35.º…
A factura ou documento equivalente deve ser emitida pelo sujeito passivo “por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma, bem como pelos pagamentos que lhe sejam efectuados antes da data de transmissão de bens ou prestação de serviços” – artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do CIVA…
Na verdade, é reconhecido o carácter formalista do IVA, em ordem nomeadamente, a evitar, o mais possível, a evasão fiscal, pelo que as respectivas formalidades o são ad substanciam, que não meramente ad probationem”..
(No mesmo sentido, citem-se, entre outros os Acs. do mesmo STA, de 02.MAR.05, in Rec. nº 01186/04; de 04.JUN.08, in Rec. nº 098/08; e de 15.ABR.09, in Rec. nº 0951/08)
Nestes termos improcedem, igualmente, as conclusões de recurso respeitantes ao segundo fundamento de recurso.
III-2.3. Do erro de julgamento quanto à apreciação da ilegalidade formal da falta de fundamentação
Refere o Recorrente, quanto a este fundamento de recurso, que a falta de fundamentação do acto torna insindicável a hipotética margem de discricionariedade técnica da Administração, não tendo, no caso, a Administração Fiscal apresentado, convenientemente, como lhe era imposto, uma resposta clara, suficiente e fundada às liquidações adicionais efectuadas nem tendo concretizado os factos em que se apoiou, tendo-se limitado, ao lançar mão de conceitos genéricos, a, genericamente, concluir que havia lugar às liquidações adicionais.
Cumpre decidir.
Compulsados os autos, maxime a PI, resulta deste articulado não ter sido invocada a ilegalidade formal da falta de fundamentação das liquidações impugnadas.
Por esse motivo, e por não se configurar tal ilegalidade de conhecimento oficioso, a sentença recorrida não a apreciou.
Assim, porque se trata de matéria trazida ao processo ex nuovo, uma vez que não foi alegada nos articulados, não tendo por isso sido objecto de apreciação por parte da sentença recorrida não pode pelas mesmas razões ser objecto de conhecimento por este TCAN, por via de recurso jurisdicional, isto porquanto os recursos jurisdicionais constituem um meio processual de impugnação de decisões judiciais - Cfr. artº 676º-1 do CPC - pelo que, à excepção das questões de conhecimento oficioso, neles não podem ser apreciadas matérias que o não tenham sido nas decisões recorridas, sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas.
Assim sendo, o tribunal de recurso não pode conhecer de questão que não tenha sido oportunamente suscitada na 1ª instância, que esta não tenha conhecido e que não seja do conhecimento oficioso, uma vez que os recursos visam, em geral, e com excepção das questões de conhecimento oficioso, modificar as decisões recorridas e já não apreciar questões não decididas pelo tribunal a quo.
Termos em que se decide não conhecer do 3º e último fundamento de recurso.
Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso, impondo-se, em consequência, a manutenção da sentença recorrida.
IV- CONCLUSÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em negar provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 19 de Maio de 2011
José Luís Paulo Escudeiro
Francisco António Pedrosa de Areal Rothes
Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro