Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00368/17.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/19/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CGA-PENSÃO-REEMBOLSO- DL N.º 155/92- PRAZO DE PRESCRIÇÃO.
Sumário:1-O regime de reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado, como sucede com as pensões de sobrevivência indevidamente abonadas pela CGA, é o que decorre do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.

2-A obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, que devam reentrar nos cofres do Estado, prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento (artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28/07).
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

1.1.A., na qualidade de único herdeiro e cabeça-de-casal de A., residente na Rua (…), moveu a presente ação administrativa contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P., com sede na Rua (…), pedindo ao Tribunal que:
“a) Declare prescrita a obrigação de pagamento do montante de € 35.071,69, a título de pensão de sobrevivência, pelo menos, no respeitante ao período que medeia entre janeiro de 2008 a janeiro de 2013;
b) Anule, com base na incapacidade da beneficiária da pensão descrita na presente peça, o despacho emitido pela Ré que ordena o pagamento desse montante e;
c) Subsidiariamente, caso (...) entenda que a ordem de pagamento emitida pela Ré não consubstancia um ato administrativo, se digne ordenar a Ré a juntar aos autos o despacho administrativo que legitimou a ordem de pagamento enviada à Autora, em virtude de se pretender impugnar o ato administrativo devido.”.
Para tanto, alega, em síntese, que a sua mãe, A., foi casada com A. desde 24/07/1966 até à data da morte deste, em 10/06/1990, e que o referido A. era subscritor da ré, pelo que, a partir da sua morte, foi concedida à sua mãe uma pensão mensal de sobrevivência, no valor de €1.220,51, montante que esta recebeu até à data da sua morte, em 30/08/2016;
Mais invoca que, desde meados de 2008, a referida A. estabeleceu uma união de facto com A. e que a mesma padecia de doença neurológica degenerativa, cujos primeiros sintomas se evidenciaram em meados de 2007;
Afirma que, na sequência da morte de sua mãe, o indicado A. requereu à ré a atribuição de pensão de sobrevivência, fundada na mencionada união de facto, o que conduziu à decisão da ré de solicitar à herança da sua mãe a restituição da quantia de €35.071,69 por ter ocorrido causa extintiva do direito à pensão de sobrevivência de que aquela era beneficiária;
Invoca a ineficácia da notificação do ato administrativo, por a mesma não ter sido acompanhada da indicação do autor do despacho, da data e do seu texto integral.

1.2. Citada, a Ré contestou, defendendo-se por impugnação, invocando, em síntese, que a união de facto extinguiu a qualidade de pensionista da mãe do autor, no que se refere à pensão de sobrevivência de que era beneficiária por morte de seu marido, mais alegando que apenas teve conhecimento da causa extintiva em setembro de 2016, aquando do requerimento de pensão de sobrevivência apresentado por A., pelo que, refuta a prescrição do seu direito de receber as quantias indevidamente pagas.

1.3. Foi proferido despacho que dispensou a produção de prova testemunhal por os autos conterem os elementos necessários para conhecer de mérito, assim como a realização de audiência prévia, e fixou o valor da ação em €35.071,69.

1.4. Proferiu-se saneador sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, do qual consta a seguinte parte dispositiva:
«a) Julgo a presente acção administrativa parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, declaro prescrita a obrigação de reposição das quantias indevidamente pagas à beneficiária A., referente aos meses de Janeiro de 2008 até 21/11/2011, mantendo-se a obrigação de reposição quanto ao restante período, até Agosto de 2016;
b) Condeno o autor e a ré no pagamento das custas, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 45% para o autor e 55% para a ré - artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º e 189.º do CPTA e 6.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, alínea c), do RCP.
Registe e notifique

1.5. Inconformada com a decisão a Caixa Geral de Aposentações interpôs recurso jurisdicional da sentença, tendo sido convidada, na sequência do parecer emitido pelo Ministério Público, a formular novas conclusões, que apresentou nos seguintes moldes:

«A) Com o devido respeito, andou mal o Tribunal “a quo” ao declarar “prescrita a obrigação de reposição das quantias indevidamente pagas à beneficiária A., referente aos meses de Janeiro de 2008 até 21/11/2011, mantendo-se a obrigação de reposição quanto ao restante período, até Agosto de 2016” por entender que “… a contagem do prazo de prescrição tem início na data do recebimento das quantias indevidamente pagas – cfr. artigo 40.º n.º1 …” (do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho – e que “Não assiste razão à ré quando pretende situar o início da contagem de tal prazo na data em que teve conhecimento do facto extintivo da qualidade de pensionista, ou seja, da união de facto da beneficiária”.
B) De acordo com a previsão do n.º1 do artigo 40.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, doravante designado por EPS, “têm direito à pensão de sobrevivência como herdeiros hábeis dos contribuintes, verificados os requisitos que se estabelecem nos artigos seguintes:
a) Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que vivam em união de facto”.
C) - No n.º1 do artigo 47.º do EPS, encontram-se previstas as causas extintivas da qualidade de pensionista, figurando em primeiro lugar o casamento ou união de facto.
D) Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de junho, que alterou, nomeadamente, a redação do artigo 40.º e artigo 41.º do EPS, foi acolhido o princípio da relevância das uniões de facto, de alguma forma equiparáveis à sociedade conjugal, de harmonia com a redação atual do artigo 2020.º do Código Civil.
E) E que, sendo as uniões de facto equiparadas às uniões de direito (casamento) para efeitos de concessão de pensões de sobrevivência, por maioria de razão, deverão ser equiparadas ao casamento para efeitos de extinção do direito àquelas pensões.
F) Assim, em cumprimento do princípio da legalidade a que está vinculada, a Ré suspendeu, e bem, o abono da pensão de sobrevivência da falecida e solicitou a reposição das verbas que lhe foram, indevidamente, pagas àquele título, no período que decorreu de janeiro de 2008 a agosto de 2016.
G) E, embora o companheiro da falecida, admita ter, com ela, vivido em situação análoga à dos cônjuges, o que colide com o direito daquela à pensão de sobrevivência por óbito do seu anterior marido, a A. (herança daquela) impugna a existência da dívida à CAIXA, invocando a prescrição prevista no art.º 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, onde se estabelece que a obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos prescreve decorridos 5 anos após o seu recebimento.
H) Ora, tal fundamento não tem condições de proceder uma vez que ao caso não é aplicável o prazo de prescrição previsto no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.
I) Tal como ainda recentemente foi decidido, em situação idêntica, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, Acórdão de 2015-07-10, proferido no âmbito do processo n.º 07577/14 (disponível na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt):
“...na situação concreta dos presentes autos as quantias depositadas pela recorrente "Caixa ………………., I.P." na conta de depósito à ordem nº. ………., constituída na Agência da …………… de Moura, não foram recebidas pela oponente/recorrida mas antes depositadas na conta de que a mesma era co-titular com a falecida Maria ……………………. E sabendo a opoente/recorrida da proveniência de tais quantitativos não deveria efectuar o levantamento das importâncias pecuniárias em causa, as quais iam sendo creditadas pela recorrente em nome da falecida Maria.
Por outras palavras, aquelas importâncias não se destinavam à oponente/recorrida mas ao pensionista entretanto falecido, pelo que a oponente/recorrida "levantou" tais importâncias e não as "recebeu", nenhuma relação jurídica havendo entre a mesma e a "Caixa …………………, I.P.". Em consequência do acabado de mencionar, deve concluir-se que a situação concreta dos presentes autos não cabe na previsão do regime de reposição de dinheiros públicos previsto no dec.lei 155/92, de 28/7, assim não lhe sendo aplicável o prazo de prescrição de cinco anos consagrado no examinado artº.40, do mesmo diploma (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/4/2002, rec.26676).
Arrematando, à dívida exequenda objecto do processo de execução fiscal nº.0248-2011/104841.4 aplica-se o prazo ordinário (vinte anos) de prescrição previsto na lei civil (cfr.artº.309, do C.Civil), e respectivas causas de suspensão e interrupção (cfr.artºs.318 e 323 e seg. do C.Civil), pelo que não ocorreu, na situação concreta dos presentes autos, a invocada prescrição.”
J) Devendo, como afirmado no citado Acórdão, concluir-se da exegese do regime da reposição de dinheiros públicos, previsto no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07 que o mesmo tem aplicação, essencialmente, a funcionários ou agentes da Administração Pública, o que não é o caso da A. que, apenas, adquiriu o direito à, sempre, referida pensão de sobrevivência por óbito do seu marido, subscritor da recorrente.
L) Note-se que as quantias em causa foram pagas pela ora recorrente, unicamente, no pressuposto de que a situação matrimonial da falecida se mantinha inalterada. E que, aquela omitiu, deliberadamente a alteração do seu estado, o que a não ter sucedido levaria a que a Caixa, vinculada, que está, ao princípio da legalidade, procedesse à extinção da qualidade de pensionista de sobrevivência daquela e solicitasse a reposição das verbas indevidamente abonadas àquele título.
M) Ou seja, o facto de não ter sido dado conhecimento à CGA da vivência em situação análoga à dos cônjuges originou que fosse indevidamente creditada a referida pensão – e os dinheiros públicos que lhe estão inerentes – relativas aos meses de janeiro de 2008 a agosto de 2016.
N) Pelo que considera a Caixa, tal como foi decidido em Acórdão do TCASUL proferido em 2015/07/10, no processo de recurso n.º 07577/14, disponível na base de dados do ITIJ em WWW.DGSI.PT que “… à dívida exequenda objecto do processo de execução fiscal n.º 02448- 2011/104841.4 aplica-se o prazo ordinário (vinte anos) de prescrição previsto na Lei Civil (cfr. art. 309.º do CC) e respectivas causas de suspensão e interrupção (arts. 318 e 323 e seg. do C.Civil), pelo que não ocorreu, na situação concreta dos presentes autos, a invocada prescrição.”
O) Segundo prescreve o n.º1 do artigo 306.º do Código Civil “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido…”. Ora, no caso, o direito da CGA, apenas, pode ser exercido a partir do momento em que esta tomou conhecimento da situação.
P) E, como tivemos oportunidade de esclarecer, a CGA, apenas, teve conhecimento da situação quando foi abordada pelo requerente da pensão de sobrevivência por óbito da pensionista, em setembro de 2016, pelo que, só a partir desse ano se iniciou o prazo de prescrição aludido pela A. encontrando-se longe de estar prescrito o direito da CAIXA a ver repostas as quantias em causa.
Q) Sendo certo que, até esse momento não havia ainda decorrido o prazo geral da prescrição previsto no artigo 306 do Código Civil, de 20 anos.
R) Assim, não está prescrito o Direito da recorrente a ver reposta a quantia indevidamente abonada à A., no período que decorreu de janeiro de 2008 a agosto de 2016, no total de €35.071,69, devendo improceder todas as conclusões constantes da decisão proferida no Tribunal “a quo”.

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida na parte agora recorrida, com as legais consequências.»

1.6. O Apelado não contra-alegou.

1.7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público, não emitiu parecer.

1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas enunciadas premissas, a questão que se encontra submetida à apreciação do tribunal ad quem e que importa resolver, passa por saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito por considerar que à obrigação de restituição de quantias indevidamente auferidas a título de pensão pelo cônjuge sobrevivo, suportada pela CGA, se aplica o regime da prescrição de 5 anos previsto no artigo 40.º, n.º1 do Decreto- Lei n.º 155/92, de 28 de julho.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO

3.1. A 1.ª Instância deu como provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
«1. O autor é cabeça-de-casal na herança aberta por óbito de sua mãe, A., da qual foi declarado único herdeiro – cfr. certidão do título de habilitação de herdeiros, celebrado em 17/02/2017 na Conservatória do Registo Civil de (...), junto como documento n.º 1 da petição inicial (PI), a fls. 17 a 19 do processo em suporte físico, a que se referem todas adiante indicadas sem outra referência;
2. A. nasceu em 08/09/1944 e casou com A. em 24/07/1996, casamento que foi dissolvido por óbito do marido em 10/06/1990 – cfr. certidão de assento de nascimento constante de fls. 68 a 70 do processo administrativo apenso (PA);
3. A. foi abonada de pensão de sobrevivência, por óbito de seu marido A., desde 10/06/1990 até 30/08/2016, no montante mensal de €1.220,51 – por acordo das partes;
4. Em 14/01/2013, foi emitida declaração médica, relativa a A., do seguinte teor – cfr. declaração a fls. 24 dos autos:
“Para os efeitos tidos como convenientes declaro que a paciente acima identificada tem doença neurológica degenerativa progressiva caracterizada por rigidez generalizada, de predomínio axial, paresia dos movimentos oculares extrínsecos verticais, bradicinesia global e segmentar, marcha atáxica de base alargada e síndrome cerebeloso estático.
A situação enquadra-se no espectro das atrofias de múltiplos sistemas tendendo para a paralisia supra-nuclear progressiva.
Não tem marcha independente necessitando de apoio de terceira pessoa para as actividades de vida diária. É de esperar agravamento progressivo”;
5. Em 20/02/2014, A. outorgou procuração, na qual declarou constituir seu bastante procurador A., conferindo-lhe poderes para a representar nos actos e negócios aí descritos, bem como, termo de autenticação, na qual se exarou, designadamente, o seguinte – cfr. procuração e termo de autenticação juntos a fls. 28 a 36 dos autos:
“No dia vinte de Fevereiro de 2014 (...) perante mim (...), expressamente autorizada pela Notária (...), compareceu como outorgante A. (...)
Que para fins de autenticação, me apresentou a procuração anexa, declarando estar inteirada do seu conteúdo e que a mesma exprime a sua vontade.
Este termo foi lido e o seu conteúdo explicado ao outorgante na sua presença o qual não assina por declarar não o poder fazer, estando a seu rogo assinado por F. (...)
Rogo que a rogante confirmou neste mesmo acto”;
6. Em 03/03/2014, na sequência de apresentação a Junta Médica, foi emitido atestado médico de incapacidade multiuso, comprovativo de que A. era, à data, portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 95% - cfr. atestado a fls. 26 dos autos;
7. Em 20/08/2014, foi emitida declaração médica, relativa a A., da qual consta, designadamente, o seguinte – cfr. declaração a fls. 25 dos autos:
“(...) se encontra doente padecendo de doença neurológica progressiva caracterizada por rigidez generalizada de predomínio axial, paresia dos movimentos oculares extrínsecos verticais, bradicinesia global e segmentar (...) necessitando de apoio e tratamento domiciliário”;
8. Em 27/03/2017, em resposta a pedido de informação médica, a Unidade Local de Saúde de (...), EPE, transcreveu informação prestada pelo Director de Serviços de Neurologia do seguinte teor – cfr. documento de fls. 57 dos autos:
“O diagnóstico de Paralisia Supranuclear Progressiva está expresso pela primeira vez no processo clínico em consulta datada de 10-02-2010”;
9. A. faleceu em 30/08/2016 – cfr. certidão de assento de óbito constante de fls. 53 a 54 do PA;
10. Em 16/09/2016, A. apresentou à ré requerimento de pensão de sobrevivência e subsídio por morte, relativo a A. – cfr. requerimento de fls. 52 do PA;
11. Em 04/11/2016, os Directores da ré, por delegação de poderes do Conselho Directivo, apuseram o despacho “Concordamos” na informação referente à pensão de sobrevivência atribuída a A. – cfr. informação de fls. 80 e 81 do PA;
12. Em 04/11/2016, a ré emitiu ofício, com a referência EAC241HS.354801/01, dirigido a A., do qual consta, designadamente, o seguinte – cfr. ofício de fls. 86 e 87 do PA:
“Informo V. Exa. de que (...) foi-lhe fixada a pensão mensal de €1.220,61, valor correspondente a 100,00% da pensão de sobrevivência, sendo esta igual a metade da pensão de aposentação/reforma que competia ao utente em destaque em 2016-08-30.”;
13. Por ofício da ré, datado de 07/11/2016, endereçado a A., referindo que, “Em presença do requerimento acima mencionado, e de forma a regularizar a situação da pensão de sobrevivência”, foram solicitadas informações quanto à “data de início da união de facto com a pensionista A.” – cfr. ofício de fls. 88 do PA;
14. Por declaração subscrita em 15/11/2016, em resposta ao ofício indicado no ponto antecedente, A. declarou, designadamente, que “(...) a partir do ano de 2008 até 30 de Agosto de 2016 passou a residir, conviver, dormir, fazer suas refeições receber amigos e ter toda a vida conjugal e familiar com a referida companheira, ou seja numa situação de união de facto” – cfr. declaração de fls. 89 do PA;
15. A. e A. viveram em união de facto entre data não concretamente apurada do ano de 2008 e 30/08/2016 – por acordo das partes e documentos de fls. 62, 74 e 89 do PA;
16. A ré remeteu à “HERANÇA DE A.” ofício, datado de 17/11/2016, com a referência EAC321-261497-01-46139, do qual consta, designadamente, o seguinte – cfr. ofício de fls. 38 e 39 dos autos:
“Assunto: Dívida à Caixa Geral de Aposentações
Face à alteração da sua situação perante a Caixa Geral de Aposentações, informo V. Exa. de que foi-lhe indevidamente pago o montante de €35071,69, a título de pensão de sobrevivência, nos meses de Janeiro de 2008 a Agosto de 2016.
Assim, solicito a V. Exa. se digne regularizar a dívida acima referenciada junto da Caixa Geral de Aposentações, no prazo de 30 dias, contados da data de recepção da presente notificação, por uma das seguintes formas, findo o qual esta Caixa se reserva o direito de accionar os mecanismos legais ao seu dispor (...)
Chama-se a atenção para o facto de, esgotado o referido prazo, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 131/2012, de 25 de Junho, as dívidas à CGA estarem sujeitas à aplicação de juros de mora à taxa consagrada na lei fiscal.”;
17. O ofício indicado no ponto anterior foi recebido por A. no dia 21/11/2016 – por acordo das partes.

Factos não provados.
Não existem factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de Direito.»
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III.B.DE DIREITO
b.1. Da aplicação do prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 40.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho à obrigação de restituição de pensões indevidamente pagas a cônjuge sobrevivo de beneficiário da CGA.

3.2. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo TAF do Porto que julgou parcialmente procedente a presente ação, considerando aplicável à obrigação de restituição das quantias indevidamente pagas a título de pensão à beneficiária A., mãe do autor, o regime da prescrição de cinco anos previsto no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07 e, nessa conformidade, declarou prescrita a obrigação de reposição das quantias indevidamente pagas àquela beneficiária relativa ao período compreendido entre o mês de janeiro de 2008 até ao dia 21 de novembro de 2011, mantendo-se a obrigação de reposição das quantias reclamadas a título de pensão desde a última data até agosto de 2016.
Conforme resulta dos factos provados na sentença, a falecida A., foi casada com A. desde 24/07/1966 até à data da morte deste, em 10/06/1990, e o referido A. era subscritor da ré, pelo que, a partir da sua morte, foi-lhe concedida uma pensão mensal de sobrevivência, no valor de €1.220,51, montante que aquela recebeu até à data da sua morte, em 30/08/2016.
Sucede que, desde meados de 2008, a referida A. estabeleceu uma união de facto com A., o qual, após a morte daquela, requereu à Apelante a atribuição de pensão de sobrevivência, fundada na mencionada união de facto, o que conduziu à decisão da Apelante de solicitar à herança da falecida a restituição da quantia de €35.071,69 por ter ocorrido causa extintiva do direito à pensão de sobrevivência de que aquela era beneficiária.
A sentença recorrida, quanto à prescrição, discorreu do seguinte modo: «preceitua o artigo 40.º que:
“1 - A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2 - O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.
3 - O disposto no n.º 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro.” (aditado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro).
A redação do n.º 3 do preceito transcrito foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 85/2016, de 21 de dezembro, que, com vista à harmonização com o CPA de 2015, passou a prescrever que:
“3 - Os atos administrativos que estejam na origem de procedimentos de reposição de dinheiros públicos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da data da respetiva emissão, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 4 do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.”.
Constitui jurisprudência unânime, sufragada no Acórdão do Pleno do STA, de 05/06/2008, tirado no processo n.º 01212/06, em recurso para uniformização de jurisprudência que: “O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art.º 40.º, n.º 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art.º 141.º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no n.º 3 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art.º 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.”.
Como já vimos, a extinção da qualidade de pensionista opera ope legis, e produz efeitos a partir da data do início da união de facto, no caso concreto, estabelecida entre a beneficiária e A..
Decorre do regime legal exposto que a contagem do prazo de prescrição tem início na data do recebimento das quantias indevidamente pagas – cfr. artigo 40.º, n.º 1, supra transcrito.
Não assiste, com efeito, razão à ré quando pretende situar o início da contagem de tal prazo na data em que teve conhecimento do facto extintivo da qualidade de pensionista, ou seja, da união de facto da beneficiária.
Trata-se de uma norma especial em relação à norma geral do artigo 306.º do CC, que é por ela derrogada, em obediência ao princípio geral de direito, segundo o qual a norma especial derroga a norma geral.
Acresce que a remissão efetuada pelo n.º 2 do mesmo preceito legal se dirige apenas à aplicação das causas gerais de interrupção e suspensão da prescrição e já não do início da contagem do prazo da prescrição.
Tem, assim, plena aplicação ao caso concreto o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, tal como melhor explanado na fundamentação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26/10/2012, emitido no processo n.º 01584/09.3BELSB, com o qual se concorda e, por isso, se transcreve: “Assim, a prescrição prevista no artigo 40.º do DL 155/92, supõe a exigibilidade ou possibilidade de cobrança de crédito preexistente, mas nada terá a ver com a definição dessa exigibilidade. Isto é, o direito à reposição de verbas está em condições de ser exercido sem prévia declaração administrativa ou judicial.
Por sua vez, a revogação prevista no artigo 141.º do CPA insere-se no estrito plano da actividade jurídica da Administração, no âmbito da relação jurídica administrativa, que, vinculada ao interesse público, vai atribuindo, ampliando, retirando e restringindo direitos.
Resulta, pois, que se no presente caso o direito à reposição das quantias em causa estiver em condições de ser exercido, através de mero cancelamento de pagamentos futuros e ordem de reposição de pagamentos passados, sem necessidade de definição jurídica prévia da existência dessa obrigação de repor, à luz da sua validade jurídica, isso significa que os pagamentos indevidos não serão suportados por verdadeiros actos jurídicos constitutivos de direitos, mas antes por meros actos jurídicos de pagamento aos quais é inaplicável a teoria da revogação do acto administrativo.” (sublinhados nossos).
Resulta da factualidade provada que o autor foi notificado da ordem de reposição das quantias indevidamente recebidas a título de pensão de sobrevivência pela beneficiária em 21/11/2016 – cfr. ponto 17 do probatório.
Cumpre, assim, reconhecer a prescrição da obrigação do autor em restituir as quantias indevidamente recebidas pela beneficiária nos meses de janeiro de 2008 até 21/11/2011, ou seja, até cinco anos antes da decisão de reposição.
Em consequência, e com estes fundamentos, declara-se a ilegalidade da decisão que determinou a reposição das quantias recebidas pela beneficiária a título de pensão de sobrevivência tão só no que respeita às prestações referentes aos meses de janeiro de 2008 até 21/11/2011, mantendo-se a referida decisão na ordem jurídica, quanto ao restante, como se determinará no dispositivo da presente decisão.»

A Apelante discorda da decisão assim proferida, essencialmente, por considerar não ser aplicável ao caso em apreço o regime do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07.

Em abono da sua tese, invoca a jurisprudência firmada no Acórdão do TCAS, de 10-07-2015, proferido no processo n.º 07577/14, de acordo com a qual afirma que se deve considerar que o regime do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07 tem aplicação, essencialmente, a funcionários ou agentes da Administração Pública, o que não é o caso da mãe do autor, que apenas adquiriu o direito à pensão de sobrevivência por óbito do seu marido, subscritor da recorrente,.

Mais alega que as quantias em causa foram pagas unicamente no pressuposto de que a situação da falecida se mantinha inalterada, não lhe tendo sido dado conhecimento da vivência em situação análoga à dos cônjuges, o que determinou que lhe fosse indevidamente creditada a referida pensão e os dinheiros públicos que lhe estão inerentes, relativas aos meses de janeiro de 2008 a agosto de 2016.

Entende que, na linha do mencionado aresto do TCAS, à obrigação de reposição em causa se aplica o prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º do Cód. Civil e respetivas causas de suspensão e interrupção, previstas nos artigos 318.º e 323.º do mesmo diploma.

Conclui que de acordo com o disposto no art.º 306.º, n.º 1 do CC o prazo de prescrição, no caso, apenas pode começar a correr a partir do momento em que a Apelante toou conhecimento da situação, o que apenas sucedeu quando foi abordada pelo requerente da pensão de sobrevivência por óbito da pensionista ( mãe do autor), em setembro de 2016, data a partir da qual se tem de iniciar a contagem do prazo de prescrição, não estando, assim, prescrita a obrigação de reposição das quantias em causa, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.

Mas sem razão.
Está em causa saber se à obrigação de reposição do montante indevidamente pago pela CGA a titulo de pensão de sobrevivência referente ao período de janeiro de 2008 a agosto de 2016, a Alcina Maria, se aplica o regime do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07 e, consequentemente o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 40.º, n.º1 desse diploma ou como pretende a Apelante, o prazo de prescrição de 20 anos.

O Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, aprovou o Regime da Administração Financeira do Estado, conhecido como RAFE, lendo-se no seu preâmbulo que o mesmo «finaliza a arquitetura legislativa da reforma orçamental e de contabilidade pública».

Este diploma aprovou um novo regime de administração financeira do Estado, desenvolvendo os princípios estabelecidos na Lei de Bases da Contabilidade Pública (Lei 8/90, de 20 de fevereiro), procedendo à substituição de 31 diplomas da contabilidade pública que vão desde a 3.ª Carta de Lei, de 1908, até à sua publicação.
O regime de reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado, como sucede com as pensões de sobrevivência em apreço, indevidamente abonadas pela CGA, é, assim, tal como decidiu a 1.ª Instância, o que decorre do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho (Regime da Administração Financeira do Estado- RAFE), dado que é este o diploma que estabelece a disciplina da restituição de quantias em favor de organismos do Estado, o que sucede com a Apelante, a qual constitui um instituto público do Estado, que tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e de outras de natureza especial (artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 155/92,

Quanto a esta questão, a jurisprudência maioritária aponta claramente no sentido da aplicação a situações como a versada nestes autos do RAFE, que prevê nos artigos 36.º e seguintes as normas de reposição de dinheiros públicos, designadamente pelos funcionários ou agentes da Administração Pública. Nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º1 do RAFE, a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, e nos termos do seu n.º2, o decurso desse prazo interrompe-se ou suspende-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.

O Decreto-Lei n.°155/92, de 28 de julho, visa, assim, os casos de adiantamentos, abonos ou remunerações processados por erro ou por duplicações imputáveis aos serviços, e cuja reentrada nos cofres do Estado se pretende que seja operada com celeridade, por uma questão de segurança jurídica, e para combater a inércia ou falta de diligência da Administração em recuperar o que é devido Cfr. Acórdão do Pleno da Seção de Contencioso Administrativo do STA de 29.04.1998, proc. 40276, e Acórdão do TCA Norte de 26.10.2012, proc.1584/09.3BELSB;.

Por versar questões muito similares às que se colocam nestes autos, não podemos aqui deixar de invocar e seguir, porque nela nos revemos, a avalizada jurisprudência do STA, que em recente aresto Cfr. Ac. do STA, de 06/06/2018, proc. n.º 01614/15.
se pronunciou nos seguintes termos: ««Ora o Decreto-lei 155/92, enquanto diploma regulador do novo regime de administração financeira do Estado, tem um âmbito de aplicação mais vasto, e integra na sua Secção IV um capitulo relativo à «reposição de dinheiros públicos», nele se referindo «à reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado», e não, expressa e unicamente à reposição de quantias «recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado».

Assim dispõe o artº 36º daquele diploma legal que «
1 - A reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado pode efectivar-se por compensação, por dedução não abatida ou por pagamento através de guia. 2 - As quantias recebidas pelos funcionários ou agentes da Administração Pública que devam reentrar nos cofres do Estado serão compensadas, sempre que possível, no abono seguinte de idêntica natureza. 3 - Quando não for praticável a reposição sob as formas de compensação ou dedução, será o quantitativo das reposições entregue nos cofres do Estado por meio de guia»
No que se refere à obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado (art.º 36.º, n.º 1), o art.º 40.º nº 1 do referido diploma estabelece um prazo de prescrição de cinco anos (n.º 1), prazo que não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, aditado com “natureza interpretativa”, pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (n.º 3).
Com efeito, o art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, na sua redacção original, dispunha:

«Prescrição
1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.»
Esta última disposição, como lei “interpretativa”, integra-se na lei interpretada nos termos do art.º 13.º n.º 1 do Cód. Civil, retroagindo por isso os seus efeitos à data da entrada em vigor da lei interpretada, ou seja, à data da entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 155/92.
A este propósito, sublinhou a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que o sentido normativo deste nº 3, introduzido pela Lei n.º 55-B/2004, era o de que a previsão legal do nº 1 – de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento – não é prejudicada ou de alguma forma condicionada pelo regime de revogação dos actos administrativos inválidos fixado no art. 141º do CPA (neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do Pleno da SCA do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.06.2008, recurso 1212/06 e da 2ª Subsecção de 30.10.2007 – Rec. 86/07).
Tendo-se uniformizado jurisprudência no sentido de que «[o] despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, não viola o artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no n.º 3 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro» - cf. o supracitado Acórdão 1212/06 e bem assim os Acórdãos que se lhe seguiram, de 17.03.2010 [Proc. n.º 0413/09], de 22.11.2011 [Proc. n.º 0547/11], e de 29.10.2015 [Proc. n.º 0183/15].
Assim, a prescrição prevista no artigo 40º do DL 155/92, supõe a exigibilidade ou possibilidade de cobrança de crédito preexistente, mas nada terá a ver com a definição dessa exigibilidade.
Em suma resulta daquele regime legal de prescrição, que estando em condições de ser exercido o direito à reposição de verbas, o mesmo se aplica a qualquer montante de dinheiro público indevidamente recebido que deva reentrar nos cofres do Estado, quer resulte de meros actos jurídicos de pagamento, quer resulte de actos administrativos, definidores de qualquer relação jurídica obrigacional com as pessoas a quem o pagamento indevido foi dirigido, nomeadamente beneficiários de pensões, funcionários ou agentes do Estado.
Importa também referir que tal como a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, o artº 35º do mesmo diploma legal prevê, sobre a epígrafe «restituições», que o direito à restituição de quaisquer receitas que tenham dado entrada nos cofres do Estado sem direito a essa arrecadação prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que deram entrada nos cofres do Estado as quantias a restituir, salvo se for legalmente aplicável outro prazo mais curto. Parece pois claro que no regime de administração financeira do Estado regulado pelo Decreto-lei 155/92 se prevê um prazo de prescrição de cinco anos quer para obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos, quer para o direito de restituição de receitas, o que bem se compreende e a que não será, seguramente, alheia a ponderação de valores como a segurança e a certeza jurídicas.
Daí que se entenda que o prazo prescricional de 5 anos previsto no art°40° n°1 do n.° 155/92, de 28 de julho, que constitui norma especial e derroga a norma geral do art° 300° do Código Civil, será aplicável à reposição em questão nos autos - de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado - pese embora estejamos em presença de actos de processamento de pensões de reforma cujo montante foi percebido por outrem que não era o respectivo destinatário (E se é certo que para estes pagamentos indevidos muito contribuiu a reprovável conduta da recorrente que se aproveitou do erro dos serviços, (o que, só por si não é bastante para preencher o tipo legal de burla tributária - art° 87o do RGIT), também a CGA não estará isenta de responsabilidades por ter negligenciado durante longo período de tempo o controle dos factos extintivos da aposentação.»» (negrito nosso).

Assim, não merece censura a sentença recorrida ao considerar aplicável à situação em apreço o regime do Decreto-lei n.º 155/92, de 28/07, e como prescrita a obrigação de reposição dos montantes auferidos a título de pensão entre o mês de janeiro de 2008 e 21 de novembro de 2011.

Quanto ao momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo de prescrição, que a Apelante CGA pretende situar na data em que teve conhecimento de que a falecida viveu em união de facto, também não lhe assiste razão.

Conforme resulta do que já acima se explanou, diferentemente do que advoga a Apelante, quanto ao dies a quo, a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, não deixando a letra da norma qualquer dúvida no sentido de que a data do recebimento constitui o termo inicial da contagem desse prazo de prescrição.
Nesse sentido, afirma-se em aresto deste TCAN Cfr. Ac. do TCAN, de 26-10-2012, proc. n.º 01584/09.3BELSB; que «a letra da norma do artigo 40º nº1 do DL nº155/92, de 28.07, não deixa qualquer dúvida: a data do recebimento constitui o termo inicial da contagem do prazo de prescrição de cinco anos. É claro que se trata, aqui, de uma norma especial em relação à norma geral do artigo 306º do CC, que é por ela derrogada [lex specialis derogat generali]. E, para além disso, o nº2 desse artigo 40º somente remete para as causas gerais de interrupção e suspensão da prescrição, sendo certo que o artigo 306º do CC trata do início do curso da prescrição, e não de causas de interrupção ou suspensão da mesma.»

Por fim, dir-se-á ainda que a jurisprudência constante do Acórdão do TACS, de 10/07/2015 proferido no processo n.º 07577/14, que a Apelante cita em defesa do entendimento que professa, não merece a nossa adesão, pelas razões que constam do Acórdão do STA, de 06/06/2018, que a infirma completamente, para além de que, na situação em análise, não se provou que as quantias cuja devolução vem reclamada pela CGA tivessem sido auferidas por terceiro e não pela própria beneficiária.

Em face do exposto, pode concluir-se que constitui firme, consistente e reiterado entendimento da jurisprudência que existe sobre o tema, que a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, que devam reentrar nos cofres do Estado, prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento (artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho). Cfr. Ac. do STA, de 06-06-2018, proc. nº 01614/15 ; Acs. do TCAN, de 26-10-2012, proc. n.º 01584/09.3BELSB; de 13-03-2020, proc. n.º 00032/17.BEVIS; Acs. do TCAS, de 22-05-2019, proc. n.º 193/10.9BEALM; de 05-03-2020, proc. n.º 210/15.6BELRA, entre outros.

Em face do exposto, impera concluir pela improcedência dos fundamentos de recurso invocados pela Apelante, mantendo-se a sentença recorrida, nos exatos termos em que decidiu.
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IV-DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em
negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pela Apelante, uma vez que nela decaiu in totum (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*
Porto, 19 de março de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita, em substituição

________________________________
i) Cfr. Acórdão do Pleno da Seção de Contencioso Administrativo do STA de 29.04.1998, proc. 40276, e Acórdão do TCA Norte de 26.10.2012, proc.1584/09.3BELSB;

ii) Cfr. Ac. do STA, de 06/06/2018, proc. n.º 01614/15.

iii) Cfr. Ac. do TCAN, de 26-10-2012, proc. n.º 01584/09.3BELSB;

iv) Cfr. Ac. do STA, de 06-06-2018, proc. nº 01614/15 ; Acs. do TCAN, de 26-10-2012, proc. n.º 01584/09.3BELSB; de 13-03-2020, proc. n.º 00032/17.BEVIS; Acs. do TCAS, de 22-05-2019, proc. n.º 193/10.9BEALM; de 05-03-2020, proc. n.º 210/15.6BELRA, entre outros.