Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00259/13.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE ACTO ANULÁVEL; PRAZO; RECTIFICAÇÃO; ARTIGO 58º, NºS 1 E 2, ALÍNEA B), E ARTIGO 59º, N.º4, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (DE 2002).
Sumário:Face ao disposto no artigo 58º, nºs 1 e 2, alínea b), e no artigo 59º, n.º4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002), em caso de rectificação de um acto administrativo, o prazo para impugnação do acto, meramente anulável, só começa a contar-se a partir da notificação do acto rectificado pois só com a rectificação fica completa a sua prática.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. - IFAP, I.P.
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

M. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 24.01.2017, pelo qual foi julgada procedente a excepção de caducidade do direito de acção e absolvido o Réu Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. - IFAP, I.P., da instância, em acção de impugnação judicial, intentada pela ora Recorrente, contra o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. - IFAP, I.P., para anulação do despacho do IFAP,IP que determinou a devolução das ajudas concedidas, com as legais consequências dessa anulação.

Invocou para tanto que não se verifica a caducidade do direito de acção e que o procedimento prescreveu.

O Réu contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

O Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e pela inadmissibilidade de conhecer da questão nova, só colocada em sede de recurso, da prescrição do procedimento.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. O presente recurso vem interposto da sentença datada de 24.01.2017, remetida por meio de ofício datado de 25.01.2017, que julgou procedente a questão prévia/excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolvendo o Réu da instância.

II. Com efeito, a Sentença, apesar de decidindo contra a tese invocada pelo Réu em relação ao indeferimento tácito, julgou que "quando a acção deu entrada neste Tribunal, estava fora de prazo".

III. A Autora considera que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela fez uma incorreta interpretação do artigo 59º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos bem como não tomou em consideração o artigo 58º do mesmo diploma.

IV. A Autora entende que deu tempestivamente entrada da acção em Tribunal.

V. O Tribunal a quo não valorizou, para efeitos de contagem de prazo, a matéria de facto vertida no ponto 4. da sentença "Por oficio datado de 16.04.2013, foi a Autora notificada da retifìcação do valor constante do oficio constante do ponto anterior — cfr. fls. 463 do PA apenso".

VI. A sentença deliberou que "Nesta sequência, esta notificação não releva para efeitos de prazo de instauração da presente acção, pelo que a mesma ocorrido até 28.06.2013, está fora de prazo, verificando-se a invocada caducidade do direito de acção:”

VII. A retificação foi realizada sobre um dos elementos essenciais da notificação para pagamento, exatamente o valor peticionado. Elemento que é essencial para a Autora.

VIII. Assim, sempre seria sobre a data dessa decisão que os prazos deveriam ser contados.

IX. Por outro lado, é facto notório que a conduta da Administração induziu a Autora em erro.

X. No caso em apreço, por força da aplicação da alínea a) do nº 4 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a impugnação deveria ter sido admitida, para além do prazo da alínea b) do no 2, em virtude de estar demonstrado que a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente.

XI. O Réu em ambas as notificações não faz qualquer referência à possibilidade da Autora impugnar judicialmente a sua decisão, notificando-a como se definitiva fosse e exigindo apenas o pagamento e ameaçando com a instauração da execução fiscal.

XII. Assim, entende a Autora que foi violado o princípio pro actione ou in dubio pro habilitate instantiae consagrado no artigo 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

XIII. O Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre a referida violação, nomeadamente no seu acórdão de 29.01.2014, no processo no 01233/13.

XIV. Salvo melhor opinião, mesmo que se entenda que o prazo para impugnação não deva ser contado a partir da retificação efetuada, deverá ser sempre tido em consideração o facto de tal retificação ter induzido a interessada em erro.

XV. Assim, foi tempestiva a instauração da presente acção em virtude de ter sido intentada sem que tivesse expirado o prazo de um ano previsto no artigo 58º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

XVI. O presente pedido encontra-se prescrito.

XVII. Em 2013, quando a Autora impugnou judicialmente o ato administrativo em causa nos presentes autos, a jurisprudência entendia que o prazo de prescrição aplicável à obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas provenientes de Fundos Comunitários era o prazo ordinário de prescrição de 20 anos.

XVIII. Porém, no decorrer do processo, e fruto de um reenvio prejudicial para o Tribunal Judicial da União Europeia, é agora jurisprudência unânime que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento (CE/Euratom) n.º 2988/95, de 18 de Dezembro, o prazo de prescrição do procedimento visando a aplicação de sanções e a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum, é de quatro anos, prazo este aplicável ao caso dos autos por inexistir no direito interno um prazo especialmente previsto para o efeito.

XIX. Com efeito, tal como tem sido decidido pela jurisprudência mais recente, como é o caso do recentíssimo acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 7 de Dezembro de 2016, no processo 00104/10. 1 MDL.

XX. O Réu confirma que a Autora se encontrava em situação irregular pelo menos desde o ano de 2003.

XXI. No artigo 38º da sua contestação, o Réu confirma que "A Autora anualmente estava legalmente obrigada a entregar no IFAP a "DECLARAÇÃO de manutenção das condições de atribuição do Prémio por Perda de Rendimento" (clausula 6, alínea h) do contrato de atribuição de ajuda - folhas 91 do processo administrativo)".

XXII. E o Réu vai mais longe ao confirmar e situar temporalmente, ele mesmo, o incumprimento por parte da Autora, "a partir de 2003, a Autora deixou de confirmar junto do R. a condições de atribuição do premio PPR (fls. 341, 360, 362, 365, 367, 369)” - artigo 39º da contestação.

XXIII. O Réu tinha a certeza do incumprimento contratual por parte da Autora, pelo menos desde 2003.

XXIV. Se era intenção do Réu peticionar a devolução de quantias indevidamente recebidas, tal processo deveria ter sido iniciado no prazo máximo de 4 anos para assim ser respeitado o estabelecido no n01 do artigo 30 do Regulamento CE Euratom no 2988/95, do Conselho.

XXV. Não o tendo feito nesse prazo, mas apenas no ano de 2012, encontra-se prescrito tal procedimento.

XXVI. Por outro lado, no controlo à exploração florestal da Autora, realizado em 26.03 2012, os inspetores verificaram que "não têm sido efectuadas operações de manutenção há mais de 5 anos... — artigo 43º da contestação.

XXVII. Não é crível que o Réu não tenha efetuado qualquer controlo à exploração florestal entre 2003 e 2012.

XXVIII. Assim, há muito que o Réu sabia do incumprimento, tanto mais que o conseguiu situar cronologicamente em "mais de 5 anos".

XXIX. Mais uma vez se confirma a prescrição do presente procedimento.

XXX. A Autora nunca invocou a presente exceção em virtude de a mesma não ter cabimento jurisprudencial aquando da interposição da presente impugnação.

XXXI. O princípio da economia processual, instituído no artigo 1300 do Código de Processo Civil, considera ilícito realizar no processo atos inúteis.

XXXII. Ao não ser decidida, na presente instância, a exceção de prescrição, o processo finalizará e obrigará o Réu a intentar a competente execução fiscal.

XXXIII. Ora, nos termos do artigo 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, "A prescrição ou duplicação da colecta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito".

XXXIV. Assim, deverá ser conhecida na presente instância a exceção de prescrição impedindo assim a prática de atos inúteis noutras instâncias judiciais.

XXXV. De facto, verificando-se a existência de uma retificação sobre um elemento essencial entende a Recorrente que esse Tribunal Superior deveria alterar a decisão proferida considerando que a acção foi tempestivamente intentada.

XXXVI. Por outro lado, a referida retificação induziu notoriamente em erro a Recorrente, pelo que, por força da alínea a) do no 4 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, bem como pela aplicação do princípio pro actione ou in dúbio pro habilitate instantiae consagrado no artigo 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, entende a Recorrente que esse Tribunal Superior deveria alterar a decisão proferida considerando que a acção foi tempestivamente intentada.

XXXVII. Sem prescindir e, por mera cautela de patrocínio, a Recorrente entende que esse Tribunal Superior sempre deverá conhecer da exceção de prescrição do procedimento, decidindo em conformidade.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Por ofício datado de 20.12.2012, a Autora foi notificada da rescisão contratual – cfr. folhas 452 do processo apenso.

2. A Autora recebeu tal ofício a 21.12.2012 – cfr. folhas 252-A do processo administrativo apenso.

3. Em 13.01.2013, a Autora apresentou reclamação – cfr. folhas 458 e seguintes do processo administrativo apenso.

4. Por ofício datado de 05.04.2013, foi a Autora notificada do indeferimento da reclamação constante do ponto anterior – cfr. folhas 461 do processo administrativo apenso.

5. Por ofício datado de 16.04.2013, foi a Autora notificada da retificação do valor constante do ofício constante do ponto anterior – cfr. folhas 463 do processo administrativo apenso:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


6. A petição inicial que motiva os presentes autos, foi remetida via SITAF, a este Tribunal, em 04.07.2013 – cfr. registo SITAF.
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III - Enquadramento jurídico.

1.Da caducidade do direito de acção.

Determina o artigo 58º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002), aplicável por força do disposto no artigo 15º, nº 2, do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02.10, e 13º, nº 2, da Lei nº 118/2019, de 17.09, que a impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo, mas a de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses quando não promovida pelo Ministério Público, a contar da data da notificação do acto anulável, por força do disposto no artigo 59º, nºs 1 e 3, alínea a), do mesmo Código.

Nos termos do artigo 59º, nº 4, do aludido Código, a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.

A notificação do acto administrativo impugnado ocorreu a 21.12.2012.

O prazo da sua impugnação iniciou-se em 22.12.2012, mas nesse dia suspendeu-se e até 03.01.2013 (tempo de férias judiciais de Natal), nos termos artigo 138º do Código de Processo Civil (de 2013), aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002), pelo que começa a contar-se tal prazo no dia 04.01.2013. Decorrem nove dias e tal prazo suspende-se novamente, agora por efeito de apresentação de reclamação administrativa, em 13.01.2013, continuando a decorrer a partir do trigésimo primeiro dia a contar dessa apresentação em conformidade com o disposto no artigo 59º, nº 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002) e artigo 165º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 (decurso do prazo legal para decisão da reclamação – 30 dias úteis – artigo 72º do Código de Procedimento Administrativo de 1991), este prazo terminando a 22.02.2013.

O prazo de três meses conta-se como prazo de 90 dias sempre que tenha de suspender-se.

Tendo decorrido 9 dias até 13.03.2013, contando mais 81 dias, o seu término ocorreria, descontado o período de 24.03.2013 a 1/04/2013, correspondente a férias judiciais da Páscoa, no dia 01.06.2013, que, por ser sábado, se transfere para 03.06.2013, nos termos do disposto no artigo 138º, nº 2, do Código de Processo Civil (de 2013).

A acção deu entrada em 04.07.2013, claramente fora do prazo contado da forma supra indicada.

Todavia, a 16.04.2013, a Autora foi notificada da retificação do valor da quantia a reembolsar ao Réu.

O prazo para impugnação do acto administrativo só começa a contar-se a partir do momento em que se completa o acto e este apenas se completa quando o valor do reembolso é rectificado, ou seja, em 16.04.2013.

Assim, só a partir da segunda notificação, do acto administrativo rectificado se poderá contar o prazo de noventa dias, que terminou no dia 15.07.2013.

A acção deu entrada a 04.07.2013, logo é tempestiva.

O recurso procede quanto a este fundamento, impondo-se revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a excepção dilatória da caducidade do direito de acção arguida pelo Réu.

2. Prescrição do procedimento – Questão nova em recurso

Este Tribunal não pode conhecer desta questão por se tratar de questão não suscitada em 1ª Instância.

Neste sentido, ver acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.05.2007, no processo 01660/06 (sumário):

“1. Mediante a interposição de recurso a decisão judicial é submetida a nova apreciação por outro tribunal, tendo por objecto quer a ilegalidade da decisão quer a sua nulidade, sendo que o conteúdo do recurso deflui do contexto da alegação e respectivas conclusões - art°s. 676 e 668° CPC, ex vi artº 140º CPTA.

2. Nas alegações, a parte há-de expor as razões por que ataca a decisão recorrida; nas conclusões, há-de fazer a indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida, - artº 690° CPC, ex vi artº 140º CPTA.

3. O conceito adjectivo de questão envolve tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.

4. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando, por isso, excluída a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova).

5. O âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Central Administrativo em via de recurso, é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado - artº 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artº 715º nºs 1, 2 e 3 CPC.

6. É admissível a interposição de recurso subordinado quanto a decisões distintas, quando entre estas se verifique uma relação de prejudicialidade.

7. Para além dos casos de caducidade por decaimento nos pressupostos de recurso, expressa no artº 682º nº 3 CPC, a insubsistência do recurso principal implica o não conhecimento de mérito sobre o objecto do recurso subordinado, como é o caso.”

No mesmo sentido, ver os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2012, processo 00254709.7 MDL e de 08.07.2012, no processo 00215/98 – Porto.

“Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 627º n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002 -, apenas podem ser tratadas questões que tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.

Pelo que nesta parte não se pode conhecer do objecto do recurso.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam improcedente a excepção dilatória da caducidade do direito de acção.

C) Ordenam a baixa dos autos à 1ª instância, para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, se nada mais a tal obstar.

Custas pelo Recorrido.
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Porto, 15.05.2020


Rogério Martins
Frederico Branco
Luís Miguéis Garcia, vencido conforme declaração que segue:

Voto vencido.
Voto vencido quanto à questão da caducidade do direito de acção por se evidenciar estar perante uma simples rectificação de erro de escrita (por simpatia), sem alterar sentido, não "ressurgindo" início de prazo para impugnar; a prejudicar o restante conhecimento.

Porto, 15/05/2020.

Luís Migueis Garcia