Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01221/10.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/14/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Isabel Costa
Descritores:LICENÇA URBANÍSTICA; VIOLAÇÃO DO RPDM; NULIDADE; LEGALIZAÇÃO
Sumário:I - Em ação tendente à declaração de nulidade de ato administrativo de deferimento de um pedido de licenciamento de uma obra de construção, a sentença que considera verificado o vício gerador da nulidade desse ato (por violação de norma do PDM em vigor à data da prolação do ato), mas que não declara essa nulidade e julga a ação improcedente por considerar que a obra é susceptível de legalização à luz do quadro normativo vigente ao tempo da sentença, viola o disposto nos artigos 133º e 134º do CPA de 1991, o princípio “tempus regit actum”, o artigo 68º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, em conjugação com o artigo 15º, alínea c), do regulamento do PDMP em vigor à data do ato impugnado, e o princípio da separação de poderes ínsito no artigo 111º da CRP. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

O Ministério Público vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Braga que julgou improcedente a ação administrativa especial que intentara contra o Município de (...) na qual peticiona a declaração de nulidade do despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo, de 7 de fevereiro de 2006, que deferiu o pedido de licença administrativa de obras de construção de um edifício de habitação unifamiliar.

Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. O Ministério Público peticionou a declaração de nulidade do despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo do Município de (...), que deferiu o licenciamento de obras de construção de um edifício de habitação unifamiliar, por violação do coeficiente máximo de ocupação do solo previsto no artigo 15º, alínea c), Regulamento do PDM à data em vigor, publicado no DR – 1 série-B, n. 170, de 25 de julho de 1995, por força do disposto no artigo 68º, alínea a), do Decreto-Lei n. 555/99, de 16 de dezembro.
2. Na douta sentença recorrida deu-se como provado que, considerando a área bruta de construção de 205,50m2 e a área total do terreno de 289,00m2, o COS da construção licenciada era de 0.71, estando ultrapassado o COS permitido pelo PDM que é de 0,7. E, consequentemente, concluiu a Mª Juiz a quo que “…o despacho do Vereador ora impugnado, está ferido de nulidade, porque viola o PDM.”
3. Mas, como se impunha, não declarou a nulidade do despacho impugnado e julgou a ação improcedente por entender que “… as alterações à obra realizada pelos contrainteressados podem ser legalizáveis de acordo com o atual Regulamento do PDM de (...)”, nos termos do regulamento do PDM actualmente em vigor em (...) (cfr. deliberação da Assembleia Municipal de 10.01.2007, publicada como aviso n.º 242235/2007, no Diário da República, 2ª Série –n.º 237 – 1012.2007).
4. Ou seja, na douta decisão, apesar de se considerar verificado o vício que afeta o ato impugnado que lhe determinava, como consequência inevitável, a sua nulidade, optou-se por não declarar a nulidade desse ato com o fundamento na possibilidade atual de legalização da obra.
5. Temos, assim, que a decisão recorrida é nula por contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 608º, n.º 1, al. c) do CPC.
6. Trata-se de contradição lógica entre os fundamentos e a decisão pois que aquele fundamento tem de conduzir necessariamente à declaração de nulidade, como resulta do direito, máxime dos artigos 133º, n.º 1 e 134º do CPA.
7. Ao decidir o não decretamento da nulidade, tornando lícito um ato nulo, com fundamento na possibilidade de legalização da obra ao abrigo do PDM revisto em 2007, substituindo-se à Administração com considerações e valorações erradas quanto à determinação da área bruta de acordo com o novo PDM, considerando telheiros, terraços e alpendres como se fossem indistintas realidades físicas.
8. Desta forma, não poderá deixar de se considerar que a douta sentença recorrida violou a norma do artigo 68º, alínea a) do Decreto-Lei n. 555/99, de 16 de dezembro, em conjugação com o artigo 15º, alínea c), regulamento do PDM à data em vigor, publicado no DR – 1º série- B, n. 10, de 25 de julho de 1995.
9. Está pois assente nos autos que o ato impugnado, tendo em conta, apenas, a realidade fáctica existente no momento da sua prática e o quadro normativo então em vigor, é manifestamente nulo por violar o PDM de (...).
10. O não decretamento da nulidade do ato impugnado significa assim uma “juridificação da nulidade” que confere aos contrainteressados uma imediata e definitiva paz jurídica, segurança e estabilidade perante a obra que ilegalmente erigiram.
11. O princípio “tempus regit actum” manda aferir a legalidade do ato administrativo pela situação e facto e de direito existente à data da sua prolação.
12. A validade do ato deve aferir-se por referência à data em que foi praticado e à lei vigente nessa data e não por referência à legislação revogada ou lei futura. Isto por imperativo lógico, face ao princípio da legalidade e de acordo com o disposto no artigo 12º, n.º 1 do Código Civil.
13. Admitindo como possível que o assinalado desvalor possa ser objeto de superação em sede de um eventual novo processo de licenciamento (legalização), existe assim a hipótese daquela construção, apesar de ilegalmente efectuada, poder vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares aplicáveis, tornando-se abstractamente viável, em reexercício do poder administrativo, a sua legalização.
14. Se, em abstracto, a legalização do edifício é susceptível de ocorrer, tal configura uma medida de reposição da legalidade urbanística, nos termos do artigo 106º, n.º 2 do RJUE, da competência da Administração.
15. Sendo declarada judicialmente a nulidade do ato impugnado o Município recorrido fica constituído no dever de verificação da possibilidade de legalização do edificado, com ou sem realização de trabalhos de correção ou de alteração, em conformidade com as regras urbanísticas aplicáveis e de acordo com o quadro legal vigente (o que poderá passar por um convite aos contrainteressados para apresentarem novo pedido de licenciamento para esse fim), proferindo nova decisão em conformidade.
16. O que o tribunal não pode fazer, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, é substituir-se à Administração, tornando lícito um ato nulo com fundamento na possibilidade de legalização da obra ao abrigo do PDM revisto em 2007, e procedendo à legalização do edificado mediante a formulação de juízos técnicos – a nosso ver incorretos – sobre o cálculo da área bruta de construção nos termos das normas aplicáveis do novo PDM para aferir da compatibilização de um edificado ilegal com a nova realidade jurídica.
17. A decisão impugnada procedeu a errada interpretação e aplicação do artigo 134º do CPA, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade do ato impugnado, competindo à Administração, no âmbito do cumprimento do dever de executar a decisão, extrair as consequências da sua eliminação da ordem jurídica.
18. A douta decisão recorrida deveria ter declarado a nulidade do ato impugnado nos termos em que a própria decisão considerou a sua invalidade.
19. Não o fazendo a decisão recorrida violou as normas dos artigos 134º do CPA e 493º, n.º 3 do CPC e, bem assim, as normas que, no entender da própria decisão, inquinam o ato com o vício que o afeta gerador da sua nulidade.
20. Pelo que deve ser revogada e em seu lugar proferida outra onde se declare a nulidade do ato impugnado, nos termos e com os fundamentos em que a sentença o considerou nulo.

Os Recorridos não contra-alegaram.

O Ministério Público junto deste TCA não emitiu parecer.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – Objeto do recurso

As questões suscitadas pela Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consistem em saber se a sentença recorrida padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e de erro de julgamento por violação do princípio da separação de poderes, dos artigos 133º de 134º do CPA de 1991, do princípio “tempus regit actum” e do artigo 68º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, em conjugação com o artigo 15º, alínea c), regulamento do PDM à data em vigor (publicado no DR – 1ª série - B, n.º 10, de 25 de julho de 1995).

III – Fundamentação de Facto

Na sentença foram dados como assentes os seguintes factos:

1. Em 26.06.2001, J.A.P., na qualidade de procurador do contra-interessado J.L.F.V., apresentou na Câmara Municipal de (...) o seguinte requerimento:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 3 e ss. do processo administrativo, doravante PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Em 30.07.2001, foi elaborada uma informação técnica no sentido da não aprovação do projeto de arquitetura, uma vez que, as plantas topográficas eram contraditórias relativamente à escala gráfica expressa; porque não foi atendido o cumprimento do artigo 1360.º do Código Civil e porque o documento de registo da propriedade não era coincidente com a área utilizada para efeitos do cálculo urbanístico. – cfr. fls. 27 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Em 01.08.2001 foi proferido pelo Vereador o seguinte despacho: “Considerando a informação do DSPU em anexo, nos termos do art. 63°, nºl, alínea b) do DL 445/91 de 20/11 alterado pelo DL 250/94 de 15/10, indefiro o pedido de licenciamento. Antes de tornar definitivo este projecto de decisão, deverá o requerente ser notificado para, querendo, pronunciar-se sobre o mesmo nos termos do art. 100° e 101º do C. P. A no prazo de 30 dias. Comunique-se ao requerente a informação do DSPU.. – cfr. fls. 28 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Por ofício n.º 7054 de 03.08.2001 foi o aqui Autor, na pessoa de J.A.P., notificado do despacho referido em 3. e para, querendo, se pronunciar sobre o mesmo no prazo de 30 dias. – cfr. fls. 29 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Em 19.11.2001, J.A.P., na qualidade de procurador do aqui Autor, apresentou na Câmara Municipal de (...) o seguinte requerimento:
“J.A.P., casado, contribuinte fiscal n.º (…), com o Bilhete de Identidade n.º (…), emitido em 29.05.1995 por Viana do Castelo, com validade até 29.01.2006, residente no lugar de (...), freguesia de (...) em (...), na qualidade de procurador de J.L.F.V., proprietário de um projecto de Construção de uma Moradia Unifamiliar a levar a efeito no lugar da (...), freguesia do (...), concelho de (...), tendo sido notificado, vem por este meio apresentar a V. Ex. o projecto de Arquitectura devidamente rectificado, bem como a Certidão da Conservatória do Registo Predial com a área rectificada.
Mais declara que por via de facto de o requerente e procurador se encontrarem ausentes no estrangeiro só à presente data se pude entregar as respectivas rectificações ao projecto, dando assim cumprimento ao V/Oficio 7054.”. – cfr. fls. 35 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6. Em 25.01.2002 foi aprovado o projeto de arquitectura. – cfr. fls. 49 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Por ofício n.º 911 de 05.02.2002 foi o aqui Autor, na pessoa de J.A.P., notificado do despacho referido em 6. – cfr. fls. 50 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. Em 08.04.2002, J.A.P., na qualidade de procurador do aqui Autor, apresentou na Câmara Municipal de (...) os projetos de especialidades. – cfr. fls. 52 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. Em 29.11.2002, por despacho do Vereador, foram aprovados os projetos de especialidades. – cfr. fls. 121 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Em 13.02.2003 foi emitido o Alvará de licença de construção. – cfr. fls. 128 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. Em 17.06.2004, J.L.G.S., apresentou na Câmara Municipal de (...), o seguinte requerimento:
Venho por este meio expor a Vª Exª o seguinte:
- Tenho um vizinho o qual construiu uma casa com uma varanda para o meu terreno, a qual não deveria existir, além de que a distância dessa mesma construção não cumpre a lei;
- A casa está construída em 150m2 de terreno que também não está legal porque a mãe doou-lhe esse terreno e como eu estava no estrangeiro doou-lhe também o meu para ter área para poder construir, conforme fotocópia anexa;
- A obra de momento está parada, mas sei que assim que eu for para França, tudo continua porque querem vedar o terreno ocupando o meu.
- Tenho também 150m2 de terreno e não me deixam construir.
Peço, por tudo isto, a Vª Exª se digne mandar averiguar esta situação, porque estou a ser fortemente penalizado.
Sem mais, subscrevo-me com os melhores cumprimentos.”
– cfr. fls. 131 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. Por ofício n.º 6294, de 30.07.2004, foi enviado pela Câmara Municipal de (...), a J.L.G.S., uma missiva com o seguinte teor:
“Em resposta à exposição apresentada por V.Ex." no passado dia 16 de Junho, sobre a construção da moradia de J.L.F.V., cumpre-me informar o seguinte:
Nesta data foi notificado o proprietário da moradia em causa para proceder ao encerramento da varanda, em conformidade com o projecto aprovado pela Câmara Municipal.
Relativamente à legitimidade do pedido de licenciamento, verificamos que o processo está devidamente instruído com a certidão do registo da conservatória e a autorização de V.Ex.ª, para a construção de um edifício para habitação de J.L.F.V., na qualidade de comproprietário do prédio rústico, inscrito na matriz do (...) sob o art.º 753.º.
Com os melhores cumprimentos.”.
– cfr. fls. 129 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. Em 22.11.2005 o Autor apresentou na Câmara Municipal de (...), o seguinte requerimento:
J.L.F.V., com morada no lugar da (...), código postal 4970-XXX freguesia de (...), concelho de (...), portador do bilhete de identidade n.º (…), emitido em 26/08/2002 pelo serviço de identificação de Viana do Castelo, portador do NIF (…) e na qualidade de proprietário do prédio sito em (...), freguesia de (...), deste concelho, e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 00903/19082003, vem solicitar a V. Ex.a, nos termos do preceituado no DL 555/99 de 16/12, alterado pelo DL 177/2001 de 04/06, se digne aprovar a alteração dos termos e condições da licença, titulada pelo alvará n.º 14/2003, de acordo com o definido nos documentos que se juntam, e consequente aditamento ao alvará.
Finalmente declara corresponder à verdade o requerido, nada tendo omitido.” cfr. fls. 141 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. Nas alterações ao projeto de arquitetura consta a alteração da área bruta de construção (AC) para 205,50 m2. – cfr. fls. 141 e ss. do PA, concretamente fls. 160, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15. Em 07.02.2006 foi aprovada a arquitetura. – cfr. fls. 164 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
16. Por ofício n.º 2055, de 09.02.2006 foi o aqui Autor notificado do despacho referido em 15. – cfr. fls. 165 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. Em 23.05.2006, o aqui Autor, apresentou na Câmara Municipal de (...) os projetos de especialidades. – cfr. fls. 167 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
18. Em 03.07.2006, por despacho do Vereador, foram aprovados os projetos de especialidades. – cfr. fls. 186 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
19. Por ofício n.º 6588 de 18.07.2006 foram os aqui Autores, notificados do despacho referido em 18. – cfr. fls. 187 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
20. Em 10.08.20016, foi emitido o Alvará de aditamento ao Alvará. – cfr. fls. 194 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
21. Em 16.10.2006, o Autor pediu a emissão da autorização da utilização. – cfr. fls. 195 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
22. Em 15.11.2006, foi emitido o Alvará de licença de utilização n.º 140/06. – Cfr. fls. 209 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
23. Em 01.03.2010, foi elaborada pelo Município de (...) a seguinte informação:
“Esclarecimentos solicitado no âmbito da Inspecção Ordinária ao Município – n.º 18/2010 Processo n.º 234/2001 - J.L.F.V.
Em resposta ao pedido de esclarecimentos relativo ao processo de licenciamento de obras acima referido, cumpre-me informar V. Ex.ª o seguinte:
1 - Da medição efectuada pelos Serviços de Planeamento e Ordenamento do território do Município - SPOT, com base na planta topográfica apresentada pelo titular do processo, em suporte digital, aquando da instrução do pedido de alterações a que se refere o requerimento datado de 22 de Novembro de 2005, verifica-se que a área do terreno objecto da pretensão é de 280, 15 m2.
2 - De acordo com a informação técnica datada de 25 de Fevereiro de 2010, sobre o adequabilidade ao PDM em vigor à data da aprovação do projecto, bem como à luz do actual PDM, e considerando a área de 280,15 m2 as alterações ao projecto não cumprem o coeficiente de ocupação do solo, cujo valor máximo de COS admitido é de 0,7 m2, quer no PDM em vigor quer no PDM anterior.
Importa salientar que a aprovação do projecto de alterações teve como base a área de 300 m2 indicada pelo titular do processo, referenciada nas peças desenhadas e escritas, e na certidão do registo da conservatória predial.
3 - Cumpre-me informar que, na sequência da análise efectuada pelos serviços, a distância entre a propriedade contígua e a fossa é de cerca de 2 metros, encontrando-se a parede do poço sumidouro entre 20 a 30 cm do limite do terreno do titular do processo. Mais informo que as peças desenhadas constantes do processo, não identificam qualquer poço ou linhas de água nas proximidades da fossa.
Assim, e uma vez que a legislação aplicável, Decreto-Regulamentar n.º 23/1995, de 23 de Agosto, não estipula limites mínimos de afastamento das fossas e a documentação técnica sobre sistemas prediais de distribuição e drenagem de águas recomenda que o afastamento mínimo a edificação ou limites de propriedade seja de 1,5 metros, vide Mário de Assis Paixão, Águas e Esgotos em Urbanizações e Instalações Prediais, 2.ª Edição Fev.1999, Edições Orion (anexo cópia), o acto relativo ao licenciamento cumpre as disposições legais em matéria de projectos de especialidades de redes prediais de água e esgotos.
4 - Cumpre-me informar que na instrução do processo acima referido não foi exigido projecto de instalação de gás, considerando a deliberação camarária de 25 de Fevereiro de 2002 e o disposto no n.º 2 do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 521/99, de 10 de Dezembro, sendo só exigido nas construções inseridas em áreas urbanizadas ou sujeitas a planos de urbanização dotados de infra-estruturas exteriores de gás.” – cfr. fls. 227/228 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
24. A área do prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 42/120286 e inscrito na matriz sob o n.º 753, correspondente ao terreno onde se encontra edificada a moradia unifamiliar cuja construção foi requerida por J.L.F.V. e L.M.L.P.V., relativa ao processa de obras n.º 234/2001 da Câmara Municipal de (...), tem a área de 289 m2.
25. No projeto de alterações ao alvará 14/03, as áreas de varandas e telheiros (zonas cobertas e abertas ao nível do R/C) são as seguintes:
Ao nível do R/C:
Área de telheiro em frente ao portão da garagem= 10.7 m2
Área do telheiro em frente à sala = 5.5 m2
Ao nível do Andar:
Área de varanda coberta do quarto = 5.5 m2
Área total de telheiros e varanda: 21.7 m2

IV – Fundamentação de Direito

O Ministério Público, ora Recorrente, intentou a presente ação administrativa especial, no TAF de Braga, na qual peticiona a declaração de nulidade do despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo, de 7 de fevereiro de 2006, que deferiu o pedido de licença administrativa de obras de construção de um edifício de habitação unifamiliar.
Para tanto, alegou, em síntese, que tal despacho enferma de nulidade, por violação do Coeficiente Máximo de Ocupação do Solo, previsto no Regulamento do PDM (publicado no DR - 1 série - B, n.º l70, de 25 de julho de 1995), no respetivo artigo 15º, alínea c), por força do disposto no artigo 68º, a) do Decreto-Lei no 555/99, de 16 de dezembro.
Na sentença recorrida, que julgou improcedente ação pode ler-se, designadamente, o seguinte:
“O Ministério Público alega que as alterações ao projeto pedidas pelos Contrainteressados não cumprem o coeficiente de ocupação do solo cujo valor máximo admitido é de 0,7 quer no PDM em vigor quer no PDM antes da revisão aplicável à data do licenciamento. Por tal facto, o despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo proferido no processo de obras n.º 234/2001, em 03.07.2006, pelo qual foi deferida a licença de construção da habitação em causa enferma de nulidade, por violação do Coeficiente máximo de Ocupação do Solo previsto no Regulamento do PDM.
Apreciemos.
O artigo 11.º, n.º 1 do Regulamento do PDM de (...) (Resolução do Conselho de Ministros n.º 72/95, publicada no Diário da República, 1ª Série B, n.º 170, de 25.07.1995), preceitua o seguinte:
Artigo 11.º
Tipologia dos aglomerados
1 - Os espaços integrados nesta categoria subdividem-se na seguinte tipologia:
a) Aglomerado do tipo I, correspondente ao perímetro urbano da sede do concelho;
b) Aglomerados do tipo II, correspondentes aos perímetros urbanos de aglomerados do Souto e da Prova;
c) Aglomerados do tipo III, correspondentes aos perímetros urbanos dos restantes aglomerados.
Por seu turno, os artigos 15.º e 23.º do mesmo Diploma estatuem que:
Artigo 15.º
Indicadores de capacidade edificável
Sem prejuízo do disposto no artigo 13.º, nos espaços urbanos são considerados os seguintes valores máximos edificáveis:
a) Aglomerado do tipo I:
O COS máximo é de 1,8 m2/m2;
A cércea máxima é de quatro pisos sem prejuízo do disposto no artigo 16.º;
b) Aglomerado do tipo II:
O COS máximo é de 1,3 m2/m2 e de 0,6 m2/m2, conforme seja para ocupações predominantemente terciárias ou de habitação, respetivamente;
A cércea máxima é de três pisos;
c) Aglomerados do tipo III:
O COS máximo é de 0,7 m2/m2;
A cércea máxima é de dois pisos.
Artigo 23.º
Impermeabilização
1 - A área total de implantação das edificações previstas, incluindo anexos, não poderá exceder os seguintes valores, em função da área da parcela que para este efeito se designa por A:
a) Se a área da parcela não exceder 500 m2, a sua edificação não poderá exceder 60% da mesma (60% x A);
b) Se a área da parcela exceder 500 m2, a sua edificação não poderá exceder a área decorrente do seguinte cálculo: 300 m2 + 30% x (A - 500 m2).
2 - A área total do solo impermeabilizado pelas construções, anexos, pátios e recintos exteriores pavimentados não poderá exceder 75% da área global.
No anexo do citado Regulamento consta o seguinte:
ANEXO
Definições urbanísticas
1 - Coeficiente de ocupação do solo. - A edificabilidade máxima em lotes, parcelas ou partes de parcelas é determinada pelo respetivo coeficiente de ocupação do solo, nos termos do número seguinte.
O coeficiente superficial de ocupação do solo, adiante designado por COS, é o coeficiente, expresso em metros quadrados por metro quadrado, entre a área bruta total dos pavimentos das construções existentes ou edificáveis numa parte de terreno e a área total do mesmo terreno.
Para o efeito de cálculo do COS, conforme o ponto anterior, as áreas de cave são consideradas excluídas quando destinadas exclusivamente a estacionamento e arrumos de apoio.
2 - COS máximo. - O COS máximo absoluto de qualquer lote, parcela ou conjunto de parcelas é a capacidade máxima de edificação permitida.
O município poderá fixar outros valores máximos de COS inferiores ou superiores aos estabelecidos neste Regulamento, através de planos municipais de ordenamento do território eficazes.
(…)
6 - Área bruta de construção. - Considera-se área bruta de construção a superfície total de edificação, medida pelo perímetro exterior das paredes exteriores, incluindo varandas privativas, locais acessórios e espaços de circulação, não incluindo áreas em cave destinadas exclusivamente a estacionamento.
Feito o enquadramento jurídico necessário para dirimir o presente litígio, vejamos.
Aplicando os normativos transcritos ao caso em apreço temos que, a moradia unifamiliar em causa nos autos é um espaço integrado de tipologia de Aglomerados do tipo III, sendo o COS máximo permitido de 0,7 m2/m2 e a sua edificação não poderá exceder 60% da parcela do terreno.
Do probatório consta que os Contrainteressados apresentaram um projeto de arquitetura e no decurso da sua aprovação os serviços do Réu constataram que as plantas topográficas eram contraditórias relativamente à escala gráfica expressa.
Por tal facto os Contrainteressados apresentaram um projeto de arquitetura retificado, juntando uma descrição da Conservatória do Registo Predial do prédio em causa, na qual consta uma área de 300 m2.
Com essa área, o projeto de arquitetura foi aprovado, assim como os consequentes projetos de especialidades, resultando a emissão do Alvará de licença de construção.
Consta, também, dos factos provados que, em 22.11.2005, os Contrainteressados apresentaram alterações ao projeto de arquitetura, tendo o mesmo sido aprovado, assim como os consequentes projetos de especialidades, resultando a emissão do Alvará de aditamento ao Alvará e posteriormente a emissão do Alvará de licença de utilização n.º 140/06.
No âmbito de uma inspeção ordinária, em resposta ao pedido de esclarecimentos relativo ao processo de licenciamento de obras em causa nos autos foi elaborada uma informação, na qual constava que da medição efetuada pelos Serviços de Planeamento e Ordenamento do território do Município - SPOT, com base na planta topográfica apresentada pelo titular do processo, em suporte digital, aquando da instrução do pedido de alterações, verificou-se que a área do terreno objeto da pretensão é de 280,15 m2, concluindo que se tal corresponder à realidade, as alterações ao projeto não cumprem o coeficiente de ocupação do solo, cujo valor máximo de COS admitido é de 0,7 m2, quer no PDM em vigor quer no PDM anterior. Mais acrescentam que a aprovação do projeto de alterações teve como base a área de 300 m2 indicada pelo titular do processo, referenciada nas peças desenhadas e escritas, e na certidão do registo da conservatória predial (ponto 23.º dos factos provados).
Considerando esta situação, o Ministério Público apresentou a presente ação pedindo a declaração de nulidade do despacho do Vereador que deferiu o pedido de licença de construção.
Vejamos, se lhe assiste razão.
A área do prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 42/120286 e inscrito na matriz sob o n.º 753, correspondente ao terreno onde se encontra edificada a moradia unifamiliar cuja construção foi requerida por J.L.F.V. e L.M.L.P.V., relativa ao processa de obras n.º 234/2001 da Câmara Municipal de (...), tem a área de 289 m2 (factos provados 24.).
A área bruta de construção (AC) que consta do projeto de arquitetura alterado é de 205,50 m2 (ponto 14. do probatório).
Tendo em conta estes dados, apuremos o COS nos termos da seguinte fórmula: área bruta de construção (AC)/área total do terreno = Coeficiente de ocupação do solo (COS).
Nesta conformidade temos o seguinte: 205,50/289 = 0,71.
Nota-se, assim, que está ultrapassado o COS permitido pelo PDM que é de 0,7.
Por tal facto, os Contrainteressados alegam que não se deve contar para a área bruta de construção as varandas e os telheiros.
Acontece que, no Regulamento do PDM em vigor à data dos factos, no ponto 6. do anexo, refere especificamente que considera-se área bruta de construção a superfície total de edificação, medida pelo perímetro exterior das paredes exteriores, incluindo varandas privativas, locais acessórios e espaços de circulação, não incluindo áreas em cave destinadas exclusivamente a estacionamento (nosso sublinhado). Não exclui, também, os telheiros.
Conclui-se, assim, que o despacho do Vereador ora impugnado, está ferido de nulidade, porque viola o PDM.
Vejamos agora, se nos termos do Regulamento do PDM atualmente em vigor em (...) (cf deliberação da Assembleia Municipal de 10.10.2007, publicado como Aviso n.º 24235/2007, no Diário da República, 2.ª série - N.º 237 – 1012.2007), a construção poderá ser legalizável.
Ora, parece-nos que sim.
Nos termos do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) o Coeficiente de ocupação do solo para o espaço urbano onde foi edificada a construção dos Contrainteressados é de 0,7, portanto manteve-se inalterada após a revisão do PDM.
O artigo 6.º do Regulamento do PDM (atual) define área bruta de construção como:
«Valor expresso em metros quadrados resultante do somatório das áreas de todos os pavimentos, acima e debaixo do solo, medidas pelo extradorso das paredes exteriores com exclusão de Sotãos não habitáveis, áreas destinadas a estacionamento… Terraços, varandas e alpendres.» (nosso sublinhado).
E no ponto 25. dos factos provados está assente que a área total de telheiros e varanda da construção em causa nos autos é de 21.7 m2.
Retirando esta área à área bruta de construção acima considerada (205,50 – 21,7 = 183,80), a área bruta de construção passa a ser 183,80 m2.
Voltando a aplicar a fórmula acima identificada temos o seguinte Coeficiente de ocupação do solo (COS): 183,80/289 = 0,63.
Considerando o acima exposto, denota-se que, com o COS de 0,63, sendo inferior a 0,7,não existe qualquer violação ao PDM, atualmente em vigor em (...).
Nesta senda, as alterações à obra realizadas pelos Contrainteressados podem ser legalizáveis de acordo com o atual Regulamento do PDM de (...).
Nos termos dos princípios que norteiam o direito público em causa, devem dar-se todas as oportunidades aos sujeitos passivos de legalizarem as suas obras, sendo que qualquer ato de demolição terá que ser a ultima ratio.
(...)nto, conforme acima adiantado, à data em que o Tribunal está a analisar os factos em causa nos autos, as alterações à obra, podem ser legalizáveis.
Consequentemente, a presente ação terá que improceder.”
Fim da transcrição.

Da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão:
Alega o Recorrente que a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 668º, n.º 1, al. c) do CPC.
Isto porque a decisão recorrida, apesar de ter julgado verificado o vício que afeta o ato impugnado (que determina, como consequência inevitável, a sua nulidade), optou por não declarar a nulidade desse ato com fundamento na possibilidade atual de legalização da obra. Alega que a verificação daquele vício tem de conduzir necessariamente à declaração de nulidade, como resulta do direito, maxime dos artigos 133º, n.º 1, e 134º do CPA.
Como se escreveu no acórdão do STJ, de 30.09.2004, no Proc. n.º 04B2894 “(…) o vício de nulidade a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º e o n.º 1 do artigo 716.º do Código de Processo Civil é o que ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respetivo segmento decisório. Isso significa que os fundamentos de facto e de direito do acórdão devem ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, como corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito, e que tal se não verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta. Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença ou do acórdão, e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou a aplicação deste, que não raro se confunde com aquela contradição (…).
Não se vê que exista contradição lógica entre julgar verificado um vício gerador de nulidade do ato e não declarar essa nulidade.
Assim como tal contradição não existe entre julgar verificado um vício que determina a anulabilidade do ato e não anular o ato.
É certo que os atos nulos não produzem efeitos (cfr. nº 1 do artigo 134º do CPA91) e que a não declaração de nulidade (com o aproveitamento do ato) implica que não se extraia a consequência natural que deriva da nulidade. Mas tal apenas poderá acarretar erro de julgamento, e não contradição lógica.
Se assim fosse a lei não poderia estabelecer (e fá-lo nº 3 do artigo 134º do CPA) a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo. Trata-se de situações em que, embora o acto seja nulo, se permite que gere efeitos.
Assim, a arguida nulidade da sentença recorrida, ligada que está apenas à contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, não se verifica.

Dos erros de julgamento:
Imputa o Ministério Público erro de julgamento à sentença recorrida por violação do princípio da separação de poderes, dos artigos 133º de 134º do CPA de 1991, do princípio “tempus regit actum” e do artigo 68º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, em conjugação com o artigo 15º, alínea c), do regulamento do PDM à data em vigor, publicado no DR – 1ª série - B, n.º 10, de 25 de julho de 1995.
E com razão.
O Ministério Público peticionou a declaração de nulidade do despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo do Município de (...), de 07.02.06, que deferiu o licenciamento de obras de construção de um edifício de habitação unifamiliar, por violação do coeficiente máximo de ocupação do solo previsto no artigo 15º, alínea c), Regulamento do PDM à data em vigor, publicado no DR – 1ª série-B, n.º 170, de 25 de julho de 1995, por força do disposto no artigo 68º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (RJUE).
Dispõe a alínea a) do artigo 68º do RJUE, na redação aplicável, o seguinte:
“São nulas as licenças ou autorizações previstas no presente diploma que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou autorização de loteamento em vigor.”
A sentença recorrida verificou que, considerando a área bruta de construção de 205,50 m2, calculada de acordo com as normas do PDM em vigor à data do ato impugnado (que fixavam como área bruta de construção a superfície total de edificação, medida pelo perímetro exterior das paredes exteriores, incluindo varandas privativas), e a área total do terreno, de 289,00 m2, o COS da construção licenciada era de 0.71. E que, portanto, estava ultrapassado o COS máximo permitido pelo PDM (artigo 15º, alínea c), que é de 0,7. E, consequentemente, que “…o despacho do Vereador ora impugnado, está ferido de nulidade, porque viola o PDM.”
E concluiu bem, porquanto aplicou corretamente as normas regulamentares, vigentes aquando da prolação do ato de deferimento impugnado, à realidade fáctica apurada.
Em consonância, desde logo, com o disposto no artigo 67º do RJUE, na redação aplicável, que dispõe que: “A validade das licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática (…)”.
Este artigo consagra, em matéria urbanística, o princípio do Direito Administrativo, que se apresenta como uma consequência do princípio da legalidade (e também do disposto no n.º 1 do artigo 12º do Código Civil), segundo o qual as condições de validade de um ato administrativo devem ser apreciadas à luz do direito vigente à data em que o ato é praticado. Trata-se do princípio “tempus regit actum” que manda aferir a legalidade do ato administrativo pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação (cfr. entre outros os acórdãos do STA, de 07.02.02, no proc. n.º 48295, de 03.04.03, no proc. n.º 02046/02 e de 06.06.07, no proc. n.º 734/06).
Contudo, apesar de ter concluído que o ato de deferimento impugnado era nulo, por violar o regulamento do PDM de (...), e mais concretamente o coeficiente de ocupação do solo aí estabelecido, a sentença recorrida, em violação do comando ínsito no artigo 134º, n.º 1, do CPA, conjugado com a alínea a) do artigo 68º do RJUE que, como vimos, comina com a sanção da nulidade as licenças ou autorizações que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, não declarou a sua nulidade.
Ao invés, a sentença decidiu cuidar de averiguar se, se nos termos do Regulamento do PDM, que entrou em vigor posteriormente à prática do ato impugnado, (cf deliberação da Assembleia Municipal de 10.10.2007, publicado como Aviso n.º 24235/2007, no Diário da República, 2.ª série - N.º 237 – 1012.2007), a construção poderia ser legalizável.
E tendo-se-lhe afigurado que sim, com base nesse fundamento, e invocando que “Nos termos dos princípios que norteiam o direito público em causa, devem dar-se todas as oportunidades aos sujeitos passivos de legalizarem as suas obras, sendo que qualquer ato de demolição terá que ser a ultima ratio”, não anulou o ato impugnado e julgou a ação improcedente.
Erradamente.
Dispunham, respectivamente, os artigos 133º, n.º 1, 134º e 137º, n.º 1 do CPA de 1991, o seguinte:
“Artigo 133º
(Atos nulos)
1. São nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.”
“Artigo 134º
(Regime da nulidade)
1. O ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
2. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo, ou por qualquer tribunal.
3. O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.”
“Artigo 137º
(Ratificação, reforma e conversão)
1. Não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão os atos nulos ou inexistentes.”
A consequência jurídica da nulidade é a que se encontra prevista no n.º 1 do artigo 134º do CPA, a saber, a não produção de quaisquer efeitos jurídicos.
O ato nulo é juridicamente impotente ab initio para produzir efeitos jurídicos, como resultado direto da sua própria estatuição.
O n.º 3 do artigo 134º do CPA apenas permite a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito, mas a sentença a quo não decidiu ao abrigo desta disposição legal, nem a situação de facto lhe é subsumível.
Por outro lado, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 137º do CPA: “Não são suscetíveis de ratificação, reforma e conversão os atos nulos ou inexistentes”, não sendo também possível, o aproveitamento dos mesmos, figura só admitida, ao tempo, dentro de apertados parâmetros, e apenas em relação aos atos administrativos anuláveis (cfr. acórdão do STA, de 17.01.02, no proc. n.º 46482) e conforme hoje previsto no n.º 4 do artigo 163º do atual CPA 2015.
Ora, a sentença recorrida ao ter julgado a ação improcedente, viabilizou a manutenção do ato impugnado na ordem jurídica “emprestando-lhe” uma licitude decorrente de quadro normativo nele não invocado e não vigente no momento da sua prática.
Estamos perante uma ação administrativa tendente à declaração de nulidade de um ato administrativo de conteúdo positivo (o deferimento de um pedido de licenciamento de obras de construção) na qual, verificando-se o vício gerador de nulidade do ato, nada legitima o juiz a emitir outra pronúncia que não a de declaração de nulidade.
Acresce que a apreciação sobre se a legalização do edifício é suscetível de ocorrer, configura uma medida de reposição da legalidade urbanística, nos termos do artigo 106º, n.º 2 do RJUE, da competência da Administração. A apreciação que a sentença formulou a este respeito cabia, em 1ª linha, à Administração (mediante iniciativa do interessado ou de convite do Município para apresentação de novo pedido de licenciamento ao abrigo do n.º 2 do artigo 106º do RJUE).
A sentença recorrida invadiu, portanto, o poder administrativo
É manifesta a violação pela sentença recorrida do disposto nos artigos 133º e 134º do CPA de 1991, do princípio “tempus regit actum”, do artigo 68º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, em conjugação com o artigo 15º, alínea c), do regulamento do PDM à data em vigor, publicado no DR – 1ª série - B, n.º 10, de 25 de julho de 1995 e do princípio da separação de poderes ínsito no artigo 111º da CRP.
Pelo que deve ser revogada a decisão recorrida e declarada a nulidade do ato impugnado nos termos e com os fundamentos em que a sentença recorrida o considerou nulo.
V – Decisão
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando a ação procedente, declarando nulo o ato impugnado.
Custas pelo Recorrido e pelos contrainteressados (em partes iguais) na 1ª instância.
Sem custas nesta instância.
Registe e D.N.

Porto, 14 de fevereiro de 2020


Isabel Costa
João Beato
Helena Ribeiro