Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01544/15.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/24/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:REQUALIFICAÇÃO - AUDIÇÃO DOS SINDICATOS - REAFETAÇÃO - INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I- O direito de participação das Associações Sindicais a que se reporta a alínea d) do nº.1 do artigo 338º da LTFP não pode ter lugar apenas após a emissão das decisões de aprovação do procedimentos pelos membros do governo e da aprovação dos mapas comparativos, uma vez que isso aniquilaria a finalidade para a qual se encontra prevista a referida formalidade legal, isto é, possibilitar a inversão do sentido da decisão final.

II- O instituto da requalificação previsto no artigo 251º da LFTP depende, em primeiro lugar, do despoletar de um procedimento de racionalização mediante o qual se conclua pelo irrazoabilidade na gestão da estrutura de recursos humanos [desajustamento face às necessidades da entidade pública] e, em segundo lugar, apenas quando, no âmbito desse procedimento, não tenha sido possível proceder à legal reafetação dos trabalhadores excedentários.

III- A fase prévia de reafetação dos trabalhadores excedentários é uma fase obrigatória do procedimento de reafetação, não podendo ser preterida com fundamento na extinção do posto de trabalho do funcionário a requalificar.

IV- A execução da decisão anulatória do acto que determinou a requalificação traduz-se na fixação de uma quantia global que compense o trabalhador pela diferença entre as remunerações que recebeu e as que deveria ter recebido não fosse a prática do acto ilegal, de acordo com a teoria da indemnização.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P
Recorrido 1:M. E OUTROS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P, devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que, em 14.07.2020, julgou “(…) a presente ação administrativa especial totalmente procedente, por provada; e, em consequência: (a) anulando-se o acto impugnado no tocante às Autoras; (b) condeno o Réu a proceder à reintegração das Autoras nos postos de trabalho que ocupavam até 21 de janeiro de 2015, na plenitude dos direitos e deveres daí decorrentes, com o concomitante pagamento de todas as importâncias retributivas e demais abonos tal como se estivessem estado ao serviço efetivo, com os juros que se mostrarem devidos até integral adimplemento (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…)

1. O presente recurso tem como fundamento a errada interpretação do artigo 338.°, n.° 1, alínea d) e a falsa ilação de que o recorrente se limitou a promover um simulacro de audiência de interessados, a incorreta asserção de que era possível aplicar o procedimento prévio de reafetação nos termos dos artigos 251.° e segs. da LTFP e, por último, a forma desacertada como é interpretada a eventual reconstituição da situação que existiria em caso de: provimento do pedido de anulação do ato administrativo que decidiu o processo de requalificação situação que existiria em caso de provimento do pedido de anulação dos atos administrativos que decidiram o processo de requalificação.
2. No que tange à preterição da fase de reafetação, constata-se que toda a atuação do ISS, IP., ao longo do processo de racionalização de efetivos, sempre se pautou pela retidão e legalidade, com o objetivo de adequar as funções efetivamente desempenhadas pelos colaboradores às suas verdadeiras carreiras e categorias e pondo, assim, cobro a situações injustas e abusivas e corrigir erros cometidos no passado, por forma a permitir a: reafetação de alguns trabalhadores em organismos, onde o Estado efetivamente deles necessite.
3. O recorrente elaborou o necessário um estudo de avaliação organizacional, onde se demonstrou ao contrário do consignado na sentença que as necessidades do Recorrente redundavam na necessidade de ocupação dos postos de trabalho existentes no seu mapa de pessoal por trabalhadores integrados na carreira técnica superior e não em carreiras especiais como a de educadora de infância docente.
4. O pessoal afeto à carreira de educadora de infância/docente, como as recorridas, se encontrava manifestamente desajustado às necessidades permanentes e à prossecução dos Objetivos do recorrente.
5. O desajuste foi expressivamente refletido no mapa comparativo entre o número de efetivos existentes e o número de postos de trabalho necessários para assegurar o real exercício das atribuições è competências do Instituto (e isto muito tempo depois do que é alegado como factor exógeno do SCORE e do PRACE, ou do GOPRO, que fizeram meras reengenharias de tarefas e objetivos).
6. O numero de postos de trabalho destinados no mapa de pessoal à carreira de educador de infância/docente era limitado às necessidades dos estabelecimentos.
7. O processo de seleção previsto nos art°s. 251. ° e seguintes, foi aplicado à carreira em causa, mas apenas nos centros distritais em que remanesciam estabelecimentos e em proporção dos lugares a prover no mapa de pessoal do Instituto dá Segurança Social, conforme mapas comparativos do Centro Distrital do Porto, de Braga e de Castelo Branco que compõe o estudo de avaliação organizacional
8. Os trabalhadores que não se enquadravam nos Centros Distritais com estabelecimentos integrados, como as recorridas, foram objeto de colocação na situação de requalificação, dada a extinção total dos postos de trabalho em virtude da cedência dos estabelecimentos integrados a entidades privadas de utilidade pública.
9. Na sequência da sua requalificação as recorridas foram afetas quer ao mapa de pessoal dó recorrido, quer ao mapa de pessoal de outros organismos da Administração Pública.
10. E., I., M., M., M. reiniciaram funções nos serviços do recorrido em 18.01.2020.
11. I., M., M., M., posteriormente celebraram contrato de trabalho em funções publicas na carreira técnica superior em 30.08.2017 (çf. Aviso 13473/2017 Diário da República n.° 218/2017, Série II de 2017-11-13).
12. Tendo sido determinada em sentença proferida em 2020.08.22, no Processo n.° 1146/15.6BEALM, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em situação idêntica à das recorridas I., M., M., M., a inutilidade da lide por se considerar que na sequência da celebração do contrato de trabalho em funções públicas na carreira técnica superior o pedido formulado na p.i. sé encontra satisfeito.
13. L. e M. integraram outros organismos da Administração em 30.09.2015 e 23.07.2016.
14. O processo de racionalização abrangeu todas as unidades desconcentradas e serviços centrais do Recorrido. Em todas havia excedente de trabalhadores afetos à carreira de educador de infância/docente, razão pela qual foi determinada ã sua extinção e aplicação do metido de seleção nos serviços que mantinham estabelecimentos integrados, como o Centro Distrital de Braga.
15. A racionalização operou relativamente à carreira de educador de infância/docente nos mapas de pessoal do Recorrente a nível Nacional, incluindo o Centro Distrital de Braga.
16. Revelando-se manifesta a inaplicabilidade da fase de reafetação in casu.
17. Assim, por via da racionalização de efetivos/requalificação, as recorridas transitaram do mapa de pessoal do ISS, IP., para o mapa da Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas e foçam integradas tanto nos serviços do recorrido, em carreira diversa, como noutros organismos do estado com carência de educadores de infância/docentes.
18. Tendo sido este o princípio que presidiu ao processo de requalificação levado a cabo pelo Recorrente; a eficiente gestão dos recursos humanos do Estado através da reafetação dos seus funcionários onde eles são efetivamente necessários.
19. De resto com a passagem à situação de requalificação não operou a alegada cessação da relação de emprego dos trabalhadores, mas apenas, como a LTFP o caracteriza, ocorreu um processo de modificação de relação jurídica de emprego, processo que foi regulado legalmente e no qual os trabalhadores mantiveram os mesmos direitos e assumem deveres inerentes à situação na qual são colocados.
20. Quanto à suposta violação do direito de participação das associações sindicais e de audiência de interessados, cumpre uma vez mais assinalar que é manifesta a improcedência da argumentação aduzida a este propósito.
21. A realidade é que não foram coartados os direitos de pronúncia dos sindicatos, pois os mesmos tiveram a oportunidade de se pronunciar nos termos em que efetivamente o fizeram, (nomeadamente, no caso das docentes, através do ofício FP-208/2014), e ao fazê-lo ficou demonstrado que compreenderam perfeitamente o teor e os fundamentos constantes da notificação que lhes foi efetuada, o que demonstra igualmente que tiveram tempo suficiente para efetuar uma pronúncia cabal.
22. O artigo 338,°, alínea d) da LTFP não estabelece qualquer prazo mínimo e não o estabelecendo deve entender-se que o prazo concedido deve ser o conveniente face à urgência da situação e o suficiente para compreender é poder responder à Administração Pública.
23. O prazo supletivo dos dez dias que o Tribunal a quo entendeu que deveria ter sido assegurado para a audição dos sindicatos, não tem aplicação ao caso concreto.
24. O processo de requalificação é um processo especial, que segue um regime específico e não o regime geral supletivo dos 10 dias úteis, previsto no artigo 100.° do Código do Procedimento Administrativo, aplicável aos procedimentos gerais e não especiais,
25. O Tribunal a quo fez uma interpretação restritiva da. al. d) do n.° 1 do art.° 338.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP).
26. Cumprindo recordar a propósito a máxima unanimemente aceite na jurisprudência "Ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus" - onde o legislador não restringe não cabe ao intérprete fazê-lo.
27. Relativamente a eventual reintegração e reconstituição jurídico-laboral, á nossa jurisprudência e doutrina têm-se pronunciado, uniformemente, no sentido de que na ausência de serviço efetivamente prestado, a Administração não tem o dever de pagar ao funcionário os correspondentes vencimentos ou diferenças salariais, sendo certo que devem ser salvaguardadas as fases que a lei estabeleceu para os trabalhadores em situação de requalificação;
28. Porquanto o direito à remuneração é um direito sinalagmático (que depende diretamente da prestação efetiva de trabalho, salvaguardadas as situações específicas legalmente assinaladas, como sucede no presente caso e de modo faseado), ex vi na sentença proferida em 2020,08.22, no Processo n.° 1146/15.6BEALM, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
29. Resulta, pois, demonstrado que o ato sindicado não padece de quaisquer ilegalidades ou irregularidades de natureza formal ou substancial e muito menos dos vícios que lhe são apontados na sentença, razão pela qual deve o mesmo manter-se válido e eficaz na ordem jurídica.
30. Neste sentido, já se pronunciou igualmente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (no proc. n° 81/15.2BECTB do TAF de Castelo Branco), em ação em tudo igual à presente.
31. O que nos levará a considerar que, por tudo o quanto foi alegado, a sentença recorrida fez uma interpretação errada da legislação que aplicou, violando-a da forma como a interpretou, pelo que deverá ser revogada. (…)”.
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Notificadas que foram para o efeito, as Recorridas contra-alegaram, tendo defendido a manutenção do decidido quanto à procedência da ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A..
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questão a dirimir consiste em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico [e respetiva motivação] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1. E., I., L., M., M., M. e M., ora Autoras, estão habilitadas com a licenciatura em Educação de Infância, mantendo contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, e encontrando-se integradas na carreira de Educador de Infância [cf. factualidade não controvertida; cf. registos biográficos das Autoras constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
2. Em outubro de 2014, ocorreu uma reunião entre sindicatos e o membro do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, I.P., ora Réu - reunião, na qual, foi feito o enquadramento da situação, tendo os sindicatos tomado conhecimento de que o Réu iria iniciar um processo de racionalização de efetivos [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
3. Em 4 de novembro de 2014, o Réu remeteu, via postal, à Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais um denominado “estudo de avaliação organizacional” assente em orientações provenientes do Governo e por ele unilateralmente definidas, alegadamente “no sentido da promoção de ganhos de eficiência e rentabilização dos recursos humanos na Administração Pública ” e com vista à reafetação e/ou requalificação de 697 trabalhadores - tendo anexado a Informação n. ° 93/CD/2014, de 4 de agosto (estudo de avaliação organizacional dos recursos humanos afetos ao Réu face às necessidades de funcionamento), acompanhada (a) de um mapa de pessoal comparativo, (b) da deliberação do seu Conselho Diretivo de 5 de agosto, (c) do despacho de 28 de setembro do Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, de concordância e aprovação, (d) do despacho de 24 de outubro de 2014 do Secretário de Estado da Administração Pública que aprovou o mapa comparativo [mapa comparativo entre o número de efetivos existentes no serviço e o número de postos de trabalho necessários para assegurar a prossecução e o exercício das atribuições e competências e para a realização dos objetivos do Réu, reconhecendo que o número, carreiras ou áreas de atividade dos trabalhadores que estão afetos ao serviço se encontra desajustado face às suas necessidades permanentes ou à prossecução dos seus objetivos], e (e) da proposta de redução de 697 postos de trabalho (entre os quais, os postos de trabalho das Autoras) [cf. factualidade não controvertida; cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documentos (docs.) n.° 2 (fls. 56) e n.° 3 (fls. 27) juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
4. Com o estudo e documentação referidos em 3), o Réu convidou a mencionada estrutura sindical para que apresentasse pronúncia sobre o seu teor e sobre o procedimento de requalificação, até às 16 horas do dia 07 de novembro de 2014 [cf. factualidade não controvertida; cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documentos (docs.) n.° 2 (fls. 56) e n.° 3 (fls. 27) juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
5. Em 07 de novembro de 2014, a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais apresentou o seu parecer [cf. documento (doc.) n.° 4 (fls. 15) junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
6. Em 11 de novembro de 2014, o Conselho Diretivo do Réu deliberou iniciar um procedimento com vista à colocação, na situação de requalificação, de um vasto conjunto de trabalhadores (onde se incluía a carreira dos educadores de infância) [cf. documento (doc.) n.° 1 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
7. Em 14 de novembro de 2014, o Réu notificou as Autoras da “extinção da carreira de Educador de Infância e a passagem à situação de requalificação, nos termos dos artigos 258° e seguintes da Lei n° 35/2014, de 20 de junho no decurso do processo de racionalização de efetivos do ISS, IP”; concluindo pela “total impossibilidade de colocação noutra área de atuação ”, e que “não h[avia] viabilidade de manter o seu posto de trabalho [cf. documentos (docs.) n.° 5 a n.° 11 (fls. 14) juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
8. As Autoras, inconformadas, manifestaram a sua discordância e juntaram declaração dos serviços com menção de funções efectivamente desempenhadas e antiguidade [cf. documentos (docs.) n.° 12 a n.° 18 (fls. 75) juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
9. Foi afixada, nos locais de trabalho das Autoras, uma “nota informativa” datada de 29 de dezembro de 2014, contendo a lista nominativa dos trabalhadores na situação de requalificação na sequência de extinção de posto de trabalho, e que informava que os trabalhadores que haviam apresentado alegações (como era o caso das Autoras) iriam ser notificados da decisão que recaiu sobre a respectiva pronúncia [cf. documento (doc.) n.° 19 (fls. 6) junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
10. As Autoras integravam a lista referida em 9) [cf. documento (doc.) n.° 19.6 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
11. As Autoras tiveram conhecimento de informação do Departamento de Recursos Humanos do Réu e de despacho do Vogal do Conselho Diretivo desta entidade que, concordando com a anterior proposta, cominou o seguinte: “mantenha-se a deliberação de colocação em situação de requalificação” [cf. documentos (docs.) n.° 20 a n.° 26 (fls. 65) juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
12. Em 21 de janeiro de 2015, foi publicado, na 2a Série, do Diário da República n.° 14, o Aviso n.° 687/2015, que publicitou a Deliberação do Conselho Diretivo do Réu, datada de 29 de dezembro de 2014 - que aprovou a lista nominativa final dos trabalhadores cujo posto de trabalho foi objeto de extinção, nos diversos serviços e unidades do Instituto da Segurança Social, I.P., a passar à situação de requalificação (entre os quais, as Autoras) [cf. documento (doc.) n.° 27 (fls. 3) junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] - acto ora impugnado.
13. A partir de 21 de janeiro de 2015, as Autoras foram colocadas em situação de requalificação [cf. factualidade não controvertida].
14. Em 18 de janeiro de 2016, as Autoras E., I., M., M. e M. foram reintegradas nos serviços do Réu [cf. documentos (docs.) juntos aos autos, em 21-01-2016, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
15. No período compreendido entre 21 de janeiro de 2015 (a) e o acto de rescisão [no caso da Autora L.], (b) e a integração noutro Departamento do Estado [no caso da Autora M.], (c) e até ao reinicio de funções [no caso das restantes Autoras], as Autoras estiveram a auferir 60 % do vencimento que auferiam antes da requalificação [cf. documentos (docs.) juntos aos autos, em 28-01-2019, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
16. Tem-se, aqui, presente o teor de todos os documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) [cf. documentos (docs.) constantes dos autos e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
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Inexistem outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão a proferir. Sendo que a restante matéria foi desconsiderada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, por encerrar opiniões ou conter juízos conclusivos.
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Motivação. A factualidade julgada provada nos presentes autos foi considerada relevante para a decisão da causa, fundando-se a convicção deste Tribunal na análise crítica (i) do teor dos documentos que constam destes autos e do Processo Administrativo-Instrutor (PA), (ii) da posição assumida pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi-pleno, pelo qual, se deram como provados os factos admitidos por acordo e os que resultaram da sua confissão espontânea, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo sido apreciada livremente as provas segundo a prudente convicção do Tribunal acerca de cada facto, não abrangendo tal livre apreciação os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes], e, (iii) da aplicação das regras de distribuição do ónus probandi - tudo conforme referido a propósito de cada ponto da fundamentação de facto (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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As Autoras, aqui Recorridas, em devido tempo, intentaram a presente ação contra o Instituto de Segurança Social, IP., peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser (i) desintegrada juridicamente, por anulabilidade, a deliberação de 29 de dezembro de 2014 do Conselho Diretivo do Réu, que determinou a colocação das Autoras na situação de requalificação, e, bem assim, [por forma a ser] (ii) o Réu condenado na reintegração das Autoras nos postos de trabalho que ocupavam até 21 de janeiro de 2015, na plenitude dos direitos e deveres daí decorrentes, com o concomitante pagamento de todas as importâncias retributivas e demais abonos tal como se estivessem estado ao serviço efetivo, com os juros que se mostrarem devidos até integral adimplemento.
O T.A.F. de Braga, como sabemos, julgou procedente esta ação, tendo “(…) [anulado] o acto impugnado no tocante às Autoras; (b) [e condenado] o Réu a proceder à reintegração das Autoras nos postos de trabalho que ocupavam até 21 de janeiro de 2015, na plenitude dos direitos e deveres daí decorrentes, com o concomitante pagamento de todas as importâncias retributivas e demais abonos tal como se estivessem estado ao serviço efetivo, com os juros que se mostrarem devidos até integral adimplemento (…)”.
Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na fundamentação de direito da sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que, no mais essencial, o juízo de procedência da pretensão deduzida pelas Autoras junto do T.A.F. de Braga escorou-se no entendimento de que (i) não houve lugar a uma verdadeira participação efetiva das associações sindicais no procedimento de requalificação das Autoras levado a cabo pela Administração versado nos autos em toda a sua extensão; (ii) que ocorreu preterição de audiência prévia de interessados; e (iii) ainda que as Autoras não foram sujeitas, como legalmente se impunha, a um processo de reafetação previamente à sua requalificação.
O Recorrente pugna pela revogação do assim considerado e decidido, sustentando, brevitatis causae, por um lado, que (i) não se afigura legítima a interpretação da alínea d) do nº1 do artigo 338º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas assumida pelo Tribunal a quo quando considera incumprido o direito de audição das associações sindicais, e por outro, (ii) que não fazia qualquer sentido constituir, sendo mesmo inútil, o processo de reafetação previamente à requalificação das Autoras, por inexistir o seu posto de trabalho em virtude da sua total extinção.
Derradeiramente, mais sustenta que, no que tange a eventual reintegração e reconstituição jurídico-laboral, não deverá haver lugar á restituição de quaisquer diferenciais remuneratórias das Autoras, face à inexistência de prestação efetiva de trabalho.
Do que se vem de expor assoma evidente que as questões recursivas a dirimir prendem-se com o acerto [ou desacerto] do decidido em 1ª instância em matéria de (i) necessidade de cumprimento do direito de audição das associação sindicais, bem como (ii) da obrigatoriedade de respeito da fase procedimental de reafetação previamente à requalificação das Autoras, e, eventualmente, (iii) das consequências legais daí inerentes, designadamente ao nível do pagamento dos diferenciais remuneratórios emergentes do efeito reconstitutivo da situação das Autoras.
Vejamo-las especificamente.
Assim, e entrando na primeira questão recursiva, dir-se-á que, no plano constitucional, o artigo 56.º, n.º 2, da CRP prevê, entre o mais, que “constituem direitos das associações sindicais: a) participar na elaboração da legislação do trabalho; b) participar na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores; c) pronunciar-se sobre os planos económico-sociais e acompanhar a sua execução; e) participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho”.
Em sua concretização, dispõe o artigo 338.º, n.º 1, alínea d), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [LTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06] que “as associações sindicais referidas no artigo anterior têm, nomeadamente, o direito de: (…) d) participar nos procedimentos relativos aos trabalhadores, no âmbito de processos de reorganização de órgãos ou serviços”, de que é exemplo o procedimento de racionalização de efetivos ora impugnado [artigo 3.º, n.º 5, do DL n.º 200/2006, de 25/10].
Atente-se, por isso, no caso concreto, em ordem a controlar a legalidade do ato impugnado, no que diz respeito ao momento em que foi proporcionado o exercício daquele direito de participação e bem assim quanto à eventual preterição do direito de participação das associações sindicais.
E, desde já, se adianta que não assiste razão ao Recorrente em toda a sua alegação recursiva no domínio em análise.
Na verdade, o procedimento de racionalização de efetivos tem o seu verdadeiro início quando, após a elaboração de relatório fundamentado na sequência de processo de avaliação, seja obtida a aprovação do membro do órgão do governo responsável pela área do Réu – o Ministro da Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social [artigos 7.º, n.º 1 a 3, do DL n.º 200/2006, de 25/10 e artigo 245.º, n.º 2 e 3, da LTFP], bem como do membro do Governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública - o Secretário de Estado da Administração Pública [artigo 255.º, n.º 6, da LTFP].
Isto, porque é, neste momento, que se reconhece o inevitável e oneroso desajustamento dos seus efetivos face àquelas que são as suas necessidades permanentes ou os seus objetivos [artigos 7.º, n.º 1, do DL n.º 200/2006 e 255.º, n.º 6, da LTFP].
Ora, no caso concreto, extrai-se do ponto 3) do probatório coligido nos autos, que isso ocorreu em 28 de setembro de 2014 e 24 de outubro de 2014, através da aprovação do estudo organizacional e dos respetivos mapas comparativos por parte do Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social e do Secretário de Estado da Administração Pública, respetivamente.
Data esta em que as associações sindicais ainda não tinham sido ouvidas, uma vez que só em 4 de outubro de 2014 é que viriam a ser formalmente notificadas para se pronunciar sobre tais elementos e, bem assim, sobre o início do procedimento de requalificação [cfr. ponto 4 do probatório coligido nos autos], evidência que o conhecimento informal deste não consegue obliterar [cfr. ponto 2 do probatório coligido nos autos].
Todavia, isso não se pode conceber.
Na verdade, no caso concreto, era exigível que, após a elaboração dos estudos de avaliação organizacional e respetivos mapas comparativos os mesmos fossem submetidos à apreciação das associações sindicais de modo a que as considerações que sobre eles se aduzissem pudessem ser levadas em conta e discutidas no momento anterior à aprovação pelos membros do Governo competentes dos mapas comparativos com a fixação do número de postos de trabalho necessários e excedentários.
É que, atente-se, é esta a decisão administrativa, de natureza técnico-gestionária, que dita, desde logo, de forma vinculada, a situação jurídico-funcional futura dos trabalhadores que se encontram ao serviço do Réu.
Isto, porque após a elaboração e aprovação dos mapas comparativos, a realidade é inalterável, restringindo-se apenas à identificação nominal dos trabalhadores a reafetar a um órgão ou serviço integrador ou a colocar em situação de requalificação.
Daqui decorre que não se pode aceitar um qualquer entendimento segundo o qual a participação das associações sindicais tem apenas lugar após a aprovação dos mapas comparativos, uma vez que o mesmo aniquila a finalidade para a qual se encontra prevista a referida formalidade legal, isto é, possibilitar a inversão do sentido da decisão final [neste sentido, veja-se Recomendação n.º 5/A/2015, de 17 de julho de 2015, da Provedoria de Justiça, acessível em www.provedor-jus.pt/archive/doc/Q.7604-14.Recomenda-15-07.pdf ].
Assim, não há como não concluir que não foi cumprido, pelo menos de forma efetiva, o seu direito de participação, tal como previsto no artigo 338.º, n.º 1, alínea d), da LTFP.
Assim também o entendeu este Tribunal Central Administrativo Norte, no aresto produzido no processo nº. 1196/15.2BEPRT, datado de 12.08.2018, que versou sobre questão de contornos idênticos, e consultável em www.dgsi.pt.
E o mesmo se diga quanto ao prazo exíguo que lhes fora concedido.
É certo que a lei não estipula expressamente um prazo para o seu exercício.
No entanto, não menos verdade é que, na falta dessa previsão, haverá que atender ao prazo legal supletivo de 10 dias para a prática de atos procedimentais [artigo 71.º, n.º 2, do CPA na versão anterior à introduzida pelo DL n.º 4/2015, de 07 de janeiro].
A este título, o Recorrente sustenta que o [reduzido] prazo fixado para o efeito, deveu-se a uma situação de urgência, entendendo, por isso, que tal constitui fundamento legítimo para a sua fixação.
Todavia, sem prejuízo de não se vislumbrar qual poderia ser a urgência objetiva e justificativa da compressão do prazo de exercício do direito de participação, o certo é que o artigo 71.º, n.º 1, do CPA de 1991 apenas permitia à Administração a fixação de um prazo inferior ao supletivo, quando em causa estivessem a prática de atos por parte dos órgãos administrativos e já não pelos particulares [vide o artigo 86.º do CPA na redação introduzida pelo DL n.º 4/2015, de 07 de janeiro].
Neste sentido, já assim afirmavam RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e PACHECO DE AMORIM: “Admite-se que a lei preveja outros prazos mais curtos ou mais largos do que o prazo-regra, como também que a própria Administração fixe prazos diversos dele, seja oficiosamente ou a pedido dos interessados. Essas exceções só estão, é certo, previstas no n." 1, para o caso dos atos a praticar pelos órgãos administrativos, e já não para os atos dos interessados, no nº. 2. Mas elas valem também para estes: a Administração pode conceder aos interessados, quando a lei não lho proíba, prazos maiores do que os fixados – desde que se precate, é claro, contra desigualdades e parcialidades, ou que não haja aí intuitos dilatórios. Já a fixação de um prazo menor que o legal, para a prática de ato ou realização de formalidade pelo particular, só poderá ter lugar naqueles casos em que tal prazo não foi estabelecido como garantia ou proteção da posição dos interessados (…)” [Código de Procedimento Administrativo Anotado, 2007, pp. 366].
Assim, tendo em conta que o exercício do direito de participação por parte das associações sindicais se trata de um ato procedimental a praticar por um interessado, enquanto exercício de uma formalidade que, na falta de outros elementos, se deve considerar essencial, então não há como não concluir que o prazo mínimo a conceder para o seu exercício seria de 10 [dez] dias [artigo 71.º, n.º 2, do CPA/1991].
Aliás, foi precisamente neste sentido que se decidiu no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo do Norte, de 7 de julho de 2017, proferido no processo n.º 01138/15.5BEPRT, o qual, debruçando-se sobre a mesma factualidade ora em apreciação, concluiu que “ (…) o legislador não quis deixar à Administração o poder de fixar, casuística ou arbitrariamente, um prazo para os administrados ou outros intervenientes exercerem os seus direitos ou faculdades, sob pena de existir o risco de a Administração, na prática, eliminar ou condicionar abusivamente o exercício desses direitos ou faculdades (…)” e, por isso, deve “(…) considerar-se violado o disposto no artigo 101. º nº 1 do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ao caso por o artigo 338.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não prever prazo especial para audição das associações sindicais e aplicando-se, por isso, o prazo supletivo de dez dias (…)”.
Não vinga, portanto, a tese recursiva do Recorrente no particular conspecto em análise.
Idêntica conclusão é atingível no que concerne à segunda questão recursiva eleita nos autos, e que se prende com a obrigatoriedade de respeito da fase procedimental de reafetação previamente à requalificação das Autoras.
Efetivamente, uma vez reconhecido, v.g. por estudo organizacional, o desajustamento entre efetivos existentes em determinado órgão ou serviço e o número de postos de trabalho necessários para assegurar a satisfação das suas necessidades permanentes ou dos seus objetivos, deverá ser elaborado um mapa comparativo nos quais se identificará, em concreto, os postos de trabalho necessários por unidade orgânica, identificando-se a carreira e a área de atividade, nível habilitacional ou área de formação e área geográfica [artigo 251.º, n.º 2 e 4, da LTFP].
Compreende-se, por isso, naturalmente, que a ocorrência de uma eventual vicissitude modificativa do vínculo de emprego público [v.g. reafetação ou requalificação] apenas relevará quando naquele mapa comparativo se conclua que o número de postos de trabalho necessários para assegurar a prossecução e o exercício das atribuições e competências e para a realização de objetivos é inferior ao número de trabalhadores efetivos existentes no órgão ou serviço.
Neste caso, o legislador impõe que se dê início ao procedimento de reafetação dos trabalhadores tidos como “excedentários” em ordem a colocá-los em outros órgãos ou serviços da mesma entidade [cf. Epígrafe da Secção II do Capítulo VIII da LTFP].
Enfim, uma modalidade típica de mobilidade funcional.
Para o efeito, o legislador previu a abertura de uma prévia fase seleção dos trabalhadores a reafetar [artigo 251.º, n.º 8 e 257.º, n.º 1, da LTFP].
Contudo, questiona-se, será esta uma fase obrigatória a cumprir no âmbito do procedimento de reafetação de trabalhadores?
Estamos convictamente em crer que sim.
Neste sentido, já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo do Norte, no aresto de 7 de julho de 2017, tirado no processo n.º 01138/15.5BEPRT, no qual se afirmou, entre o mais, o seguinte: “(…) Com efeito, resulta do teor e do espírito que presidiu à previsão legal do instituto da requalificação que este, hoje eliminado da ordem jurídica portuguesa, constituiu, à data em que foi legislado e que se mantinha em vigor à data do ato impugnado, a última ratio atingível e alcançável apenas quando esgotados os passos procedimentais que necessariamente a antecediam e que visavam, sobretudo, a reafetação de trabalhadores e, só em última instância, a requalificação, como aliás, o princípio da tutela da confiança, bem como o princípio da proporcionalidade o exigiam. Esses princípios encontram-se cristalinamente expressos no acórdão do Tribunal Constitucional nº 474/2013 (…) Assim, o elemento histórico que antecede o quadro legal previsto nos artigos 245º a 257º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas induz no sentido de que com os fundamentos constantes do acórdão do Tribunal Constitucional nº 474/2013, só a interpretação de que a preceder a aplicação do instituto da requalificação se exige um procedimento prévio de reafetação respeita todos os princípios que este instituto convoca, bem como todos os elementos presentes na interpretação das normas legais, letra da lei, histórico, sistemático e teleológico – artigo 9º do Código Civil. Por sua vez, a revogação dos artigos em questão pelo artigo 12º da Lei nº 25/2017, de 20.05, em vigor desde 1 de junho de 2017, que conduziu à eliminação de tal instituto de requalificação, constitui um forte reforço de tal interpretação. Face a todo o exposto, apenas se pode concluir que foi corretamente decidido que a requalificação exigia uma prévia aplicação do procedimento de reafetação (…)” [acessível em www.dgsi.pt].
Entendimento com o qual ora se concorda inteiramente, uma vez que o resulta interpretativo a que aquele aresto chegou se encontra suportado por todos elementos hermenêuticos [literal, sistemático, histórico e, sobretudo, teleológico], sendo, por isso, de seguir tal como o impõe o principio da interpretação e aplicação uniforme do Direito [artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil].
No mais, atente-se que o instituto da requalificação, pela sua gravidade, se tratava de uma vicissitude modificativa do vínculo de emprego público de caráter excecional, cuja aplicação depende, em primeiro lugar, do despoletar de um procedimento de racionalização mediante o qual se conclua pelo irrazoabilidade na gestão da estrutura de recursos humanos [desajustamento face às necessidades da entidade pública] e, em segundo lugar, apenas quando, no âmbito desse procedimento, não tenha sido possível proceder à legal reafetação dos trabalhadores excedentários [artigos 3.º, alínea j), 245.º a 256.º e 257.º, n.º 1, todos da LTFP].
Assim, no caso concreto, impunha-se que o Réu, aqui Recorrente, procedesse à abertura do necessário procedimento de reafetação mediante a aplicação de um dos métodos de seleção previstos para o efeito [artigo 252.º, n.º 1, da LTFP], e não “saltasse logo” diretamente para a colocação das Autoras em situação de requalificação.
Conforme se deixou dito, a fase de seleção é uma fase obrigatória do procedimento de reafetação [artigo 251.º, n.º 8, da LTFP], pelo que, ao preteri-la, o Réu entrou em inadmissível colisão com o procedimento legalmente previsto para operar a pretensa modificação objetiva e subjetiva do vínculo de emprego público que o liga às Autoras.
Irreleva, por isso, o argumento aduzido pelo Réu no sentido de que o facto das Autoras se encontrar integrada numa carreira cujo postos de trabalhos haviam sido extintos, constitui um obstáculo legal à abertura do procedimento de reafetação.
É que, note-se, sem prejuízo da LTFP estabelecer ao longo da tramitação do referido procedimento várias fases tendentes à reafetação dos trabalhadores excedentários [denotando uma intenção preocupada do legislador] – artigos 255.º, n.º 1 e 2 -, o certo é que, mais aí se impõe que, no momento em que antecede a colocação em situação de requalificação, o dirigente responsável desenvolva as diligências que considerar adequadas para a colocação em outro órgão ou serviço dos trabalhadores não reafetados [artigo 255.º, n.º 5, da LTFP].
Em todo o caso, importa não olvidar que, se é certo que a letra da lei é o ponto de partida da tarefa de interpretação jurídica, não menos é que esse mesmo elemento hermenêutico constitui o limite do resultado interpretativo [artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil].
Pelo que, não tendo o legislador previsto qualquer exceção à abertura do procedimento de reafetação, não há como não concluir que, no caso concreto, a colocação em situação de requalificação das Autoras, aqui Recorridas, deveria ter sido precedida da aplicação de um dos métodos de seleção [avaliação de desempenho ou avaliação das competências profissionais] tendente à sua reafetação a outro órgão ou serviço integrador do Réu, tal como, de resto, sucedeu com outros trabalhadores.
Por conseguinte, e em conformidade com o supra exposto, falece a arguição da tese do Recorrente em torno da falta de obrigatoriedade de respeito da fase procedimental de reafetação previamente à requalificação das Autoras.
Resta-nos, pois, a questão de saber se, em face da ilegalidade da atuação procedimental da Administração que se vem de patentear, se impõe [ou não] o pagamento dos diferenciais remuneratórios emergentes do efeito reconstitutivo da situação das Autoras.
A este propósito, ressalte-se o teor da jurisprudência firmada por este Tribunal Central Administrativo Norte promanado no processo nº. 1196/15.2BEPRT, datado de 12.08.2018, porque esclarecedora desta temática:
“(…)
Entende o Recorrente relativamente a este aspeto que a nossa jurisprudência e doutrina se tem pronunciado, uniformemente, no sentido de que, perante a ausência de serviço efetivamente prestado, a Administração não tem o dever de pagar ao funcionário os correspondentes vencimentos ou diferenças salariais.
Em qualquer caso, como resulta do expendido no acórdão deste TCAN nº 00350/15.1BECBR-A, de 09-06-2017, a Recorrida só “não prestou funções porquanto foi colocada numa situação de requalificação não lhe sendo permitido assumir as suas funções, exatamente por se encontrar em situação de requalificação. Tal equivale a dizer que não pode, agora, o executado vir alegar factum proprium para se eximir ao cumprimento da execução.”
Se é verdade que o direito ao recebimento do vencimento é um direito sinalagmático, ou seja, pressupõe a prestação efetiva de trabalho, não é menos verdade que tal só não o foi porque o executado determinou a impossibilidade da exequente prestar funções naquele período, não podendo agora vir invocar tal facto para não proceder ao pagamento dos vencimentos.
Assiste pois razão ao Recorrido quando advoga que o Recorrente está a invocar facto por si criado.”
A Recorrida “(...) só não se encontrou efetivamente em funções porque o ISS assim o não permitiu ...”
Por outro lado, mas no mesmo sentido, refere-se no Acórdão deste TCAN nº 01138/15.5BEPRT, de 07-07-2017, o seguinte:
“Neste mesmo sentido se pronunciou o mais recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.02.2015, no processo nº 05834/10, de 26/02/2015, com os fundamentos os seguintes fundamentos:
“A execução de sentenças de anulação de atos administrativos importa para a Administração o “dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado” (cfr. artigo 173º, n.º 1 do CPTA).
“(...) os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo podem situar-se em três planos:
(a) reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação;
(b) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava;
(c) eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista, 2010, pág. 1117).
O entendimento da jurisprudência do STA vai no mesmo sentido, de modo a que, uma vez anulados os atos da Administração, deverá esta reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal ou se esse ato tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética atual) - cfr. entre outros, o Acórdão do Pleno de 8/05/2003, rec. n.º 40821A.
Cita-se ainda no referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.02.2015, o processo 05834/10:
“É certo que, a jurisprudência do STA (cfr. acórdãos do Pleno de 9/11/99, rec. n.º 28559-A e acórdãos da secção de CA de 29/01/02, rec. n.º 22651A e de 2/07/02, 0347/02) tem afastado a aplicação da chamada "teoria do vencimento" naquelas hipóteses em que, não havendo exercício efetivo de funções, surgem, por tal facto, fundadas dúvidas sobre se o interessado, nesse período de tempo, se dedicou a outras atividades remuneradas.
Entende-se que, nessas circunstâncias, só o critério da teoria da indemnização assegura que, por via ressarcitória, o interessado não venha a auferir uma vantagem patrimonial superior aos danos por ele efetivamente sofridos (compensatio damni cum lucro), o que, a ocorrer, subverteria o princípio da reconstituição da atual situação que hipoteticamente existiria se o ato declarado ilegal não tivesse sido praticado (cfr. acórdão do STA de 3/07/02, rec. n.º 31932A).
Por forma a compensar os prejuízos sofridos, a teoria da indemnização faz equivaler os mesmos à diferença entre aquilo que o funcionário teria auferido se não fosse o seu afastamento e o que efetivamente recebeu durante o mesmo período.”
Em síntese, na situação em análise, a Autora, aqui Recorrida peticionou não só a anulação do ato impugnado, e que o Réu fosse condenado a readmiti-la no seu posto de trabalho, na mesma carreira, com as mesmas funções que tinha à data da sua colocação em situação de requalificação, ficando aquela com mesmo vencimento.
O aludido pedido formulado pela então Autora deve ser visto como um pedido de condenação à prática do ato administrativo legalmente devido, o que determinou a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Com a consagração da figura da condenação à prática do ato administrativo devido pretende-se permitir ao Autor obter a condenação da entidade administrativa à prática do ato que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado (cfr. art.º 66.º n.º 1 do CPTA).
Tal como resulta do n.º 2 do art.º 66.º do CPTA, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resultará da pronúncia condenatória emitida pelo Tribunal ao deferir a pretensão do interessado.
Analisando a pretensão principal e considerando as invalidades declaradas, importa que se reconstruam todos os efeitos da pronúncia anulatória, compreendendo a readmissão da Autora no seu posto de trabalho na mesma carreira e com as mesmas funções e o mesmo vencimento, esclarecendo-se ainda, que em resultado do decidido, deverão ser pagos os montantes do vencimento e respetivos complementos financeiros a que teria direito se estivesse estado ao serviço desde a data da produção de efeitos da sua colocação em situação de requalificação, até à data da produção de efeitos da sua readmissão.
Igualmente deverá este período ser contado para todos os demais efeitos legais, designadamente de antiguidade, como sendo de prestação de serviço efetivo (…)”.
Assim, e atentando no caso recursivo em apreço, assoma evidente que se mostra bem realizado o julgamento efetuado pelo Tribunal no capítulo em apreço.

Concludentemente, improcedem as todas conclusões de recurso em análise.

Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a sentença recorrida.

Assim se decidirá.
* *
IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, e manter a decisão judicial recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 24 de setembro de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Luís Migueis Garcia