Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00385/23.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/02/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PENSÃO DE APOSENTAÇÃO; DESCONTOS; PROPORCIONALIDADE; CONTEÚDO ESSENCIAL DO DIREITO À APOSENTAÇÃO;
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO; ARTIGOS 161.º, N.º 1 E 163.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO;
ARTIGO 58º, N.º1, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
Sumário:
1. O legislador, na sua liberdade de conformação jurídica, pensou o sistema providencial não como um sistema de poupança e capitalização dos descontos para a segurança social, em que cada funcionário receba uma pensão num valor que corresponda, directamente, ao que descontou, ou seja, e usando uma expressão simples, em que o contribuinte desconte para a sua própria reforma, mas antes um sistema pensado de forma a que quem está no activo desconte do vencimento a contribuição proporcional ao seu vencimento mas que seja a necessária como contributo para cobrir o valor global das pensões dos que já estão reformados, numa espécie de solidariedade geracional.

2. Regras que o Autor conhecia ou devia conhecer quando pediu a aposentação, não se podendo queixar, por isso, de frustração de qualquer expectativa legítima, na perspectiva que aponta; apenas poderia ter a expectativa e a legítima confiança de receber o que está previsto na lei e não o proporcional ao que descontou.

3. Estando em causa a diferença entre uma pensão de 2.231€37 e uma pensão de 2.362€22, ou seja o valor de 130€85, cerca de 6% do valor da pensão, está-se longe de atingir o conteúdo essencial do direito à pensão, apesar de não ser um valor irrisório, pelo que o acto apenas é susceptível de anulabilidade e não de nulidade – artigos 161.º, n.º 1 e 163.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo -, pelo que é extemporânea a acção de impugnação intentada depois do período geral de 3 meses, consignado no artigo 58º, n.º1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 10.07.2023 pela qual foi julgada procedente a excepção de caducidade do direito de acção e, com esse fundamento, foi absolvido a instância o Instituto de Segurança Social I.P., na acção movida pelo ora Recorrente contra o ora Recorrido para declaração de “nulidade e inconstitucionalidade da decisão final proferida pelo Réu quanto à fixação da pensão de velhice do Autor, devendo a mesma ser substituída por outra que reconheça o período contributivo de 1977-01 a 1977-07 e não aplique qualquer factor correctivo à pensão atribuída, tudo com as devidas e legais consequências”.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida desconsiderou a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, por errónea interpretação das normas constitucionais ínsitas nos artigos 2º (princípio da confiança e da segurança jurídica) e 63º (direito à segurança social) da Constituição da República Portuguesa, ao julgar caducado o direito do Recorrente à acção, quando devia, ao invés, considerar a essencialidade e inseparabilidade do direito ao recebimento duma pensão do direito à justeza e correção do seu quantum, admitindo a causa de nulidade do acto impugnado e, nessa decorrência, que a tempestividade da entrada em juízo da presente acção de impugnação.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

[A] A sentença proferida nos presentes autos julga improcedente a impugnação judicial oportunamente apresentada, decidindo que à data da instauração da ação se encontrava caducado o direito do Autor/Recorrente à mesma, por considerar que as causas de invalidade do ato impugnado não consubstanciam causas de nulidade.

[B] Considera o Tribunal ad quo que os reais fundamentos de invalidade invocados na p.i. se reconduzem ao regime da anulabilidade, já que repousam na invocação seja de erro nos pressupostos de facto (desconsideração do período entre janeiro e julho de 1977) seja de vício de violação de lei (aplicação de um facto de correção).

[C] Conforme bem refere a douta sentença ad quo, (…) o legislador só determina a nulidade relativamente ao conteúdo essencial dum direito fundamental, o que significa que este regime jurídico não é aplicável quando o âmago do direito fundamental não é ofendido.

[D] O direito fundamental sub judice encontra-se consagrado no artigo 63º da CRP.

[E] À questão de saber qual é conteúdo essencial (o âmago) do direito à segurança social e solidariedade, o Tribunal ad quo responde restringindo-o ao mero acesso, à mera concessão, de uma pensão (in casu, de velhice/reforma).

[F] O direito à segurança social é um típico direito social de natureza positiva cuja realização exige o fornecimento de prestações por parte do Estado, impondo-lhe verdadeiras obrigações de fazer e de prestar.

[G] E, apesar da sugestão constitucional de financiamento pelo Estado, o sistema de segurança social assenta efetivamente no financiamento através das contribuições dos seus beneficiários, decorrentes do princípio da contributividade (cfr. artigo 54º da LBSS) às quais se encontram obrigados por força da sua integração obrigatória.

[H] A principal decorrência do princípio da contributividade é a existência duma relação sinalagmática, inafastável mas não meramente aritmética, entre a obrigação de pagamento das contribuições e o direito aos diversos apoios sociais, designadamente a pensão de velhice/reforma.

[I] Assim sucedendo, se o princípio da contributividade constituiu um elemento essencial do direito à segurança social, o seu umbilical e sinalagmaticamente associado direito à proteção/recebimento não pode ser tido como um elemento secundário ou de menor importância.

[J] Esta conformação do direito à segurança social enquanto misto de dever de contribuição e direito de recebimento cria uma expetativa, legítima! de o contribuinte/beneficiário vir a receber um valor aproximado àquele que foi o seu rendimento do trabalho.

[K] O respeito por este direito individual ao recebimento duma pensão - enquanto legítima expectativa – pressupõe a sobreposição do princípio da proteção da confiança do beneficiário sobre o princípio do interesse público (caso algum exista que possa obstar ao direito do beneficiário).

[L] E a legitimidade da expectativa dum cidadão, aferindo-se casuísticamente, assenta simultaneamente na ponderação dos princípios da proteção da confiança e do interesse público na constatação da enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.

[M] O Recorrente assenta a sua expetativa relativamente ao quantum a receber a título de pensão em sinais inequívocos emanados pela administração pública – o reconhecimento do Recorrido ISS, IP, em Julho de 2020, do período contributivo entretanto substraído ao cálculo da pensão, e a existência duma norma geral e abstrata (o DL nº 119/2018) a cuja aplicação aquele se encontra obrigado por força do princípio da legalidade -, que se somam à consciência do cumprimento escrupuloso duma carreira contributiva de mais de 44 anos de contribuições e da idade mínima necessária ao acesso à pensão.

[N] E esta expetativa beneficia de proteção constitucional também pelo nº 3 do artigo 63º da CRP, consagrando um princípio constitucional de aproveitamento total do tempo de trabalho, que se articula com os princípios da manutenção dos direitos adquiridos e da manutenção dos direitos em curso de aquisição decorrentes das Convenções da Organização Internacional do Trabalho nº 48 e nº 128.

[O] A essência do direito à segurança social não pode, pois, esgotar-se na expetativa de recebimento duma pensão, antes se completando com o direito a ver tal pensão justamente calculada, de forma a atingir o quantum que legitimamente esperou receber em face da sua carreira contributiva.

[P] Ao decidir como decidiu, o Recorrido ISS, IP expurgou o direito à proteção na velhice/reforma do Recorrente dum seu elemento essencial – a vertente relativa ao quantum da pensão decorrente do correspetivo dever contributivo cumprido ao longo de 44 anos.

[Q] Ao reduzir o direito do Recorrente a questões procedimentais - erro nos pressupostos de facto (desconsideração do período entre janeiro e julho de 1977) e de vício de violação de lei (aplicação de um facto de correção) – o Tribunal ad quo valida esta desconsideração do conteúdo essencial do direito à segurança social que é a legítima expetativa existente relativamente ao quantum a receber.

[R] Aquelas duas questões procedimentais apontadas pelo Recorrente na petição inicial, sendo um vício em si mesmas, são de facto causa duma escabrosa violação do seu elementar e não menos relevante direito à proteção social na dimensão da legítima expetativa criada relativamente ao quantum a receber.

[S] Nessa decorrência, deverá ser revogada a douta sentença ad quo que, desconsiderando a violação do conteúdo essencial dum direito fundamental por errónea interpretação da norma constitucional ínsita no artigo 63º da CRP, julga caducado o direito do Recorrente à ação, substituindo-se a mesma por decisão que, reconhecendo a essencialidade e inseparabilidade do direito ao recebimento duma pensão do direito à justeza e correção do seu quantum, admita a causa de nulidade do ato impugnado e, nessa decorrência, que a tempestiva entrada em juízo da presente ação de impugnação.

[T] A interpretação do teor do artigo 63º da CRP no sentido - preconizado pelo Tribunal ad quo - de que o direito à segurança social e solidariedade se restringe ao mero acesso, à mera concessão de uma pensão (in casu, de velhice/reforma) afere-se violador do elementar princípio da confiança e da segurança jurídica ínsito na ideia de Estado de direito democrático (artigo 2° da CRP).

[U] Deverá ser reconhecida e declarada a inconstitucionalidade da interpretação do teor do artigo 63º da CRP no sentido de que o direito à segurança social e solidariedade se restringe ao mero acesso, à mera concessão, de uma pensão (in casu, de velhice/reforma), por violação do princípio da confiança e segurança jurídica ínsito no artigo 2º da CRP.
Julgando o presente recurso procedente, por provado, e
(a) revogando a douta sentença ad quo que, desconsiderando a violação do conteúdo essencial dum direito fundamental por errónea interpretação da norma constitucional ínsita no artigo 63º da CRP, julga caducado o direito do Recorrente à ação, e substituindo a mesma por decisão que, reconhecendo a essencialidade e inseparabilidade do direito ao recebimento duma pensão do direito à justeza e correção do seu quantum, admita a causa de nulidade do ato impugnado e, nessa decorrência, que a tempestiva entrada em juízo da presente ação de impugnação; ou
(b) reconhecendo e declarando a inconstitucionalidade da interpretação do teor do artigo 63º da CRP no sentido de que o direito à segurança social e solidariedade se restringe ao mero acesso, à mera concessão, de uma pensão (in casu, de velhice/reforma), por violação do princípio da confiança e segurança jurídica ínsito no artigo 2º da CRP.

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II –Matéria de facto.

Devemos dar como provados os seguintes factos constantes da decisão recorrida, sem reparos nesta parte:

1) A 26.09.2019 o Autor requereu a pensão de velhice junto da entidade demandada - documento ... junto com a petição inicial.

2) Por despacho de 20.07.2020 foi deferido ao Autor a atribuição de pensão – processo administrativo, fls. 55.

3) Por ofício de 20.07.2020, recebido pelo autor em 31.07.2020, o Autor foi notificado que o requerimento apresentado foi deferido e que lhe seria pago, a partir de agosto de 2020 pensão no valor de 1.786€20 – documento ... junto com a petição inicial.

4) Por despacho de 10.11.2020 foi efectuada revisão da pensão para inclusão do tempo de serviço militar do Autor entre Março de 1976 e Julho de 1977 - processo administrativo, fls. 94.

5) Por ofício de 04.08.2022 o autor foi notificado de que foi efectuado novo cálculo da pensão atribuída, fixando-se uma pensão no valor de 2.164€48 a partir de 08.09.2022 - documento ... junto com a petição inicial.

6) O Autor apresentou, a 24.08.2022, requerimento, solicitando a correção do valor da pensão atribuída de modo a que a mesma seja de 2.341€23 - processo administrativo, a fls. 99.

7) Por ofício de 04.10.2022 a pensão do Autor foi fixada em 2.231€37, com efeitos a 08.11.2022 - documento ... junto com a petição inicial.

8) A petição inicial foi apresentada em Tribunal, por via eletrónica, a 23.02.2023 – fls. 1 e seguintes dos autos.

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:

“(…)
Resulta do artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, que os interessados em impugnar um ato administrativo que padeça de vício conducente ao regime da anulabilidade devem intentar a ação judicial no prazo três meses, sob pena de ocorrer caducidade do seu direito de impugnar o ato em causa.

Por sua vez, resulta do disposto no 58.º, n.º 1 do mesmo Código que a impugnação de atos cujos vícios sejam conducentes ao regime da nulidade ou inexistência não está, em princípio, sujeita a prazo.

Assim, e como resulta dos artigos 58.º, n.º 1, al. b), 59.º e 69.º, n.os 2 e 3 do CPTA, o prazo do exercício do direito de ação, quanto aos vícios que são de subsumir ao regime da anulabilidade, é de três meses, a contar da data da notificação do ato a impugnar; prazo que deverá ser contado nos termos da lei civil (artigo 279.º do CC), para a qual remete expressamente o número 2 do artigo 58.º do CPTA. Portanto, os interessados em impugnar um ato administrativo que padeça de vício conducente ao regime da anulabilidade devem intentar a ação judicial no prazo três meses, sob pena de ocorrer caducidade do seu direito de impugnar o ato em causa.

O início do prazo de caducidade, como decorre do artigo 59.º, n.º 2 do CPTA, ocorre a partir da notificação do mesmo.

Entende o autor que na p.i. invocou nulidade e que, por isso, a presente ação não está sujeita a prazo.

Importa então analisar especificamente o que o autor invocou na p.i. No pedido apresentado o autor peticiona que seja «declarada a nulidade e inconstitucionalidade da decisão final proferida pelo Réu quanto à fixação da pensão de velhice».

A causa de pedir apresentada é a seguinte:

 Apresentou requerimento para atribuição de pensão de velhice;
 Foi proferida decisão de atribuição da pensão a 20.07.2020;
 Apresentou reclamação;
 Foi emitida nova decisão;
 Que foi novamente objeto de reclamação;
 Por decisão de 04.10.2022 foi fixada pensão;
 Esta decisão é ilegal por desconsiderar período contributivo do autor;
 E aplicar regime legal que se encontra revogado;
 Porque foi desconsiderado o período entre janeiro de 1977 a julho de
1977;
 E foi aplicado um fator de correção de 0,9400;
 Por via disso, a pensão foi reduzida de € 2362,22 para € 2220,49;
 Pelo que a decisão é nula;
 E é inconstitucional por atentar contra as concretas densificações do elementar direito constitucional à proteção na velhice.

Cabe começar por sublinhar que os reais fundamentos de invalidade invocados na p.i. se reconduzem ao regime da anulabilidade, já que repousam na invocação seja de erro nos pressupostos de facto (desconsideração do período entre janeiro e julho de 1977) seja de vício de violação de lei (aplicação de um facto de correção).

Como decorre dos 1 um vício só tem como consequência a nulidade de um ato administrativo quando a lei comine expressamente essa forma de invalidade, sendo os demais vícios de reconduzir ao regime jurídicos da anulabilidade.

Não basta por isso à parte invocar que um ato seja nulo para que se aplique o regime da nulidade. É necessário que os fundamentos de invalidade concretamente invocados sejam de reconduzir a tal regime jurídico.

Como decorre do artigo 161.º, n.º 2, al. d) do CPA é de aplicar o regime de nulidade quando um ato ofenda “o conteúdo essencial de um direito fundamental”.

Repare-se que o legislador só determina a nulidade relativamente ao conteúdo essencial de um direito fundamental, o que significa que este regime jurídico não é aplicável quando o âmago do direito fundamental não é ofendido.

Ora, afigura-se que face à situação em apreço não é aplicável este regime legal.

Efetivamente, ao autor foi reconhecido o direito a uma pensão no valor de € 2231,37 (inicialmente, o valor foi fixado em € 1786,20, tendo posteriormente sido fixado em € 2164,48). Entende o autor que o valor da pensão está mal apurado e que deveria ser de € 2362,22.

É certo que a Constituição consagra no artigo 63.º o direito à segurança social, o que inclui a proteção na velhice.

Para que tal direito estivesse a ser lesado no seu conteúdo essencial tornava-se necessário que se estivesse perante uma situação em que estivesse a ser negado ao autor o direito a uma pensão ou em que o valor da pensão fosse de tal montante que se pudesse concluir que não assegurava uma proteção eficaz na velhice.

Não é o caso.

Ao autor foi atribuído o direito a uma pensão a 20.07.2020. O que está em causa é o valor da pensão: inicialmente a pensão foi fixada em € 1786,20, depois passou para € 2164,48 e finalmente para € 2231,37.

Embora o autor invoca normas de natureza constitucional, delas não se retira o alegado direito a uma pensão no valor de € 2362,22.

Por isso mesmo, os fundamentos invocados pelo autor são de reconduzir ao regime da anulabilidade e não da nulidade.

Na verdade, a alegação de que a entidade demandada desconsiderou o período entre janeiro e julho de 1977 e de que é ilegal a aplicação de um fator de sustentabilidade/correção constituem a alegação de erro nos pressupostos de facto e de vício de violação de lei, o que é de reconduzir ao regime da anulabilidade, e não ao regime da nulidade, estando, pois, a presente ação, sujeito a prazo.

Conforme resulta dos autos, o autor requereu a atribuição de pensão de velhice a 26.09.2019, o que foi deferido a 20.07.2020. A 31.07.2020 o autor foi notificado que lhe foi fixada pensão no valor de € 1786,20. Este valor foi posteriormente alterado para € 2164,48, o que foi comunicado ao autor por ofício de 04.08.2022, tendo, após reclamação apresentada junto da entidade demandada a 24.08.2022, sofrido nova alteração para € 2231,37, o que foi novamente notificado ao autor por ofício de 04.10.2022.

Ora, afigura-se evidente que mesmo que se contasse como ato final a última alteração do valor da pensão, que a 23.02.2023 já tinha caducado o direito de ação do autor, já que entre outubro de 2022 e a data da entrada da presente ação em Tribunal medeiam cerca de 4 meses.
Assim, afigura-se assistir razão à entidade demandada, tendo caducado, portanto, o direito do autor de ver anulado o ato que fixou o valor da pensão em € 2231,37, com efeitos a 08.11.2022.
A exceção de caducidade do direito de ação origina a absolvição da instância nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 4, al. k) do CPTA.
(…)”.

Decisão que se mostra totalmente acertada e que nas suas alegações o Recorrente não apresenta qualquer argumento, com um mínimo de solidez, capaz de beliscar sequer tal decisão.

Quanto ao princípio da confiança, ínsito no Estado de Direito – artigo 2º da Constituição da República – não é afectado porque o Autor quando pediu a aposentação conhecia as regras legais da aposentação e sabia – como sabe – que não existe correspondência directa entre os descontos e a pensão a receber.

O legislador, na sua liberdade de conformação jurídica, pensou o sistema providencial não como um sistema de poupança e capitalização dos descontos para a segurança social, em que cada funcionário receba uma pensão num valor que corresponda, directamente, ao que descontou, ou seja, e usando uma expressão simples, em que o contribuinte desconte para a sua própria reforma, mas antes um sistema pensado de forma a que quem está no activo desconte do vencimento a contribuição proporcional ao seu vencimento mas que seja a necessária como contributo para cobrir o valor global das pensões dos que já estão reformados, numa espécie de solidariedade geracional.

Regras que o Autor conhecia ou devia conhecer quando pediu a aposentação, não se podendo queixar, por isso, de frustração de qualquer expectativa legítima, na perspectiva que aponta. Apenas poderia ter a expectativa e a legítima confiança de receber o que está previsto na lei.

De resto é isso que queria ver discutido na acção, o direito que tem, incompatível, na sua perspectiva, com os pressupostos de facto (tempo relevante) e de direito (factor de correção) do acto impugnado. De acordo com a lei vigente, cuja inconstitucionalidade não invoca, mas antes a respetiva interpretação adoptada pelo Réu.

Por outro lado, o que está em causa não é o conteúdo essencial de um direito fundamental ou análogo, em concreto o direito a uma pensão de velhice ou reforma, nem o direito a um mínimo que garanta ao aposentado viver com um mínimo de dignidade.

O que está em causa é a diferença entre uma pensão de 2.231€37, o valor que foi comunicado ao Autor em último lugar, por ofício de 04.10.2022, e uma pensão de 2.362€22, valor da pensão a que se julga com direito.

Resumindo, está em causa na presente acção o valor de 130€85. Ou seja, cerca de 6% do valor da pensão.

O que está longe de atingir o conteúdo essencial do direito à pensão, apesar de não ser um valor irrisório.

Termos em que, ao considerar ao acto impugnado afectado de vício potencialmente gerador apenas de anulabilidade e não de nulidade, julgando verificada, em consequência a excepção de caducidade do direito de acção, por se encontrar ultrapassado o prazo de 3 meses entre a notificação do acto e a propositura da acção, a decisão recorrida mostra-se acertada.

Termos em que se impõe julgar improcedente o recurso.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
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Porto, 02.02.2024

Rogério Martins
Isabel Costa
Fernanda Brandão