Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00112/04.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/26/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
INDÍCIOS
Sumário:I – Impõe-se à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
II - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
III – Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidosconclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:N..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Públicainterpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 15/07/2005, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade N… - Comércio de Automóveis, Lda., NIF 5…, com sede em…, Paredes, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado, relativa ao exercício de 1999.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzemde seguida:
A. A douta decisão recorrida, considerando que os dados colhidos pela Administração Tributária (plasmados no relatório de inspecção) não foram de molde, a fundamentar formal e substancialmente a conclusão retirada pela Administração Tributária, sendo ilegal a liquidação adicional emitida na sequência do procedimento administrativo viciado, padece de erro de julgamento.
Os dados colhidos pela Administração Tributária (plasmados no relatório de inspecção e nos respectivos anexos) foram de molde, a fundamentar de facto e autorizar a conclusão retirada pela Administração Tributária, no sentido de que as operações em causa foram efectuadas com a interposição fictícia de um operador económico, que funciona como empresa “écran”, ou seja colectado e inserido na cadeia com vista a criar a ilusão de se tratar de um operador económico normal, com o objectivo de liquidar IVA em facturas, sabendo que o mesmo não vai ser entregue nos cofres do Estado, vendendo os automóveis abaixo do preço de custo (subfacturação), possibilitando, em termos formais, aos adquirentes a dedução do IVA mencionado nessas facturas e a introdução no mercado nacional de viaturas a preços inferiores aos do mercado.
B. A análise do relatório de inspecção e elementos anexos demonstra que a administração tributária emanou declaração formal fundamentadora do seu juízo quanto à existência de deduções de IVA superiores às legalmente admitidas, bem como enunciou os elementos fáctico-jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas (fundamentação material ou substancial).
C. Em face dos factos apurados e transpostos para o relatório pela inspecção tributária, não pode senão concluir-se, tal como ali se concluiu, estarmos na presença de operações simuladas, não sendo a prova produzida bastante para, em contraposição com aqueles factos, neutralizar, os indícios sérios que estiveram na base da formação da convicção de que aquelas transações são fictícias.
D. À impugnante que se arroga um direito que pretende exercer – o direito à dedução do IVA – cabia provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito, conforme jurisprudência citada a que acresce o acórdão do pleno do STA de 07.05.2003, no recurso 01026/02, o que não logrou efectuar.
E. A douta sentença recorrida violou o disposto nos art. 19º, art. 20 do CIVA.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.”
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A Recorrida contra-alegou conforme segue:
1 – A douta decisão recorrida não fez o agravo que a Recorrente Fazenda Pública alega ter sido feito, uma vez que julgou e decidiu em conformidade com a prova produzida em Tribunal, quer quanto à boa-fé comercial da Impugnante, quer quanto à boa recepção das facturas, aos bons meios de pagamento utilizados, e ao seu alheamento e distanciamento face aos vendedores de automóveis, de forma a julgar que outro comportamento não lhe era exigível.
2 – Ficou provado que a Impugnante pagou o valor das facturas, nestas se incluindo direitos aduaneiros e IVA, e não provado que tais pagamentos não corresponderam a reais e efectivas saídas de caixa ou bancos.
3 – Era à Fazenda Pública que competia provar, o que não fez, que os pagamentos não corresponderam a reais e efectivos pagamentos.
4 – A Impugnante foi já absolvida, com trânsito em julgado, pelos mesmos factos no processo-crime nº.3070/02.3TDLSB.
5 – Não existe qualquer erro de julgamento, pois foram apreciados e valorados o relatório de peritagem e elementos anexos.
6 – Encontram-se hoje prescritas as dívidas tributárias uma vez que sobre as mesmas decorreram já mais de oito anos, contados desde a data a que os actos tributários se reportam até às datas em que foi dado início ao procedimento inspectivo, que interrompeu a prescrição, e a data em que o prazo da prescrição deixou de estar interrompido por causa não imputável à Impugnante ora Recorrida.
Termos em que,
Deve julgar-se totalmente improcedente o recurso da Fazenda Pública em ordem a manter-se a douta decisão recorrida.”
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O Ministério Público junto deste Tribunalnão emitiu parecer.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao decidir que os dados colhidos pela Administração Tributária (plasmados no relatório de inspecção) não foram de molde a fundamentar, formal e substancialmente, a conclusão retirada pela Administração Tributáriade que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“A - Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:
1 - A impugnante procedeu à compra de automóveis a importadores de veículos automóveis, que actuavam através de vendedores seus empregados - cfr. prova testemunhal.
2 - Não tinha a impugnante qualquer ligação com os referidos importadores - cfr. prova testemunhal.
3 - Desconhecia que esses importadores não liquidavam o IVA - cfr. prova testemunhal.
4 - Os importadores a que comprava os veículos automóveis estavam registados e licenciados - cfr. prova testemunhal.
5 - O preço que pagava pelas viaturas incluía o valor do IVA.
6 - A impugnante só adquiriu aos referidos vendedores viaturas, por não ser uma importadora registada e por as marcas não possuírem disponíveis para venda no mercado o número de viaturas que pretendia.
B - Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provou que a impugnante estivesse conluiada com os importadores de veículos para beneficiar do IVA não entregue ao Estado.”
*
Uma vez que na sentença recorrida se decidiu que o acto de liquidação adicional do imposto, com recurso a correcções aritméticas, não se encontra devidamente fundamentado, urge apurar qual a fundamentação subjacente ao mesmo. Na medida em que tal se apresenta imprescindível para o conhecimento do presente recurso, com base nos elementos documentais constantes do processo administrativo, adita-se a seguinte factualidade, nos termos do disposto no artigo 712.º, n.º 1, alínea a) do CPC:
7 –Em 28/08/2003, foi proferida decisão de concordância sobre as conclusões do relatório de inspecção tributária referente à ora Recorrida, confirmando-se as correcções meramente aritméticas determinadas, em sede de IVA, relativas ao ano de 1999, no montante de €591.916,94, em face dos fundamentos adiantados no capítulo III desse relatório – cfr. fls. 11 a 28 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
8 – No mencionado capítulo III do relatório de inspecção tributária é efectuada descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável, destacando-se o seguinte:
“(…) De acordo com a informação prestada pela Direcção de Finanças de Setúbal, decorrente de uma inspecção de âmbito parcial efectuada ao sujeito passivo “J…”, constatou-se que a morada constante nas facturas emitidas em nome daquele sujeito passivo não existia e só depois de várias diligências efectuadas conseguiram contactar pessoalmente com o mesmo. Deste contacto o sujeito passivo referiu, em Auto de Declarações datado de 24/3/2000, o seguinte:
ü O envolvimento no negócio de automóveis iniciou-se por proposta de um “Sr. M…”, que não conhecia anteriormente, o qual agia como intermediário do “Sr. F…”, que tinha um grande “Stand” em Madrid;
ü A participação no negócio de automóveis limitava-se a dar o nome e assinar as declarações de venda quando os carros eram importados ou vendidos, pagando-lhes em média 70.000$00/80.000$00 por mês;
ü Não efectuou quaisquer aquisições intracomunitárias de veículos automóveis, desalfandegou automóveis ou sequer os viu e também nunca requisitou qualquer livro de facturas;
ü Não tem qualquer conhecimento sobre o despachante T…– Documentação Automóvel, Lda., nem conhece a empresa de transportes;
ü Não sabe a quem os carros foram vendidos nem passou factura a qualquer pessoa ou firma.
(…)
4. Pela análise às contas correntes em nome dos fornecedores “J…” e “A…”, que constam na contabilidade da empresa “N…– Comércio de Automóveis, Lda.”, verificámos que estas contas estão regularmente saldadas, sendo os pagamentos efectuados por caixa, com base no recibo dos fornecedores, que é uma das vias da factura com a menção de “recibo”. (…)
7. Constata-se também que começam a ser facturadas viaturas em nome de “A…” quando terminam as facturas em nome de “J…”, o tipo de letra do emitente das facturas é praticamente igual e o pagamento, conforme já foi mencionado anteriormente, é feito do mesmo modo, tanto o valor do veículo como o da legalização.
8. Em face do exposto, concluímos que:
Ø O circuito financeiro não corresponde com o circuito físico dos bens (os pagamentos foram efectuados a uns e as viaturas foram facturadas por outros);
Ø Os sujeitos passivos “J…” e “A…” são empresas “ecran”, ou seja, foram apenas colectados com vista a criar a ilusão de se tratar de empresas normais, mas que ocultam alguém que por via desta exercia a actividade de venda de veículos. Têm como objectivo liquidar IVA em facturas, sabendo que não o iriam entregar nos cofres do Estado e vender os automóveis abaixo do preço de custo (subfacturação), possibilitando em termos formais, aos adquirentes (neste caso o “N…”) a dedução do IVA mencionado nessas facturas e a introdução no mercado nacional de viaturas a preços inferiores aos do mercado, conseguindo, mesmo assim, na generalidade vender com lucro;
Ø Deste modo, as compras efectuadas pelo “N…” àqueles sujeitos passivos configuram operações simuladas, pelo que, nos termos do n.º 3 do art. 19.º do CIVA não será considerado o direito à dedução do IVA deduzido naquelas operações, conforme mapa que se apresenta se seguida, descriminado por períodos de imposto (…) Em anexo 3, juntamos mapa com a relação das facturas, por período de imposto.
6. Em sede de IRC, não se propõe qualquer correcção, uma vez que não se põe em causa a compra das viaturas, apenas se questiona os documentos que suportam as aquisições e os respectivos fornecedores, pois para existir uma venda teve que obrigatoriamente existir uma compra. Por outro lado, também não se verificam divergências significativas entre o valor dos veículos adquiridos (circuito físico dos bens) e o valor pago (circuito financeiro). (…)” – cfr. o mesmo documento “Relatório de Inspecção Tributária”.
9. Pela sua pertinência, passamos a transcrever ainda o capítulo VIII do Relatório de Inspecção Tributária:
“VIII. Direito de Audição – Fundamentação: (…)
No exercício do direito de audição, o sujeito passivo limita-se a descrever a sua relação com os indivíduos “F…”, “J…” e “A…”, não apresentando quaisquer provas para corroborar as afirmações que faz e, a argumentar que pagando o IVA que apurou, esgota-se toda a sua responsabilidade perante a Administração Fiscal. O sujeito passivo não acrescentou quaisquer factos novos ou elementos que alterem o que foi referido neste relatório de inspecção, pelo que se mantêm os seguintes factos apurados no decurso da inspecção:
Ø Os pagamentos das viaturas foram efectuados directamente ao indivíduo “F…” ou a uma das suas empresas, que de acordo com o sujeito passivo é o “exportador”;
Ø O Imposto Automóvel e outros encargos alfandegários são pagos directamente ao despachante e, normalmente, após as viaturas já serem propriedade do “N…”;
Ø Constata-se que a legalização das viaturas é efectuada, na quase totalidade dos casos, em data posterior à das facturas emitidas em nome dos sujeitos passivos “J…” e “A…”. Sendo a matrícula atribuída após efectuado o pagamento do Imposto Automóvel, como é possível que tenha sido indicado em parte das facturas emitidas em nome dos referidos sujeitos passivos a matrícula da viatura. A título de exemplo temos a factura n.º 348, de 7/6/1999, de “J…” com a designação da viatura “VW Passat TDI, Mat. …NP”, tendo a DAV desta viatura a data de 22/6/1999.
Ø O sujeito passivo adquire grande parte das viaturas a um preço inferior ao que é declarado na DAV (valor do veículo mais o Imposto Automóvel), conforme já referido no ponto 6 do capítulo III deste Relatório;
Ø Foram prestadas declarações em auto de declarações pelo sujeito passivo “J…” onde refere que nunca efectuou quaisquer aquisições intracomunitárias de veículos e, de acordo com as averiguações efectuadas pela Direcção de Finanças de Setúbal, não tem quaisquer instalações para o exercício da actividade de “comércio de automóveis”.
Ø É evidente que, independentemente das intenções que o sujeito passivo afirma ter mantido aquando estas aquisições, o sujeito passivo com as facturas emitidas em nome dos sujeitos passivos “J…” e “A…” beneficiou da dedução do IVA mencionado nessas facturas e da introdução no mercado nacional de viaturas a preços inferiores aos do mercado, conseguindo, mesmo assim, na generalidade vender com lucro. Por outro lado, se a aquisição intracomunitária dos veículos tivesse sido efectuada em nome do sujeito passivo “N...” (o que era possível, dado que os pagamentos eram efectuados directamente ao “exportador”) este teria de proceder à liquidação do IVA nos termos do art.º 1.º do RITI e simultaneamente poderia exercer o direito à dedução nos termos do art. 19.º do RITI, pelo que o efeito final era nulo.
Por tudo já referido neste relatório, entendemos não atender à argumentação apresentada pelo contribuinte no direito de audição mantendo-se a exclusão do direito à dedução, nos termos do n.º 3 do art. 19.º do CIVA, conforme já referido no capítulo III do presente relatório. (…)” – cfr. o mesmo documento.

2. O Direito

Seguindo jurisprudência pacífica, competia à AT «demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a prática do acto em causa», enquanto ao Contribuinte compete «demonstrar a existência dos factos» em que funda o seu direito a deduzir o IVA suportadonas transacções comerciais constantes das facturas em causa.
Note-se que não se exige à AT a prova directa da simulação. Haverá, nesta circunstância como em tantas outras, que recorrer à prova indirecta, a «factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova», sendo que tais indícios «devem ser, contudo, suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade» (cfr. ALBERTO XAVIER in Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 154 e 155).
A liquidação impugnada foi efectuada com fundamento na ilação constante do relatório de inspecção tributária de que as compras realizadas pelo ora Recorrido configuraram operações simuladas, como tal, insusceptíveis de dedução do IVA suportado na aquisição das viaturas.
Nesta conformidade, o fulcro do objecto do presente recurso reside em averiguar se a Administração Tributária fez a prova que lhe competia de verificação de indícios que permitissem concluir que as facturas contabilizadas pela Impugnante têm subjacente operações simuladas.
No caso vertente, os indícios apontados pela Administração Tributária para sustentar a simulação foram basicamente os seguintes:
Ø O circuito financeiro não corresponde com o circuito físico dos bens (os pagamentos foram efectuados a uns e as viaturas foram facturadas por outros).

Ø Os sujeitos passivos “J…” e “A…” são empresas “ecran”, ou seja, foram apenas colectados com vista a criar a ilusão de se tratar de empresas normais, mas que ocultam alguém que por via desta exercia a actividade de venda de veículos. Têm como objectivo liquidar IVA em facturas, sabendo que não o iriam entregar nos cofres do Estado e vender os automóveis abaixo do preço de custo (subfacturação), possibilitando em termos formais, aos adquirentes (neste caso o “N...”) a dedução do IVA mencionado nessas facturas e a introdução no mercado nacional de viaturas a preços inferiores aos do mercado, conseguindo, mesmo assim, na generalidade vender com lucro.

Ø A morada constante nas facturas emitidas em nome de “J…” não existia.

Ø Começaram a ser facturadas viaturas em nome de “A…” quando terminaram as facturas em nome de “J…”, sendo o tipo de letra do emitente das facturas praticamente igual.

Vejamos parcialmente o teor da sentença recorrida:

“(…) Na sequência de uma acção de inspecção, a ora impugnante foi notificada de que lhe havia sido fixada a matéria tributável por recurso a correcções aritméticas em sede de IVA no montante de 591.916,94.

A Administração fiscal praticou um acto de alteração da matéria colectável declarada pelo sujeito passivo, tendo o dever de fundamentar tal acto de modo claro, o que no caso subjudice não se verificou, limitando-se a algumas afirmações conclusivas.

Resulta do disposto nos artigos 268°, n°3 da C.R.P., 77° da L.G.T. e 125°, n°2 do C.P.A., que a decisão do procedimento tributário, enquanto acto administrativo e, nessa medida, definidor da posição da administração tributária perante os particulares tem de ser fundamentada. Essa fundamentação impõe que a administração Fiscal revele claramente os factos ou circunstâncias concretas que, na intenção do autor do acto, foram determinantes para a decisão.

O contribuinte tem o direito a ser esclarecido de todas as razões em que se baseou a administração fiscal, o que traduz o princípio da transparência a que a administração no exercício das suas funções está sujeita.

Assim o acto de liquidação adicional do Imposto [sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas] com recurso a correcções aritméticas, não se encontra devidamente fundamentado.

Nos termos do n°1 do artigo 75° da Lei Geral Tributária “Presumem-se de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”

Estabelece este artigo a presunção da verdade dos actos do contribuinte.

Desta presunção resulta a vinculação da Administração tributária à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo de fazer um controlo “a posteriori” dos factos por ele declarados.

Por seu turno, o n°1 do artigo 74° da Lei Geral Tributária estabelece que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Ou seja, quando a liquidação é efectuada com base em factos não declarados, a Administração Tributária tem de provar a existência e quantificação dos factos tributários não declarados que invoca, na medida em que contrariam a declaração apresentada pelo contribuinte e que goza da presunção da veracidade.

No caso subjudice, os factos indiciantes apresentados não constituem indícios sérios de que as facturas são “falsas”, não está fundamentada a conclusão de simulação, logo a actuação da Administração Tributária, ao desconsiderar os custos, é ilegal.

A ilegalidade do procedimento implica a ilegalidade das liquidações com as quais aquele culmina.

Não se pode concluir dos elementos de prova existentes nos autos que as aquisições de viaturas por parte da impugnante eram operações simuladas

Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas. Do exposto se conclui que deve a presente impugnação proceder. (…)”

Efectivamente, uma vez que a AT não colocou em causa que as transacções comerciais subjacentes às facturas tenham realmente existido, não encontramos no relatório de inspecção indícios suficientemente sólidos que permitam concluir pela existência de operações simuladas. Relembra-se que não foi efectuada qualquer correcção em sede de IRC, uma vez que a AT não questionou a compra das viaturas, apenas os documentos que suportam as aquisições e os respectivos fornecedores, pois para existir uma venda teve que obrigatoriamente existir uma compra. Escreveu-se, ainda, no relatório de inspecção tributária: “por outro lado, também não se verificam divergências significativas entre o valor dos veículos adquiridos (circuito físico dos bens) e o valor pago (circuito financeiro) ”.

Os indicadores mais significativos seleccionados pela AT são apresentados com forte pendor conclusivo e respeitam maioritariamente aos emitentes das facturas.

Por outro lado, o facto de o emitente “J…” ter declarado à AT não saber a quem os carros foram vendidos e não ter passado factura a qualquer pessoa ou firma, tanto poderá resultar de uma intenção de obstaculizar o acesso à sua verdadeira situação tributária como de uma atitude displicente e pouco atenta ao cumprimento de obrigações legais.Como tanto podem significar uma coisa como outra, estes indicadores não podem valer por si, sustentando um significado determinado apenas quando conjugados com outros de sentido inequívoco.

Acresce que pela análise que a AT efectuou às contas correntes em nome dos fornecedores “J…” e “A…”, que constam na contabilidade da empresa “N…– Comércio de Automóveis, Lda.”, verificou que estas contas estão regularmente saldadas, sendo os pagamentos efectuados por caixa, com base no recibo dos fornecedores, que é uma das vias da factura com a menção de “recibo”.

É nossa convicção que os indícios apurados pela AT não se mostram suficientes para demonstrar que a ora Recorrida tenha beneficiado da dedução do IVA, porque estava ligada a empresas ditas “ecran”, para proceder a operações simuladas. Impunha-se que a AT fosse mais longe e averiguasse indícios de o sujeito passivo não ter pago o valor referente ao IVA, ou verificar se da conciliação dos documentos contabilísticos e das contas bancárias seria possível demonstrar que a Recorrida procedeu a retenção do IVA, ou até promover diligências no sentido de apurar que as facturas emitidas pelos vendedores das viaturas tiveram a colaboração da aqui Recorrida.

Efectivamente, dos fundamentos constantes do relatório de inspecção não consta qualquer factualidade indiciadora de conluio entre a ora Recorrida e os emitentes das facturas, nem tão-pouco que não tenha pago o IVA referente às viaturas que a AT não coloca em causa que tenham sido adquiridas pela Recorrida.

Na verdade, do relatório inspectivo constam unicamente conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual ou indicadores que se situem na esfera da Recorrida.

Se os emitentes das facturas não entregaram o IVA ao Estado, não significa necessariamente que a adquirente das viaturas, aqui Recorrida, não tenha procedido ao seu pagamento. A AT devia ter ido mais longe, investigado mais, tendo em vista encontrar algum indício nesse sentido; o que não foi efectuado.

O que quer dizer que a Administração Tributária não fez prova do bem fundado da formação do seu juízo, pelo que a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, mantendo-se, por isso, a sentença recorrida.

Pelo exposto, impõe-se negar provimento ao recurso.


Conclusões/Sumário

I – Impõe-se à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
II - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
III – Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidosconclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto,26 de Novembro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves