Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00913/16.8BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO, REQUISITOS DA NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA, NULIDADE INSUPRÍVEL
Sumário:I. A notificação relativa à decisão de aplicação da coima deve conter os termos da decisão, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva - cfr. artigo 79.º, n.º 2 do RGIT.

II. Se a AT não provou ter efectuado a notificação dos termos da decisão, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação, como resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso – cfr. artigo 63.º, n.º 5 do RGIT.

III. Verificada, em processo judicial de contra-ordenação tributária, a nulidade decorrente da falta de menção na notificação dos termos da decisão, designadamente, da indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima [cfr. artigos 79.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 e 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT], há lugar à anulação da notificação e dos termos subsequentes do processo e remessa dos autos à entidade administrativa, tendo em vista a possível repetição do acto de notificação afectado. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A., S.A., contribuinte fiscal n.º (...), com sede na Avenida (…), (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 31/01/2020, que julgou improcedente o presente Recurso de Contra-ordenação, contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de(...), que a condenou no pagamento de uma coima no montante de €18.469,37, por falta de entrega do imposto retido na fonte a que se encontrava obrigada, em violação do disposto no artigo 98.º do CIRS.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1) Tendo em consideração os factos dados como provados na Sentença recorrida, o tribunal a quo não poderia ter concluído, como concluiu, pela improcedência do primeiro e segundo fundamentos (respectivamente, a falta de notificação da decisão recorrida e a sua consequente ineficácia, e a nulidade insuprível do processo de contra-ordenação decorrente da circunstância de o documento enviado à Recorrente não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima) invocados no recurso da decisão de aplicação da coima.
2) O tribunal a quo, na Sentença recorrida, refere que, muito embora “a notificação” omita “a completa indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima”, dessa mesma “notificação” “consta ainda /…/ a menção de que a Recorrente poderia consultar os elementos do processo, quer acedendo electronicamente ao Portal das Finanças, quer deslocando-se ao respectivo Serviço de Finanças”, pelo que, “tendo presente a possibilidade de aceder eletronicamente aos elementos omitidos, não se pode considerar que a Recorrente ficou impossibilitada de compreender os motivos da decisão nem prejudicada no exercício do seu direito de recorrer judicialmente da mesma”.
3) Ainda de acordo com o que vem referido na Sentença recorrida a propósito da nulidade insuprível do processo de contra-ordenação decorrente da circunstância de o documento enviado à Recorrente não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima, o tribunal a quo refere que “a circunstância da notificação da decisão não conter parte dos referidos elementos que contribuíram para a determinação da medida da coima não impediu ou prejudicou o exercício do direito de impugnação, porquanto os mesmos constam da decisão recorrida a qual, por sua vez, poderia ter sido consultada pela Recorrente, mormente mediante acesso eletrónico ao processo”.
4) Para chegar a tais conclusões, o tribunal a quo não se poderia ter limitado a dar como provado que na notificação enviada à Recorrente (ofício de 09/05/2016) se refere que “Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na internet, utilizando a sua senha de aceso, no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt”, impondo-se ainda que tivesse dado como assente que esses “elementos do processo” constavam efectivamente do citado endereço da internet.
5) Sucede que, nos factos que na Sentença recorrida foram dados como provados, não é feita referência a essa circunstância.
6) Verifica-se, por isso, uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art. 410º-2/a do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 3º/b do RGIT e do disposto no artigo 74º-4 do RGCO), uma vez que só dando como provado que a decisão de aplicação da coima estava efectivamente disponível no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt, é que o tribunal a quo poderia ter concluído, como concluiu, pela improcedência do primeiro e segundo fundamentos invocados no recurso apresentado pela Recorrente.
7) Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, ordenando-se, em consequência, o reenvio do processo ao tribunal a quo para nova decisão relativamente à concreta questão acima mencionada, proferindo-se a final nova sentença.
8) Ao ter negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, a Sentença recorrida violou o disposto nas normas dos arts. 27º-1 e 79º-1/c do RGIT, as quais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido constante nas presentes alegações e conclusões.

Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.”
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Nem a entidade recorrida contra-alegou, nem o Ministério Público respondeu ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS), excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso; pelo que este tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pela Recorrente, designadamente a propósito da invocada nulidade insuprível do processo de contra-ordenação, decorrente da circunstância de o documento enviado à Recorrente (notificação da decisão de aplicação de coima) não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa:
1. Em 06.04.2016, o Serviço de Finanças de (...) instaurou o processo de contraordenação n.º 01082016060000009298, com base em auto de notícia no qual é imputada à Recorrente a prática de uma infração ao disposto no artigo 98.º n.º 3 do Código do IRS, punível pelo artigo 114.º n.ºs 2 e 5 alínea a), 24.º n.º 2 e 26.º n.º 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias, consubstanciada na entrega fora de prazo do imposto retido no fonte referente ao mês de novembro de 2015, no montante de € 60.063,00 – cfr. documentos a fls. 4 e 9 do sitaf;
2. Em 04.05.2016, no âmbito do processo de contraordenação referido no ponto anterior, foi proferida decisão de fixação de coima no montante de € 18.469,37, e respetivas custas processuais no valor de € 76,50 – cfr. documento a fls. 13/14 do sitaf;
3. Da decisão de fixação de coima consta, além do mais, o seguinte:
“[…]
Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 60.063,00; 2. Valor da prestação tributária entregue: 60.063,00; […] 4. Data de cumprimento da obrigação: 2016-01-08; 5. Período a que respeita a infração:
2015/11; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-12-21 […]. Número da Guia: G.80444936718.
[…]
Normas Infringidas
[…]
Artº 98 nº 3 CIRS-Entrega fora do prazo de imposto retido na fonte
[…]
Normas Punitivas
[…]
Artº 114 nº2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT-Falta de entrega da prestação tributária
[…]
Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) […]:
Actos de Ocultação Não
Benefício Económico 0,00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção 3 a 6 meses
[…]
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima […] aplico ao arguido a coima de Eur. 18.469,37 cominada no(s) […] Artº 114 nº2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
[…]” – idem;
4. Para comunicação da decisão referida nos dois pontos anteriores, foi, em 09.05.2016, remetido para a caixa postal eletrónica da Recorrente um documento denominado “NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA – PAGAMENTO OU RECURSO JUDICIAL […]”, o qual foi acedido em16.05.2016 – cfr documentos de fls. 24 a 26 do sitaf;
5. Do documento referido no ponto anterior consta, além do mais, o seguinte:
“[…] fica notificado(a), da decisão em que foi aplicada a coima no montante de € 18.469,37, bem como das custas processuais no montante de € 76,50, proferida […] em 2016-05-04, pelo seguinte:
Elementos que contribuíram para a fixação da coima
Montante de imposto exigível: 60.063,00
Valor da prestação tributária entregue: 60.063,00
Valor da prestação tributária em falta: 0,00
Data de cumprimento da obrigação: 2016-01-08
Período a que respeita a infração: 2015/11
Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-12-21
[…]
Norma Violada
Artº 98 nº 3 CIRS-Entrega fora do prazo de imposto retido na fonte
Norma Punitiva
Artº 114 nº2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT-Falta de entrega da prestação tributária
[…] fica notifica(a) para, no prazo de 20 dias […], efetuar o pagamento da coima acima referida bem como das custas processuais ou, em alternativa, recorrer judicialmente contra a decisão […], vigorando, neste caso, o princípio da proibição da “Reformatio in Pejus‟ (a sanção aplicada não será agravada, salvo se a situação económica e financeira do infrator tiver melhorado de forma sensível).
Mais fica notificado(a) de que o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 […] dias […] determina a redução para 75% do seu montante, não podendo, porém, a coima a pagar ser inferior ao montante mínimo respetivo e sem prejuízo das custas processuais […].
Findo o prazo de 20 (vinte) dias sem que se mostre efetuado o pagamento ou tenha sido apresentado recurso judicial contra a decisão de aplicação da coima, proceder-se-á à cobrança coerciva da coima e das custas processuais […], através de processo de execução fiscal […].
[…]
Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt ou no Serviço de Finanças instrutor do processo.
[…]” – cfr. documento a fls. 25 do sitaf;
6. Em 09.06.2016, deu entrada no Serviço de Finanças de (...) a petição inicial do presente Recurso – cfr. averbamento a fls. 15 do sitaf.
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Não se deram como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Os factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.”
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2. O Direito

A Recorrente não se conforma, além do mais, que a sentença recorrida não tenha reconhecido a existência de nulidade insuprível no presente processo de contra-ordenação, decorrente da circunstância de o documento enviado à Recorrente não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima.
Efectivamente, o Tribunal a quo, na sentença recorrida, refere que, muito embora “a notificação” omita “a completa indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima”, dessa mesma “notificação” “consta ainda […] a menção de que a Recorrente poderia consultar os elementos do processo, quer acedendo electronicamente ao Portal das Finanças, quer deslocando-se ao respectivo Serviço de Finanças”, pelo que, “tendo presente a possibilidade de aceder electronicamente aos elementos omitidos, não se pode considerar que a Recorrente ficou impossibilitada de compreender os motivos da decisão nem prejudicada no exercício do seu direito de recorrer judicialmente da mesma”.
Ainda de acordo com o que vem referido na sentença recorrida, a propósito da nulidade insuprível do processo de contra-ordenação decorrente da circunstância de o documento enviado à Recorrente não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima, o Tribunal a quo refere que “a circunstância da notificação da decisão não conter parte dos referidos elementos que contribuíram para a determinação da medida da coima não impediu ou prejudicou o exercício do direito de impugnação, porquanto os mesmos constam da decisão recorrida a qual, por sua vez, poderia ter sido consultada pela Recorrente, mormente mediante acesso electrónico ao processo”.
É, portanto, pacífico que a notificação remetida à Recorrente não foi acompanhada de qualquer outro elemento para além do documento aludido nos pontos 4 e 5 da decisão da matéria de facto e que não contém indicação de parte dos elementos que contribuíram para a determinação da medida da coima.
Assim, a notificação que foi junta com a petição de recurso judicial de aplicação de coima como documento n.º 1 não contém a decisão de aplicação da coima nem todo o seu conteúdo.
Realmente, quanto ao conteúdo da notificação, dispõe o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) que “[a] notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva”.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo [79.º do RGIT] para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (artigo 32.º, n.º 10 da CRP) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT.
À face da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º, é exigida a própria indicação na decisão dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, pelo que não basta uma indicação de um documento distinto dela em que eles eventualmente sejam indicados. O que se pretende com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (artigo 268.º, n.º 3 da CRP) e com a garantia do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 10 da CRP), que reclama que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar. Por isso, não é relevante em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão, como o STA tem vindo a entender – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, páginas 527 e 528.
A decisão que aplica coima, como acto administrativo que é, está sujeita a notificação ao arguido (artigo 268.º, n.º 3 da CRP), sem a qual a decisão é ineficaz.
Mas note-se que o artigo 79.º do RGIT distingue claramente o conteúdo da decisão a notificar (cfr. n.º 1) do conteúdo da notificação a efectuar (cfr. n.º 2).
Este último preceito consagra a exigência de que seja dado conhecimento efectivo ao arguido dos termos da decisão, de modo a que possa compreender os motivos e fundamentos da mesma e decidir se deve conformar-se ou defender-se; do montante das custas; do prazo de 20 dias para proceder ao pagamento da coima e custas ou para recorrer judicialmente da decisão; da consequência resultante da violação daquele prazo, em concreto, a cobrança coerciva dos valores em causa.
A falta de qualquer desses elementos constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, que é de conhecimento oficioso - cfr. artigo 63.º, n.º 5 do RGIT.
Esta norma, contendo a referência à notificação na mesma alínea d) que alude à falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, previstos no n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, refere-se, também quanto à notificação, aos requisitos legais a que a mesma deve obedecer, previstos no n.º 2 do mesmo artigo 79.º.
O que se prevê no referido artigo 79.º, porém, são requisitos relativos ao conteúdo da decisão de aplicação de coima e relativos ao conteúdo da notificação e não os requisitos formais das mesmas.
Sendo assim, no que concerne à notificação, o que constitui nulidade insuprível para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º é a falta de requisitos relativos ao conteúdo da notificação (é o que se exige naquele n.º 2 do artigo 79.º) e não os requisitos formais da mesma - cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, página 452.
Nestes termos, a notificação da decisão deve conter a globalidade da decisão (“os termos da decisão”), sendo, contudo, manifesto que a lei não impõe que a notificação seja necessariamente acompanhada da cópia da decisão de fixação da coima ou de documento que a transcreva integralmente. Nada obsta que a notificação (acto de comunicação do acto notificado) opte por fazer a transcrição total ou parcial do documento, desde que tal comunicação contenha todos os elementos informativos referidos expressamente no artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
No caso dos autos, analisando o conteúdo da notificação remetida à Recorrente, constata-se, de modo inequívoco, que a mesma contém a indicação dos prazos para pagamento e recurso e, bem assim, a advertência de que, decorridos os respectivos prazos, sem que seja efectuado o pagamento ou interposto recurso, se procederia à cobrança coerciva da coima e custas fixadas.
Vejamos, então, se também contém a globalidade da decisão (“os termos da decisão”):
Ora, verifica-se que o documento de notificação contém uma descrição sumária dos factos que consubstanciam a infracção imputada à Recorrente, a indicação das normas violadas e punitivas, o montante da coima e das custas processuais, a possibilidade e os termos do pagamento voluntário da coima e consequente redução da mesma e a indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus.
Assim sendo, e tendo por referência os requisitos da decisão de aplicação da coima elencados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, verifica-se que a notificação revela incompletude, pois omite a indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, designadamente que lhe foi imputada a prática “frequente” de infracções idênticas, que não tinha obrigação de não cometer a infracção, que a “situação económica e financeira” é baixa, ou que o “tempo decorrido desde a prática da infracção” foi de “3 a 6 meses”.
A falta de indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima contende com os “termos da decisão” a que alude o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
Verifica-se que a notificação contém uma parte desses “termos”, mas omitiu outra parte importante, considerada essencial pelo próprio artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
Pelo que tem de se concluir que a notificação não cumpriu integralmente o disposto na lei aplicável.
Efectivamente, de acordo com os n.ºs 1 e 2 artigo 79.º do RGIT, a notificação deve conter os termos da decisão - referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1-, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
Mas a verdade é que a AT não provou ter efectuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efectuada à arguida todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT) – cfr. no mesmo sentido o Acórdão do TCA Sul, de 28/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 2477/17.6BELRS.
Nulidade que não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após devolução dos autos ao Serviço de Finanças.
Para afastar estas conclusões, o Tribunal a quo limitou-se a dar como provado que na notificação enviada à Recorrente (ofício de 09/05/2016) se refere que “Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt”.
Na perspectiva do tribunal recorrido, a irregularidade da notificação poderia ser sanada, consultando-se os elementos omitidos na internet ou no Serviço de Finanças respectivo.
É, realmente, verdade que, para além dos elementos já referidos, consta ainda da notificação a menção de que a Recorrente poderia consultar os elementos do processo, quer acedendo electronicamente ao Portal das Finanças, quer deslocando-se ao respectivo Serviço de Finanças.
Não olvidamos estar perante actos de notificação praticados em massa, com as dificuldades acrescidas que tal significa, e que da notificação da decisão à Recorrente, que foi efectuada por via electrónica, consta que, pela mesma via, o processo pode ser consultado: quer na internet, no endereço www.portaldasfinanças.gov.pt, mediante utilização da senha de acesso, quer no serviço de finanças que instruiu o processo. Mas, na nossa óptica, como a falta dos requisitos legais das notificações das decisões de aplicação de coimas constitui nulidade insuprível, tal irregularidade não pode ser sanada por qualquer forma distinta da repetição do acto afectado – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, página 533.
Acrescentamos que, apesar da remissão genérica feita no n.º 2 do artigo 70.º do RGIT, para as normas do CPPT sobre notificações, a faculdade prevista no artigo 37.º, n.º 1 do CPPT, em que se permite aos interessados requerer a notificação de fundamentos de decisão que tenham sido omitidos na notificação desta, não é aplicável às decisões de aplicação de coimas em processo de contra-ordenação tributária. Na verdade, neste artigo 37.º prevê-se uma forma de sanar uma irregularidade da notificação de uma decisão em matéria tributária. É essencial relembrar que, por força de norma expressa [artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT], a falta dos requisitos legais das notificações das decisões de aplicação de coimas constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributário. Logo, não poderá ser consultando o processo, seja virtual ou físico, que se suprirá tal irregularidade da notificação, mas antes repetindo o acto de notificação contendo os elementos omitidos no acto primeiramente afectado.
Nesta conformidade, é irrelevante que se tivesse dado como assente que esses “elementos do processo” constavam efectivamente do citado endereço da internet.
Não se verificando, por isso, qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, conforme alegado, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP, ex vi do disposto no artigo 3.º, alínea b) do RGIT e do disposto no artigo 74.º, n.º 4 do RGCO.
Além do mais, mesmo não esquecendo que a notificação foi realizada electronicamente, a remissão para o “portal das finanças” apresenta-se efectuada genericamente, não podendo ser considerada uma remissão concreta para qualquer documento que pudesse estar, eventualmente, anexo à notificação e que contivesse os elementos integrais que contribuíram para a fixação da coima.
É nossa convicção que a notificação não cumpriu o disposto no artigo 79.º, n.º 2, do RGIT e que no presente processo contra-ordenacional tal apresenta relevância, uma vez que a coima não foi fixada no mínimo legal (in casu €18.018,90), mas antes determinada a medida da coima em €18.469,37. Reconhecemos que se apresenta próxima do mínimo legal (dado que o máximo seria €45.000,00), mas, ainda assim, afasta-se mais de €400,00 do mínimo, pelo que a Recorrente poderá querer discutir os elementos que contribuíram para a determinação da medida concreta da coima, como por exemplo impugnar a indicação de prática frequente deste tipo de infracções.
Concluímos, assim, que a sentença merece censura, alertando-se, porém, que, no âmbito da apreciação que efectuámos, a decisão de aplicação da coima se mantém, por conter os elementos exigíveis, sendo somente na notificação que faltam os elementos exigidos pelo n.º 2 do artigo 79.º RGIT, gerando nulidade insuprível no processo de contra-ordenação, por força do artigo 63.º, n.º 1 alínea d) do RGIT.
Nos termos dos n.ºs 3 e 5 do citado artigo 63.º do RGIT, a nulidade referida no n.º 1 do mesmo preceito, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva, tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças processuais úteis ao apuramento dos factos.
Ora, a qualificação dessa nulidade como insuprível não significa que ela não possa posteriormente ser sanada, mas, além do que já ficou dito supra, que o decurso do tempo não tem esse efeito, pelo que a sanação respectiva só pode concretizar-se com a supressão da deficiência ou irregularidade, designadamente com a prática, de acordo com a lei, do acto omitido ou da irregularidade praticada.
Logo, será possível praticar novo acto de notificação, suprimindo a deficiência apontada.

Conclusões/Sumário

I. A notificação relativa à decisão de aplicação da coima deve conter os termos da decisão, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva - cfr. artigo 79.º, n.º 2 do RGIT.
II. Se a AT não provou ter efectuado a notificação dos termos da decisão, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação, como resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso – cfr. artigo 63.º, n.º 5 do RGIT.
III. Verificada, em processo judicial de contra-ordenação tributária, a nulidade decorrente da falta de menção na notificação dos termos da decisão, designadamente, da indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima [cfr. artigos 79.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 e 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT], há lugar à anulação da notificação e dos termos subsequentes do processo e remessa dos autos à entidade administrativa, tendo em vista a possível repetição do acto de notificação afectado.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anulando-se todo o processado desde a notificação da decisão de fixação da coima, por enfermar o processo contra-ordenacional de nulidade insuprível, devendo o processo baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual repetição do acto de notificação afectado.

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais].

Porto, 10 de Setembro de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Conceição Soares