Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00133/16.1BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/28/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR FACTO ILICITO
FUNCIONAMENTO ILEGAL DE LINHAS DE TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS
NULIDADE DA SENTENÇA- ERRO DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO; VÍCIO DA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
INDETERMINAÇÃO DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO- EQUIDADE PRODUÇÃO DE PROVA SUPLEMENTAR
PAGAMENTO DE DESPESAS COM HONORÁRIOS A ADVOGADO.
Sumário:I-A sentença só é nula por falta de fundamentação (artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC) quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
II-A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
III- Tendo o Tribunal a quo considerado que diminuição das receitas sofrida pela Autora no período de 2001 a 2012 resultou da criação das linhas de transporte coletivo de passageiros n.ºs 19 e 23, em concorrência ilegal com a concessão de que a Autora era titular, mas também da «desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios», do ponto de vista do nexo causal não há qualquer contradição lógica interna no silogismo judiciário operado pela sentença recorrida.
IV- Caso se verifique que o Tribunal a quo, em relação a alguns dos factos essenciais integrativos da causa de pedir alegados pela Autora na petição inicial incorreu no vício da deficiência do julgamento da matéria de facto, decorrente de não ter julgado provados, nem como não provados factos essenciais integrativos da causa de pedir, eleita pela Autora na petição inicial e de onde faz derivar o direito no qual assenta o pedido, impõe-se ao Tribunal ad quem, mesmo oficiosamente, suprir essa falta, julgando essa facticidade como provada ou não provada, tendo em consideração os depoimentos gravados e a prova produzida no uso dos seus poderes de substituição que lhe são conferidos pelo n.º1 do art.º 662 do CPC.
V- O facto de não se ter logrado apurar o montante concreto da diminuição de receitas decorrente exclusivamente do funcionamento das linhas 19 e 23, em concorrência ilegal com as concessões de que a Autora era titular na zona sul do concelho de Viseu, e de na sentença recorrida se ter considerado que a esse valor ainda haveria que se deduzir a parcela relativa aos custos/despesas que deixaram eventualmente de ser realizadas em virtude da prestação do serviço coletivo de transportes ter passado em parte a ser efetuado pelos STUV, não leva a que se conclua pela inexistência de danos, apenas pela indeterminação do seu concreto quantum.
VI- No caso, a produção de prova suplementar permite estabelecer uma base factual que viabilize a determinação do quantum indemnizatório devido à Autora, pelo que, é prematuro o recurso ao mecanismo da equidade, impondo-se relegar o quantum indemnizatório para liquidação em execução de sentença. A equidade não serve para contornar questões de falta de prova de factos que pudessem ser provados.
VII- De acordo com o vertido no Acórdão do STA de 29/10/2020, na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil pela prática de facto ilícito não é de incluir a importância decorrente das despesas com honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais.
Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Recorrente:UNIÃO DE ... & A..., LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VISEU
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Parcialmente procedentes os recursos interpostos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:
I.RELATÓRIO
1.1.
UNIÃO DE ... & A..., LDA, pessoa coletiva nº ..., com sede no ... e morada na Avenida ... Viseu, intentou, com pedido de citação urgente, ação administrativa contra o MUNICÍPIO DE VISEU, com sede institucional na Praça ... Viseu, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 4.340.020,64€, acrescida de juros de mora vincendos a partir da data de citação até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais que alega ter sofrido, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.
Para tanto, alega, em síntese que é titular de 18 concessões de transporte público de passageiros em autocarro, as quais abrangem 11 concelhos, e que entre essas concessões incluem-se seis na zona sul de Viseu.
Sucede, que por deliberação camarária de 22/04/2022, o Réu ratificou a criação das linhas nºs 19 e 23 dos Serviços de Transportes Públicos de Viseu, que se haviam iniciado, respetivamente, em 19 de outubro e 3 de dezembro de 2001, as quais iam para além do perímetro urbano de Viseu, ou seja, para localidades que lhe estavam concessionadas, sem que, para a criação dessa linhas, o Réu tivesse adotado o necessário procedimento pré-contratual.
Inconformada com essa deliberação, interpôs recurso contencioso de anulação, tendo o STA anulado a referida deliberação, por acórdão de 05/05/2010, considerando ilegal a criação das linhas 19 e 23 por falta de concurso público.
Sucede que aquelas linhas continuaram a funcionar, e só na sequência da ação de execução desse acórdão, que correu termos no TAF de Coimbra e de cuja sentença interpôs recurso para o TCAN, sendo que, entre estes momentos, o Réu realizou o concurso público para concessão do serviço público de transportes coletivos urbanos e locais para as freguesias de ... e ... em Viseu, tendo por deliberação de 20 de dezembro de 2012 adjudicado as linhas 19 e 23 à mesma empresa que até aí explorara tais linhas.
Em consequência do funcionamento ilegal das linhas 19 e 23 sofreu uma diminuição de receitas que não teria registado se não tivesse sofrido durante o período de tempo decorrido entre 2001 e 2012 não tivesse que suporta a indevida concorrência dos STUV.
Ademais teve de recorrer aos tribunais, tendo suportado despesas.
Pretende, por isso, ser indemnizada pela diminuição das receitas que teve de suportar e das despesas tidas com os vários processos judicias.
Termina, pedindo a procedência da ação.
1.2. Citado, o Réu contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção da prescrição perentória do direito indemnizatório que a Autora vem exercer nos autos, sustentando que a mesma teve conhecimento do seu direito em 30 de junho de 2010, pelo que o prazo de 3 anos previsto no artigo 498.º do Cód. Civil encontra-se há muito ultrapassado, à data em que foi instaurada a presente ação.
Quanto à defesa por impugnação, impugnou a quase totalidade dos factos alegados pela Autora, apresentando uma versão diferente, alegando, em suma, que a Autora não concretiza em factos que a causa da diminuição das suas receitas foi a criação das linhas 19 e 23 e não prova os prejuízos que alega, uma vez que, o único documento que junta para esse efeito – doc. n.º17- é apenas um estudo orientado para acolher as teses que a Autora pretende fazer valer, não podendo ser considerado um documento isento e imparcial.
Mais alega que não se conhecem os documentos contabilísticos, de análise financeira, de exploração carreira a carreira, ou quaisquer outros, que fundamentem e comprovem as teses expendidas.
Invoca ainda que a diminuição de receitas da Autora e de todas as operadoras de transportes similares, tem entre outras mais longínquas e conhecidas razões, a desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais; a emigração e, bem assim, o aumento de fluxo as cidades e grandes centros; o envelhecimento da população residentes; o decréscimo acentuado da natalidade nas últimas décadas ou o acesso generalizado de todas as famílias a veículos próprios/particulares.
Termina, pedindo a procedência da matéria de exceção ou, para o caso de assim se não entender, a improcedência da ação e a sua absolvição dos pedidos deduzidos.
1.3. A Autora replicou concluindo pela improcedência da exceção invocada pelo Réu.
1.4. Realizou-se audiência preliminar, em que se proferiu despacho saneador, julgando-se improcedente a exceção da prescrição, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. Conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.
1.5. Prosseguiram os autos para julgamento, e concluída a audiência em 29/10/2018, foi proferida sentença, datada de 31/03/2021, decidindo de facto e de direito, onde se julgou parcialmente procedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
«Nestes termos, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada e em consequência, condena-se o Réu a pagar à Autora o montante de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros) acrescido de juros de mora vincendos a partir da data da citação até efetivo e integral pagamento.
Custas pelo Réu e Autora na proporção do decaimento, com dispensa do pagamento do remanescente.
Registe e notifique.»
1.6. Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida nos autos e que julgou a presente acção destinada à efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra o Município de Viseu parcialmente procedente.
II. Alegava a A. e ora Recorrida que a criação das linhas n.º 19 e 23 dos Serviços de Transportes Públicos de Viseu (STUV) pelo Município de Viseu, que entende ilegal, e a sua exploração de 2001 a 2012, foi causa directa e imediata da diminuição das suas receitas, pois se não tivessem sido criadas tais linhas a A. seria a única a prestar o serviço de transportes de passageiros em autocarro nas localidades que as mesmas servem.
III. Pese embora o Município Réu e ora Recorrente entenda que o Mmº Tribunal a quo fez uma correcta valoração de toda a prova produzida, entende-se, também, que analisada e ponderada toda a matéria de facto dado como assente, não podia o Tribunal ter decidido como decidiu, não podendo restar dúvidas – salvaguardado o devido e maior respeito – que a presente acção deveria ter sido julgada total e liminarmente não provada e improcedente.
IV. Como se pode ler na Decisão em recurso, para prova dos seus alegados “prejuízos” a Recorrida juntou unicamente aos autos um Relatório de Avaliação do impacto da entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 dos STUV nas concessões da A. na zona sul de Viseu, que teve apenas como objecto a análise das receitas globais das seis concessões da sua actividade, na zona e nos períodos considerados, nada existindo - nem neste estudo, nem em qualquer outro elemento de prova – sobre custos, despesas e encargos que a Recorrida também teve - e tem – nessas concessões.
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V. Assim sendo, o Tribunal a quo entendeu que a Recorrida não logrou provar – como lhe cumpria – a existência de quaisquer prejuízos, não estando assim preenchido um dos pressupostos necessários à condenação do ora Recorrente, a existência de dano. Assim, – lê-se na mesma – não poderá ser a autora indemnizada na medida em que faz o seu pedido e apresenta apenas as receitas e mesmo essas receitas respeitam a todos os locais”. (negritos e sublinhados nossos) (cfr. pág. 18 da Decisão recorrida). Acresce que,
VI. No que respeita ao nexo de causalidade, muito embora o Tribunal a quo entenda que não resultou provado qualquer prejuízo acaba por fazer uma análise no sentido de saber se a criação das linhas 19 e 23 foi causa directa e imediata da diminuição de receitas. (cfr. pág. 15 da Decisão recorrida).
VII. Com o devido e maior respeito, entende-se que não havendo dano fica esvaziada a questão da causalidade adequada, não havendo fundamento para aferir do nexo de causalidade entre criação das linhas 19 e 23/diminuição de receitas.
VIII. Mas, ainda que assim não se entenda, o certo é que, mesmo nesta análise, o Tribunal a quo entendeu que relativamente à “diminuição de receitas” – que, reiteramos, não pode isoladamente significar “prejuízos” – não há qualquer nexo de causalidade entre aquela diminuição e a criação das linhas 19 e 23, não estando, assim, preenchido outro dos pressupostos necessários para que possa existir responsabilidade civil por parte do ora Recorrente, o nexo de causalidade. ACONTECE QUE,
IX. Mesmo entendendo que não há danos e que a diminuição de receitas não teve como causa a criação das linhas 19 e 23, o Tribunal a quo decide que, embora não se possa indemnizar a Recorrida pelo montante pedido, há-que indemnizar porque houve diminuição de receitas, e fixa uma indemnização com recurso à equidade no montante de 150.000,00€,
X. Com o devido e maior respeito, o Mmº Tribunal a quo nunca podia ter decidido neste sentido, pois não estando preenchidos o pressuposto dano e o de nexo de causalidade, dois dos pressupostos de que a lei faz depender a condenação em responsabilidade civil extracontratual, não há qualquer obrigação de indemnizar, seja pelo montante pedido, seja por qualquer outro montante!
XI. Não podia o Tribunal a quo ter “dado o salto” para a condenação numa indemnização com o recurso a juízos de equidade! Primeiro, porque não estão preenchidos todos os requisitos necessários para que haja condenação – como o próprio Tribunal decide; depois, e por essa razão, porque não há quaisquer factos que possam servir de referência e sustentar esse juízo de equidade.
XII. Por tudo o exposto, ao decidir como decidiu, a Decisão recorrida:
– Padece de falta total de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão, por inexistência absoluta de factos que permitissem condenar e na medida em que a fundamentação existente nunca poderia ter conduzido à decisão adoptada pela sentença, sendo, por isso nula, nos termos do artigo 615º, nº 1, b) e c), do CPC;
– Violou os artigos 2º e 4º do Decreto-Lei n.º 48.071, de 27 de Novembro de 1967 (aplicável ao caso dos autos), e os artigos 562º e 563º do Código Civil;
– Por inexistência de matéria assente não podia ter recorrido a juízos de equidade, pelo que violou, ainda, o artigo 566º, n.º 3 do Código Civil.
– Decidiu em violou das regras o ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil
– Pelo que deverá ser revogada em conformidade
XIII. Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que não se encontra qualquer fundamento que permita perceber por que razão, recorrendo a juízos de equidade, o Tribunal a quo chegou ao valor indemnizatório de € 150.000,00. Pelo que, sempre e em todo o caso, por absoluta e total inexistência de fundamentação factual (ao nível dos factos provados e do nexo de causalidade) a Decisão recorrida é nula por falta de fundamentação, nos termos do art. 615º, nº 1, b) e c) do CPC.
Assim e confiando-se no douto suprimento de Vossas Excelências,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Decisão proferida em conformidade e absolvendo-se o Recorrente da presente acção.
ASSIM SE FAZENDO INTEIRA
J U S T I Ç A.»
1.7. Igualmente inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões
«1ª O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu de 31 de Março de 2021, que, mediante recurso a um juízo de equidade, condenou o Município de Viseu a pagar à ora recorrente, a título de responsabilidade civil extracontratual, uma indemnização de apenas 150.000€ em vez dos 4.340.020,64 € que haviam sido peticionados.
2ª Salvo o devido respeito, o aresto em recurso começa por incorrer em erro na apreciação da matéria de facto, tendo julgado incorrectamente os factos constantes dos n.ºs 11, 13, 81 e 90 da factologia assente, razão pela qual deve ser alterado o julgamento efectuado pela 1ª instância ao abrigo do disposto no art.º 662.º do CPC.
Com efeito,
3ª O aresto em recurso incorreu em erro de julgamento de facto ao dar por provado no ponto 11 da factologia assente que as linhas 19 e 23 “...situavam-se dentro do perímetro urbano do Concelho de Viseu”, uma vez que quer o legal representante da A. – AA v. declarações de parte prestadas no dia 4 de Outubro de 2018, com início às 10:06:40 e fim às 12:35:34, cfr. ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 04-10-2018 09-58-33”, documentado entre 07:00 a 21:00 e 23:00 a 01:04:45 e 01.17.00 a 02.29.00, de onde se destacou o trecho apresentado aos minutos 01:04:25) quer as próprias testemunhas do Réu BB (v, depoimento prestado no dia 29 de Outubro de 2018, com início ás 11:37:22 e fim às 12:20:07, cfr, ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 29-10-2018 10-08-38”, documentado entre 01:28:45 a 02:11:45) e CC (v. depoimento prestado no dia 29 de Outubro de 2018, com início ás 10:08:38 e fim às 11:37:20, cfr, ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 29-10-2018 10-08-38”, documentado entre 00:01:00 a 00:49:52 e 01:00:55 a 01:28:44) foram bem claros ao referir que as referidas linhas iam para fora do perímetro urbano de Viseu, o que, aliás, também resultava provado da planta do perímetro urbano de Viseu constante de fls. 5954, do 17.º Vol. do processo judicial.
4ª Consequentemente, deve ser alterada a factologia constante do ponto 11, de tal forma que donde consta que as linhas 19 e 23 “...situavam-se dentro do perímetro urbano do Concelho de Viseu” deve ser dado por provado que as linhas 19 e 23 “...iam para fora do perímetro urbano do Concelho de Viseu”.
5ª O aresto em recurso incorreu igualmente em erro de julgamento de facto ao dar por provado no ponto 13 da factologia assente que as linhas 19 e 23 não serviam as localidades de ..., ... e ..., pois não só dos docs. n.ºs 7 e 8 juntos com a p.i. resulta que a linha 19 servia a localidade de ... (v. fls. 47 do 1.º Vol. e fls 5469 do 15.º Vol. do processo judicial) e a linha 23 a localidade da ... (v. fis 48 do 1.º Vol. e fls. 5470v do 15º Vol. do processo judicial), como do depoimento das testemunhas DD (v. depoimento prestado no dia 4 de Outubro de 2018, com reabertura pelas 14 horas, cfr. ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 04-10-2018 09-58-33”, documentado entre 02:45:00 a 03:43:00), EE (v. depoimento prestado no dia 4 de Outubro de 2018, com reabertura pelas 14 horas, cfr. ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 04-10-2018 09-58-33”, documentado entre 03:43:00 a 04:12:00), FF (v. depoimento prestado no dia 4 de Outubro de 2018, com reabertura pelas 14 horas, cfr. ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 04-10-2018 09-58-33”, documentado entre 04:52:00 a 05:11:00) e GG (v. depoimento prestado no dia 11 de Outubro de 2018, com início pelas 13:45 horas, cfr, ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 11-10-2018 13-51-37”, documentado entre 00:32:06 a 01:08:15) resulta inquestionável que as linhas 19 e 23 serviam as localidades da ... e da ....
6ª Assim sendo, no ponto n.º 13 devem ser eliminadas as localidades de ..., ... e ..., uma vez que estas localidades eram servidas pelas linhas 19 e 23.
7ª O ponto 81 da factologia assente está incorrectamente julgado, enfermando de um erro de escrita, uma vez que, tendo em consideração os factos dados por provados nos nºs 29, 31 e 32 e o quadro nº 1 do doc. nº 17 – em que se baseou o aresto em recurso para dar por provado o ponto n.º 81 – facilmente se constata que o valor médio anual das receitas da A. no quadriénio anterior era de 242.321,00€ e não de 224.321,00€.
8ª Por fim, o aresto em recurso incorreu ainda em erro de julgamento de facto ao dar por provado o ponto 90 da factologia assente, porquanto:
- nenhuma testemunha referiu ou comprovou que ocorrera uma perda generalizada de receitas por parte de todos as operadores de transportes interurbanos, não referindo uma só empresa que, para além da A., tenha sofrido tal perda de receitas;
- é a própria testemunha do Réu BB (v. depoimento prestado no dia 29 de Outubro de 2018, com início ás 11:37:22 e fim às 12:20:07, cfr, ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 29-10-2018 10-08-38”, documentado entre 01:28:45 a 02:11:45, do qual se destacou o minuto 01:36:21 e 01:37:15) que refere o “...boom de crescimento da população..., aliás o crescimento do Concelho, que hoje tem cerca de cem mil habitantes, em 85 se calhar tinha sessenta mil habitantes...” e que a criação das linhas se devera a “...diferentes necessidades, ensino, ensino universitário em alguns locais fora da sede do Concelho, zonas industriais, zonas comerciais...”;
- está provado documentalmente que a criação das tinhas 19 e 23 se justificou “…pela adesão dos utentes...” (v. acta junta como doc. n.º 6 com a p.i e constante de fls, 4033 do 11.º Vol. do processo);
- as mais elementares regras da experiência mostram que quando se duplica a oferta de transportes é por haver utentes em excesso e não em falta.
9ª Consequentemente, o ponto n.º 90 deve ser eliminado da matéria de facto dada por assente.
Por outro Iodo,
10ª O aresto em recurso incorreu em erro de julgamento de direito ao ter recorrido a um juízo de equidade para fixar o montante da indemnização, uma vez que, de acordo com as mais elementares regras da experiência, estava determinada a repercussão patrimonial negativa sofrida pela A. em consequência do funcionamento ilegal das linhas 19 e 23, a qual correspondia ao valor da perda das receitas verificada após o início do funcionamento das referidas linhas 19 e 23, valor esse que o próprio Tribunal a quo apurou e deu por provado ser de, pelo menos 1.894.157€ (v., neste sentido, os pontos 29, 31. 32, 81, 82, 83 e 84 da factologia assente).
11ª Na verdade, resulta da lei que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que teria existido se o facto danoso não tivesse sido praticado, devendo atender-se para esse efeito à diferença entre a situação patrimonial que o lesado tem e a que teria sem aquele facto danoso (v. art.ºs 562.º, 564.º e 566.º do CPC), pelo que o recurso à equidade constitui a ultima ratio, a que só se pode recorrer quando o valor exacto dos danos não puder ser averiguado (v. Ao.º do STJ de 20/111/2019, Proc. n.º 107/17.5T8MMV-Cl.S1)
Ora,
12ª A factologia dada por provada pelo Tribunal a quo – manutenção da actividade e valor da perda de receitas – reflecte a repercussão patrimonial negativa que a abertura ilícita das linhas 19 e 23 teve na esfera jurídica da A., razão pela qual estava determinado o valor dos danos sofridos, o qual era correspondente ao valor da perda das receitas verificada, não havendo, como tal, lugar ao recurso à equidade.
13ª Neste sentido, veja-se que o Tribunal a quo deu por provado o valor exacto da perda de receitas verificada após a entrada em funcionamento das linhas nºs 19 e 23 por parte do Município de Viseu, tendo, para o efeito, comparado as receitas obtidas nos 4 anos anteriores ao início de funcionamento daquelas linhas e nos anos seguintes ao início desse mesmo funcionamento (v., neste sentido, os pontos 29, 31, 32, 81, 82, 83 e 84 da factologia assente).
14ª Para além disso, o Tribunal a quo também deu por provado que a A. continuou a efectuar exactamente as mesmas carreiras que fazia nos 4 anos anteriores, tendo ainda dado por provado o aumento anual do preço dos bilhetes.
15ª Por fim, não foi feita qualquer prova em como após a entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 os custos de exploração da A. haviam aumentado ou esta passara a suportar encargos superiores aos que suportava antes da entrada do ilegal funcionamento das referidas linhas – e mesmo que tal aumento de custos se tivesse verificado sempre o mesmo teria sido consumido e compensado pelo aumento do preço dos bilhetes.
16ª Se a isto se acrescentar que o facto constante do n.º 90 foi incorrectamente dado por provado e que, em qualquer dos casos, o que ali se deu por provado não comprova minimamente que a diminuição das receitas da A. se ficou a dever à desertificação das aldeias e ao envelhecimento da população, é por demais inquestionável que o Tribunal a quo estava em condições de apurar o valor dos danos sofridos pela A. em consequência do ilícito funcionamento das linhas 19 e 23, os quais correspondiam, de acordo com a factologia dada por provada, ao valor da perda de receitas verificada após a entrada em funcionamento de tais linhas.
17ª Neste mesmo sentido já se pronunciou o Venerando Supremo Tribunal de Justiça em brilhante acórdão de 5/2/2015, onde se firmou jurisprudência no sentido de que:
- a quantificação dos lucros cessantes em função da perda de receitas satisfaz os requisitos da probabilidade e previsibilidade do dano a que se reportam os art.ºs 563.º e 564.º/2 do Código Civil;
- a alegação e demonstração da perda das receitas traduz o elemento constitutivo do direito à indemnização, servindo a alegação e prova das despesas de elemento modificativo, pelo que não se provando as despesas ou encargos – e essa prova competia ao Réu – a indemnização por lucros cessantes corresponde ao valor das receitas perdidas ou deixadas de obter (v. Proc. n.º 4747/07.2TVL SB.L1. S1).
18ª E Consequentemente, o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento ao ter fixado a indemnização com recurso à equidade, uma vez que estando apurado o valor dos danos sofridos pela A. deveria a indemnização ter sido fixada de acordo com o disposto nos art.ºs 562.º, 564.º e 566.º do CPC.
19ª Para além de não haver recurso à equidade, sempre seria inquestionável que a fundamentação/motivação da sentença em recurso é claramente insuficiente relativamente ao valor indemnizatório alcançado a título de equidade – 150.000€ –, podendo-se dizer que tal valor é totalmente arbitrário e não justificado, uma vez que o juiz a quo não explicitou minimamente o iter que percorreu para alcançar o mesmo, limitando-se ao emprego de uma expressão vaga e genérica, aplicável a toda e qualquer situação, como o é ou são “...as circunstâncias do caso vertente...”.
Em qualquer dos casos,
20ª Mesmo que por mera hipótese a indemnização devesse ser fixada com recurso à equidade e o Tribunal a quo tivesse explicitado o iter que percorreu para alcançar o valor indemnizatório, sempre se teria de concluir que o valor indemnizatório de 150.000€ fixado pelo cresto em recurso é claramente errado, injusto e violador dos mais elementares princípios de equidade a que alude o n.º 2 do art.º 566.º do CPC, uma vez que, face à factologia dada por provada, tal valor corres­ponde apenas a cerca de 8% do valor total da perda de receitas sofrida pela A. após o início do funcionamento ilegal das linhas 19 e 23.
21ª Com efeito, a equidade é justiça, é razoabilidade (v., entre outros, os Ac.ºs do STJ de 17/12/2019, Proc. n.º 669/16, e de 12/1112020, Proc. n.º 14687/16), pelo que o juízo de equidade não pode ser feito de forma arbitrária, mas antes em função da factologia dada por provada pelo Tribunal, sendo à luz dessa factologia que se partirá para a valoração do que é efectivamente equitativo e justo.
22ª Ora, o Tribunal a quo deu por provado que depois da criação ilícita das linhas 19 e 23 pelo Município de Viseu a A. continuou a efectuar as carreiras que anteriormente efectuava e teve uma perda de receitas de, pelo menos, 1.894.157€ (v., neste sentido, os pontos 29, 31. 32, 81, 82, 83 e 84 da factologia assente).
23ª Deste modo, não tendo o Tribunal a quo dado por provado que houve um aumento dos custos suportados pela A. – os quais, ainda que tivessem existido teriam sido compensados pelo aumento do preço dos bilhetes –, é de todo injusto, arbitrário e desproporcional que entenda ser razoável e equitativo que a A. seja ressarcida de apenas cerca de 8% do valor total da perda de receitas, justamente por isso significar que 92% da perda de receitas verificada se deveria ao envelhecimento da população e desertificação das aldeias dado erradamente por provado no ponto 90 da factologia assente.
24ª Contudo, não só o ponto n.º 90 deve ser eliminado da factologia dada por provada, como, em qualquer dos casos, é absolutamente irrealista, arbitrário e injusto que se considere que tal envelhecimento e desertificação seja responsável por cerca de 92% do valor total da perda de receitas sofrida pela A. após o início do funcionamento das linhas 19 e 23, até por de acordo com esse mesmo ponto 90 o referido envelhecimento e desertificação já se verificar nas décadas anteri­ores e, portanto, já ocorrer antes mesmo do início do funcionamento ilegal das referidas linhas.
25ª Consequentemente, mesmo que houvesse lugar ao recurso a um juízo de equidade para se fixar o montante indemnizatório e se considerasse correctamente julgado o ponto nº 90 da factologia assente, um juízo de equidade levaria a que o envelhecimento da população e a desertificação das aldeias apenas fosse responsável por um máximo de 10% da perda de receitas sofrida pela A., o que significa que de acordo com um juízo de equidade a indemnização deveria ter sido fixado, no mínimo, em 90% do valor total da perda de receitas, ou seja, em 1.704,742€ (1.894.157€ - 10%).
Sucede, porém, que,
26º Já se demonstrou que a indemnização não deveria ter sido fixada com recurso à equidade e que o ponto n.º 90º foi incorrectamente julgado, pelo que a diferença entre a situação patrimonial da A. antes e depois do início do funcionamento ilegal das linhas 19 e 23 é dada pelo valor da perda de receitas sofrida, no montante de, pelo menos, 1.894.157€ (v., neste sentido, os pontos 29, 31. 32, 81, 82, 83 e 84 da factologia assente), uma vez que esta perda é o elemento constitutivo do direito à in­demnização e não se provou qualquer facto modificativo de tal direito, designa­damente o aumento dos custos de exploração (v., neste sentido, o referido Ac.º do STJ de 5/2/2015, Proc. n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1).
27ª A este valor decorrente da perda de receitas devem acrescer os montantes suportados pela A. com os diversos processos judiciais que foram dados por provados no nº 86 da factologia assente, no montante de 65.705,50€.
28ª Com efeito, e ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, a verdade é que as despesas com advogados são um dano indemnizável, conforme vem sendo reconhecido pelo venerando Supremo Tribunal Administrativo (v, entre outros, os Acs.º de 08-03-2005. Proc, n.º 039934A, de 19/12/2006, Proc. aº 01036/05, de 24/4/2007, Proc. n.º 01328/03, 20-06-2012, Proc. n.º 266/11, de de 19-05-2016, Proc. n.º 0314/13), por este douto Tribunal Central Administrativo do Norte (v., entre outros. os Acs. de 06-03-2015, Proc. n.º 02410/05.8BEPRT-A e de 19-12-2014, Proc. n.º 00994/07.5BECBR-A) pelo Tribunal Central Administrativo do Sul (v. Acsº de 21/11/2013, Proc. n.º 07577/11 e de 11/7/2018, Proc. n.º 2582/09) e pela própria doutrina, a qual vem reafirmando até a possibilidade de serem reclamados em sede de execução de sentença (v. ANDRADE, José Carlos de Vieira de – A Justiça Administrativa, (Lições). 15.º Ed.. Coimbra: Almedina, 2016, p. 388; CORREIA, Cecília Anacoreta – A tutela executiva dos particulares no Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Coimbra: Almedina, 2013, pp. 333-338; OLIVEIRA; Rodrigo Esteves de – “Processo Executivo: Algumas questões”, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica 86, Coimbra Editora, 2005, p. 252; ou ALMEIDA, Mário de Aroso de – Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Procedimento Administrativo. 3.º ed. Coimbra: Almedina, 2015, pp. 1042-1044).
29º Consequentemente, a justa indemnização devida à A. pelos danos sofridos em consequência do funcionamento ilícito das linhas 19 e 23 deve ser fixada, no mínimo, no valor correspondente à perda de receitas verificada após o início daquelas linhas – de, pelo menos, 1.894.157€ (v., neste sentido, os pontos 29, 31. 32, 81, 82, 83 e 84 da factologia assente) – acrescido das despesas judiciais suportadas ao longo dos anos com os sucessivos processos, – 65.705,50€. (v. ponto nº 86 da factologia assente) – no montante total de, pelo menos, 1.959,863€.
30ª Contudo, tendo em conta o aumento do preço dos bilhetes dado por provado no nº 85 da factologia assente, os lucros cessantes decorrentes da perda de receitas é muito superior, uma vez que, de acordo com o relatório de avaliação do impacto da entrada dos STUV nas concessões da A. em que se baseou o aresto em recurso (v. ponto 28 da factologia assente), com a consideração do preço do aumento dos bilhetes o valor da perda das receitas era de 3.660.076€ (v. quadro 7 do relatório referido no ponto nº 28 da factologia dada por assente).
31ª Assim sendo, julga-se que o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao fixar o montante indemnizatório nuns irrisórios e injustos 150.000€, uma vez que o valor dos danos suportados pela A. com a entrada do funcionamento ilegal das linhas 19 e 23 era, no mínimo, de 1.959,863€. – sem actualização tarifária – ou, no máximo, de 3.725,784€ – com actualização tarifária (3.660.076€ + 65.705,50€.), acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a sentença em recurso, com as legais consequências, fixando-se o valor da indemnização em conformidade com o supra referido.
Assim será cumprido o Direito e
feita JUSTIÇA
1.8. A Autora não contra-alegou no recurso interposto pelo Réu.
1.9.O Réu contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação apresentada pela Autora, mas não apresentou conclusões.
1.10. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
1.11. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte:
A- NO RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA
a- se a dita sentença padece de erro quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado pela 1ª instância em relação à facticidade julgada provada nos pontos 11, 13, 81 e 90 e se uma vez revisitada e reponderada a prova produzida se impõe concluir pela alteração dessa facticidade julgada provada.
b- se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito ao ter recorrido à equidade para fixar o montante da indeminização, uma vez que estando apurado o valor dos danos sofridos pela A. deveria a indemnização ter sido fixada de acordo com o disposto nos art.ºs 562.º, 564.º e 566.º do CPC;
c- se mesmo que houvesse lugar ao recurso à equidade, se ainda assim a sentença incorreu em erro de julgamento na fixação da indemnização no montante de apenas 150.000,00€, por se tratar de um montante injusto e irrazoável, nos termos do n.º2 do art.º 566.º do CPC.
d- se a sentença errou ao julgar não devido o pagamento das despesas suportadas pela Autora com os vários processos judiciais.
B- NO RECURSO INTERPOSTO PELO RÉU
e- se a sentença enferma de vício de nulidade nos termos das alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, por padecer de falta total de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão.
f- se incorreu em erro de julgamento sobre o mérito da decisão ao ter condenado o Réu a pagar à Autora a indemnização de 150.000,00€, ao invés de ter absolvido o mesmo de qualquer pedido indemnizatório, por não estarem preenchidos os pressupostos do dano e do nexo de causalidade, violando o disposto nos artigos 2.º e 4.º do DL 48.051, de 27/11/1967, 342.º, 562.º, 563.º, e 566.º, n.º3, todos do Cód. Civil.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
B. DE FACTO
3.1. Com interesse para a apreciação da causa, o Tribunal a quo julgou provada a seguinte facticidade:
1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte público de passageiros em autocarro e à realização de serviços ocasionais.
2) O transporte público de passageiros é realizado através de concessões outorgadas pelos órgãos competentes do Estado (atualmente pelo Instituto da Mobilidade e dos T..., I.P. – IMT, I.P.) e mediante a venda de bilhetes, passes sociais e escolares.
3) A realização de serviços ocasionais consiste na prestação de um serviço privado de aluguer de viaturas para a realização de viagens.
4) A A. é titular de 18 concessões de transporte público de passageiros em autocarro, as quais abrangem 11 concelhos.
5) Entre essas concessões incluem-se seis na zona sul de Viseu, a saber (v. doc.s nºs 1 a 6):
– ... – Viseu – 4 concessões;
– ...;
– Viseu.
6) As carreiras de serviço público de transportes em autocarro concessionadas na zona sul de Viseu à A. são as seguintes:
... – Viseu, concessionada desde 1 de outubro de 1970;
– ..., concessionada desde 10 de maio de 1967;
– ... (por ...), concessionada desde 15 de setembro de 1983;
– ... – Viseu, concessionada desde 10 de maio de 1971;
– ... – Viseu, concessionada desde 17 de agosto de 1970;
– ... – Viseu, concessionada desde 20 de setembro de 1994 (v. doc.s nºs 1 a 6).
7) Em 22 de Abril de 2002, o Município de Viseu ratificou a criação das linhas nºs 19 e 23 dos Serviços de Transportes Públicos de Viseu, que se haviam iniciado, respetivamente, em 19 de outubro e 3 de dezembro de 2001.
8) As localidades servidas pela linha 19 criada pelo Município de Viseu foram as seguintes: C. Camionagem – ... – C. Camionagem: C. Camionagem– Av. ... – Av. ... – Rotunda ... – P... – ... – ... – HH – ... – ... (v. doc. apresentado pelo Réu em 22/08/2016).
9) As principais localidades servidas pela linha 23 criada pelo Município de Viseu foram as seguintes: C. Camionagem – ... – C. Camionagem: C. Camionagem – Av. ... – Av. ... – Rotunda ... – P... – ... – ... – HH – ... (a partir de 1/02/2005) – ... – ... (v. doc. apresentado pelo Réu em 22/08/2016).
9) As linhas 19 e 23 funcionavam nos dias úteis da semana e ainda aos Sábados.
10) Possuindo diversas frequências diárias, desde o início da manhã até à noite (v. docs. nºs 7 a 10).
11) As linhas n.ºs 19 e 23 criadas pelo Réu situavam-se dentro do perímetro urbano do concelho de Viseu e serviam áreas geográficas e percursos não concessionados à autora e apenas coincidiam com algumas localidades realizadas pelas carreiras da União de ....
12) As concessões da União de ... não detinham a exclusividade, embora sendo as únicas a servir aqueles identificados locais.
13) As localidades de ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... ou ... não são servidas pelas linhas 19 e 23.
14) Não se conformando com a deliberação camarária que criara as referidas linhas nºs 19 e 23 e autorizara o início do seu funcionamento em 2002, a ora A. dela interpôs recurso contencioso de anulação no Tribunal Administrativo de Coimbra (Proc. nº 393/2002).
15) Recurso esse que, embora negado em 1ª instância, veio a obter total provimento no Supremo Tribunal Administrativo, o qual por acórdão de 5 de Maio de 2010 anulou o acto contenciosamente impugnado com fundamento em violação de lei (v. doc. nº 11).
16) Entendeu o Supremo Tribunal Administrativo que a criação das referidas linhas pelo Município de Viseu era ilegal por falta de concurso público, uma vez que só poderiam eventualmente ser criadas e concessionadas através da prévia realização de um concurso público (v. doc. nº 11).
17) O acórdão anulatório do Supremo Tribunal Administrativo transitou em julgado no dia 30 de Junho de 2010.
18) As linhas 19 e 23 continuaram a funcionar.
19) Em 7 de Março de 2011, a ora A. requereu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a integral execução do acórdão anulatório proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, peticionando que fossem especificados os actos e operações em que consistia a execução do aresto anulatório e a reconstituição da situação actual hipotética, a qual passaria pela imediata proibição de o Município continuar a permitir o funcionamento das linhas 19 e 23 e pelo pagamento dos danos sofridos (v. doc. nº 12).
20) Em sede de resposta à execução de sentença, o ora Réu informou que em Setembro de 2010 tinha voltado a criar as duas linhas 19 e 23 e que concessionara por ajuste directo a sua exploração à mesma empresa que até aí o vinha fazendo.
21) De imediato a ora A. solicitou ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, no âmbito do processo executivo que ali estava em curso, que fosse decretada a nulidade destas novas deliberações de Setembro de 2010 (v. doc. nº 13).
22) Por Sentença de 12 de Outubro de 2011, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou parcialmente procedente a pretensão executória formulada pelo ali exequente e agora A., tendo condenado o ali executado e agora Réu a proceder à publicitação da abertura de um concurso público para a concessão do serviço público de transporte ou, em alternativa, encerrar em 60 dias as linhas 19 e 23 (v. doc. nº 14).
23) Não se conformando mais uma vez com esta decisão, a exequente e ora A. interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo do Norte, o qual, por acórdão datado de 22 de Fevereiro de 2013, decidiu:
“– Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional e, em conformidade, revogar a sentença recorrida quanto à condenação do executado Município de Viseu;
– Manter, fundamentalmente, a sentença recorrida na parte restante, com diversa fundamentação;
– Declarar nula a deliberação de 02.09.2010 da Câmara Municipal de Viseu, na parte em que adopta o ajuste direito com consulta a mais do que uma entidade;
– Remeter a exequente para competente acção declarativa de condenação quanto ao pedido de indemnização pelos prejuízos” (v. doc. nº 15).
24) Entendeu o Tribunal Central Administrativo do Norte que com a anulação decretada pelo Supremo Tribunal Administrativo a “... concessão deixou de existir, foi retirada da ordem jurídica, passando a exploração da linhas 19 e 23 a não ter título legitimador. E significa, ainda, para o futuro, que se o MV pretender concessionar essa exploração de linhas de transporte público o deverá fazer mediante concurso público...” (v. doc. nº 15).
25) O acórdão do TCANORTE foi notificado em 28 de fevereiro de 2013 e transitou em julgado em 1 de abril de 2013. (v. doc. nº 15).
26) Entre a sentença do TAF de Coimbra e o Acórdão do TCANORTE, o Município de Viseu realizou o concurso público para concessão do serviço público de transportes colectivos urbanos e locais para as freguesias de ... e ... em Viseu, tendo por deliberação de 20 de dezembro de 2012 adjudicado as linhas 19 e 23 à mesma empresa que até aí explorara tais linhas – a empresa B..., Lda. (v. doc. nº 16).
27) As linhas 19 e 23 no período compreendido entre Outubro de 2001 e 20 de Dezembro de 2012 continuaram a ser exploradas, sem ter havido qualquer concurso público para o efeito.
28) De acordo com o Relatório de avaliação do impacto da entrada dos STUV nas concessões da União de ... & A... localizadas na zona sul de Viseu, (elaborado pelo técnico Dr. II) nos quatro anos imediatamente anteriores ao início do funcionamento das linhas nºs 19 e 23, a A. vendeu 451.013 bilhetes nas carreiras dos serviços regulares de que tinha a concessão na Zona Sul de Viseu e que passaram a partir de 2001 a sofrer a concorrência das referidas linhas (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18, 21, 24 e 27).
29) A Autora obteve uma receita global nesses quatro anos de 431.290,00€ com a venda de tais bilhetes regulares (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18, 21, 24 e 27).
30) Tendo em tal período e na mesma zona sul vendido um total de 5.611 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 19, 22, 25 e 28).
31) A Autora obteve uma receita nesse período de 149.671,00€ com tais passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 19, 22, 25 e 28).
32) E ainda vendido no mesmo período um conjunto de passes escolares que lhe permitiu obter uma receita de 388.324,00€ (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 20, 23, 26 e 29).
33) Tendo nos anos de 2001/2002 (Julho a Junho) sido vendidos 97.182 bilhetes e 516 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 30 e 31).
34) A Autora obteve uma receita de 84.448,00€.
35) A que acresceram 53.448€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. nº 17, quadro 2 doc. nº 32).
36) Num total de receita de 137.896,00€ (v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 30 a 32).
37) No ano de 2002/2003 (Julho a Junho) foram vendidos 87.345 bilhetes e 317 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 33 e 34).
38) O que permitiu à A. obter uma receita de 62.224,00€.
39) A que acresceram 51.090,00€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. nº 17, quadro 2 e doc. nº 35).
40) Num total de receita de 117.314,00€ (v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 33 a 35).
41) No ano de 2003/2004 (Julho a Junho) foram vendidos 82.762 bilhetes e 312 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 36 e 37).
42) A A. obteve uma receita de 67.400,00€ (v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 36 e 37).
43) A que acresceram 46.007,00€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. nº 17, quadro 2 e doc. nº 38),
44) Num total de receita de 113.407,00€ (v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 36 a 38).
45) No ano de 2004/2005 (Julho a Junho) foram vendidos 68.022 bilhetes e 272 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 39 e 40).
46) A A. obteve uma receita de 62.242,00€.
47) A que acresceram 51.050,00€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. nº 17, quadro 2 e doc. nº 41).
48) Num total de receita de 113.292,00€ (v. doc. no 17, quadro 2 e docs. nos 39 a 41).
49) No ano de 2005/2006 (Julho a Junho) foram vendidos 60.843 bilhetes e 234 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 3 e docs. nºs 42 e 43).
50) A A. obteve uma receita de 57.813,00€.
51) A que acresceram 47.375€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. nº 17, quadro 3 e doc. nº 44).
52) Num total de receita de 105.188,00€ (v. doc. no 17, quadro 3 e docs. nos 42 a 44).
53) No ano de 2006/2007 (Julho a Junho) foram vendidos 52.029 bilhetes e 234 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 3 e docs. nºs 45 e 46).
54) A A. obteve uma receita de 54.366,00€.
55) A que acresceram 42.385,00€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. no 17, quadro 3 e doc. nº 47).
56) Num total de receita de 96.751,00€ (v. doc. no 17, quadro 3 e docs. nos 45 a 47).
57) No ano de 2007/2008 (Julho a Junho) foram vendidos 52.622 bilhetes e 278 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 3 e docs. nºs 48 e 49).
58) A A. obteve uma receita de 57.189,00€.
59) A que acresceram 34.456€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. no 17, quadro e doc. nº 50),
60) Num total de receita de 91.645,00€ (v. doc. no 17, quadro 3 e docs. nos 48 a 50).
61) No ano de 2008/2009 (Julho a Junho) foram vendidos 49.520 bilhetes e 318 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 3 docs. nºs 51 e 52).
62) A A. obteve uma receita de 57.536,00€,
63) A que acresceram 34.955€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. no 17, quadro 3 e doc. nº 53).
64) Num total de receita de 92.491,00€ (v. doc. nº17, quadro 3 e docs. nºs 51 a 53).
65) No ano de 2009/2010 (Julho a Julho) foram vendidos 48.036 bilhetes e 329 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 54 e 55).
66) A A. obteve uma receita de 55.975,00€,
67) A que acresceram 55.952,00€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. nº 17, quadro 4 e doc. nº 56).
68) Num total de receita de 111.927,00€ (v. doc. no 17, quadro 4 e docs. nos 54 a 56).
69) No ano de 2010/2011 (Julho a Junho) foram vendidos 46.090 bilhetes e 282 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 57 e 58).
70) A A. obteve uma receita de 55.822,00€.
71) A que acresceram 47.171,00€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. nº 17, quadro 4 e doc. nº 59).
72) Num total de receita de 102.993,00€ (v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 57 a 59).
73) No ano de 2011/2012 (Julho a Junho) foram vendidos 40.155 bilhetes e 272 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 60 e 61).
74) A A. obteve uma receita de 54.646,00€.
75) A que acresceram 51.388,00€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. nº 17, quadro 4 e doc. nº 62).
76) Num total de receita de 106.034,00€ (v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 60 a 62).
77) No ano de 2012 (Julho a Dezembro) foram vendidos 15.730 bilhetes e 93 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 63 e 64).
78) A A. obteve uma receita de 21.854,00€.
79) A que acresceram 17.752,00€ de passes escolares às diversas escolas (v. doc. nº 17, quadro 4 e doc. nº 65).
80) Num total de receita de 39.606,00€ (v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 63 a 65).
81) O valor médio anual das receitas da A. com as concessões de que era titular na total na Zona Sul de Viseu e que passaram a ter a concorrência das linhas 19 e 23, em determinados locais, era de 242.321,00€ no quadriénio anterior ao início do funcionamento de tais linhas (1997-2001, doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18 a 29).
82) Tendo o volume médio anual de vendas passado a ser:
– de 120.477,00€ no primeiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2001-2005, v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 30 a 41);
– de 96.519,00€ no segundo quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2005-2009, v. doc. nº 17, quadro 3 e docs. nºs 42 a 53);
– de 103.071,00€ no terceiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2009-2012, v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 54 a 65).
83) A receita média obtida pela A. em serviços ocasionais nos três anos anteriores ao início do funcionamento das linhas 19 e 23 foi de 80.871,00€/ano (v. doc. nº 17, quadro 8 e docs. nºs 66 a 68)
84) Nos anos subsequentes a receita obtida pela A. em tais serviços ocasionais foi a seguinte:
– 2002 – 52.182,00€; – 2003 – 44.295,00€; – 2004 – 40.043,00€; – 2005 – 61.572,00€; – 2006 – 62.339,00€; – 2007 – 76.625,00€; – 2008 – 72.169,00€; – 2009 – 85.430,00€; – 2010 – 72.784,00€; – 2011 – 55.554,00€; – 2012 – 42.290,010€ (v. doc. nº 17, quadro 9 e docs. nºs 70 a 80).
85) O preço dos transportes colectivos rodoviários interurbanos de passageiros foram atualizados anualmente, tendo sido as percentagens de aumento as seguintes:
2002 – 2,5% e 3,5% (v. Despachos Normativos nº 4-A/2002, DR, nº 26, Suplemento, Série I-B, de 2002-01-31 e 38-A/2002, DR, nº 159, Suplemento, Série I-B, de 2002-07¬12);
2003 – 3,5% (v. Despacho Normativo nº 1-A/2003, DR, nº 3, Suplemento, Série I-B, de 2003-01-04);
2004 – 3,9% e 2,9% (v. Despachos Normativos nºs 4-A/2004, DR, nº 17, Suplemento, Série I-B, de 2004-01-21 e 39-A/2004, DR, nº 219, Suplemento, Série I-B, de 2004-09¬16);
2005 – 3,7% e 3,98% (v. Despachos Normativos nºs 24-A/2005, DR, nº 73, Suplemento, Série I-B, de 2005-04-14 e 45-B/2005, DR, nº 199, Suplemento, Série I-B, de 2005-10-17);
2006 – 2,3% e 2,65% (v. Despachos Normativos nºs 55-A/2005, DR. nº 242, Suplemento, Série I-B, de 2005-12-20 e 35-A/2006, DR, nº 155, Suplemento, Série I-B, de 2006-06-16);
2007 – 2,1% (v. Despacho Normativo nº 23/2006, DR, nº 241, Série II, de 2006-12-18);
2008 – 3,91% e 5,83% (v. Despacho nº ...08, DR, nº 249, Série II, de 2008-01-18 e Despacho Normativo nº 33/2008, DR, nº 137, Série II, de 2008-07-17);
2010 – 1,20% (v. Despacho Normativo nº 17/2010, DR, nº 123, Série II, de 2010-06– 28);
2011 – 4,5% e 2,7% (v. Despachos Normativos nº 30/2010, nº 253, Série II, de 2010-12-31 e 11-A/2011, DR, nº 143, Suplemento, Série II, de 2011-07-27);
2012 – 4% (v. Despacho Normativo nº 1/2012, DR, nº 20, Série II, de 2012-01-27).
86) A Autora despendeu a quantia total de 65.705,50€ com os advogados que sucessivamente contratou e que foram pagos ao longo dos anos (v. doc.s nºs 81 a 148).
87) Nas concessões de que a Autora é titular, a norte de Viseu verificou-se um acréscimo das receitas menor do que na zona sul de Viseu.
88) As populações servidas pela Autora encontravam-se mal e insuficientemente servidas de transportes públicos e não dispunham de qualquer alternativa de transporte nas suas áreas de residência.
89) Os horários reduzidos que a União de ... oferecia aos seus utilizadores não cobria, quer a frequência, quer os horários da empresa que prestava os serviços das linhas 19 e 23.
90) Nas últimas décadas verifica-se uma diminuição de receitas de todas as operadoras de transportes interurbanos, regionais e locais, devido à desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios.
91) O Réu contratou a Autora em diversos serviços ocasionais.
92) A exploração das linhas 19 e 23 estava integrada no todo que é a exploração conjunta de todas as linhas que compõem o serviço de transportes urbanos de Viseu.
93) Sendo exploradas isoladamente, são linhas deficitárias, dado o número de autocarros, motoristas, horários e percursos a elas destinadas.
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3.2. A Senhora Juíza de Direito a quo adiantou, para justificar o julgamento referido em 3.1. esta motivação:
«Todos os factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, foram objeto de análise concreta, não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente, que o Réu tenha imposto que tais bilhetes e passes fossem adquiridos aos serviços de transportes urbanos de Viseu que operavam nas referidas linhas nºs 19 e 23.
O Tribunal firmou a sua convicção com base na análise de todos os documentos juntos aos autos pelas partes, designadamente, 148 documentos juntos com a petição inicial, constituindo cerca de 5400 páginas e os demais documentos juntos ao longo do processado, quer pela autora, quer pelo réu, bem como no depoimento prestado em sede de declaração de parte de AA, legal representante da autora, que se referiu às concessões e ao decréscimo resultante da entrada em funcionamentos das linhas 19 e 23, o seu depoimento não foi totalmente isento e por vezes recorria a insinuações vagas e que não podem ser valorizadas, por isso mesmo. Foi ponderado o depoimento das testemunhas, em audiência de julgamento, DD, fiscal de transportes, a trabalhar para a autora entre 1973 a 2018, EE, despachante a trabalhar para a autora entre 1986 a 2011, JJ, mecânico a trabalhar para a autora desde 1990, KK, motorista a trabalhar para a autora entre 1968 a 2005, FF, motorista a trabalhar para a autora entre 1972 a 2008, LL, cobrador de autocarro, tendo trabalhado para a autora, GG, motorista de autocarro a trabalhar para a autora entre 1973 a 2010, que prestaram o seu depoimento de forma isenta, referindo que se verificou uma diminuição dos passageiros nos autocarros da União de ... quando surgiram as linhas 19 e 23, sem contudo quantificar, os passageiros preferiam os outros autocarros, eram mais modernos e tinham mais comodidades, que algumas das localidades servidas pela União de ... coincidiam com as linhas 19 e 23. GG, Técnico Oficial de Contas, presta serviços para a autora desde há 25 anos, elaborou o Relatório de avaliação do impacto da entrada dos STUV nas concessões da União de ... & A... localizadas na zona sul de Viseu (doc. 17 junto com a petição inicial) explicou, o seu ponto de vistas sobre os dados constantes no mesmo e a forma como chegou a esses resultados. MM, diretora de tráfego da autora, desde 2005, explicou a dinâmica do apuramento das receitas, e como tudo é conferido e sobre os horários e como poderiam ser alterados. Os montantes apurados como receita resultam do Relatório de avaliação do impacto da entrada dos STUV nas concessões da União de ... & A... localizadas na zona sul de Viseu. As testemunhas do Réu, CC, ... partilhados do Município, BB, ..., Obras e Sustentabilidade do R., NN, Chefe de ... do R. e OO, engenheira civil a trabalhar na ..., explicaram, com clareza, a dinâmica dos transportes públicos, suas vicissitudes e a criação das linhas e suas necessidades, bem como dos concursos que foram abertos.»
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III.B.DE DIREITO
3.3. A sentença proferida pelo TAF de Viseu julgou parcialmente procedente a ação movida pela Autora contra o Município de Viseu, na qual a Autora alegava, na qualidade de concessionária de seis concessões de transporte público na zona sul do concelho de Viseu, que por causa da criação das linhas n.ºs 19 e 23 dos Serviços de Transportes Públicos de Viseu (STUV), que entende ilegal, e a sua exploração de 2001 a 2012, sofreu prejuízos nas suas receitas no montante de 4.340.020,64€ que não teria sofrido se não tivessem sido criadas essas linhas, uma vez que seria a única a prestar o serviço de transporte em autocarro nas localidades que as mesmas servem.
Com a referida ação, a Autora pretendia obter a condenação do Município, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor da diminuição das suas receitas e, bem assim, a pagar-lhe as despesas suportadas com os vários processos judiciais que teve de mover para ver declarada a ilegalidade da criação das linhas n.ºs 19 e 23.
3.3.1.O Tribunal a quo julgou a ação apenas parcialmente procedente, condenando o Município a pagar á Autora tão só uma indemnização de 150.000,00€ que fixou por recurso à equidade, absolvendo o Réu do demais peticionado.
3.3.2.Quer o Réu, quer a Autora, não se conformam com o assim decidido, tendo ambos interposto recurso de apelação contra a sentença do TAF de Viseu.
3.3.3.No recurso apresentado pelo Réu, o mesmo sustenta que a sentença recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação e por contradição entre a decisão e a fundamentação ( al. b) e c) do n.º1 do artigo 615.º do CPC) e, bem assim, que padece de erros de julgamento sobre a matéria de direito.
Embora o Apelante/Réu defenda que o Tribunal a quo valorou corretamente a prova que foi produzida nos autos, entende que a ação devia ter sido julgada totalmente improcedente, na medida em que a Autora não logrou provar a existência do dano que invocou, nem o nexo de causalidade, pressupostos essenciais para que o Réu pudesse ser condenado com fundamento em responsabilidade civil extracontratual.
3.3.4. No recurso interposto pela Apelante/Autora a mesma sustenta que a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento, quer sobre a matéria de facto, quer sobre a matéria de direito.
No que concerne ao erro de julgamento de direito, alega, essencialmente, que a sentença errou ao ter recorrido a um juízo de equidade para fixar o montante indemnizatório a pagar pelo réu, uma vez que o valor do prejuízo decorrente do funcionamento ilegal das linhas 19 e 23, correspondia ao valor da perda de receitas verificada após o início do funcionamento das referidas linhas 19 e 23, valor esse que o Tribunal a quo apurou e deu por provado ser de, pelo menos, 1.894.157,00€, conforme resulta dos factos 29,31,32,81,83 e 84.
Por outro prisma, considera que a fundamentação avançada pelo Tribunal a quo para justificar o recurso à equidade é insuficiente, não se percebendo como se chegou ao valor arbitrado de 150.000,00€, o qual traduz um valor injusto e errado, correspondendo a apenas 8% do valor total das perdas de receitas sofridas pela Autora após o início de funcionamento ilegal das linhas 19 e 23. E ainda que se admitisse que parte dessa diminuição de receitas se tenha ficado a dever às razões erradamente elencadas no ponto 90 dos factos assentes ( envelhecimento da população desertificação das aldeias…) nunca essa realidade podia justificar mais do que uma redução em 10% dessas receitas.
Por outro lado, a sentença recorrida errou também ao absolver o Réu do pedido de condenação no pagamento das despesas que a mesma suportou com os vários processos judiciais que teve de mover, quando, de acordo com a jurisprudência que cita, devia antes condenar o Réu nesse pagamento.
3.3.5.Em suma, a tese do Réu é a de que a ação devia ter sido julgada totalmente improcedente por não se terem provado os pressupostos do dano e do nexo de causalidade, ou seja, os concretos prejuízos que a Autora sofreu e a sua relação com a entrada em funcionamento e exploração das linhas n.ºs 19 e 23 pelos STUV, ao passo que, na perspetiva da Autora, a sentença errou por ter recorrido à equidade, quando estava apurado o concreto valor que correspondia aos prejuízos sofridos com a entrada em funcionamento das referidas linhas e, bem assim, por em relação ao juízo de equidade considerar que o valor fixado é injusto, está claramente errado e não devia nunca ser arbitrada uma indemnização inferior a 90% do prejuízo apurado.
Precise-se que através da interposição de recurso para o Tribunal ad quem não está em causa um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida, com vista a verificar se a mesma enferma de nulidades, quando arguidas, e a corrigir eventuais erros de julgamento que lhe sejam assacados, ou de que cumpra conhecer oficiosamente.
Passemos agora à análise das questões colocadas pelos Apelantes.
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b.1. da nulidade da sentença recorrida com fundamento nas alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 615.º do CPC.
4. O Apelante Município assaca à sentença recorrida vício de nulidade arguindo para tal que a mesma padece de falta total de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão, por inexistência absoluta de factos que permitissem a sua condenação e na medida em que a fundamentação existente nunca poderia ter conduzido à decisão adotada pela sentença, sendo, por isso nula, nos termos do artigo 615º, nº 1, b) e c), do CPC.
4.1.As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no art.º 615º do CPC ex vi artigos 1º e 95º do CPTA e reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrente de na respetiva elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essa decisão de per se ou os limites à sombra dos quais esta é proferida.
4.2.Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado ou à decisão de mérito nela proferida, decorrentes de o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual julgada provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do realizado pelo tribunal a quo (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na aplicação do direito (error iuris). Nos erros de julgamento assiste-se ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in iudicando, atacáveis em via de recurso Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
4.3. Lê-se no artigo 615.º, n.º1 alínea b) do CPC que «é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Por referência aos ensinamentos do professor Alberto dos Reis, é recorrente a afirmação de que apenas haverá nulidade da sentença quando ocorra a falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito -, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 332).
4.4.Afigura-se-nos, porém, que perante o atual quadro constitucional, em que, nos termos do disposto no artigo 205.º, n.º1 da CRP, se prevê a imposição de um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficientes, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório.
Por conseguinte, dir-se-á que a sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo nº 772/11.7TBVNO-A.C1).
4.5.No que concerne à falta de fundamentação, como se extrai da sentença recorrida, dela resulta claramente apreensível a exposição das razões de facto e de direito, certas ou erradas, o que aqui não importa aquilatar- porquanto, se erradas, tratar- se- à de erro de julgamento de facto ou de direito em que o Tribunal a quo alicerçou a sua decisão-, em que o Tribunal a quo se baseou para proferir a sentença recorrida, pelo que é manifesto que não há nulidade por falta de fundamentação.
De resto, relembre-se que apenas a absoluta falta de fundamentação é geradora de nulidade da sentença recorrida.
Improcede, consequentemente, a assacada nulidade de sentença com fundamento na alínea b), do n.º1 do artigo 615.º do CPC.
4.6.Por seu turno, prevê-se na alínea c), n.º1 do artigo 615.º do CPC que a sentença é nula quando «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
Em relação à nulidade descrita na 1.ª parte da al. c) a mesma ocorre quando os fundamentos e a decisão sejam incompatíveis, isto é, quando a fundamentação aponte num sentido que contradiz a decisão. Outrossim, a decisão é obscura quando contém em si partes cujo sentido não é inteligível e é ambígua quando se presta a interpretações diferentes.
O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que tal nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154º e 607º nºs. 3 e 4 do Código de Processo Civil, de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Ou seja “… entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta; quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se”. – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2º, 3ª Edição Almedina, págs. 736 e 737.
Assim sendo, dir-se-á que a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
4.7.O Apelante/Réu invoca que a sentença recorrida é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, arguindo para tal que não tendo sido dados como provados a existência dos pressupostos do dano e do nexo de causalidade, não podia o Tribunal a quo ter condenado o mesmo a pagar uma indemnização à Autora, ainda que por recurso à equidade.
Na perspetiva do Apelante/Réu, da sentença recorrida não resulta como provado que a Autora tenha sofrido prejuízos. Ademais, a seu ver, não se provou a existência de nexo causal entre a diminuição de receitas que a Autora alega que sofreu e a criação das linhas 19 e 23, pelo que, perante este quadro factual, não podia o Tribunal a quo ter decidido pela sua condenação no pagamento da indemnização arbitrada de 150.000,00€, como decidiu, razão pela qual a sentença recorrida enferma de nulidade nos termos previstos na alínea c), n.º1 do artigo 615.º do CPC.
Vejamos.
4.8.A sentença recorrida, depois de ter enquadrado a presente ação no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos previstos pelo DL 48051, e efetuado uma síntese explicativa sobre cada um dos seus pressupostos, começou por referir que o Réu omitiu atos que eram devidos e só ao fim de mais de 12 anos depois de ter iniciado a exploração das linhas 19 e 23 é que procedeu à realização do concurso público que era legalmente exigível para que aquelas linhas pudessem ser exploradas, tendo durante esse período de tempo explorado essas duas linhas de transporte público de passageiros sem que dispusesse de título legitimador, pelo que, tal como decidiu o TCAN e o STA, a exploração dessas linhas foi ilegal. Mais referiu que a realização do procedimento concursal em 2012 não tem a virtualidade de sanar retroativamente as ilegalidades resultantes da sua anterior omissão.
4.9.Após, o Tribunal a quo, concretizando que a questão que se coloca na ação é a de saber se o ato ilegal de criação das linhas 19 e 23 não tivesse ocorrido, se então - como alega a Autora na p.i.- seguramente nas localidades servidas por tais linhas, aquela teria sido a única entidade a prestar serviço de transporte público de passageiros em autocarro, cobrando os respetivos bilhetes e passes sociais e escolares, assim como seria ela quem realizaria os serviços sociais, uma vez que só ela era legalmente titular de concessões para naquela área proceder ao transporte público de passageiros em autocarro, ou seja, se o Réu não tivesse criado ilegalmente em 2001 as linhas nºs 19 e 23, a ora A. teria sido, entre aquela data e dezembro de 2012, a única concessionária do serviço público de transportes entre ... – Viseu, ..., ... (por ...), ... – Viseu, – ... – Viseu, e ..., pelo que não sofreria da ilegal concorrência dos serviços de transportes urbanos de Viseu, passou para a aferição dos pressupostos do dano e do nexo de causalidade.
4.10.Na sentença recorrida a Senhora juiz a quo, precisa que se impõe aferir se a ilegal criação destas linhas foi causa direta e imediata da diminuição de receitas em bilhetes e passes sociais e escolares, tanto mais que, além da concorrência decorrente de um serviço similar nas mesmas localidades, a Autora invoca que o Réu impôs que tais bilhetes e passes fossem adquiridos aos serviços de transportes urbanos de Viseu que operavam nas referidas linhas nºs 19 e 23.
4.11.Nesse desiderato, depois de enunciar o regime contido nos artigos 562.º e 563.º do CC, e apoiando-se no relatório de avaliação do impacto da entrada dos STUV nas concessões da Autora, a Senhora juiz a quo concluiu que se verificou uma diminuição nas receitas da Autora que logo começou no ano de 2001/2002, mas que se prolongou para além de 2012.
4.12. Refere, contudo, que essa diminuição nas receitas da Autora se ficou a dever a diversos fatores, como melhor podemos constatar da leitura da sentença recorrida, cujos segmentos ora entendemos útil transcrever ipsis verbis:
«Baixando ao caso vertente, como resulta da matéria provada, de acordo com o Relatório de avaliação do impacto da entrada dos STUV nas concessões da União de ... & A... localizadas na zona sul de Viseu, (elaborado pelo técnico Dr. II) nos quatro anos imediatamente anteriores ao início do funcionamento das linhas nºs 19 e 23, a A. vendeu 451.013 bilhetes nas carreiras dos serviços regulares de que tinha a concessão na Zona Sul de Viseu e que passaram a partir de 2001 a sofrer a concorrência das referidas linhas (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18, 21, 24 e 27).
A Autora obteve uma receita global nesses quatro anos de 431.290,00€ com a venda de tais bilhetes regulares (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18, 21, 24 e 27). Tendo em tal período e na mesma zona sul vendido um total de 5.611 passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 19, 22, 25 e 28).
A Autora obteve uma receita nesse período de 149.671,00€ com tais passes sociais (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 19, 22, 25 e 28).
E ainda vendido no mesmo período um conjunto de passes escolares que lhe permitiu obter uma receita de 388.324,00€ (v. doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 20, 23, 26 e 29).
O valor médio anual das receitas da A. com as concessões de que era titular na total na Zona Sul de Viseu e que passaram a ter a concorrência das linhas 19 e 23, em determinados locais, era de 224.321,00€ no quadriénio anterior ao início do funcionamento de tais linhas (1997-2001, doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18 a 29).
Tendo o volume médio anual de vendas passado a ser:
– de 120.477,00€ no primeiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2001-2005, v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 30 a 41);
– de 96.519,00€ no segundo quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2005-2009, v. doc. nº 17, quadro 3 e docs. nºs 42 a 53);
– de 103.071,00€ no terceiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2009-2012, v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 54 a 65).
Sendo que estes valores são, como se referiu, os constantes no Relatório de avaliação do impacto da entrada dos STUV nas concessões da União de ... & A... localizadas na zona sul de Viseu.
É certo que se verifica uma diminuição de receitas que logo começou no ano de 2001/2002 (de julho a junho), mas que se prolonga para além de 2012, devido a diversos factores.» ( sublinhado nosso)
4.13.O Tribunal a quo, depois de concluir que houve uma diminuição nas receitas da Autora que começou no ano de 2001/2002, afirma que:
«Da matéria provada resulta apenas um estudo sobre o impacto da entrada em funcionamento das linhas 19 e 23, e somente no que concerne a receitas.
Como é consabido, as receitas não se podem entender como lucros, pois existem despesas que deveriam ter sido contabilizadas e não o foram.
As receitas ou faturamento é todo o valor que entra em caixa no período que se está analisando. Porém, de tais montantes devem ser descontados tributos, outros custos e despesas. Por isso, as receitas não podem ser vistas como lucros.
Poderia a autora ter um centro de custos para cada uma das concessões/linhas/percursos.
Ora, dos autos não resultam quaisquer elementos respeitantes a despesas, o que não permite apurar os resultados de exploração, nem sequer foram juntos os documentos contabilísticos certificados, de análise financeira, de exploração carreria a carreira ou informação apresentada na autoridade tributária.
Como refere a autora, em julgamento, isso é uma questão de prova e ónus da prova. Ónus esse que cabia a autora e que não cumpriu.
Assim, não poderá ser a autora indemnizada na medida em que faz o seu pedido e apresenta apenas as receitas e mesmo essas receitas respeitam a todos os locais.» ( sublinhado nosso)
4.14.Ademais, considerou resultar da matéria de facto que:
«… as linhas n.ºs 19 e 23 criadas pelo Réu situavam-se dentro do perímetro urbano do concelho de Viseu e serviam áreas geográficas e percursos não concessionados à autora e apenas coincidiam com algumas localidades realizadas pelas carreiras da União de ....
Sendo que, as concessões da União de ... não detinham a exclusividade, embora sendo as únicas a servir aqueles identificados locais.
As localidades de ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... ou ... não são servidas pelas linhas 19 e 23.
Logo, apenas em alguns locais passavam os dois autocarros e só nesses teria havido concorrência indevida.»
4.15.Por outro prisma, considerou o Tribunal a quo ser certo que:
«.. o réu sempre poderia, dentro das suas atribuições e competências, ter aberto, no seu território municipal, estas, ou mesmo outras, linhas que entendesse ser do interesse público e mediante o recurso a concurso público.
Ou mesmo, poderia ter havido novas concessões, sobrepostas às da autora, atribuídas pelo IMTT a outras empresas transportadoras, pois nada há no Regulamento de Transportes Automóvel (RTA, Decreto no 3727, de 13 de Dezembro de 1948) que o impeça.
Nos termos do estatuído no RTA, designadamente, no art. 98.º, “as concessões para além da área das sedes dos concelhos” (alínea c) e dentro das áreas dos Municípios, “devem ser concedidos aos concessionários que exploram os transportes dentro da área da sede dos concelhos.
Pelo que, nada, garantia ou garante, que fosse, ou seja, a União de ... a única entidade a prestar o serviço de transporte público de passageiros em autocarro nas localidades servidas por tais linhas.»
4.16.E adiantou ainda :
«Acresce que, as últimas décadas verifica-se uma diminuição de receitas de todas as operadoras de transportes interurbanos, regionais e locais, devido à desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios.
Como também, resulta que as concessões a norte de Viseu também sofreram um decréscimo, à data e nos anos posteriores a 2012.
Relativamente à mencionada atualização pelo aumento dos transportes, não restou provado que a autora o tenha feito e em que medida se repercute nos valores apresentados, pois não basta a simples indicação dos valores de aumento.»
4.17.Concluiu, a final, que:
«Pelo exposto, não poderemos indemnizar a autora pelo montante pedido. Porém, há que indemnizar porque, não obstante não sabermos quais as despesas e outros custos a abater, sofreu uma diminuição das suas receitas. Na atribuição da indemnização teremos de ter em ponderação todos os factores supra referidos.
ANTUNES VARELA diz-nos: “Tal como na responsabilidade contratual e extracontratual, também na responsabilidade pré-negocial os danos indemnizáveis variam consoante as circunstâncias de cada caso. A indemnização terá sempre como objectivo, quer num quer noutro domínio colocar o lesado na situação patrimonial em que ele se encontraria se não fora o facto ilícito praticado” – Anotação ao Acórdão do STJ de 29-1-73.
Deste modo, na falta de outros elementos, atendendo a todas as circunstâncias do caso vertente, a fixação da indemnização deve ser feita com recurso à equidade, considerando uma importância que se afigure justa e razoável, prevista no art. 566.º, n.º 3 do Código Civil – cfr. Ac do STA de 24/10/2006.
Assim, entende-se indemnizar a Autora no montante de 150.000,00€, (cento e cinquenta mil euros) acrescido de juros de mora vincendos a partir da data da citação até efetivo e integral pagamento.»
4.18.Ora, lendo a sentença recorrida, quando nela se afirma que « dos autos não resultam quaisquer elementos respeitantes a despesas, o que não permite apurar os resultados de exploração, nem sequer foram juntos os documentos contabilísticos certificados, de análise financeira, de exploração carreria a carreira ou informação apresentada na autoridade tributária» e que « Como refere a autora, em julgamento, isso é uma questão de prova e ónus da prova. Ónus esse que cabia a autora e que não cumpriu », aparentemente, a Senhora Juiz a quo conclui que a Autora não logrou fazer a prova de que tivesse sofrido quaisquer prejuízos em consequência da criação das linhas 19 e 23 e da sua ilegal entrada em funcionamento.
4.19.Acontece que, basta efetuar uma leitura do teor subsequente da sentença recorrida para logo se concluir que não é esse o sentido interpretativo a retirar do apontado excerto daquela sentença. Com efeito, no parágrafo subsequente da sentença onde se efetuam as afirmações acima reproduzidas, escreve-se que: « Assim, não poderá ser a autora indemnizada na medida em que faz o seu pedido e apresenta apenas as receitas e mesmo essas receitas respeitam a todos os locais.»
4.20.Logo, o sentido a retirar deste excerto da sentença recorrida é apenas o de que - não vindo alegado pela Autora e, por isso, não resultando provadas as despesas e os custos que a Autora teria de suportar para auferir aquelas receitas que deixou de auferir e, porque, na perspetiva do Tribunal a quo « As receitas ou faturamento é todo o valor que entra em caixa no período que se está analisando. Porém, de tais montantes devem ser descontados tributos, outros custos e despesas. Por isso, as receitas não podem ser vistas como lucros », ou seja, porque para o Tribunal a quo o lucro são as receitas subtraídas dos custos -, o Tribunal a quo considerou não poder concluir que por via da criação ilegal das linhas 19 e 23 a Autora sofreu o prejuízo equivalente aos montantes que se quedaram provados, os quais, respeitam a receitas em relação às quais se impunha que tivessem sido subtraídos os inerentes custos.
4.21.Acresce que, de acordo com a sentença recorrida, na quantia indemnizatória reclamada estão englobadas as localidades de « ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... ou ...» que « não são servidas pelas linhas 19 e 23.» pelo que « apenas em alguns locais passavam os dois autocarros e só nesses teria havido concorrência indevida».
Ora, também o sentido que se extrai deste segmento da sentença recorrida, é o que para o Tribunal a quo, sempre se teria de deduzir ao montante indemnizatório reclamado pela Autora, onde essas localidades se encontram englobadas como sofrendo a concorrência das linhas 19 e 23, a repercussão decorrente de assim não ser.
4.22.Adianta ainda o Tribunal a quo ter-se provado que nas « últimas décadas verifica-se uma diminuição de receitas de todas as operadoras de transportes interurbanos, regionais e locais, devido à desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios », pelo que também essa realidade, no entendimento do Tribunal a quo, levou a uma diminuição dos utentes dos serviços públicos de transporte de passageiros, e consequentemente, a uma diminuição das receitas, o que também não foi considerado no valor indemnizatório reclamado pela Autora.
4.23.Em suma, resulta com meridiana evidência da sentença recorrida, que para a Senhora Juiz a quo a diminuição das receitas sofrida pela Autora entre 2001 e 2012 resultou da criação das linhas 19 e 23 mas também da «desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios».
4.24.Logo, do ponto de vista do nexo causal não há qualquer contradição lógica interna no silogismo judiciário operado pela sentença recorrida.
4.25.Coisa distinta é saber se, em função da facticidade que se quedou como provada, a Senhora juiz a quo podia concluir, conforme concluiu, que a diminuição das receitas sofridas pela Autora é consequência da criação das linhas 19 e 23 e, bem assim, da « desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios».
4.26.A este respeito dir-se-á que, quanto à diminuição das receitas por força da « desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios», essa factualidade resulta provada no ponto 90 do elenco dos factos assentes.
4.27.Já no que tange à circunstância de ter considerado que essa diminuição de receitas sofridas pela Autora também se tenha ficado a dever à criação das linhas 19 e 23, salvo o devido respeito e melhor opinião, a matéria de facto dada como provada não permite extrair essa ilação, assim como não permite extrair a versão contrária, uma vez que a Senhora juiz a quo não deu como provado, nem como não provado, que essa diminuição de receitas se deveu à criação das linhas 19 e 23, posto que, se limitou a dar como provado a diminuição de receitas da Autora nos anos de 2001 a 2012 sem que estabelecesse qualquer nexo causal entre essa diminuição de receitas e a criação das referidas linhas 19 e 23.
Vejamos.
4.28.A Autora alegou na sua petição inicial, nos pontos 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º e 127, designadamente que:
«45º
Ora, se o acto ilegal de criação das linhas nºs 19 e 23 não tivesse sido proferido pelo Réu, então seguramente nas localidades servidas por tais linhas a ora A. teria sido a única entidade a prestar o serviço de transporte público de passageiros em autocarro, cobrando os respectivos bilhetes e passes sociais e escolares, assim como seria ela quem realizaria os serviços ocasionais,
46º
Uma vez que só ela era legalmente titular de concessões para naquela área proceder ao
transporte público de passageiros em autocarro.
47º
Consequentemente, se o Réu não tivesse criado ilegalmente em 2001 as linhas nºs 19 e 23, a ora A. teria sido entre aquela data e Dezembro de 2012 a única concessionária do serviço público de transportes entre ... – Viseu, ..., ... (por ...), ... – Viseu, - ... – Viseu, e ..., peloque não sofreria da ilegal concorrência dos serviços de transportes urbanos de Viseu.
48º
A ilegal criação destas linhas foi a causa directa e imediata da diminuição de receitas em bilhetes e passes sociais e escolares, tanto mais que, além da concorrência decorrente de um serviço similar nas mesmas localidades, o Réu sempre impôs que tais bilhetes e passes fossem adquiridos aos serviços de transportes urbanos de Viseu que operavam nas referidas linhas nºs 19 e 23 (v. doc nº 12, fls. 19),
49º
O que determinou uma clara diminuição dos bilhetes e passes sociais e escolares vendidos pela exequente nas seis concessões que até aí explorava em exclusividade e que desde finais de 2001 até à presente data passaram a sofrer da concorrência resultante da ilegal criação das linhas nºs 19 e 23 pelo Réu,
50º
Diminuição de receitas que logo começou no ano de 2001/2002 (de Julho a Junho) e que se prolonga até à presente data;
127º
Pelo que o prejuízo sofrido pela A. nas carreiras regulares de que tinha a concessão na zona Sul de Viseu em consequência do funcionamento ilegal das carreiras 19 e 23 foi, no período compreendido entre 2001 e 2012, de 3.660.076,00€ (v. doc. nº 17, quadro 7).»

4.29.Ora, a circunstância de o Tribunal a quo não ter dado como provado, nem como não provado, que a diminuição de receitas se ficou a dever à criação das linhas 19 e 23, tal como foi invocado pela Autora, constituindo um facto essencial integrativo da causa de pedir, não consubstancia qualquer nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão proferida, mas erro de julgamento da matéria de facto na vertente do vício de deficiência, o qual é do conhecimento oficioso, pelo que cumpre a este Tribunal ad quem suprir esse vício no uso dos seus poderes de substituição ( artigo 149.º do CPTA).
4.30.Assim, se não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto ao nexo de causalidade, mas como dito, erro de julgamento da matéria de facto na vertente da deficiência, também não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão quanto aos danos, porquanto, em sede de danos, o que a Senhora Juiz a quo escreve é que estes não correspondem ao montante indemnizatório reclamado pela Autora, uma vez que esse montante indemnizatório corresponde às receitas quando, na sua perspetiva, a este valor devem ser abatidos custos/despesas e porque nesses montantes indemnizatórios reclamados pela Autora, esta, não só desconsiderou o impacto resultante de nas localidades acima referidas não ter sofrido qualquer concorrência das linhas 19 e 23, como não teve em conta o impacto resultante da «desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios».
4.31.Assim é que, a Senhora Juiz a quo, bem ou mal - o que contende com o erro de julgamento em matéria de direito-, recorreu à equidade para fixar o montante indemnizatório devido à Autora, logo também do ponto de vista dos danos, não há qualquer contradição lógica interna da sentença podendo haver, quando muito, um eventual erro de julgamento.
4.32.Por fim, dir-se-á que, não tendo o Município Réu aberto o competente procedimento para a concessão das linhas 19 e 23 e, portanto, tendo estas linhas funcionado ilegalmente entre 2001 e 2012, fazendo no período de tempo em que funcionaram ilegalmente uma concorrência ilegal, logo, ilícita, à Autora, salvo melhor entendimento, não há que se entrar em conta, ao nível do nexo causal, com a possibilidade de o Município ter procedido à abertura de concurso publico e concessionar as referidas linhas de modo válido e, nesse caso, a Autora sempre poder ter sofrido uma concorrência legal.
4.33.É que o Município não abriu concurso público, e por via disso, a concorrência que a Autora sofreu foi ilícita, por ilegal, sendo indiferente para o caso, a possibilidade hipotética de o Município poder abrir um concurso público ou o adequado procedimento concursal e, por essa via, colocar concorrentes à Autora legitimados a fazerem essa concorrência. Não foi isso que aconteceu nos autos!
4.34. A circunstância de na sentença recorrida a 1.ª Instância ter indevidamente considerado essa possibilidade hipotética de o Município criar, digamos, «concorrentes legais» à Autora, não traduz qualquer incoerência interna da sentença, isto é, um vício lógico em que tenha incorrido a Senhora juiz a quo, porquanto ao considerar esse fator como concausa para os danos sofridos pela Autora, esse raciocínio não comporta nenhum vício lógico mas erro de julgamento.
4.35.Resulta do que se vem dizendo, improceder a invocada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, a que se refere a alínea c) do n.º1 do artigo 615.º do CPC.
**
b.2.- Impugnação do julgamento da matéria de facto.
5. A Apelante A. imputa erro ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª instância quanto à facticidade que julgou provada nos pontos n.ºs 11, 13, 81 e 90 na sentença recorrida.
Vejamos.
b.2.1.- Ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto em geral
5.1.Na sequência das alterações legislativas introduzidas ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador estabeleceu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da 2.ª Instância (Relação ou TCA).
Nessa operação foi propósito do legislador que a 2ª Instância realize um novo julgamento em relação à matéria de facto impugnada pelo recorrente, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estabelecido no art.º 662º, n.º 1 do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, quando estabelece que a 2.ª Instância deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI..
Deste modo é que perante as regras positivas vigentes na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto, o Tribunal de 2.ª Instância deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelo recorrente, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como faz o juiz da primeira instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade.
Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição que é, a 2.ª Instância aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil) e que, por isso, se encontra subtraída ao princípio da livre apreciação da prova do julgador, mas antes se encontra sujeita a prova tarifada, em que o tribunal tem de julgar a matéria de facto de acordo com as regras de direito probatório material aplicáveis ao caso, sem qualquer margem de subjetivismo conferida ao julgador.
Precise-se que quanto ao julgamento da matéria de facto sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, a 2.ª Instância não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI..
No entanto, incumbe precisar que apesar da 2.ª Instância dever efetuar um novo julgamento em relação aos factos sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar se transformasse na repetição do antes efetuado pela 1ª Instância, uma vez que conforme se escreve no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas apenas “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento”.
Daí que o legislador tenha rodeado o recurso da impugnação do julgamento da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC, com vista a obstar que o julgamento a realizar pela 2.ª Instância se transforme na repetição do antes efetuado em 1ª Instância e evitar recursos de pendor genérico.
É assim que com vista a atingir esses desideratos, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153., estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Depois, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da autorresponsabilidade e dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, o recorrente indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.
Dito por outras palavras, “nos termos do n.º 1, da al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente” Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 797. .
Na verdade, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivoAntónio Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228., e como decorrência desse princípio, mas também do contraditório, terá o recorrente de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna, as concretas provas que alicerçam esse julgamento diverso que propugna e as concretas razões pelas quais essa prova em que funda o recurso afasta os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõe o julgamento de facto propugnado pelo recorrente.
Deste modo é que o art.º 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º).
Precise-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna.
E é entendimento jurisprudencial maioritário que, nas conclusões, o recorrente tem, também, de indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada à matéria de facto que impugna.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155., sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo a posição, que nos prefigura ser ainda atualmente maioritária do STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.
O cumprimento dos referidos ónus, conforme adverte Abrantes Geraldes, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, finalmente, o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, uma vez que só na medida em que se conhece especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita o recorrido de todos os elementos que lhe permitam contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos enunciados princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159.
Ac. RC, de 11.07.2012, Proc. n.º 781/09, in base de dados da DGSI, onde se lê que este “especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor”, constituindo “simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso”.
No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11..... S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13....; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI..
Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação (segundo a posição maioritária do STJ, nas conclusões), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159..
Esta posição tem sido a que tem sido seguida, de forma praticamente uniforme, pela jurisprudência do STA e STJ, que, como referido, têm sustentado, de forma, cremos que maioritária, que a decisão que, na perspetiva do apelante, deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto que impugna, deve constar, também, das conclusões Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI..
b.2.2.- Ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto em concreto
5.2.Posto isto, lidas as conclusões de recurso e as antecedentes motivações, é indiscutível que a Apelante cumpriu com todos os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada nos identificados pontos, na medida em que indica, nas conclusões, quais os concretos pontos de facto que impugna, e identifica, uma vezes, nas conclusões, a concreta decisão que, na sua perspetiva deve recair sobre essa facticidade, e indica quais os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impõem esse julgamento de facto diverso que propugna, e faz uma análise crítica suficiente desses meios de prova por forma a indicar o porquê destes imporem essa decisão diversa que postula.
Finalmente, quanto à prova gravada, o apelante procede à transcrição dos excertos dessa prova em que funda o seu recurso.
b.2.3. – Impugnação da facticidade julgada provada no ponto 11.
5.3.A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
“11) As linhas n.ºs 19 e 23 criadas pelo Réu situavam-se dentro do perímetro urbano do concelho de Viseu e serviam áreas geográficas e percursos não concessionados à autora e apenas coincidiam com algumas localidades realizadas pelas carreiras da União de ...”.
A Apelante impugna o julgamento de provado feito pela 1ª Instância em relação a esta concreta facticidade, sustentando que perante a prova produzida, nomeadamente, considerando a planta constante de fls. 5954, as declarações de parte do legal representante da A, e os depoimentos prestados pelas testemunhas do Réu, BB e CC, não podia o tribunal a quo concluir pela respetiva prova, mas antes se impunha que se tivesse concluído que “ As linhas n.ºs 19 e 23 criadas pelo Réu iam para fora do perímetro urbano do concelho de Viseu”.
Refere que o perímetro urbano de Viseu foi aprovado pela Lei n.º 14/99, de 25 de março, resultando claramente da planta constante de fls. 5954 ( 17.º volume) que esse mesmo perímetro urbano não inclui ..., ... e PP, pelo que, tendo-se dado como provado nos pontos 8 e 9 dos factos assentes que as linhas 19 e 23 iam a estas localidades, seguramente é de todo errado que se se considere que as referidas linhas se situavam dentro do referido perímetro urbano.
Ademais, afirma que em sede de declarações de parte, o legal representante da Autora foi bem claro ao referir que as ditas localidades “pertencem ao Concelho de Viseu, mas estão fora do perímetro urbano de Viseu. E que também as testemunhas do Réu BB e CC, foram elucidativas ao referir que as linhas 19 e 23 iam para fora do perímetro urbano de Viseu.
5.3.1.Ouvidas as declarações de parte do legal representante da Autora, o mesmo disse efetivamente que as localidades de ..., ... e PP pertencem ao concelho de Viseu mas que estão fora do respetivo perímetro urbano.
Por sua vez, ouvido o depoimento prestado pela testemunha BB este referiu, quanto às linhas 19 e 23, que as mesmas «..ultrapassam, como outras ultrapassam…como já ultrapassavam desde o início da concessão…», referindo-se ao perímetro urbano da cidade de Viseu.
Quanto à testemunha CC, o mesmo afirmou que houve ao longo dos tempos uma alteração do perímetro urbano, e que não são apenas estas linhas a ultrapassar esse perímetro.
Por fim, considerando a planta junta a fls. 5954, embora seja parte do percurso das linhas n.º 19 e 23 se encontra dentro do perímetro urbano de Viseu, retira-se que as mesmas vão para além desse perímetro.
Se dúvidas houvesse, veja-se que, a questão da ilegalidade da deliberação camarária de 22/04/2002 que ratificou a criação das carreiras de serviço público 19 e 23 teve precisamente como fundamento o facto daquelas linhas irem para fora do perímetro urbano da cidade de Viseu e foi nesse pressuposto que a dita deliberação foi anulada pelo Acórdão do STA de 05/05/2010, proferido no processo 496/09, disponível in base de dados da dgsi e junto à p.i. como doc. n.º 11.
Sobre a abrangência territorial das referidas linhas, o próprio Ministério Público junto daquele STA, no parecer que emitiu, referiu « …as linhas de transporte público aqui em causa (nºs 19 e 23), cuja criação foi ratificada pela deliberação impugnada, servem áreas diferentes, situadas fora desse perímetro urbano (entre Viseu e ... e Viseu e ...) – (pontos 5 e 6 da matéria de facto e documentação junta pela entidade recorrida com a resposta).».
E nesse acórdão, o STA escreveu e fez a seguinte ponderação: « (…)Só que, como resulta dos autos (cfr. ponto 3 da matéria de facto dada como demonstrada no anterior acórdão do STA proferido nos presentes autos a que se fez referência em 5.1) supra e que o nele decidido constitui “caso julgado formal” nos termos do artº 672º do CPC), “As linhas de transportes públicos, nºs. 19 e 23, (…) abrangem ou inserem-se em áreas ou localidades fora do perímetro urbano de Viseu.”.
Assim sendo, se o concurso público a que se alude no ponto II) da matéria de facto, se destinava à concessão do «serviço público de Transportes Urbanos de Viseu», por esse concurso não podem ter sido abrangidas as linhas de transportes concessionadas pelo acto impugnado nos autos por estas abrangerem ou se inserirem em áreas ou localidades situadas fora do perímetro urbano de Viseu.
Pelo que, na situação, ao contrário do entendimento vertido na sentença recorrida, o procedimento relativo à concessão daquelas duas linhas de transportes Públicos (nºs. 19 e 23), não pode ser entendido ou interpretado como uma consequência do anterior procedimento relativo ao concurso público referenciado no ponto II) da matéria de facto ou inserido na própria execução do contrato de concessão ou no seu desenvolvimento.
Por isso, por se estar perante uma concessão de novas linhas de transporte posteriormente criadas e que abrangem uma área distinta daquela que fora anteriormente concessionada era exigível, face ao estabelecido nos artº 1º, 2º/d, 7º nº 1, 8º (princípio da transparência e da publicidade), 9º (princípio da igualdade), 10º (princípio da concorrência) e 11º (princípio da imparcialidade) do D-L 197/99, de 8 de Junho, concurso público visando a concessão de tais carreiras.
Em suma, o contrato referenciado no ponto III) da matéria de facto, teve como objecto uma determinada realidade anteriormente colocada a concurso.
No que respeita às aludidas linhas de transportes públicos nº 19 e 23, não estamos perante uma mera “extensão da área geográfica” abrangida pela concessão, ou de uma extensão da linha circunscrita à área geográfica posta a concurso, mas perante uma concessão distinta que abrange uma área diversa da colocada anteriormente a concurso e por isso não prevista no artº 8º do contrato.
O que significa que, tratando-se de linhas de um serviço público de transportes diferentes a sua concessão tinha de ser precedida de concurso público, destinado à concessionar as aludidas linhas, nos termos do exigido pelas disposições legais do DL 197/99.
Daí a procedência das conclusões da recorrente bem como a procedência não só do recurso jurisdicional mas também do recurso contencioso.»

Perante o expendido, cremos que assiste efetiva razão à Autora/Apelante, impondo-se alterar a facticidade assente neste ponto de forma a que nele passe a constar a seguinte matéria: «11. As linhas n.ºs 19 e 23 criadas pelo Réu servem localidades dentro da área do Município de Viseu e abrangem ou servem áreas ou localidades situadas fora do perímetro urbano de Viseu, servindo áreas geográficas e percursos não concessionados à autora e algumas localidades que coincidiam com localidades realizadas pelas carreiras da União de ...».
b.2.4. – Impugnação da facticidade julgada provada no ponto 13.
5.4.No ponto 13, a 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade: “13) As localidades de ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... ou ... não são servidas pelas linhas 19 e 23”.
A apelante impugna o julgamento assim realizado pela 1ª Instância, sustentando que a prova produzida não permitia que se concluísse pela demonstração desta concreta facticidade, mas antes impõe que se eliminem as localidades de ..., ... e ..., uma vez que estas localidades eram servidas pelas linhas 19 e 23, valendo-se, para o efeito, dos documentos 7 e 8 juntos com a p.i., e dos depoimentos das testemunhas DD, EE, FF e GG.
Afirma que os depoimentos destas testemunhas em que o Tribunal a quo se baseou para fundamentar a prova deste facto prestaram depoimento em sentido contrário.
Ouvido o depoimento prestado pela testemunha CC, a mesma referiu que: «…também acredito que a maior parte do trajeto fosse coincidente…também não havia grandes alternativas».
Confirma-se que também a testemunha DD referiu que a linha 23 ia a ..., afirmando concretamente que: « Olhe, desculpem. Peço desculpa. A linha 19 não passa em .... A ...3 passa em ...».
Do mesmo modo, confirma-se que também a testemunha EE referiu que « … em ... só o 23…a 19, vai aqui de Viseu, V..., ..., ..., ..., F..., ..., ..., PP, ... e ...…”.
Analisando o documento n.º 8 junto com a p.i., do mesmo resulta que a linha 23 ia até tal localidade. E analisando o documento n.º 7, junto com a p.i., também se retira que a linha n.º 19 servia a localidade de ....
Ora, considerando a prova produzida, afigura-se-nos que assiste razão à Apelante de modo que, se impõe alterar a facticidade constante deste ponto 13 de modo a que dele passe a constar a seguinte matéria:
«13) As localidades de ..., ..., ..., ... e ... não são servidas pelas linhas 19 e 23”.
b.2.5. – Impugnação da facticidade julgada provada no ponto 81.
5.5.No identificado ponto 81, a 1ª Instância conclui pela prova da seguinte facticidade:
“81) O valor médio anual das receitas da A. com as concessões de que era titular na total na Zona Sul de Viseu e que passaram a ter a concorrência das linhas 19 e 23, em determinados locais, era de 224.321,00€ no quadriénio anterior ao início do funcionamento de tais linhas (1997-2001, doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18 a 29)”.
O apelante impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada neste ponto, sustentado que está incorretamente julgado, enfermando de um erro de escrita, uma vez que tendo em consideração os factos dados por provados nos n.ºs 29, 30 e 32 e o quadro n.º1 do doc. 17, facilmente se constata que o valor médio anual das receitas da A. no quadriénio anterior era de 242.321,00€ e não de 224.321, 00€.
Assiste inteira razão à Apelante, tratando-se claramente de um erro de escrita, pelo que se retifica aquele ponto 81, nos termos propugnados, nele devendo passar a ler-se:
«81) O valor médio anual das receitas da A. com as concessões de que era titular na total na Zona Sul de Viseu e que passaram a ter a concorrência das linhas 19 e 23, em determinados locais, era de 242.321,00€ no quadriénio anterior ao início do funcionamento de tais linhas (1997-2001, doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18 a 29)».
b.2.6. – Impugnação da facticidade julgada provada no ponto 90.
5.6.No ponto 90 do elenco dos factos provados, a 1.ª Instância deu como assente que:
“90) Nas últimas décadas verifica-se uma diminuição de receitas de todas as operadoras de transportes interurbanos, regionais e locais, devido à desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios.”
Segundo a Apelante/Autora, resulta claramente da motivação apresentada pelo Tribunal a quo que para a prova desta matéria aquela instância se baseou apenas nos depoimentos das testemunhas do Réu, as quais, alegadamente, teriam explicado com clareza “…a dinâmica dos transportes públicos, suas vicissitudes e a criação das linhas e suas necessidades…”.
Contudo, afirma que nenhuma destas testemunhas sequer referiu ou comprovou que ocorrera uma perda generalizada de receitas por parte de todas as operadoras de transportes interurbanos, não sendo referido uma só empresa que, para além da A., tenha sofrido tal perda de receitas.
Resulta do que vem dito pela Apelante, que esta considera que essa facticidade deve ser eliminada da matéria dada como assente, por nenhuma testemunha ter referido ou comprovado que ocorrera uma perda generalizada de receitas por parte de todos as operadoras de transportes interurbanos, não referindo uma só empresa que, para além da A., tenha sofrido tal perda de receitas, invocando, para sustentação da sua posição, o depoimento da testemunha do Réu, BB, o doc. n.º 6 junto com a p.i, tudo conjugado com as elementares regras da experiência.
Vejamos.
A respeito dessa matéria, a testemunha CC, quando perguntado se «à medida que as linhas 19 e 23 vão sedimentado no mercado, houve um aumento do volume de receitas dessas linhas 19 e 23? Houve uma certa estabilidade? Houve uma diminuição das receitas?, respondeu que: « O que eu tenho ouvido que as populações estão a diminuir principalmente nas zonas limítrofes do concelho. O natural é que tenham diminuído».
Por seu turno, a testemunha disse que BB, respondeu a essa questão afirmando que : « Competia à Câmara, como o fez, lançar esse concurso e, lançar esse concurso com um conjunto de linhas e, obviamente poder estendê-las, poder ampliar esse processo, quer dizer, que não é um processo estanque (…)» e quando questionada porquê, disse: « Exigências, obviamente dum território e dum conjunto de populações que vive num território são mutáveis, não são imutáveis.
(…) Concretizo, aliás é fácil, eu assisti ao longo da minha carreira na Câmara, à concretização de urbanizações envolventes de Viseu, de variadíssimas localidades da periferia de Viseu que, à época, quando lançamos o concurso eram quase inexistentes.
(…)… O território é diferente, a população, a quantidade de população é diferente, a característica do transporte é diferente.
Porque se houve lugares em que houve diminuição de populações, outros houve que a população aumentou.»
A testemunha OO á pergunta « Se, na verdade, tem havido, estas linhas 19 e 23, têm tido ao longo dos tempos cada vez mais clientes a ser transportados ou menos?, respondeu o seguinte: « Que eu saiba, por uma questão de leitura dos censos, é que houve diminuição da população., por isso acredito….».
Quando questionada se houve diminuição nesta linhas disse: « No concelho em geral. Agora que houve, de facto, uma redução da população houve.» e que sabia disso «Porque fizemos uma avaliação dos censos», respondendo que, em relação às pessoas transportadas «Na maior parte das linhas houve diminuição».
Ouvida a prova que foi produzida em audiência de julgamento sobre esta questão, o Tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento ao dar essa facticidade como assente, na medida em que, a sua convicção está suportada nos depoimentos prestados pelas testemunhas que se pronunciaram sobre essa matéria.
A este talhe, não podemos deixar de sublinhar que é um facto notório que se tem assistido nas últimas décadas a uma diminuição acentuada da população, com o consequente envelhecimento da mesma e uma desertificação do território no interior do país, assistindo-se a um fenómeno de abandono do território que tem ocasionado graves consequências, de que são exemplo os incêndios que têm fustigado o país e o encerramento de vários serviços públicos, incluindo escolas, por falta de alunos em número que justifique o seu funcionamento em termos locais. Por outro lado, também é notório que se assistiu a um fenómeno de democratização no acesso a veículo automóvel próprio, o que, por esse ângulo retira às populações a necessidade de recorrerem amiúde ao transporte coletivo de passageiros sempre que necessitem de se deslocar.
Em suma, não traduz uma conclusão temerária aquela a que o Tribunal a quo chegou e deu como provada o ponto 90 dos factos assentes, que se mantém integralmente.
Relembra-se que para que o Tribunal ad quem pudesse alterar o julgamento de facto realizado pela 1.ª Instância não basta que os elementos de prova avocados pela Apelante consintam ou permitam o julgamento de facto por ele propugnado mas é necessário nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º1 do CPC, que o imponham.
Ora, conforme decorre do antedito, a prova produzida não impõe que se conclua pela não prova da facticidade julgada provada no ponto 90 mas antes impõe que se conclua pela prova dessa concreta facticidade.
Acresce relembrar que, no caso de dúvida, dúvida essa que inexiste, sempre se impunha concluir pela improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto questionada pelo Apelante e pela consequente confirmação do julgamento de facto realizado pela 1.ª Instância, em obediência aos princípios da livre apreciação da prova, da imediação, da oralidade e da concentração.
Termos em que improcede o erro de julgamento sobre a matéria de facto constante do ponto 90 dos factos assentes.
**
b.3. do vício da deficiência do julgamento da matéria de facto.
6. Nos termos do artigo 662.º, n.º1 do CPC «A Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Conforme assinala Abrantes Geraldes «A decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Umas poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação; outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.
O conteúdo da decisão pode revelar-se excessivo, por envolver a consideração de factos essenciais para a integração da causa de pedir ou das exceções (art.º 5.º, n.1), ou mesmo de factos complementares ou concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no art.º 5.º, n.º2, al. b).
(…) Outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.
Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.
(…) Pode ainda revelar-se uma situação que exija
a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo.
Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes.
Todavia, considerando que a reavaliação da pertinência é feita agora pela Relação, a possibilidade de anulação do julgamento para ampliação da decisão da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para os casos em que se revele
indispensável.
Não basta que os factos tenham conexão com algumas das
“soluções plausíveis da questão de direito”. Considerando a fase em que agora nos encontramos, a Relação deve ponderar o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso ou de outros elementos a que oficiosamente puder atender (…).
Por outro lado, (…) a anulação da decisão da 1.ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes.» - cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª Edição, Almedina, págs.291 a 295. (sublinhados e destacados da nossa autoria).
6.1.Assim, partindo destes considerandos, caso se verifique que o Tribunal a quo, em relação a alguns dos factos essenciais integrativos da causa de pedir alegados pela Autora na petição inicial incorreu no vício da deficiência do julgamento da matéria de facto, decorrente de não ter julgado provados, nem como não provados factos essenciais integrativos da causa de pedir, eleita pela Autora na petição inicial e de onde faz derivar o direito no qual assenta o pedido, impõe-se ao Tribunal ad quem, mesmo oficiosamente suprir essa falta, julgando essa facticidade como provada ou não provada, tendo em consideração os depoimentos gravados e a prova produzida no uso dos seus poderes de substituição que lhe são conferidos pelo n.º1 do art.º 662 do CPC. De contrário, não permitindo a prova produzida ao Tribunal ad quem julgar esses factos como provados ou não provados, terá de anular a sentença, a fim de ampliar o julgamento da matéria de facto quanto à facticidade em relação á qual incorreu no vício da deficiência, seguindo-se, após, prolação de nova sentença conforme decorre do disposto no artigo 149.º do CPTA ( no CPC, alínea c) do n.º2 do artº 662.º ).
No caso, antecipe-se, desde já, que os factos já julgados como provados, aliados à prova produzida permite a este TCAN exercer os seus poderes de substituição quanto à facticidade em relação à qual se verifica o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto.
6.2.Conforme acima se referiu, a Autora alegou nos artigos 45.º a 50.º e 127.º da p.i. que:
(i)se o ato ilegal de criação das linhas nºs 19 e 23 não tivesse sido proferido pelo Réu, então seguramente nas localidades servidas por tais linhas a ora A. teria sido a única entidade a prestar o serviço de transporte público de passageiros em autocarro, cobrando os respetivos bilhetes e passes sociais e escolares, assim como seria ela quem realizaria os serviços ocasionais, uma vez que só ela era legalmente titular de concessões para naquela área proceder ao transporte público de passageiros em autocarro- artigos 45.º e 46.º;
(ii)Consequentemente, se o Réu não tivesse criado ilegalmente em 2001 as linhas nºs 19 e 23, a ora A. teria sido entre aquela data e dezembro de 2012, a única concessionária do serviço público de transportes entre ... – Viseu, ..., ... (por ...), ... – Viseu, - ... – Viseu, e ..., pelo que não sofreria da ilegal concorrência dos serviços de transportes urbanos de Viseu -artigo 47.º;
(iii)A ilegal criação destas linhas foi a causa direta e imediata da diminuição de receitas em bilhetes e passes sociais e escolares, tanto mais que, além da concorrência decorrente de um serviço similar nas mesmas localidades, o Réu sempre impôs que tais bilhetes e passes fossem adquiridos aos serviços de transportes urbanos de Viseu que operavam nas referidas linhas nºs 19 e 23 (v. doc nº 12, fls. 19) –artigo 48.º
(iv)O que determinou uma clara diminuição dos bilhetes e passes sociais e escolares vendidos pela exequente nas seis concessões que até aí explorava em exclusividade e que desde finais de 2001 até à presente data passaram a sofrer da concorrência resultante da ilegal criação das linhas nºs 19 e 23 pelo Réu- artigo 49.º;
(v)Diminuição de receitas que logo começou no ano de 2001/2002 (de Julho a Junho) e que se prolonga até à presente data- artigo 50.º;
(vi)Pelo que o prejuízo sofrido pela A. nas carreiras regulares de que tinha a concessão na zona Sul de Viseu em consequência do funcionamento ilegal das carreiras 19 e 23 foi, no período compreendido entre 2001 e 2012, de 3.660.076,00€ (v. doc. nº 17, quadro 7).- artigo 127.º».
6.3. Decorre do exposto que a Autora alega que em consequência direta e necessária da criação ilegal das linhas 19 e 23 pelos STUV, e do seu funcionamento no período compreendido entre 2001 a 2012, sofreu um prejuízo total de 3.660.076,00€.
Tal facticidade alegada pela Autora na p.i. constitui facto essencial integrativo da causa de pedir por ela alegada, e de onde a mesma faz derivar o direito em que assenta o pedido indemnizatório que formula contra o Apelante/Reu e daí que, nos termos do disposto nos artigos 5.º e 607.º, nºs 3 e 4 do CPC , sob pena de se incorrer no vício de deficiência do julgamento da matéria de facto, essa facticidade tem de ser julgada como provada ou como não provada pelo tribunal a quo.
Acontece que analisada a facticidade julgada provada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida essa facticidade atinente ao nexo causal não foi levada aos factos provados, nem aos não provados na sentença, pelo que é indiscutível que ao assim proceder a 1.ª Instância incorreu no vício de deficiência do julgamento da matéria de facto.
Esse vício é suscetível de ser sanado por este TCAN tendo em consideração os factos já provados e a prova produzida.
Encontra-se apurado que por deliberação camarária de 22/04/2002 o Município de Viseu ratificou a criação das linhas 19 e 23 que servem as localidades discriminadas nos pontos 8 e 9 dos factos provados.
Também se encontra provado que a Autora é titular de seis concessões de serviço público de transportes em autocarro na zona sul de Viseu, as quais servem as localidades discriminadas no ponto 6 do elenco dos factos provados- cfr. pontos 5 e 6 dos factos provados.
Ainda se encontra apurado que as linhas n.ºs 19 e 23 criadas pelo Réu servem localidades dentro da área do Município de Viseu e abrangem ou servem áreas ou localidades situadas fora do perímetro urbano de Viseu, servindo áreas geográficas e percursos não concessionados à autora e algumas localidades que coincidiam com localidades realizadas pelas carreiras da .... ponto 11 dos factos apurados.
Encontra-se igualmente apurado que:
« 81) O valor médio anual das receitas da A. com as concessões de que era titular na total na Zona Sul de Viseu e que passaram a ter a concorrência das linhas 19 e 23, em determinados locais, era de 242.321,00€ no quadriénio anterior ao início do funcionamento de tais linhas (1997-2001, doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18 a 29).
82) Tendo o volume médio anual de vendas passado a ser:
– de 120.477,00€ no primeiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2001-2005, v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 30 a 41);
– de 96.519,00€ no segundo quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2005-2009, v. doc. nº 17, quadro 3 e docs. nºs 42 a 53);
– de 103.071,00€ no terceiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2009-2012, v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 54 a 65).»
Finalmente, encontra-se apurado que nas últimas décadas verifica-se uma diminuição de receitas de todas as operadoras de transportes interurbanos, regionais e locais, devido à desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios- cfr. ponto 90 dos factos provados.
6.4.Logo, dir-se-á que fruto da criação ilegal pelo Réu das linhas 19 e 23, e da consequente concorrência ilegal que a Autora passou a sofrer nessas linhas nas zonas que foram a si concessionadas e que também passaram a ser servidas por aquelas linhas, mas também em virtude da desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, do envelhecimento da população residente, do decréscimo acentuada da natalidade e do acesso generalizado das famílias e veículos próprios, a Autora, no período compreendido entre 2001 a 2012, sofreu uma diminuição de receitas nos valores constantes dos pontos antes referidos.
O que se acaba de concluir, tem cabal assento na prova produzida mas também nas regras do normal acontecer.
6.5.Com efeito, analisada a prova documental que foi junta aos autos, em conjugação com a prova pessoal que foi ouvida em audiência de julgamento, o que resultou da mesma, é que a diminuição das receitas sofridas pela Autora se ficou a dever a várias causas, entre as quais, se conta a entrada em funcionamento das linhas 19 e 23, tendo também este facto sido causador desse decréscimo de receitas por parte da Autora.
Nesse sentido, veja-se as declarações de parte prestadas por AA, legal representante da autora, que foi perentório em afirmar que a entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 teve como consequência o decréscimo das receitas auferidas pela Autora. O que foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas: (i)DD, fiscal de transportes, que trabalhou para a Autora nos anos de 1973 a 2018; (ii) EE, despachante a trabalhar para a autora entre 1986 a 2011; (iii) JJ, mecânico a trabalhar para a autora desde 1990; (iv) KK, motorista a trabalhar para a autora entre 1968 a 2005; (iv) FF, motorista a trabalhar para a autora entre 1972 a 2008; (v) LL, cobrador de autocarro, que trabalhou para a autora; (vi) GG, motorista de autocarro que trabalhou para a autora entre 1973 a 2010.
Todas estas testemunhas, como foi entendido pela 1.ª Instância, e confirmamos, prestaram o seu depoimento de forma que também se nos afigura isenta. E com credibilidade, considerando a respetiva razão de ciência em que se basearam para deporem. No essencial, todas estas testemunhas corroboraram que, tal como referido pelo legal representante da Autora, com a entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 se registou uma diminuição dos passageiros nos autocarros da União de ..., não tendo os mesmos, logrado, como bem refere a Senhora juiz na motivação da decisão sobre a matéria de facto, quantificar a medida em que esse decréscimo ocorreu. Disseram que os passageiros, como se dá conta na motivação da decisão sobre a matéria de facto que os utentes « preferiam os outros autocarros, eram mais modernos e tinham mais comodidades, que algumas das localidades servidas pela União de ... coincidiam com as linhas 19 e 23.
Acontece que essa diminuição das receitas não pode ser havida apenas como tendo por causa a criação e o funcionamento ilegal das linhas 19 e 23.
É que, estando apurada a facticidade que consta do ponto 90 essa materialidade fáctica não deixou de contribuir para a diminuição das receitas da Autora.
Na verdade, se certo ser um dado da experiência de vida que quanto maior for a concorrência instalada no mercado menor é a cota de mercado que caberá a cada operador que preste serviços na mesma área, o que acontece igualmente no setor dos transportes coletivos de passageiros, pelo que, a entrada no “mercado” de um novo operador, terá necessariamente um impacto restritivo no leque dos utentes que até então recorriam, no caso, à Autora que era a única transportadora que operava nessas localidades, levando inelutavelmente a uma dispersão dos utentes, dispersão essa que tem obviamente um consequente financeiro como reverso, que é precisamente a perda de receita resultante da perda de clientela, também não é menos certo por ser igualmente um dado da experiência da vida, que a desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios, por implicar uma diminuição dos utentes do transporte público de passageiros, influiu indiscutivelmente na diminuição de receitas geradas pela Autora.
E porque assim é, conforme é, forçoso é concluir que a diminuição das receitas sofrida pela Autora nos anos de 2001 a 2012, deveu-se à criação pelo Réu das linhas 19 e 23 dos STUV e ao respetivo funcionamento mas também aos factos descritos no ponto 90 dos factos provados.
Foram, pois, estas duas causas que necessariamente geraram a diminuição das receitas sofrida pela Autora.
Assim, suprindo o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto em que incorreu a 1.ª Instância determina-se o aditamento ao elenco dos factos provados na sentença da seguinte facticidade:
«90.º-A: A diminuição das receitas nos anos 2001 a 2012, deveu-se à criação das linhas 19 e 23 por parte da Ré e ao funcionamento dessas linhas e ainda ao relatado no ponto 90 dos factos provados».
**
b.4. dos erros de julgamento quanto ao mérito da sentença recorrida.
7. As questões que constituem objeto dos recursos jurisdicionais interpostos, passam por saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, nos termos pretendidos pelo Réu/Apelante e em função dos erros de julgamento que lhe impetra- falta do pressuposto do dano e do nexo de causalidade-, julgue a ação instaurada pela Autora totalmente improcedente, ou se, como pretende a Autora/Apelante, em função dos erros de julgamento que lhe assaca, a sentença recorrida deve ser substituída por outra que, ao invés de condenar o Réu no pagamento de uma indemnização de 150.000,00€, arbitrada com recurso à equidade, o mesmo seja condenado a pagar-lhe, como indemnização pelos danos sofridos em consequência do funcionamento ilícito das linhas 19 e 23, o valor mínimo de 1.894.157€, correspondente à diminuição das suas receitas, acrescido das despesas judiciais suportadas ao longo dos anos com os sucessivos processos judiciais que teve de mover contra o Réu, no valor de 65.705,50€, tudo, no montante total de, pelo menos, 1.959,863€. Ou, para o caso de se entender que a indemnização tem de ser arbitrada por recurso ao mecanismo da equidade, que se considere o valor fixado pelo Tribunal a quo como errado, fixando-se aquele montante em pelo menos 90% do total das receitas que a Autora deixou de receber.
Vejamos.
7.1.A resolução das questões colocadas pelos Apelantes, exige que se proceda ao exame do regime jurídico da responsabilidade civil do Estado por factos ilícitos, nos termos em que vem disciplinado no Decreto-Lei n.º 48051, de 21/11/1967, por ser este o regime aplicável, atento o princípio do “tempus regit actum”.
7.2.Pese embora a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Réu esteja subordinada ao regime do Decreto-Lei n.º 48051, de 21/11/1967, é irrefragável que os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública decorrente de atos ilícitos praticados pelos seus agentes são idênticos aos do regime da responsabilidade civil extracontratual prevista e regulada no artigo 483º do Código Civil.
Conforme se pode constatar pela leitura do Acórdão do STA, de 03/07/2007, proferido no processo nº 0443/07- que se cita a título meramente exemplificativo- a jurisprudência da mais alta instância desta jurisdição é convergente no entendimento de que «A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante (culpa), o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto».
Ancorando-se a pretensão indemnizatória a que a Autora se arroga titular perante o Réu, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito de um ente público, cabe àquela o ónus da alegação e da prova da verificação dos requisitos gerais cumulativos da responsabilidade civil aquiliana.
7.3.O primeiro requisito consiste, então, em saber se estamos perante um facto voluntário.
Quando se afirma que a atuação ou omissão tem de ser voluntária, tal significa que o facto tem de ser controlável pela vontade humana, sendo por isso de afastar a responsabilidade sempre que o facto decorra de causas alheias à vontade, como são os casos em que decorrem de eventos naturais catastróficos, ou em que decorre de forças irresistíveis.
Como se disse no acórdão do TRL de 11/02/2014, proferido no processo n.º 5826/05.6TJLSB.L1-1, “facto voluntário significa apenas facto objetivamente controlável ou dominável pela vontade. Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por causas de força maior ou pela atuação irresistível de circunstâncias fortuitas.”
Neste mesmo sentido, explica Freitas do Amaral [“Curso de Direito Administrativo”, volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 584]: “[e]m primeiro lugar, tal como no direito civil, a existência de um facto voluntário pode corresponder a um facto positivo - uma ação - ou a um facto negativo ou abstenção - uma omissão. A voluntariedade de tais factos significa apenas que os mesmos têm de ser objetivamente controláveis ou domináveis pela vontade. Como ensina Antunes Varela, «para fundamentar a responsabilidade civil basta a possibilidade de controlar o ato ou omissão; não é necessária uma conduta predeterminada, uma ação ou omissão orientada para certo fim (uma conduta finalista). Fora dos casos da responsabilidade civil ficam apenas os danos provocados por causas de força maior ou pela atuação irresistível de circunstâncias fortuitas (...)».
Na situação em análise a verificação deste pressuposto não é questionada. Na verdade, está provado nos autos que o Réu proferiu a deliberação camarária de 22/04/2002 que ratificou a criação das linhas 19 e 23 que servem as localidades discriminadas nos pontos 8 e 9 dos factos assentes. A aprovação dessa deliberação traduz um facto voluntário que não só é controlável pela vontade do Réu, como depende dela para ser proferida.
Todavia, para que se possa imputar a terceiro a obrigação de indemnizar os danos que possa ter causado, além de voluntário, o facto terá de ser ilícito e culposo.
7.4.Na responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos, conforme decorre do disposto no art.º 6º do DL 48.051, relativamente aos atos e operações materiais, a ilicitude emerge da violação das normas legais ou regulamentares ou ainda de infração às regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
Trata-se de um conceito de ilicitude mais amplo que o consagrado na lei civil- Cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., vol. II, p. 1125; ac. Supremo Tribunal Administrativo de 10.05.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs..
Conforme se refere no Acórdão do STA, de 07/11/2019, proferido no processo n.º 0145/04.6BESNT., embora a literalidade deste preceito inculque a ideia de que «onde haja um acto ilegal aí mora, também, a ilicitude» [Marcello Caetano, Manual, II volume, 9ª edição, página 1201], o « STA optou - desde há muito - por afastar uma interpretação do citado artigo 6º que equipare ilegalidade a ilicitude, adotando um conceito de ilicitude que aproxima a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas [por atos de gestão pública] da responsabilidade civilística, exigindo que a ilegalidade se traduza na violação de direitos subjetivos do lesado ou, pelo menos, de interesses cuja proteção a norma violada se destina a proteger.
Seguiu, assim, a orientação que é preconizada pelo Professor GOMES CANOTILHO, que, embora reconhecendo que
«no nosso direito positivo, facilmente se constata que o ilícito definido no artigo 6º do DL nº48.051 […] é mais amplo que o ilícito civil definido no artigo 483º do Código Civil» sustenta que não se deverá adotar uma «completa equiparação da ilegalidade à ilicitude», antes se devendo exigir uma «relação mais íntima do indivíduo lesado para com a administração do que a simples legalidade e regularidade do funcionamento dos órgãos administrativos». Segundo este Professor, «a violação dos preceitos jurídicos não é, por si só, fundamento bastante da responsabilidade. Quer se exija a violação de direitos subjetivos, quer a violação de um dever jurídico ou funcional para com o lesado, quer ainda uma falta da Administração, faz-se intervir sempre um elemento qualificador e definidor de uma relação mais íntima do indivíduo prejudicado com a Administração do que a simples legalidade e regularidade do funcionamento dos órgãos administrativos» - esta «posição» é também defendida por outros autores, nomeadamente Margarida Cortez, e foi seguida em Pareceres do Conselho Consultivo da PGR - nº46/80 e nº183/81, in BMJ nº306 e nº316 - e sufragada por este STA, desde logo, e entre outros, nos arestos de «05.03.98», Rº30.840, e de «09.11.2000», Rº46.441.
Não basta, para que se possa afirmar a ilicitude (ou, pelo menos, a
ilicitude relevante para efeitos de responsabilidade civil) a constatação de ter sido violado um determinado preceito normativo, uma regra de ordem técnica ou um dever objetivo de cuidado. É também necessário que essa violação ocorra no círculo de interesses protegidos pela norma violada.
7.5.Quanto à culpa, "Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" -Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531).
7.6.Em relação aos pressupostos da ilicitude e da culpa, nenhuma questão é colocada pelas partes, pelo que tendo a 1.ª Instância considerado esses pressupostos preenchidos, nada há a ponderar a esse respeito por parte deste Tribunal ad quem.
7.8.A questão coloca-se quanto ao preenchimento ou não dos pressupostos relativos ao dano e ao nexo de causalidade.
Vejamos.
b.4. 1. do erro de julgamento decorrente do não preenchimento dos pressupostos do dano e do nexo de causalidade necessários para a condenação do Réu no pagamento da indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo.
8.Nas suas conclusões de recurso, o Apelante/Réu assaca à sentença recorrida erro de julgamento de direito por ter sido condenado a pagar à Autora a indemnização de 150.000,00€, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, sem que, a seu ver, se tenha provado a existência dos pressupostos do dano e do nexo de causalidade.
Refere que tratando-se de dois dos pressupostos de que a lei faz depender a condenação em responsabilidade civil extracontratual, e não tendo a Autora logrado provar o seu preenchimento, o Tribunal a quo ao decidir pela sua condenação nos termos em que o fez na sentença recorrida, incorreu em erro de julgamento de direito, violando os artigos 2º e 4º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 27/11/1967, e os artigos 562º e 563º do Código Civil.
Vejamos.
(i) do pressuposto do dano
8.1. No que tange ao pressuposto do dano, o Apelante/Réu entende que tendo a Autora, para prova dos seus alegados prejuízos, junto apenas um Relatório de Avaliação do impacto da entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 dos STUV nas concessões da A. na zona sul de Viseu, relatório esse que teve apenas como objeto a análise das receitas globais das seis concessões da sua atividade, na zona e nos períodos considerados, e que nada existindo, nem neste estudo, nem em qualquer outro elemento de prova, sobre custos, despesas e encargos que aquela também teve, e tem, nessas concessões, a mesma não logrou provar, como lhe competia, a existência de quaisquer prejuízos.
Quid iuris?
8.2. Quanto ao pressuposto do dano, precise-se que o mesmo pode ser patrimonial ou não patrimonial. No caso do primeiro, estamos perante prejuízos que são suscetíveis de avaliação pecuniária e que, portanto, pode ser reparado, direta ou indiretamente.
Como bem elucidava Antunes Varela, “o dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtração ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea. Cfr. Antunes Varela, in “ Das Obrigações em Geral”, volume I, 10.ª Edição, Almedina, 2000, pág. 598.
Os danos patrimoniais compreendem, não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, ou seja, os danos emergentes e lucros cessantes, sendo a indemnização fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não é possível, não repara integralmente os danos, ou, seja excessivamente onerosa para o devedor (Código Civil art.º 566º n.º 1) a par de que a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos (Código Civil art.º 566º n.º 2) sem deixar de avaliar, em concreto, o dano.
Trata-se de repor a esfera jurídica do lesado no estado patrimonial em que se encontrava antes do prejuízo sofrido. No que tange aos danos não patrimoniais estão em causa outros interesses, não avaliáveis em termos pecuniários.
8.3. Conforme flui das considerações que tivemos ensejo de efetuar a propósito do conhecimento da nulidade por alegada contradição entre os fundamentos em que se baseou a sentença recorrida e a decisão nela proferida e, bem assim, em sede do conhecimento oficioso do erro de insuficiência quanto ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1.ª Instância, o pressuposto do dano encontra-se preenchido.
8.4. Aliás, o inconformismo do Apelante quanto ao erro de direito que aquele imputa á sentença recorrida quanto ao dano reconduz-se à circunstância de em face da facticidade que se encontrava julgada provada na sentença não estar estabelecido o nexo de causalidade, questão essa entretanto já solucionada em sede de vício da deficiência do julgamento da matéria de facto.
8.5. Atentando-se na matéria de facto provada na sentença recorrida, verifica-se que, além do mais, consta dos factos assentes que:
« 81) O valor médio anual das receitas da A. com as concessões de que era titular na total na Zona Sul de Viseu e que passaram a ter a concorrência das linhas 19 e 23, em determinados locais, era de 242.321,00€ no quadriénio anterior ao início do funcionamento de tais linhas (1997-2001, doc. nº 17, quadro 1 e docs. nºs 18 a 29).
82) Tendo o volume médio anual de vendas passado a ser:
– de 120.477,00€ no primeiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2001-2005, v. doc. nº 17, quadro 2 e docs. nºs 30 a 41);
– de 96.519,00€ no segundo quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2005-2009, v. doc. nº 17, quadro 3 e docs. nºs 42 a 53);
– de 103.071,00€ no terceiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2009-2012, v. doc. nº 17, quadro 4 e docs. nºs 54 a 65).»
8.6. Ora, em face desta factualidade, resulta demonstrado que o pressuposto do dano se encontra preenchido, uma vez que, que a Autora não só alegou, como provou, que no período em que as linhas 19 e 23 funcionaram ilegalmente sofreu uma diminuição de receitas.
8.7. Quanto a este pressuposto, em bem da verdade, apenas não se logrou apurar em que medida é que o ilegal funcionamento das linhas 19 e 23 contribuiu para o computo global da diminuição de receitas ocorrida no período de 2001 a 2012, sofrida na esfera jurídica da Autora e, bem assim, que despesas a Autora deixou de efetuar, que teria de ter realizado, caso tivesse contado com a clientela que lhe seria destinada não fora a criação das linhas 19 e 23, depois de excluída desta receita a parte relativa à perda de clientela por força dos factos elencados no ponto 90 dos factos assentes.
8.8. Note-se que, o facto de não se ter logrado apurar o montante concreto da diminuição de receitas decorrente exclusivamente do funcionamento das linhas 19 e 23, em concorrência ilegal com as concessões de que a Autora era titular na zona sul do concelho de Viseu, e de na sentença recorrida se ter considerado que a esse valor ainda haveria que se deduzir a parcela relativa aos custos/despesas que deixaram eventualmente de ser realizadas em virtude da prestação do serviço coletivo de transportes ter passado em parte a ser efetuado pelos STUV, não leva a que se conclua pela inexistência de danos, apenas pela indeterminação do seu concreto quantum.
8.9. É que, conforme resulta da facticidade apurada, a Autora em consequência da concorrência ilegal que sofreu com a criação e o funcionamento das linhas 19 e 23, sofreu efetivamente danos correspondentes à diminuição das receitas que se provaram, só que essa diminuição de receitas não resulta exclusivamente da criação e funcionamento das ditas linhas 19 e 23 mas também da circunstância da verificação dos factos que constam do ponto 90 do elenco dos factos provados.
8.10. Naturalmente que sendo a criação das linhas 19 e 23 e o funcionamento das mesmas apenas uma das causas da diminuição das receitas sofridas pela Autora o Réu apenas é responsável pelo prejuízo sofrido pela Autora como consequência direta e necessária da criação e funcionamento de tais linhas, mas já não daquele que decorre dos factos referidos no ponto 90.º dos factos assentes.
8.11. Logo, o cálculo do dano que cumpre ao Réu indemnizar passa pelo apuramento do contributo que a criação e funcionamento dessas linhas 19 e 23 deram para os danos sofridos pela Autora e qual o contributo para esse dano que é resultado da facticidade apurada no ponto 90.º dos factos assentes, à qual o Réu é alheio pelo que não pode ser naturalmente responsabilizado pelo prejuízo sofrido pela Autora em consequência desse facto.
8.12. Assim sendo, forçoso é concluir que não assiste razão ao Apelante/Réu quando pretende que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando decidiu condena-lo no pagamento de uma indemnização, por inexistência do pressuposto do dano.
(ii) do pressuposto do nexo de causalidade
9. Quanto ao nexo de causalidade, constitui entendimento pacífico que vigora no nosso ordenamento jurídico a chamada teoria da causalidade adequada, que decorre do art.º 563.º do Código Civil, no qual se pode ler que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Neste sentido, já no acórdão do STA de 04.05.1995, proferido no processo n.º 37433A, ficou escrito que “segundo a teoria da causalidade adequada, é necessário que o acto tenha sido condição dos danos (prováveis), intervindo depois um juízo de adequação, de acordo com a formulação negativa de Enneccerus-Lehman”.
Em sentido semelhante, no acórdão do TCA Norte de 25.01.2013, proferido no processo n.º 00462/07.5BEVIS, expuseram-se as seguintes conclusões:
I. O art. 563.º do CC, enquanto norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização, consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa correspondente aos ensinamentos de ENNECERUS-LEHMANN, segundo a qual uma condição do dano deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano».
II. À face da aludida teoria o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode ser indireto, isto é, subsiste o nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos.
9.1. Portanto, e em termos sumários, o nexo de causalidade entre o facto e o dano depende de apreciar se, em primeiro lugar, aquele é condição adequada à ocorrência deste (nexo de adequação) e, depois, se foi a sua efetiva causa (nexo naturalístico). Enquanto a primeira questão é, no essencial, jurídica, a segunda é sobretudo de facto, consistindo na prova da causa naturalística (direta ou indireta) do dano.
9.2. No que tange ao pressuposto do nexo de causalidade, o Apelante/Réu considera que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento uma vez que o condenou no pagamento da indemnização de 150.000,00€ à Autora, sem que se encontre provada a existência do necessário nexo de causalidade entre a diminuição de receitas e a criação das linhas 19 e 23, não estando, assim, preenchido outro dos pressupostos necessários para que possa existir responsabilidade civil por parte do ora Apelante.
9.3. A respeito desta questão, recorde-se que este Tribunal ad quem, em sede de apreciação do vício de deficiência em sede do julgamento da matéria de facto realizado pela 1.ª Instância concluiu que a matéria alegada pela Autora para a prova da existência do nexo de causalidade entre os prejuízos sofridos e a ilegalidade da entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 durante o período de tempo decorrido entre os anos de 2001 a 2012, não constava como facto provado ou não provado, quando, constituindo facto essencial integrativo da causa de pedir em que a Autora ancorou o pedido indemnizatório formulado se impunha ao Tribunal a quo que sobre essa matéria tivesse tomado posição, incluindo-a no elenco dos factos provados ou nos factos não provados.
9.4. Conclui-se nessa sede, que fruto da criação ilegal pelo Réu das linhas 19 e 23, e da consequente concorrência ilegal que a Autora passou a sofrer nessas linhas nas zonas que foram a si concessionadas e que também passaram a ser servidas por aquelas linhas, mas também em virtude da desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, do envelhecimento da população residente, do decréscimo acentuado da natalidade e do acesso generalizado das famílias e veículos próprios, a Autora, no período compreendido entre 2001 a 2012, sofreu uma diminuição de receitas correspondente aos valores que se colhem dos pontos 81 e 82 do elenco dos factos provados. E concluiu-se dessa forma, por tal resultar de forma cabal da prova produzida mas também das regras do normal acontecer.
9.5. Nessa sequência, suprindo o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto em que incorreu a 1.ª Instância determinou-se o aditamento ao elenco dos factos provados na sentença da seguinte facticidade:
« «90.º-A: A diminuição das receitas nos anos 2001 a 2012, deveu-se à criação das linhas 19 e 23 por parte da Ré e ao funcionamento dessas linhas e ainda ao relatado no ponto 90 dos factos provados».
9.6. Consequentemente, resulta dos factos assentes que foram estas duas causas que necessariamente geraram a diminuição das receitas sofrida pela Autora, encontrando-se, como tal, preenchido o pressuposto do nexo de causalidade.
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
b.4.2 do erro de julgamento decorrente da fixação da indemnização a pagar pelo Réu por recurso à equidade.
10. No artigo 4.º do Código Civil, sob a epígrafe “Valor da equidade” prescreve-se que: « Os tribunais só podem resolver segundo a equidade:
a) Quando haja disposição legal que o permita;
b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível;
c) Quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória».
10.1. Por sua vez, decorre do disposto no n.º3 do artigo 566.º do Código Civil que: « Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados». Trata-se de um dos casos, entre muitos outros, em que o Código Civil permite o recurso à equidade. Cfr. artigos 72.º/2, 283.º/1, 339.º/2, 400.º/1, 437.º/1, 462.º, 494.º, 496.º/3, 812.º/1, 883.º/1, 992.º/3, 1142.º/2, 1158.º/2, 1215.º/2 e 1407.º/2, todos do C.Civil.
10.2. Embora o Código Civil refira a equidade a propósito de várias matérias, não fornece uma definição concreta do que deve entender-se por equidade. Dir-se-á contudo, ser pacifico o entendimento de acordo com o qual se pode definir um juízo de equidade como aquele em “que o julgador formula para resolver o litígio de acordo com um critério de justiça, sem recorrer a uma norma pré-estabelecida. Julgar segundo a equidade significa, pois, dar a um conflito a solução que se entende ser a mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à norma jurídica eventualmente aplicável.” Cfr. ANA PRATA, in “Dicionário Jurídico”, Volume I, 5.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2008, p. 600
Antunes Varela Cfr. Código Civil Anotado, I vol. 3ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora., em anotação ao artigo 4º do Código Civil refere que “quando se considera a equidade como fonte (mediata) de direito não se quer com isso atribuir força vinculativa à decisão (equitativa) concreta, como faz por exemplo o sistema anglo saxonico que confere binding authority a determinadas decisões judiciais. O que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta em que a equidade se funda”. Discorrendo sobre a equidade, noutra sede, diz ainda o Ilustre Professor de Direito, que “… Se difere da justiça, e não se confunde com a moral, a equidade também se não identifica com os juízos de oportunidade que em larga medida intervêm na atividade política, nem sequer coincide com os critérios de conveniência, a que a lei adjetiva manda atender nos chamados processos de jurisdição voluntária. (…) A equidade começa por basear-se em considerações de justiça. No processo da sua formação interferem os mesmos ingredientes que alimentam a substância da justiça, como sejam os princípios da igualdade ou da simples proporcionalidade e, com mais frequência ainda, os juízos de razoabilidade na solução das pendências entre os homens.” Cfr. BMJ, 158, 21;.
Elucidativas são também as considerações tecidas pelo Professor Castanheira Neves Cfr. Castanheira Neves “ Questão de Facto - Questão de Direito”, pág. 351. segundo o qual, "quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. ... A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da juridicidade. ... A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto".
Ou ainda, como sustenta Dário Martins de Almeida Cfr. Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª ed., págs. 103/105); «“a equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstrato… A equidade, exatamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da jurisdicidade… A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto… não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação… é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se somente encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal”.
10.3. Quanto à jurisprudência, conforme se sumariou no Acórdão do STJ, de 10/12/19, no processo 1087/14.4T8CHV.G1.S1:
« - A equidade traduz, no nosso sistema jurídico, um método facultativo que o julgador tem ao seu dispor para que possa decidir sem aplicação de regras formais, ainda que essa decisão tenha de ser tomada “à luz de diretrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas”.
II - A necessidade de fazermos apelo aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º da lei civil, segundo a qual, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, surge quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos.»

Escreve-se nesse acórdão do STJ que: « Também a jurisprudência tem tratado a equidade com parcimónia e quando apenas se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido» citando-se como exemplos os seguintes acórdãos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-5-2010, Proc. 408/2002.P1.S1, “IV - O juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade”; no -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/2016, Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1 “Não poderá deixar se ter-se em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-6-2008, Proc. 08A1700 “VII - Assente a existência de valores a apurar, mas não se tendo determinado, com precisão, o seu montante, deve condenar-se no que se liquidar em execução de sentença, se tal liquidação se afigurar possível, designadamente por recurso a meios de prova na fase de liquidação.
VIII - Tal significa a oportunidade para provar os montantes que não se lograram demonstrar na fase declarativa mas, e apenas, com os limites do pedido que nunca podem ser ultrapassados.
IX - O julgamento de equidade, designadamente nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC, só ocorre quando se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido. O recurso à equidade constitui um critério residual que só será aplicável desde que dos factos provados se tenha como demonstrada a existência de danos e estiverem esgotadas as possibilidades de determinação do valor desses danos.”»
10.4.A Apelante/ Autora não se conforma com a sentença recorrida imputando-lhe erro de julgamento, prima facie, por considerar que no caso o Tribunal a quo não devia ter recorrido a um juízo de equidade para fixar o montante da indemnização, uma vez que, de acordo com as mais elementares regras da experiência, estava determinada a repercussão patrimonial negativa sofrida pela A. em consequência do funcionamento ilegal das linhas 19 e 23, a qual correspondia ao valor da perda das receitas verificada após o início do funcionamento das referidas linhas 19 e 23, valor esse que, a seu ver, o próprio Tribunal a quo apurou e deu por provado ser de, pelo menos 1.894.157€ (v., neste sentido, os pontos 29, 31. 32, 81, 82, 83 e 84 da factologia assente).
Considera que os factos provados, designadamente, que a Autora manteve a sua atividade no período de tempo em que as linhas 19 e 23 funcionaram ilegalmente, continuando a efetuara exatamente as mesmas carreiras que fazia nos quatro anos anteriores à entrada em funcionamento dessas linhas, e que sofreu perda de receitas, cujo valor exato foi dado por provado, que refletem a repercussão patrimonial negativa que a abertura ilícita das linhas 19 e 23 teve na esfera jurídica da A., razão pela qual estava determinado o valor dos danos sofridos, o qual era correspondente ao valor da perda das receitas verificada, não havendo, como tal, lugar ao recurso à equidade.
Ademais, alega que não foi feita qualquer prova em como após a entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 os custos de exploração da A. haviam aumentado ou esta passara a suportar encargos superiores aos que suportava antes da entrada do ilegal funcionamento das referidas linhas – e mesmo que tal aumento de custos se tivesse verificado sempre o mesmo teria sido consumido e compensado pelo aumento do preço dos bilhetes.
O que tudo, conjugado com o facto de ter sido erradamente julgada provada a matéria constante do ponto 90, não se tendo comprovado que a diminuição das receitas da A. se ficou a dever à desertificação das aldeias e ao envelhecimento da população, é por demais inquestionável que o Tribunal a quo estava em condições de apurar o valor dos danos sofridos pela A. em consequência do ilícito funcionamento das linhas 19 e 23, os quais correspondiam, de acordo com a factologia dada por provada, ao valor da perda de receitas verificada após a entrada em funcionamento de tais linhas.
Em abono da sua tese invoca a jurisprudência do STJ, vertida no Acórdão de 05/02/2015, proferido no Proc. n.º 4747/07.2TVL SB.L1. S1, do qual retira que:
«- a quantificação dos lucros cessantes em função da perda de receitas satisfaz os requisitos da probabilidade e previsibilidade do dano a que se reportam os art.ºs 563.º e 564.º/2 do Código Civil;
- a alegação e demonstração da perda das receitas traduz o elemento constitutivo do direito à indemnização, servindo a alegação e prova das despesas de elemento modificativo, pelo que não se provando as despesas ou encargos – e essa prova competia ao Réu – a indemnização por lucros cessantes corresponde ao valor das receitas perdidas ou deixadas de obter».
Por isso, considera que o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento ao ter fixado a indemnização com recurso à equidade, uma vez que estando apurado o valor dos danos sofridos pela A. deveria a indemnização ter sido fixada de acordo com o disposto nos art.ºs 562.º, 564.º e 566.º do CPC.
Quid iuris?
10.5.Na sentença recorrida a Senhora Juiz a quo considerou que pese embora tenha havido uma diminuição de receitas, que conforme decorre dos factos provados, designadamente, nos pontos 29, 31, 32, 81 e 82 da factologia assente, perfaz o montante de 1.894.157€, que começou logo no anos de 2001/2002, e que se prolongou para além de 2012, essa perda ficou a dever-se «a diversos factores».
10.6. Perscrutada a sentença recorrida, conclui-se que o Tribunal a quo não logrou apurar qual o concreto prejuízo sofrido pela Autora em razão da ilegal entrada em funcionamento das linhas 19 e 23, e isso por várias razões.
10.7.A primeira razão que a Senhora juiz a quo aponta para essa inconcludência quanto ao concreto montante dos danos, prende-se com a afirmação de que apenas foi apurado o valor das receitas que a Autora deixou de auferir, sem se ter apurado o valor das despesas que deviam ser contabilizadas. Resulta da sentença recorrida ser entendimento da Senhora Juiz a quo que esse facto tem relevância para o apuramento do concreto prejuízo sofrido pela Autora, uma vez que as receitas não se podem entender como lucros. Daí que se escreveu na sentença recorrida que « dos autos não resultam quaisquer elementos respeitantes a despesas, o que não permite apurar os resultados de exploração, nem sequer foram juntos os documentos contabilísticos certificados, de análise financeira, de exploração carreira a carreira ou informação apresentada na autoridade tributária», quando tal ónus impendia sobre a Autora.
Logo, só por essa razão, o Tribunal a quo concluiu desde logo que « não poderá ser a autora indemnizada na medida em que faz o seu pedido e apresenta apenas as receitas».
10.8.Em segundo lugar, o Tribunal a quo considerou resultar da matéria de facto que certas localidades onde a Autora operava, que não sofreram a «concorrência indevida» da entrada em funcionamento das linhas 19 e 23, foram consideradas no apuramento global daquela diminuição de receitas, querendo com tal significar que também por este prisma não se logrou apurar qual o valor da diminuição de receitas que é apenas consequência do funcionamento das linhas 19 e 23 nas localidades em que se traduziu numa concorrência indevida à Autora.
10.9. Em terceiro lugar, colhe-se da sentença recorrida que tendo a Senhora Juiz a quo considerado provado que nas últimas décadas verifica-se uma diminuição de receitas de todas as operadoras de transportes interurbanos, regionais e locais, devido à desertificação das aldeias e da generalidade dos meios rurais, a emigração, o envelhecimento da população residente, o decréscimo acentuado da natalidade e o acesso generalizado das famílias a veículos próprios, entendeu esse facto como uma concausa da perda de receitas reclamada pela Autora, pelo que, também por essa razão não se logrou apurar o concreto dano sofrido pela Autora em razão da ilegal entrada em funcionamento das linhas 19 e 23.
E, nessa sequência, decidiu nos seguintes termos:
«não poderemos indemnizar a autora pelo montante pedido. Porém, há que indemnizar porque, não obstante não sabermos quais as despesas e outros custos a abater, sofreu uma diminuição das suas receitas. Na atribuição da indemnização teremos de ter em ponderação todos os factores supra referidos.
ANTUNES VARELA diz-nos: “Tal como na responsabilidade contratual e extracontratual, também na responsabilidade pré-negocial os danos indemnizáveis variam consoante as circunstâncias de cada caso. A indemnização terá sempre como objectivo, quer num quer noutro domínio colocar o lesado na situação patrimonial em que ele se encontraria se não fora o facto ilícito praticado” – Anotação ao Acórdão do STJ de 29-1-73.
Deste modo, na falta de outros elementos, atendendo a todas as circunstâncias do caso vertente, a fixação da indemnização deve ser feita com recurso à equidade, considerando uma importância que se afigure justa e razoável, prevista no art. 566.º, n.º 3 do Código Civil – cfr. Ac do STA de 24/10/2006.»
Assim, entende-se indemnizar a Autora no montante de 150.000,00€, (cento e cinquenta mil euros) acrescido de juros de mora vincendos a partir da data da citação até efetivo e integral pagamento.»
10.7.Na situação vertente, contrariamente ao alegado pela Apelante/Autora, não é verdade que se tenha apurado o concreto prejuízo sofrido pela mesma com a criação e entrada em funcionamento das linhas 19 e 23, entre os anos de 2001 a 2012, o qual, conforme concluiu o Tribunal a quo, não corresponde ao montante das receitas invocado.
10.8. Conforme resulta do ponto 90.º-A dos factos assentes, por nós aditado ao elenco dos factos provados, «A diminuição das receitas nos anos 2001 a 2012, deveu-se à criação das linhas 19 e 23 por parte da Ré e ao funcionamento dessas linhas e ainda ao relatado no ponto 90 dos factos provados».
10.11. Ora, se assim é, apenas se logrará demonstrar qual o valor da diminuição das receitas imputável à entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 quando se apurar em que medida é que para essa diminuição de receitas contribuiu a facticidade elencada no ponto 90 do elenco dos factos provados e, qual o montante líquido em que se traduziu essa diminuição de receitas.
10.12. No que respeita à pretensa diminuição de receitas por força da inclusão de localidades que a Senhora Juiz a quo diz terem sido consideradas para o cálculo daquele montante global de receitas, urge referir que essa inclusão não vem espelhada na facticidade julgada provada nos pontos 33 a 82 do elenco dos factos provados e esses pontos não foram impugnados por nenhuma das partes e muito menos mediante o cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto enunciados no artigo 640.º, n.º 2, al. a) do CPC, sem cujo cumprimento cabal se encontrava vedado ao Tribunal ad quem, o conhecimento da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela Apelante.
Na verdade, nos pontos 33.º a 80.º da facticidade provada o Tribunal a quo deu como provado o valor das receitas auferidas pela Autora em cada um dos anos de 2011 a 2012. E no ponto 82 desse elenco de factos provados, deu como assente que o volume médio anual de vendas passou a ser: (i) de 120.477,00€ no primeiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2001-2005);(ii) – de 96.519,00€ no segundo quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2005-2009); e de 103.071,00€ no terceiro quadriénio posterior ao inicio do funcionamento de tais linhas (2009-2012).
Por seu turno, ponto 81 dos factos assentes, deu como provado que no quadriénio anterior ao funcionamento de tais linhas, ou seja, no período compreendido entre 1997 a 2001, o valor médio anual das receitas auferidas foi 242.321,00€.
Ora, se no cálculo dessa diminuição de receitas julgadas provadas estão incluídas localidades que não sofreram a concorrência das linhas 19 e 23, então naturalmente que não se podia ter concluído como provado que a diminuição de receitas sofrida pela Autora, no quadriénio de 2001/2005, ou no ano quadriénio de 2005-2009 e no quadriénio de 2009-2012, era a que resulta da diferença entre esses montantes médios anuais com o que era o valor médio anual de receitas cobradas no quadriénio anterior ( de 1997-2001). E se se deu como provada essa facticidade atinente às diminuições das receitas verificadas apesar de aí estarem incluídos valores atinentes a localidades que não sofreram a concorrência das linhas 19 e 23 então ao dar como provada a facticidade dos pontos 33 a 82, o tribunal a quo incorreu em erro de direito.
10.13. Acontece que esse erro de direito só podia ser conhecido e sindicado pelo Tribunal ad quem caso as partes tivessem impugnado a facticidade dos referidos pontos, o que não fizeram, pelo que, caso a facticidade neles julgada provada padeça de efetivo erro de julgamento na medida em que não impugnaram essa facticidade, a mesma encontra-se definitivamente provada, pelo que sib it imputet. Reafirma-se, da facticidade julgada como provada, resulta que a Autora nos anos 2001 a 2012 sofreu a diminuição de receitas especificadas nesses pontos, diminuição de receitas que jamais poderão resultar de inclusão das localidades de ..., ..., ..., ... e ... nesse cálculo, posto que, em tais localidades a Autora não sofreu a concorrência das linhas 19 e 23, pelo que, logo, nunca poderia ter sofrido a diminuição das receitas previstas nesses pontos fruto de uma concorrência inexistente nas ditas localidades.
Assim, resulta do que se vem dizendo, que a circunstância de nas localidades referidas a Autora não ter sofrido a concorrência das linhas 19 e 23 não é fator a considerar no cálculo da indemnização sofrida pela Autora em consequência da concorrência ilícita que sofreu pela criação e entrada em funcionamento das linhas 19 e 23.
10.14. Ademais, uma vez apurado esse concreto montante de receitas perdidas pela Autora em consequência da entrada em funcionamento das linhas 19 e 23, que não se logrou apurar nos presentes autos, coloca-se ainda a questão de saber se essa diminuição de receitas corresponde ao prejuízo suportado pela Autora, ou se a esse montante se têm ainda de abater as despesas que a Autora teria de suportar com a realização do transporte coletivo de passageiros que não efetuou em virtude da concorrência indevida decorrente da entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 servidas pelos STUV.
10.15.No caso, não oferece dúvida que o montante das receitas cuja diminuição a Autora reclama como constituindo o prejuízo a indemnizar resulta da diferença entre a média anual das receitas auferidas no quadriénio anterior à entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 e a media anual das receitas efetivamente auferidas pela Autora nos anos posteriores de 2001 a 2012, calculadas tomando por base o período correspondente ao sucessivos quadriénios.
10.16. A esse respeito, a Apelante Autora invoca o Acórdão do STJ, de 05/02/2015, proferido no Proc. n.º 4747/07.2TVL SB.L1. S1, para concluir que no caso não se impunha a determinação dessas despesas para que lhe fosse arbitrada a pretendia indemnização, uma vez que, «- a quantificação dos lucros cessantes em função da perda de receitas satisfaz os requisitos da probabilidade e previsibilidade do dano a que se reportam os art.ºs 563.º e 564.º/2 do Código Civil», e « - a alegação e demonstração da perda das receitas traduz o elemento constitutivo do direito à indemnização, servindo a alegação e prova das despesas de elemento modificativo, pelo que não se provando as despesas ou encargos – e essa prova competia ao Réu – a indemnização por lucros cessantes corresponde ao valor das receitas perdidas ou deixadas de obter».
10.16. Ora, no citado aresto do STJ estava em causa a revogação unilateral e intempestiva, por banda do aí réu, de um contrato de prestação de serviços de natureza onerosa e por tempo determinado, e a responsabilidade de o mesmo reparar o prejuízo daí decorrente para a aí autora, indemnização essa que, a par dos danos emergentes, abarca a compensação pelos lucros cessantes, isto é, pelos proveitos que a aquela poderia extrair da execução do contrato se este tivesse sido integralmente cumprido.
Nesse processo, conforme se refere no aresto em análise, « a 1ª instância limitou a indemnização global ao quantitativo de € 30.000,00, por aplicação de uma cláusula contratual limitativa da responsabilidade.
Já a Relação, embora tenha declarado a nulidade dessa cláusula, acabou por reconhecer à A. apenas o direito a haver da R. a quantia de € 1.260,00, a título de danos emergentes, e de € 6.000,00, por danos não patrimoniais. Relativamente ao segmento indemnizatório correspondente aos lucros cessantes (receitas perdidas), sem negar a existência do correspondente direito da A., a Relação julgou a acção improcedente com fundamento na falta de demonstração das despesas que a prestação de serviços envolveria
Na situação objeto do aresto em análise entendeu o STJ que «Recaindo sobre a A. o ónus da prova dos factos relevantes para a fixação do montante da indemnização devida pela antecipada revogação do contrato de prestação de serviços, a matéria de facto apurada – e apenas esta nos interessa – reflecte com a necessária segurança a repercussão patrimonial negativa que a opção da R. teve na esfera jurídica da A.»
(…)
A diferença entre as “receitas líquidas” controvertidas e as “receitas projectadas” apuradas relativas a cada um dos períodos referenciados na petição inicial não comporta os efeitos que Relação lhe atribuiu. Afinal, como ocorre na maior parte das acções em que é invocada a existência de lucros cessantes reportados a um lapso de tempo posterior à ocorrência do evento que despoletou o direito de indemnização, nem sempre é possível apurar com exacto rigor o respectivo quantitativo, tarefa naturalmente inviável quando a quantificação dependa de factos cuja ocorrência ou configuração não possa ser totalmente antecipada, por se reportar a eventos futuros e de dimensão indeterminada.»
Concluiu o STJ que quando a demandada « foi diretamente confrontada com uma pretensão que se reportava a danos efetivamente sofridos (“receitas líquidas” que a A. teria deixado de auferir por causa da denúncia unilateral do contrato), não desenvolveu qualquer tipo de defesa em torno da quantificação dos reais prejuízos correspondentes a danos emergentes, ficando-se pela negação genérica do quantitativo global das receitas alegadas pela A., sem qualquer referência aos eventuais custos que teriam sido poupados pela A.
Ora, relativamente aos lucros cessantes, a alegação e demonstração das receitas projectadas para o período contratual em falta traduz o elemento constitutivo do direito de indemnização da A., servindo a alegação e prova de eventuais despesas associadas a tais receitas de elemento modificativo, na medida em que, de acordo com o referido critério da diferença, pudessem determinar a redução do montante indemnizatório».
10.17. Acontece que o caso sobre que se debruça o acórdão acabado de transcrever, salvo o devido respeito e melhor opinião, nada tem a ver com o caso sobre que versam os presentes autos.
10.18.Na verdade, naquele Acórdão está em causa o apuramento do lucro cessante futuro sofrido pela aí autora em consequência da revogação intempestiva ( antecipada) de um contrato de prestação de serviços, a propósito do que há que convocar o regime do artigo 564.º, n.º2 do CC, onde se estatui que « na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis» e onde portanto, é convocada a previsibilidade do Tribunal quanto a esses danos futuros e em relação ao respetivo quantum, assentando, por isso, a base de cálculo desses danos futuros na dimensão de lucros cessantes futuros em fatores que necessariamente não são certos e seguros, precisamente, porque são futuros.
10.19. Não é isto que acontece no caso vertente, em que a Autora pretende ser indemnizada pelos prejuízos já sofridos com a diminuição de receitas decorrente da entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 que ilegalmente lhe fizeram concorrência, provocando-lhe uma diminuição de receitas, isto é, factos passados e que por isso, o cálculo da indemnização, por assentar em perdas de receitas passadas, tem de assentar em pressupostos certos e não na mera previsibilidade, ou seja, em critérios meramente aproximativos.
10.20.Logo, em função das regras dos ónus de alegação previstos no artigo 5.º, n.º1 e 552.º , n.º1, al. d) do CPC, cumpre à Autora alegar os factos essenciais integrativos da causa de pedir de onde faz derivar o direito indemnizatório – responsabilidade civil, extracontratual por factos ilícitos- em que assenta o pedido indemnizatório que reclama da Ré, onde se incluem os factos essenciais integrativos do requisito do dano.
10.21.E esses factos essenciais relativos ao requisito do dano, são certos, porque passados. E também nos termos do artigo 342.º, n.º1 do Cód. Civil incumbe-lhe o ónus da prova desses factos essenciais, os quais, reafirma-se, são certos.
10.22. Depois, conforme decorre expressamente do teor do acórdão proferido pelo STJ, as receitas que a aí autora invocou e que se quedaram como provadas são “líquidas”, isto é, nelas estão compreendidas as receitas ilíquidas subtraídas das despesas que a autora teria de suportar para obter aquelas receitas líquidas.
Logo, as receitas líquidas a que se reporta o STJ correspondem ao lucro da aí autora e daí que se compreenda que nesse acórdão se tenha ponderado que estando-se perante receitas líquidas, impendia sobre o aí réu alegar factos demonstrativos de despesas ( outras despesas) não consideradas pela autora no computo das receitas líquidas que alegou na p.i., por consubstanciar facto modificativo da pretensão indemnizatória deduzida pela aí autora contra o aí réu.
10.23. Acontece que diversamente do que sucede no caso sobre que se debruça o identificado aresto, em que reafirma-se, estavam em causa receitas líquidas, a aqui Autora não alegou, e portanto, não pode provar que as receitas que alegou na p.i. fossem líquidas, e nem sequer esse facto resulta do elenco dos factos provados ( como que não poderia resultar por se tratar de facto não alegado).
10.24. Logo, como bem ponderou a Senhora juiz do Tribunal a quo, porque receitas não equivalem a lucro ( ou receitas liquidas), porquanto lucro são as receitas deduzidas das despesas, no caso impõe-se no cálculo do quantum indemnizatório devido à Autora considerar as receitas que a Autora viu diminuídas nos anos 2001 a 2012 e que constam dos factos apurados, deduzidas das despesas que teriam de ser suportadas pela mesma Autora para obter essas mesmas receitas, designadamente, custo com pessoal, combustível, depreciação de veículos etc…
10.25. E nem venha a Autora alegar na futura liquidação que para obter as receitas cuja perda sofreu teria suportado as mesmas despesas, porque fez as mesmas carreiras, porquanto, se for esse caso, cumpre-lhe efetivamente demonstrar que no montante das receitas já estão incluídos, isto é, deduzidos o custo que teve de suportar com a realização daquelas carreiras.
10.26. Logo, no caso presente não estão, efetivamente, recolhidos os elementos fáticos que permitam, desde já, fixar o quantum indemnizatório devido à Autora por via da concorrência ilegal que sofreu em consequência da criação das linhas 19 e 23, porquanto:
a- a diminuição de receitas que se apuraram nos anos de 2001 a 2012, resultam da entrada em funcionamento das linhas 19 e 23 e, bem assim, dos factos referidos no ponto 90 da matéria assente, havendo pois que se apurar facticidade que permita determinar qual o contributo para essa diminuição de receitas resultante da criação e entrada em funcionamento das linhas 19 e 23, por apenas por esse facto e pelos prejuízos que daí decorreram ( e já não pelos factos elencados no ponto 90) poderá ser responsabilizado o Réu;
b- por a diminuição das receitas que se apuraram serem ilíquidas, importando deduzir a facticidade essa que terá de ser alegada e objeto de prova.
10.27.A questão que agora se coloca é, de saber se mediante o recurso à produção de prova suplementar é possível apurar factos que permitam estabelecer uma base factual que viabilize a determinação daquele quantum indemnizatório devido à Autora, caso em que se terá de relegar o quantum indemnizatório para liquidação em execução de sentença; ou se desde já, se nos prefigura ser inviável, com a produção dessa prova suplementar chegar a essa plataforma factual mais segura para se fixar esse quantum indemnizatório devido à autora, o que reclamará o recurso desde já á equidade na fixação desse quantum indemnizatório.
10.28.Ora, conforme é bom de ver a produção de prova suplementar permite sem dúvida alguma apurar uma base factual mais sólida para determinar o quantum indemnizatório devido à autora, sendo prematuro o recurso à equidade, que não deve utilizar-se para contornar questões de falta de prova de factos que pudessem ser provados.
10.29.O recurso à equidade nos termos da previsão contida na norma do n.º3 do artigo 566.º do CC exige o preenchimento de duas condições ou requisitos: não estar determinado apenas o «valor exato» do dano mas terem sido provados «limites», máximo e mínimo, para esse dano, que não podem considerar-se verificadas quando, no momento do julgamento, ocorre uma essencial indefinição acerca do valor real do dano material sofrido.
A formulação do juízo complementar de equidade pressupõe uma base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa: é que, se essa base consistente não existir no processo, a solução legalmente imposta é o proferimento de condenação genérica, relegando-se para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exato e preciso dos danos, por ser de supor que a remoção da situação de dúvida sobre o valor de tal tipo de danos possa razoavelmente ser ainda suprida por uma ulterior atividade probatória, sujeita, aliás, a um particular reforço do inquisitório (cfr. art. 380º, nº 4, do CPC).
10.30. Ora, in casu a matéria dada como provada não contém um suporte factual minimamente consistente para servir de base à formulação do juízo complementar de equidade, destinado, apenas e tão somente, a obter um valor pecuniário «exato», concretizando um prejuízo cuja dimensão tem de estar, no essencial, suficientemente quantificada em função da prova produzida.
10.31. Decorre do exposto, que na parcial procedência do fundamento de recurso aduzido pela Autora e pelo réu, impõe-se revogar a sentença recorrida na parte em que fixou o quantum indemnizatório devido à Autora por recurso à equidade, estando prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso aduzidos pela Autora e Réu referentes ao cálculo indemnizatório por recurso à equidade, impondo-se relegar o quantum indemnizatório para liquidação em execução de execução de sentença.
b.4.3. do erro de julgamento em matéria de direito decorrente da absolvição do Réu do pedido de indemnização relativo ao pagamento das despesas suportadas pela Autora com os processos judiciais.
11. A Apelante/Autora insurge-se contra a sentença por o Tribunal a quo ter absolvido o Réu do pagamento dos montantes suportados pela mesma com os diversos processos judiciais que foram dados por provados no ponto 86 da factologia assente, no montante de 65.705,50€.
Refere que, ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, a verdade é que as despesas com advogados são um dano indemnizável, conforme vem sendo reconhecido pelo venerando Supremo Tribunal Administrativo (v, entre outros, os Acs.º de 08-03-2005. Proc, n.º 039934A, de 19/12/2006, Proc. aº 01036/05, de 24/4/2007, Proc. n.º 01328/03, 20-06-2012, Proc. n.º 266/11, de 19-05-2016, Proc. n.º 0314/13), por este douto Tribunal Central Administrativo do Norte (v., entre outros. os Acs. de 06-03-2015, Proc. n.º 02410/05.8BEPRT-A e de 19-12-2014, Proc. n.º 00994/07.5BECBR-A) pelo Tribunal Central Administrativo do Sul (v. Acsº de 21/11/2013, Proc. n.º 07577/11 e de 11/7/2018, Proc. n.º 2582/09) e pela própria doutrina, a qual vem reafirmando até a possibilidade de serem reclamados em sede de execução de sentença (v. ANDRADE, José Carlos de Vieira de – A Justiça Administrativa, (Lições). 15.º Ed.. Coimbra: Almedina, 2016, p. 388; CORREIA, Cecília Anacoreta – A tutela executiva dos particulares no Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Coimbra: Almedina, 2013, pp. 333-338; OLIVEIRA; Rodrigo Esteves de – “Processo Executivo: Algumas questões”, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica 86, Coimbra Editora, 2005, p. 252; ou ALMEIDA, Mário de Aroso de – Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Procedimento Administrativo. 3.º ed. Coimbra: Almedina, 2015, pp. 1042-1044).- vide conclusões 27.ª e 28.ª.
11.1. A respeito desta questão, adiantamos que a sentença recorrida é para manter, tendo a mesma decidido a questão de acordo com a melhor e mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que acolhemos integralmente.- cfr. Ac. do STA, de 29/10/2020, Proc.02582/09.2BELSB).
E sendo assim, passamos a transcrever a fundamentação em que o Tribunal a quo se baseou para indeferir o pedido de pagamento por banda do Réu, das despesas em causa:
«De acordo com o vertido no Acórdão do STA de 29/10/2020, na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil pela prática de facto ilícito não é de incluir a importância decorrente das despesas com honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais.
Assim, todas as quantias devem ser atribuídas nos diversos processos e nos termos definidos no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais. Acresce dizer que alguns dos valores apresentados decorrem também de avenças.
Como decorre do citado Acórdão do STA de 29/10/2020, que se transcreve, e ao qual aderimos: A questão que se coloca é, assim, a de saber se na indemnização devida ao exequente a título de responsabilidade civil pela prática de facto ilícito se podem incluir as despesas relativas aos honorários do seu mandatário judicial que moveu e acompanhou a execução.
..., com o recente Ac. de 5/3/2020 Proc. n.º 284/17.5BELSB, proferido em revista ampliada, ao abrigo do art.º 148.º, n.º 1, do CPTA, a Secção do Contencioso administrativo deste STA entendeu que, em face do que dispõem o CPC/2013 e o RCP, era de considerar que as despesas com os honorários do advogado da parte vencedora não se inseriam no domínio dos prejuízos a que alude o art.º 564.º, do Código Civil, só podendo ser compensadas a título de custas de parte.
Para assim concluir, escreveu-se neste acórdão:
“(...).Resulta do art.º 527.º nºs. 1 e 2, do CPC, que a regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas assenta no princípio da causalidade, considerando-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
É, assim, irrelevante para essa responsabilização a questão de saber qual foi a parte culpada da ocorrência do litígio que determinou a intervenção do tribunal.
Abrangendo as custas processuais as custas de parte (art.º 529.º, n.º 1, do CPC e 3.º, n.º 1, do RCP) as quais, devendo ser objecto de nota discriminativa e justificativa (art.º 533.º, n.º 3, do CPC), apresentada nos termos do art.º 25.º, do RCP, compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do RCP (n.º 4 do referido art.º 529.º) , também estas devem ser suportadas pela parte vencida na proporção do seu decaimento (n.º 1 do citado art.º 533.º).
Nestas custas de parte incluem-se as quantias pagas a título de honorários do mandatário judicial, salvo quando elas sejam superiores ao valor indicado na al. c) do n.º 3 do art.º 26.º do RCP, ou seja, 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora [art.º 533.º, n.º 2, al. d), do CPC e artºs. 25.º, n.º 2, al. d) e 26.º, n.º 3, al. c) e 5, ambos do RCP].
Atento à limitação estabelecida, não há dúvidas que a intenção do legislador aliás, já expressa no n.º 2, al. g) da Lei n.º 26/2007, de 23/7 (lei de autorização legislativa) não foi a de ressarcir a parte vencedora da totalidade dos honorários do seu mandatário judicial, mas a de lhe fixar uma compensação que, em face do valor da acção e das taxas de justiça suportadas pelas partes, considerou ser no montante adequado.
Essa compensação, porém, ao contrário do que sucedia quando integrada na procuradoria, é sempre devida, por a isenção das custas processuais não a abranger (art.º 4.º, n.º 7, do RCP).
Assim, na actual legislação processual civil e sobre custas, o legislador limitou a enorme discrepância que existia entre o montante das despesas efectivamente suportadas com a demanda pela parte vencedora e as quantias que esta tinha direito a receber através da imputação dos custos dela à contraparte, mas não foi ao ponto de consagrar o princípio da justiça gratuita para o vencedor ou uma solução equiparada à prevista em matéria de responsabilidade civil no art.º 562.º, do C. Cv. estabelecendo que a parte com razão tinha o direito de ser ressarcida nos precisos termos dos prejuízos sofridos.
Portanto, de acordo com o nosso sistema de custas judiciais, á compensação em análise configura-se como indemnização baseada em responsabilidade processual civil tendente a compensar a parte vencedora, na respectiva proporção, das despesas com honorários de advogado” (Salvador da Costa in “Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado”, 2.ª edição-2009, pág. 331), não estando o seu montante dependente da transposição de normas e princípios consagrados pelo direito substantivo de forma a que constitua um efectivo ressarcimento das despesas realizadas por essa parte.
Mas, poderão as despesas com honorários do mandatário judicial da parte vencedora no montante em que excedem as custas de parte a que ela tem direito ser consideradas um prejuízo de natureza substantiva indemnizável a título de responsabilidade civil extracontratual pela prática de facto ilícito, segundo as regras da teoria da diferença consagrada no art.º 566.º, n.º 2, do C. Cv.?
Entendemos que não.
Efectivamente, a compensação do dano resultante do pagamento por uma das partes dos honorários do seu advogado só está legalmente prevista a título de custas de parte nas situações de litigância de má fé (art.º 543.º, do CPC) e de demanda quando a obrigação ainda não é exigível (art.º 610.º, n.º 3, do CPC). No contexto da tributação processual, essa compensação obedece, como vimos, a um regime específico que não se confunde com o da responsabilidade civil, não lhe sendo, designadamente, aplicável o disposto nos artºs. 564.º, n.º 1 e 566.º, n.º 2, ambos do C.Cv. Fora deste contexto, a previsão legal cinge-se às referidas situações excepcionais de litigância de má fé e de inexigibilidade da obrigação.
Assim, na esteira da atrás referida jurisprudência do STJ, entendemos que do sistema legal vigente – em princípio coerente e obedecendo a um pensamento unitário – resulta que é através da compensação devida a título de custas de parte que são reembolsadas as despesas realizadas pela parte vencedora com o mandato judicial e quando o legislador pretendeu que essas despesas fossem integralmente ressarcidas indicou expressamente as situações em que tal ocorria e a parte sobre que impendia a obrigação.
Nestes termos, prevendo a lei, especificamente, a sua compensação através das custas de parte, não podem os aludidos honorários ser considerados danos causados por acto ilícito e, não se verificando nenhuma das referidas situações excepcionais, tal compensação só pode ser obtida ao abrigo do regime das custas de parte.
E admitir que as despesas em questão na parte em que excediam o montante atribuído a título de custas de parte podiam ser ressarcidas na sua totalidade corresponderia a permitir-se uma condenação em custas de parte em violação da lei, não só porque se desrespeitava a aludida limitação, mas também porque, no caso de procedência parcial da acção – como ocorre na situação em apreço – não se tomava em consideração a proporção do decaimento.
Refira-se, finalmente, que as razões que a corrente jurisprudencial maioritária adoptada por este STA retirou do ínfimo valor da procuradoria que era atribuída à parte vencedora para ressarcimento das despesas com o seu advogado e da isenção de custas (e, consequentemente, da procuradoria) das entidades administrativas não têm hoje validade, dado estas terem deixado de beneficiar de tal isenção e, como vimos, aquelas despesas estarem integradas nas custas de parte que não são afectadas pela eventual isenção de que beneficie a parte vencida (cf. art.º 4.º, n.º 7, do RCP).
Portanto, entendendo-se que na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais, terá de proceder a presente revista”.
Aderindo a esta jurisprudência, é de concluir que a despesa feita pelo exequente com o processo correspondente aos honorários do seu advogado, no montante de € 750,00, acrescido de IVA, não constitui um dano indemnizável, apenas sendo passível de ser compensada a título de custas de parte.”
Não se desconhece a jurisprudência assinalada pela Apelante em sentido divergente, como também a não desconhecia o STA no citado aresto.
Aliás, a esse respeito lê-se nesse aresto do STA de 29/10/2020: « Tem sido jurisprudência uniforme do STJ desde o Assento de 28/3/1930 (in DG, II Série, de 28/3/1930) que, salvo nos casos de litigância de má fé e de demanda quando a obrigação ainda não era exigível, as despesas realizadas com o processo, incluindo o pagamento de honorários do mandatário judicial da parte vencedora, apenas podem ser compensadas a título de custas de parte, nos termos previstos no actual RCP e CPC (cf. v.g. os Acs. de 15/6/93 in BMJ 428-530, de 3/12/98 – Proc. n.º 1136/98, de 15/3/2007 – Proc. n.º 07B220, de 23/9/2008 – Proc. n.º 08A2109, de 2/7/2009 – Proc. n.º 5262/05.4TVLSB.S1 e de 15/1/2019 – Proc. n.º 5792/15.0TBALM.L1.S2).
O STA que inicialmente perfilhara esta posição (cf. Acs. de 3/12/96 – Proc. n.º 39020, de 21/1/97 – Proc. n.º 39615, de 25/2/97 – Proc. n.º 38279 e de 27/10/98 – Proc. n.º 43661), veio a inflectir esta linha jurisprudencial com o Ac. de 9/6/99 – Proc. n.º 043994, cuja doutrina foi acolhida pelo Pleno da 1.ª Secção (cf. Acs. de 14/3/2001 – Proc. n.º 24779-A e de 6/6/2002 – Proc. n.º 24779-A) e continuou a ser a dominante neste STA (cf.. v.g. Acs. de 13/12/2000 – Proc. n.º 44761, de 8/3/2005 – Proc. n.º 039934-A, de 19/12/2006 – Proc. n.º 01036/05, de 24/4/2007 – Proc. n.º 01328-A/03, de 4/3/2009 – Proc. n.º 0754/08, de 17/3/2010 – Proc. n.º 45899-A, de 20/6/2012 – Proc. n.º 0266/11, de 20/6/2017 – Proc. n.º 0247/15 e de 1/2/2018 – Proc. n.º 0987/17).

Porém, com o recente Ac. de 5/3/2020 – Proc. n.º 284/17.5BELSB, proferido em revista ampliada, ao abrigo do art.º 148.º, n.º 1, do CPTA, a Secção do Contencioso administrativo deste STA entendeu que, em face do que dispõem o CPC/2013 e o RCP, era de considerar que as despesas com os honorários do advogado da parte vencedora não se inseriam no domínio dos prejuízos a que alude o art.º 564.º, do Código Civil, só podendo ser compensadas a título de custas de parte.» ( negrito nosso).
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos Apelantes, e em consequência, revogam a sentença recorrida e:
a- introduzem as alterações supra identificadas à matéria do julgamento de facto realizado pela 1.ª Instância;
b- condenam o Réu Município a pagar à Autora o quantum indemnizatório que se vier a apurar em incidente de liquidação para execução de sentença, nos termos e limites acima fixados.
b- no mais, confirma-se a parte decisória da sentença recorrida.
*
Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa provisoriamente em partes iguais, sem prejuízo da sucumbência em que venham a incorrer as partes em sede de liquidação em execução de sentença, e da dispensa do remanescente da taxa de justiça já determinada pela 1.ª Instância.
Notifique.
*
Porto, 28 de outubro de 2022
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa