Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00402/16.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCEDÊNCIA PARCIAL DA ACÇÃO - TEMPESTIVIDDE DO REQUERIMENTO E SUA APRESENTAÇÃO DENTRO DO PERÍODO DE REFERÊNCIA;
IMPOCEDÊNCIA DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», com residência na Rua ..., ..., ..., ..., apresentou acção administrativa de impugnação de actos administrativos contra o Fundo de Garantia Salarial e contra o Centro Distrital de Lisboa do Instituto da Segurança Social, I. P., ambos com sede na Avenida ..., ..., tendo como objecto a (...) decisão proferida pela Directora da Segurança Social, datada de 09/08/2016 com referência de 12/08/2016, bem como da resposta datada de 02/09/2016, com referência de 07/09/2016, proferida pela Chefe de Equipa «BB» e da Decisão final de Indeferimento, datada de 10/10/2016, com referência de 11/10/2016 proferida pela Directora da Segurança Social Dra. «CC» (...), que lhe indeferiram um pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.
Formulou o seguinte pedido:
(...)
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. provirá, requer a V. Exa.:
A) A anulação e/ ou declaração de nulidade acto de Indeferimento, do despacho datado de 09/08/2016, com a referência nº ...03 de 12/08/2016, com referência ao despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, assinado pela Directora da Segurança Social Dra. «CC», que indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Insolvente [SCom01...] Lda., requerido ao Fundo de Garantia Salarial, uma vez que os créditos requeridos se encontram abrangidos pelo período de referência, isto é, nos seis meses que antecedem a propositura da acção de Insolvência, e atento o vício de falta de poderes dos órgãos e demais vícios aludidos na presente P. I.
B) A Anulação e/ ou declaração de nulidade dos actos administrativos ou declaração de nulidade, do despacho datado de 02/09/2016, com a referência de 233522 de 07/09/2016, que mantém decisão de indeferimento assinado pela Chefe de gabinete, bem como a anulação da decisão final, acto de Indeferimento, datada de 10/10/2016, com a referência ...44 de 11/10/2016, que mantém a decisão de indeferimento do Fundo de Garantia Salarial, assinada pela Directora da Segurança Social, Dra. «CC», atentos os vícios administrativos supra aludidos na presente P. I.
C) A Condenação do Fundo de Garantia Salarial e da Segurança Social, do Centro Distrital de Lisboa, I. P. a deferirem esse pedido ao abrigo do Art. 319º da Lei nº 35/2004, e do Art. 2º nº 4 do Dec. Lei 59/2015, devendo ser condenadas no pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho à Autora no valor de € 2.364,10, acrescido de juros de mora, que na presente data se fixam em € 71,57, o que perfaz de € 2.435,67, acrescido de juros de mora à taxa legal até integral e efectivo pagamento.
D) Condenação do Fundo de Garantia Salarial e da Segurança Social do Centro Distrital de Lisboa, I. P. no pagamento da indemnização, a título de danos não patrimoniais causados à Autora, pela Ré, no montante não inferior a 5.000,00, (cinco mil euros).
(...)
Por decisão proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada improcedente a acção.

Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da Sentença que considerou intempestivo o Requerimento apresentado em 06/02/2016, apresentado dentro do prazo.
2. Vem ainda o recurso do despacho saneador que indeferiu a produção da prova testemunhal requerida pela Autora, bem como da sentença que vem mencionar que o despacho Saneador transitou em julgado o que viola o caso Julgado formal vertido no Despacho datado de 10/07/2018 proferido no Proc. nº 402/16.0BEMDL-A no recurso em separado do Despacho Saneador, no qual o próprio tribunal considerou que “Assim, à luz do que vem dito, há que concluir que o despacho saneador que vem recorrido não constitui um despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova, nos termos e para os efeitos do art. 644.°, n.° 1, al. d), do CPC, não sendo o recurso apresentado admissível antes da prolação da decisão final, nos termos do art. 142.°, n.° 5, do CPTA. “ ,
3. pelo que a Sentença constitui uma ofensa ao Caso Julgado formal do despacho que considerou admissível o recurso do despacho saneador aquando a prolação da decisão final, proferido no Apenso A do recurso jurisdicional em separado, o que viola o Art. 32 n° 7 do CPT e constitui uma ofensa grave ao caso julgado formal previsto no Art. 620° do CPCivil, e padece da Nulidade prevista no Art. 1° do CPTA e art. 615° n° 1 al. d) do CPCivil.
4. Assim, verifica-se que o despacho Saneador além de não apresentar fundamentos para indeferir os requerimentos de prova apresentados pela Autora, constata-se que a não produção da prova requerida e admitida nos presentes autos influirá no exame e na boa decisão da causa, afectará a posição e a pretensão da Autora, pelo que o Despacho é nulo para todos os efeitos legais, pelo que viola os Arts. 1°, 90° n° 3 e 91° n° 1 todos do CPTA e viola os Arts. 413°, 596° e 598° todos do CPCivil, padecendo de nulidade prevista no Art. 615° als. b) e d) do CPCivil, Nulidade que se argui para todos os efeitos legais.
5. Face ao exposto, face à insuficiente fundamentação do despacho saneador recorrido não pode concluir-se pela desnecessidade da prova requerida sobre o Pedido de Indemnização Civil, pelo que se impõe a revogação do despacho recorrido uma vez que existe matéria de facto controvertida, sendo a sua omissão susceptível de influir na decisão da causa, o que acarreta a nulidade de todo o processado nos termos dos n°s 1 e 2 do Art.195° do C.P.Civil, nulidade que se argui para todos os efeitos legais.
6. Assim, o despacho Saneador proferido em 04.04.2018 é também ele ilegal por não cumprir os requisitos legais imperativos prescritos no Art. 90° n° 3 e 91° n°1 ambos do CPTA, , viola o Princípio da Legalidade previsto no Art. 1° do CPTA e viola o Art. 578° do C.P.Civil, O Art. 615° do CPCivil, padecendo do Vício de Falta de fundamentação para indeferir a prova testemunhal apresentada pela Autora/ Recorrente, nulidades que se invocam com as demais consequências legais.
7. Face ao exposto, o despacho Saneador proferido em 04 de Abril de 2018 padece de Nulidades e viola os Arts. 1°, 2°, 90° do CPTA, Arts. 195° n°s 1 e 2, 413°, 596°, 598°, 615° als. b), c) e d), todos do C.P.Civil que ora se invocam com os demais efeitos legais, pelo que deverá o mesmo ser revogado, e em consequência ser e ser substituído por outro que defira a produção da prova requerida sobre o Pedido de Indemnização Civil, atenta a existência de matéria de facto controvertida.
8. O Tribunal a quo faz uma apreciação errónea e padece de erro de julgamento ao considerar extemporâneo o requerimento apresentado ao Fundo de Garantia Salarial dentro do prazo de um ano, quando o mesmo foi apresentado dentro do prazo de um ano a contar da entrada em vigor de 04/05/2015,
9. Pelo que, tendo o Dlei n° 59/2015 entrado em vigor em 04 de Maio de 2015, têm os trabalhadores o prazo de um ano até 04 de Maio de 2016 para apresentarem no Fundo de Garantia Salarial o Requerimento para pagamento dos créditos laborais
10. No caso subjudice a Recorrente apresentou o Requerimento para pagamento dos seus créditos em 18 de Fevereiro de 2016 ou seja dentro do prazo de um ano a contar da entrada em vigor do diploma n° 59/2015,
11. Acresce ainda que, à data da entrada em vigor do referido Decreto Lei em 04/05/2015, nessa já se encontrava proposta a acção de Insolvência pela que a Recorrente apresentou o Requerimento em 18/02/2016 e após a Declaração de Insolvência da Entidade empregadora, verifica-se que o Requerimento para o Fundo Garantia Salarial foi apresentado tempestivamente, razões pelas quais deve a sentença recorrida ser revogada e em consequência ser proferida decisão de deferimento do requerimento apresentado pela Autora/Recorrente.
12. O tribunal efectua uma interpretação errónea do art. 2° n° 8 do Dlei n° 59/2015 ao considerar que a Recorrente mesmo antes da entrada em vigor deste diploma só tinha o prazo de um ano para aceder ao FGSlarial, quando na verdade a Recorrente apresentou o requerimento dentro do prazo, e que inexistem causas de interrupção, pelo que deve a mesma ser revogada, uma vez que viola dos Arts. 1°, 13°, 53°, da CRP.
13. Atento o prazo estabelecido no Art. 2 n° 8 traduz-se num prazo inovador, que há-de coincidir com a data do início de vigência do diploma Dlei 59/2015, sob pena de findar antes da sua própria previsão legal, o que se mostra em violação do estado de Direito.
14. A Autora cumpriu as formalidades legais exigíveis quer com a propositura da acção laboral destinada a reconhecer o seu crédito, e cuja decisão laboral reconheceu e condenou a entidade Empregadora no pagamento dos créditos laborais à Autora.
15. De igual modo, com a propositura da acção de insolvência e com a reclamação de créditos em prazo legal e com o requerimento no prazo legal para aceder ao Fundo de Garantia Salarial, ficou suspenso o prazo atento o Art. 2° n° 9 do Dlei 59/2015 de 05/04,
16. e após a entrada da acção de Insolvência, e atenta a Comunicação do Tribunal de Comércio de Lisboa ao Fundo de Garantia Salarial, os prazos ficaram suspensos até ser decretada a Insolvência.
17. Segundo a Jurisprudência seguida no STJ considera que “Tendo a nova lei introduzido um prazo diferente do anteriormente estabelecido, não pode considerar-se intempestiva, à luz do artigo 297° do C.Civil, a reclamação de créditos apresentada junto do FGS claramente dentro do prazo de um ano a contar a partir da entrada da lei nova.”, Cfr. Ac. STJ de 03/10/2019.
18. O art. 297° do C.Civil dispõe que o prazo inovador surgido na “lex nova” apenas se conta desde a entrada em vigor dela, o que se verifica in casu.
19. Assim, tendo em conta o art. 3° do CIRE, o Requerimento apresentado pela Recorrente em 18/02/2016 fica sujeita ao regime constante do Dlei 59/2015, pelo que o mesmo tem que ser analisado de forma correcta, o que não fez o tribunal a quo, pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida e que seja proferida decisão de deferimento do requerimento apresentado ao fundo de Garantia Salarial.
20. A sentença recorrida faz uma interpretação inconstitucional ao não considerar relevante como causa de suspensão e interrupção do prazo a par da prevista propositura da acção de insolvência, nem a interrupção pela propositura da competente acção laboral contra a Entidade patronal.
21. Assim, a sentença recorrida ao considerar extemporâneo o requerimento apresentado ao FGSalarial viola o Art. 2° n° 8 do Dlei 59/2015, viola o Estado de direito, uma vez que padece de erro de interpretação dos pressupostos de facto e de Direito do exercício do direito social reconhecido a todos os trabalhadores sobre o requerimento apresentado ao Fundo de Garantia Salarial e afronta as decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional.
22. O tribunal a quo fez uma interpretação ilegal do Art. 2° n° 8 do Dlei 59/2015 de 21/04 afrontando a Tutela Jurisdicional Efectiva que a lei visa regular as situações jurídicas, não fazendo a compatibilidade necessária que o direito interno tem que manifestar com a norma primária da legislação da Constituição da República Portuguesa, alterando o regime jurídico em causa e coartando o direito da Autora/Recorrente de aceder à finalidade e funcionamento do Fundo de Garantia Salarial, pelo que se impõe a revogação da sentença, bem como a declaração de nulidade do acto impugnado e seja Deferido o Pedido de pagamento ao Fundo de Garantia Salarial por ter sido apresentado tempestivamente.
23. Segundo o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma do art. 8° n° 2 do Dlei 59/2015 de 21/04, na interpretação segundo o qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais é de Caducidade insusceptível de interrupção ou suspensão, Cfr. Ac. Tconstitucional Nº 328/2018, publicado no DR 2ª Série, nº 218 de 13/11/2018
24. A aplicação do art. 8° n° 2 do Dlei 59/2015 de 21/04 a situações ocorridas antes da sua entrada em vigor, levanta a a questão da natureza do prazo entre prescrição ou caducidade.
25. Assim, está-se no domínio da aplicação da lei no tempo, pois que o Dlei 59/2015 de 21/04 veio mencionar um prazo para apresentação do Requerimento perante o Fundo de Garantia Salarial, prazo que anteriormente não existia.
26. Nessa circunstância interrompida a prescrição, qualquer trabalhador poderia na vigência da lei antiga do Fundo de Garantia Salarial apresentar o seu requerimento sem qualquer prazo.
27. Com a entrada da nova lei, Dlei 59/2015, mesmo que interrompida a prescrição, o Requerimento tem de ser apresentado no prazo de um ano contado a partir da cessação do contrato de trabalho, tendo que se recorrer aos Princípios interpretativos previstos no Art. 12° e 297° do C.Civil.
28. Pelo que, o prazo de um ano criado pelo novo Dlei n° 59/2015, só começa a contar após a entrada em vigor desse diploma,
29. Pelo que, antes da entrada em vigor do DL n.° 59/2015, a Recorrente não poderia ter acionado o Fundo de Garantia Salarial uma vez que a sentença de declaração de insolvência da Entidade Empregadora (requisito exigido pelo então art.° 318.°, n.° 1 da Lei 35/2004) só veio a ser proferida em 2016, ou seja, após a entrada em vigor do DL n.° 59/2015 em 04 Maio de 2015.
30. Assim, como também a reclamação de créditos do Recorrido só viria a ter lugar após essa mesma declaração de insolvência e, portanto, igualmente após a entrada em vigor do DL n.° 59/2015
31. Sempre se dirá que, segundo a Jurisprudência “No caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por sentença aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil. “, Cfr. Ac. Do Tribunal Central Administrativo do Norte de 25/03/2022, disponível in www.dgsi.pt;
32. Por outro lado, atendendo a que nos termos da Lei antiga (Lei n.° 35/2004), o Recorrido poderia requerer o pagamento dos créditos ao Fundo de Garantia Salarial até 3 (três) meses antes da respetiva prescrição (prescrição de 20 anos) (cfr. art.° 319.°, n.° 3 da Lei n.° 35/2004), resulta que a Lei nova (DL n.° 59/2015) vem estabelecer um prazo mais curto (prazo de 1 (um) ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - cfr. art.° 2, n.° 8 do DL n.° 59/2015).
33. Logo, conforme dispõe o art.° 297.°, n.° 1 do CC, vindo a Lei nova estabelecer um prazo mais curto, é o mesmo aplicável aos prazos em curso, mas só se começando a contar o mesmo a partir da entrada em vigor da Lei nova (Maio 2015), pelo que a apresentação do requerimento do Recorrido em 18/02/2016 mostra-se tempestiva.
34. A sentença recorrida ao considerar intempestivo o requerimento apresentado em 18/02/2016, quando na verdade a Recorrente apresentou o Requerimento ao FGSalarial dentro do prazo de um ano a contar de 04/05/2015, ou seja, da data da entrada em vigor do Decreto Lei 59/2015, discriminaa Recorrente/trabalhadora, ofende e viola o Princípio da Confiança e viola de forma grave os seus Direitos Constitucionais previstos nos Arts. 2°, 13°, 53°,58°, 59° e 63° da CRP.
35. A interpretação constante da sentença de que a Recorrente apenas tinha um ano para apresentar o Requerimento ao FGSalarial quando nem estava em vigor o Dlei 59/2015 e mesmo tendo a Recorrente apresentado o Requerimento ao FGSalarial dentro do prazo de um ano após a entrada em vigor do Dlei 59/2015, art. 2° n° 8 do Dlei 59/2015 e viola os Princípios Constitucionais da Confiança, da Protecção Salarial da Trabalhadora, da Igualdade e viola de forma grave os Arts. 2°, 13°, 53°,58°, 59° e 63° da CRP.
36. A interpretação efectuada pelo tribunal a quo viola o Direito da UE, porque coloca a Trabalhadora numa situação de desprotecção total.
37. Da análise da sentença verifica-se que não apreciou das questões da falta de delegação de competências, da preterição de audiência de interessados e falta de fundamentação da decisão de indeferimento do requerimento apresentados, dos danos alegados e responsabilidade Civil da Ré, pelo que padece de Nulidade por omissão de pronúncia prevista no Art. 615° n° 1 al. d) do CPCivil, Nulidade que se arguiu para todos os efeitos legais.
38. Em suma, o tribunal a quo fez uma interpretação ilegal do Art. 2° n° 8 do Dlei 59/2015 de 21/04 afrontando a Tutela Jurisdicional Efectiva que a lei visa regular as situações jurídicas, não fazendo a compatibilidade necessária que o direito interno tem que manifestar com a norma primária da legislação da Constituição da República Portuguesa, alterando o regime jurídico em causa e coartando o direito da Autora/Recorrente de aceder à finalidade e funcionamento do Fundo de Garantia Salarial, pelo que se impõe a revogação da sentença, bem como a declaração de nulidade do acto impugnado e seja Deferido o Pedido de pagamento ao Fundo de Garantia Salarial por ter sido apresentado tempestivamente.
39. O tribunal a quo afronta as decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional a norma do art. 8° n° 2 do Dlei 59/2015 de 21/04, na interpretação segundo o qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais é de Caducidade insusceptível de interrupção ou suspensão, Cfr. Ac. Tconstitucional Nº 328/2018, publicado no DR 2ª Série, nº 218 de 13/11/2018
40. A sentença recorrida ao considerar extemporâneo tempestivo o requerimento apresentado em 06/02/2016, quando na verdade a Recorrente apresentou o Requerimento ao FGSalarial dentro do prazo de um ano a contar de 04/05/2015, ou seja, da data da entrada em vigor do Decreto Lei 59/2015, discrimina a Recorrente/trabalhadora, ofende e violou os Arts. 318° n° 4 e 319 n° do D.Lei 319/2004 de 29 de Julho , bem como o Art. 2 ° n° 1 , 4, 8 e 9 do DLei 59/2015 de 21 de Abril, e violou o Principio da Confiança e viola de forma grave os Arts. 2°, 3° n° 3, 20°, 53°, 58°,59°, 63°, 268 n° 3 todos da Constituição da República Portuguesa, Inconstitucionalidades que se invocam com todas as consequências legais.
Nestes termos e melhores de Direito deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, bem como a acção ser julgada procedente por provada, e em consequência, anular o acto impugnado com todas as consequências legais.

Não foram juntas contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. A 12.10.2011, «AA» iniciou funções na sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª, ao abrigo de contrato de trabalho celebrado entre ambas - facto não controvertido (cf. o artigo 1.º da petição inicial, não impugnado, e fls. 4 e seguintes do PA, que dou aqui por integralmente reproduzidas);
2. A 05.12.2012, «AA» resolveu o contrato de trabalho que a ligava à sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª, por falta de pagamento das retribuições relativas aos meses de Outubro e de Novembro de 2012, dos respectivos subsídios de alimentação e do subsídio de férias de 2012 e por prejuízo sério decorrente de violação de garantias legais - facto não controvertido (cf. o artigo 3.º da petição inicial, não impugnado, e fls. 4 e seguintes do PA, que dou aqui por integralmente reproduzidas);
3. Em vista da instrução do requerimento de prestações de desemprego, a sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª, não emitiu, a favor de «AA», a designada Declaração de Situação de Desemprego, Modelo RP 5044, no prazo legal de que dispunha para o efeito, apenas o tendo feito depois de interpelada pela Autoridade para as Condições de Trabalho, mas invocando denúncia ou demissão do contrato de trabalho por parte de «AA» - cf. fls. 4 e seguintes do PA, que dou aqui por integralmente reproduzidas;
4. A 08.02.2013, no Tribunal de Trabalho de Bragança, «AA» apresentou acção declarativa com processo comum contra a sociedade comercial [SCom01...], ld.ª, acção que foi autuada sob o Processo n.º 51/13.5TTBGC - facto não controvertido (cf. o artigo 3.º da petição inicial, não impugnado, e, também, o Doc. ... junto à petição inicial);
5. A 19.06.2013, no âmbito do Processo n.º 51/13.5TTBGC, a correr termos no Tribunal de Trabalho de Bragança, foi proferida sentença, da qual resulta, entre o mais, o seguinte:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- cf. fls. 4 e seguintes do PA, que dou aqui por integralmente reproduzidas;
6. A 31.01.2014, junto do Tribunal do Comércio de Lisboa, «AA» requereu a declaração judicial de insolvência da sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª, acção que foi autuada sob o Processo n.º 166/14.... - cf. de fls. 15 a fls. 20 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzidas;
7. A 19.01.2016, no âmbito do Processo n.º 166/14...., foi proferida sentença, declarando a insolvência da sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª - cf. de fls. 21 a fls. 26 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzidas;
8. A 22.02.2016, o Administrador de Insolvência da [SCom01...], Ld.ª, emitiu, por escrito, uma designada DECLARAÇÃO, da qual exaro, entre o mais, o seguinte:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- cf. fls. 3 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzida;
9. A 25.02.2016, «AA» deu entrada, no Centro Distrital de Bragança do ISS, IP, entre o mais, a um designado GS1-DGSS - Requerimento pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho - Fundo de garantia salarial - cf. fls. 27 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzida;
10. A 21.04.2016, o Centro Distrital de Bragança do ISS, IP, remeteu o requerimento a que se refere a alínea anterior para o respectivo Centro Distrital ..., onde o mesmo foi recebido a 27.04.2016 - cf. fls. 228 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzida;
11. A 28.04.2016, «AA» deu entrada, no FGS, a um designado REQUERIMENTO de PAGAMENTO DE CRÉDITOS EMERGENTES DO CONTRATO DE TRABALHO, assinado pelo Administrador de Insolvência a 22.02.2016 - cf. fls. 1 do PA, que se dá aqui por integralmente reproduzida;
12. Por ofício de 29.04.2016, o FGS notificou «AA» nos termos que parcialmente transcrevo:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- cf. fls. 29 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzida;
13. A 18.07.2016, no Núcleo FGS e no âmbito do pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho formulado por «AA», foi elaborada INFORMAÇÃO, da qual resulta o seguinte:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- cf. fls. 34 e 35 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzidas;
14. Na mesma data (18.07.2016), a Coordenadora do Núcleo FGS, «DD», emitiu PARECER sobre a INFORMAÇÃO a que se refere a alínea anterior, o que fez nos seguintes termos:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- cf. fls. 34 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzida;
15. A 19.07.2016, o Presidente do Conselho de Gestão do FGS, «EE», proferiu despacho sobre o PARECER e a INFORMAÇÃO a que se referem as duas alíneas anteriores, o que fez nos seguintes termos:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- cf. fls. 33 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzida;
16. A 27.07.2016, através de ofício de 19.07.2016, com a referência ...63, de 22.07.2016, assinado pela Diretora Adjunta de Segurança Social, «FF», o FGS notificou «AA» nos termos que parcialmente se transcrevem:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- facto não controvertido quanto à data da notificação (cf. o artigo 22.º da petição petição inicial) e, no mais, cf. o Doc. ... junto à petição inicial e fls. 37 e 38 do PA, documentos que dou aqui por integralmente reproduzidos;
17. A 10.08.2016, por referência ao projecto de indeferimento do pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, «AA» exerceu, por escrito, o seu direito de audiência prévia - cf. o Doc. ...0 junto à petição inicial (em especial o aviso de recepção, que contém a data do registo), que dou aqui por integralmente reproduzido;
18. A 11.08.2016, a audiência prévia escrita de «AA» foi recebida no Centro Distrital de Lisboa do ISS, IP - cf. o Doc. ...0 junto à petição inicial (em especial o aviso de recepção) e fls. 41 do PA, documentos que dou aqui por integralmente reproduzidos;
19. A 16.08.2016, a audiência prévia escrita de «AA» foi recebida no FGS - cf. fls. 41 do PA que dou aqui por integralmente reproduzida;
20. A 17.08.2016, através de ofício de 09.08.2016, com a referência ...03, de 12.08.2016, e assinado pela Diretora Adjunta de Segurança Social, «FF», o FGS notificou «AA» nos termos que parcialmente se transcrevem:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- facto não controvertido quanto à data da notificação (cf. o artigo 24.º da petição inicial) e, no mais, cf. o Doc. ...1 junto à petição inicial e fls. 39 e 40 do PA, documentos que dou aqui por integralmente reproduzidos;
21. A 07.09.2016, «AA» apresentou reclamação da decisão de indeferimento do pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho - cf. o doc. ...2 junto à petição inicial (em especial o aviso de recepção, que contém a data do registo), que dou aqui por integralmente reproduzido;
22. Por carta de 13.09.2016 e no âmbito da reclamação da decisão de indeferimento do pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, «AA» remeteu, para a Directora do Centro Distrital de Lisboa do ISS, IP, dois documentos que, na petição da reclamação, protestou juntar - cf. o Doc. ...3 junto à petição inicial e de fls. 97 a fls. 90 do PA, documentos que dou aqui por integralmente reproduzidos;
23. A 15.09.2016, através de ofício de 02.09.2016, com a referência ...22, de 07.09.2016, e assinado pela Chefe de Equipa «BB», o FGS notificou «AA» nos termos que parcialmente se transcrevem:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- facto não controvertido quanto à data da notificação (cf. o artigo 35.º da petição inicial) e, no mais, cf. o Doc. ...4 junto à petição inicial e fls. 64 do PA, documentos que dou aqui por integralmente reproduzidos;
24. A 16.09.2016, a carta descrita na alínea 22. foi recebida no Centro Distrital de Lisboa do ISS, IP - cf. fls. 87 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzida;
25. A 19.09.2016, a carta descrita na alínea 22. foi recebida pelo FGS - cf. fls. 87 do PA, que dou aqui por integralmente reproduzida;
26. Através de ofício de 22.09.2016, com a referência ...50, de 26.09.2016, e assinado pela Directora de Segurança Social, «CC», o FGS notificou «AA» nos termos que parcialmente se transcrevem:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- cf. fls. 86 do PA que dou aqui por integralmente reproduzida;
27. Através de ofício de 10.10.2016, com a referência ...44, de 11.10.2016, e assinado pela Directora de Segurança Social, «CC», o FGS notificou «AA» nos termos que parcialmente se transcrevem:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
- cf. o Doc. ...5 junto à petição inicial e fls. 91 do PA, documentos que dou aqui por integralmente reproduzidos.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Do recurso do despacho saneador que indeferiu a produção da prova testemunhal requerida pela Autora -
Do recurso da sentença que considerou intempestivo o requerimento apresentado ao FGS -
Vejamos,
Do recurso do despacho saneador -
Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
E a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.

É a violação do dever de não conhecer questões não suscitadas pelas partes, em razão do princípio do dispositivo alicerçado na liberdade e autonomia das partes, que torna nula a sentença, por excesso de pronúncia.

Na jurisprudência, sobre esta temática, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2006, proc. 00676/00 - Porto, de 23/04/2009, proc. 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, proc. 01885/10.8BEPRT, dos quais retiramos as seguintes coordenadas:

Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhece em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

A delimitação do âmbito sancionatório da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC exige que se distinga entre questões e fundamentos, dado que, se a lei sanciona com a nulidade o conhecimento de nova questão (porque não suscitada nem de conhecimento oficioso), ou a omissão de conhecimento de questão suscitada (ou de conhecimento oficioso), já não proíbe que o julgador decida o mérito da causa, ou questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em fundamentos jurídicos novos;

Questões, para esse efeito sancionatório, repete-se, serão todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requeiram a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre elas.

Efectivamente, como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.

Assim, somente haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, de que não pudesse conhecer, exceto se forem de conhecimento oficioso.

Retomando o caso posto não se vislumbram quaisquer nulidades na decisão em apreço.
De resto a fundamentação adoptada é suficientemente esclarecedora e congruente com a solução tomada: Indefiro a produção de prova testemunhal requerida pela Autora, por tal diligência de prova se afigurar desnecessária, na medida em que os autos e o p.a. dispõem de todos os elementos necessários à boa decisão da causa, não subsistindo quaisquer factos alegados controvertidos que justifiquem tal produção de prova, a qual por conseguinte consubstanciaria uma diligência meramente dilatória, nos termos do art. 90.º, n.º 3, do CPTA.
Ademais, como consignado: Da decisão proferida em sede de despacho saneador, que indeferiu a produção de prova testemunhal, a Autora interpôs recurso jurisdicional, em separado, que, por despacho proferido nos autos a 10.07.2018, constante, no SITAF, sob o registo ...26, não foi admitido.
Tal decisão não mereceu, da parte da Autora, qualquer reacção.
Por tal, a decisão em causa transitou em julgado, nada mais havendo a ordenar em matéria de produção de prova testemunhal.
Termos em que indefiro o requerido. (sublinhado nosso).
Também não há qualquer violação do caso julgado formal.
Assim, contrariamente ao alegado, o despacho saneador apresenta fundamentos para indeferir os requerimentos de prova apresentados pela Autora que, de todo o modo, não influiriam no exame e na boa decisão da causa.
Em suma,
“É nula a sentença quando:

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

Nos termos dos art.ºs 94.º, n.ºs 2, 3, 95.º, n.º 1, do CPTA, 153.º, 154.º, 607.º, n.ºs 2 a 4 e 608º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi art.º 1.º do CPTA, na sentença o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras;

O juiz terá, igualmente, que discriminar os factos que considera provados e em que faz assentar o seu raciocínio decisório e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que conduzem à decisão final.
Não obstante, não tem o juiz que rebater e dissecar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar;

Só há nulidade por omissão de pronúncia quando a sentença tenha deixado de apreciar uma questão que nela tinha de ser conhecida;
Ademais, de harmonia com o princípio da limitação a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com indiscutível relevância para a decisão da causa, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (cfr. artigo 130º do CPC)» (Ac. do STJ, de 27-09- 2022, proc. n.º 10217/20.6T8LSB.L2.S1);
“Não viola o dever de reapreciação da matéria de facto a decisão do Tribunal da Relação que não conheceu a matéria fáctica que o Apelante pretendia que fosse aditada ao factualismo provado (factos complementares e concretizadores de factos essenciais) tendo subjacente a sua irrelevância para o conhecimento do mérito da causa (por a mesma, por si só, na ausência de demonstração de factualidade essencial para o efeito, não poder alterar o sentido da decisão (…). Na verdade, “se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância” (in Ac. do STJ, de 09-02-2021, proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1.).
Do recurso da sentença que considerou intempestivo o requerimento apresentado ao FGS -
Neste campo cremos que assiste razão à Recorrente.
O Tribunal a quo fez uma apreciação errónea e padece de erro de julgamento ao considerar extemporâneo o requerimento apresentado ao Fundo de Garantia Salarial já que o mesmo foi apresentado dentro do prazo de um ano a contar da entrada em vigor do NRFGS.
Pelo que, tendo o DL n° 59/2015 entrado em vigor em 04 de maio de 2015, têm os trabalhadores o prazo de um ano para apresentarem no Fundo de Garantia Salarial o Requerimento para pagamento dos créditos laborais.
No caso subjudice a Recorrente apresentou o Requerimento para pagamento dos seus créditos ao FGS em 25/02/2016, dentro do prazo de um ano após a entrada em vigor do DL que aprovou o NRFGS.
Como o prazo para requerer os créditos ao FGS instituído pelo NRFGS é inovador deve contar-se a partir da entrada em vigor desta lei e não da data da cessação do contrato de trabalho.
Acresce que, mesmo aplicando o regime anterior ao NRFGS o prazo para requerer os créditos ao FGS também não tinha decorrido porque o contrato de trabalho cessou em 05/12/2012 e a Autora propôs a ação declarativa em Tribunal em 08/02/2013, obtendo sentença favorável em 19/06/2013, o que interrompeu o prazo de prescrição dos créditos salariais.
Como decidido pelo STA no Acórdão de 03/10/2019, proc. nº 0808/17.8BEBRG, Tendo a nova lei introduzido um prazo diferente do anteriormente estabelecido, não se pode considerar intempestiva, à luz do disposto no artigo 297.º do CC, a reclamação de créditos laborais apresentada junto do FGS claramente dentro do prazo de um ano a contar a partir da entrada em vigor da nova lei.
“Sucede que, na altura em que o ora recorrente apresentou essa reclamação, já vigorava o DL n.º 59/2015, de 21.04, e, com ele, o novo regime jurídico do FGS que é aplicável à sua situação nos termos do artigo 3.º do DL n.º 59/2015. Novo regime que no n.º 8 do seu artigo 2.º dispõe deste modo: “O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.


Acontece que a interpretação aplicada pelo Tribunal a quo já foi considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional (TC). Efectivamente, o TC já julgou por mais de uma vez essa interpretação normativa inconstitucional (cfr. Acórdãos do TC nºs 328/18, 583/18, 251/19, 270/19).
Não obstante, as várias pronúncias do TC não vêm influenciar a decisão de mérito. Diga-se apenas, a latere, que a orientação do TC foi assumida pelo legislador ordinário que introduziu, através da Lei n.º 71/2018, de 31/12, um n.º 9 ao artigo 2.º com o seguinte teor: “O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações”. Seja como for, há que apreciar o presente caso à luz da primeira versão do DL n.º 59/2015. E, quanto a isto, entendemos que estamos perante um caso de aplicação da lei no tempo em que se deve aplicar, com as devidas adaptações, o preceituado no n.º 1 do artigo 297.º do CC/”Alteração de prazos) (“A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”).
Desta forma, a ora recorrente teria um ano após a entrada em vigor do DL n.º 59/2015, de 21/04, para reclamar os seus créditos laborais, razão pela qual não se pode considerar intempestiva a reclamação de créditos laborais apresentada em 25/02/2016.
Com efeito, como o prazo para requerer os créditos ao FGS instituído pelo NRFGS é inovador deve contar-se a partir da entrada em vigor desta lei e não da data da cessação do contrato de trabalho.
Acresce que, mesmo aplicando o regime anterior ao NRFGS o prazo para requerer os créditos ao FGS também não tinha decorrido porque o contrato de trabalho cessou em 05/12/2012 e a Autora propôs a ação declarativa em Tribunal em 08/02/2013, obtendo sentença favorável em 19/06/2013, o que interrompeu o prazo de prescrição dos créditos salariais.
In casu, repete-se, a orientação jurisprudencial do TC não tem aplicação, visto que não houve necessidade de invocar qualquer suspensão ou interrupção do prazo do n.º 8 do artigo 2.º do DL n.º 59/2015.
E o que dizer do período de referência?
Como se viu, um dos fundamentos do ato de indeferimento (para além da intempestividade) radica na circunstância de os créditos não se encontrarem no período de referência.
A sentença omitiu a apreciação desta questão (provavelmente por a ter julgada prejudicada), pelo que, nos termos do n.º 2 do artº 665º do CPC (art.º 715.º CPC 1961), ex vi artº 1º do CPTA, passar-se-á a apreciar.
Como já dito, o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, instituindo normas visando a proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.
O Fundo de Garantia Salarial, preenchidos os pressupostos legais, “assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação” (artigo 1.º, n.º 1 do referido diploma legal).
Por força do disposto nos artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, estão abrangidos por esta proteção os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação. E de acordo com o artigo 2.º, n.º 4 “O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.”
Ora esta é a situação dos presentes autos.
Com efeito,
A Requerente foi admitida ao Serviço da Empresa Finelines Serviços e Sistemas Lda. mediante contrato de trabalho em 12 de outubro de 2011;
A Requerente resolveu o contrato no dia 5 de dezembro de 2012;
No dia 08/02/2013 a Requerente deu entrada da acção laboral no Tribunal de Trabalho de Bragança contra a Requerida, que correu termos sob o n° 51/13.5TTBGC no referido Tribunal;
No dia 19/06/2013 foi proferida sentença no referido processo, tendo sido reconhecida justa causa da Resolução do Contrato de Trabalho e a Entidade Empregadora sido Condenada a pagar à Requerente/ Reclamante a quantia de 2.138,80€ e juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada prestação em dívida, até efectivo e integral pagamento, referente a créditos laborais emergentes de contrato de trabalho e sua cessação;
A referida sentença transitou em 15/07/2013, sendo a partir dessa data, que o crédito da Autora se tornou certo, líquido e exigível;
A Autora, em 31 de janeiro de 2014, deu entrada na Secção de Comércio da Comarca de Lisboa da petição da acção de Insolvência Requerida.
Pese embora o exposto vai indeferido o pedido indemnizatório formulado pela Autora, na medida em que não se apurou que a Entidade Demanda tivesse praticado, fosse por acção ou por omissão, qualquer facto ilícito e culposo.
De facto, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos emergentes de factos ilícitos praticados no exercício da função administrativa, cujo regime é regulado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, não prescinde da verificação cumulativa dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos; eles: o facto voluntário do agente, a ilicitude do facto, o nexo de imputação do facto ao agente ou a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil).
Os sobreditos pressupostos são, reitera-se, de verificação cumulativa, pelo que a não verificação de qualquer deles, dispensa a análise dos demais e afasta a responsabilidade civil extracontratual e a obrigação de indemnizar quaisquer eventuais danos que se tenham verificado.
Procedem, em parte, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que:
Se nega provimento ao recurso do Despacho Saneador;
No mais, concede-se parcial provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e, em consequência:
a)Defere-se o petitório sob as alíneas A), B) e C);
b)Indefere-se o petitório sob a alínea D).
Custas pela Autora e pelo Réu, na proporção de metade, sem prejuízo do apoio judiciário de que aquela beneficia e, nesta instância, sem custas para o Réu/Recorrido, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.
Porto, 16/02/2024


Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins