Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00177/06.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/02/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IVA;
MÉTODOS INDIRETOS;
FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL DO ATO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:É à ATA que cabe fundamentar, formal e materialmente, a verificação dos pressupostos para o recurso à avaliação indireta da matéria coletável, pelo que não resultando tal fundamentação do ato de liquidação, nada há a censurar à sentença na qual, em consequência, foi declarada a respetiva ilegalidade.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 2019-03-18 que julgou procedente a impugnação judicial interposta por «X, S.A.» tendo por objeto as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.ºs ...80 e ...64 relativas aos exercícios de 2000 e 2001, no montante global de EUR 20.408,57, vêm dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
III - DAS CONCLUSÕES
a. A RFP recorre, então, da sentença, proferida no TAF do Porto, em 18-03-2019, que julgou procedente a impugnação deduzida pela «X, S.A.», com o NIPC ..., contra as liquidações adicionais de IVA, referentes aos exercícios de 2000 e 2011, e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 20.408,57, e que decorreram das correções operadas com recurso a métodos indiretos.
b. A RFP contestou a impugnação na sua totalidade, ainda que por remissão para os argumentos vertidos no RIT e no Procedimento de Revisão.
c. E mesmo que não o tivesse feito, tal não importaria a confissão dos factos articulados pela Impugnante, nos termos do n.º 6, do artigo 110.º, do CPPT.
d. Por outro lado, o Tribunal tem de efetuar uma valoração crítica de todos os factos relevantes para a decisão da causa.
e. No presente caso, conforme resulta da leitura da sentença recorrida, no que concerne aos segmentos justificativos da procedência da Impugnação, a sentença recorrida não faz qualquer referência expressa, nem qualquer juízo valorativo sobre (todos) os factos alegados pela RFP, designadamente nem leva à matéria de facto provada o procedimento de revisão da matéria tributável, como passamos a demonstrar.
f. A sentença do Tribunal a quo não levou à matéria de facto provada os seguintes factos, a saber.
DO ERRO DA DECISÃO DE FACTO
g. Desde logo, a sentença do Tribunal a quo fez uma transposição meramente parcial do Relatório de Inspeção Tributária, para a matéria de facto provada, cometendo assim um erro metodológico na fundamentação da decisão de facto, como passamos a demonstrar.
h. In casu, o douto Tribunal a quo deu como provada a elaboração do RIT, porém, apenas procedeu à sua transcrição parcial, o que constitui uma prática desadequada quanto à fixação da factualidade dada por assente.
i. Não tendo o douto Tribunal selecionado do RIT todos os factos relevantes para a decisão, impõe-se a necessidade de realizar tal tarefa em sede de recurso, aditando-os à factualidade dada como provada.
j. Assim, há que aditar à matéria de facto provada os seguintes factos constantes do RIT, a saber,
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

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k. Do RIT, conforme resulta da matéria levada aos factos provados (a psg. 13 da sentença a quo), o IVA a liquidar oficiosamente nos exercícios de 2000 e 2001, com recurso a métodos indiretos, correspondia às seguintes quantias:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
l. Das correções projetadas, supra indicadas, a Recorrida foi notificada para exercer o direito de audição, tendo exercido nos termos a que alude o capítulo VIII, do RIT, mantendo-se as referidas correções.
m. O resultado da inspeção tributária foi notificado à Recorrida, através do ofício n.º ...81, de 27.02.2003, dos SIT, da DF ..., remetido por carta registada com aviso de receção.
n. A Recorrida foi seguidamente notificada da fixação do IVA apurado na ação de inspeção com recurso a métodos indiretos, por meio do ofício ...62, de 17.03.2003, do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da DF ..., remetido por carta registada com aviso de receção, que informava ainda que poderia reclamar da fixação da matéria tributável por requerimento dirigido ao Diretor de Finanças ..., nos termos do artigo 91.º, da Lei Geral Tributária (LGT).
o. Em 2003-04-21, a Recorrida apresentou pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, nos termos do mencionado artigo 91.º, da LGT, no âmbito do qual foi efetuado o competente debate contraditório entre perito da administração tributária e perito da Recorrida, no qual não foi possível alcançar qualquer acordo, levando a que ambos os peritos apresentassem parecer, tendo o pedido sido indeferido por decisão proferida em 18.12.2003, notificada à reclamante pelo oficio ...7, de 18.12.2003, remetido por carta registada com aviso de recepção.
p. Uma vez que a aqui Recorrida apresentou um pedido de revisão da matéria tributável, no âmbito do qual foi proferida decisão de manutenção da fixação alcançada, em 18-12-2003, com base no parecer do perito da AT, passamos a reproduzir aqui o mesmo, para todos os devidos e legais efeitos, a saber
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

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q. Uma vez que proferida a decisão, no âmbito do procedimento de revisão, melhor referenciado no ponto anterior, e que determinou a manutenção da fixação alcançada, em 18-12-2003, teve por base o parecer do perito da AT, passamos então a aqui reproduzir este, para todos os devidos e legais efeitos, no segmento que é aqui relevante,
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
r. Uma vez que se tratou de matéria de facto não levada à base instrutória, e não tendo a mesma sido introduzida pelo tribunal em sede de julgamento, de modo a permitir às partes o contraditório e a apresentação de prova, como é seu direito, reconhecido nos termos do n.º 3, do artigo 3.º, do CPC, afigura-se que se torna necessária uma ampliação da matéria de facto provada, dada a existência dos elementos probatórios constantes dos autos, sob pena de limitação daqueles direitos, impondo-se por isso a anulação da decisão proferida por necessidade de ampliação da matéria de facto, nos termos da alínea c), do n.º 2, do artigo 662.º, do CPC, ex vi a alínea e), do artigo 2.º, do CPPT.
s. Termos em que a sentença recorrida enferma, deste modo, de erro de julgamento quanto à matéria de facto, na medida em que os factos, referidos nos pontos 24 a 34, desta peça, que não foram objeto de apreciação e fixação na sentença, são bastante relevantes, não só porque correspondem à verdade dos factos alegados pela RFP, em sede de procedimento administrativo e em sede de processo de impugnação, como, sequencialmente, para o devido enquadramento jurídico quanto à questão do erro nos pressupostos no recurso a métodos indiretos, tal como a mesma se encontra controvertida na douta sentença do Tribunal a quo, e como a seguir melhor se explanará.
DO ERRO DA DECISÃO DE DIREITO
t. In casu, os SIT procederam à determinação da matéria tributável por métodos indiretos, nos termos fixados pela sentença do Tribunal a quo no segmento referente às questões decidendas.
u. A questão controvertida consiste, pois, em saber se estão ou não verificados os pressupostos legais para o recuso à tributação por métodos indiretos.
v. Ora, com o devido respeito que nos merece todas as decisões proferidas pelos nossos tribunais, a RFP, defendendo uma perspetiva da realidade fenoménica mais alargada, decorrente do aditamento dos factos já acima referidos, propõe também um diferente enquadramento jurídico da situação sub iudice, conforme o a seguir explanado.
w. No Capítulo IV, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) – Motivos e Exposição dos Factos que Implicam Recurso a Métodos Indiretos – estão descritas as análises aos elementos da contabilidade e declarados pela Impugnante, bem como as técnicas de auditoria contabilísticas utilizadas.
x. As técnicas de auditoria contabilísticas, referidas no ponto anterior, permitiram aos SIT inferir que os elementos constantes da contabilidade e declarados não mereciam credibilidade, existindo indícios fundados de que aquela contabilidade não refletia a matéria tributável real do sujeito passivo.
y. O que vai de encontro ao legalmente previsto nos termos consagrados na alínea a), do n.º 2, do artigo 75.º, da LGT, pelo que, uma vez preenchidos os respetivos pressupostos, conduziu ao afastamento da presunção legal de verdade declarativa e da contabilidade.
z. Neste contexto, foram desencadeados procedimentos e obtidos os resultados, de que a seguir se discriminam os mais relevantes:
a) quanto às margens brutas das vendas [(Vendas – CMVMC) / CMVMC] – verificou-se grande oscilação destas margens, entre 1999 e 2001, assumindo valores negativos em 2000;
b) No que concerne ao controlo quantitativo às quantidades vendidas de mosto (em Kg) e de vinho por tipo e origem (em litros), quer da venda a granel, quer dos engarrafados, bem como às quantidades compradas, os SIT verificaram divergências entre as quantidades saídas de armazém (consumidas) e as quantidades facturadas a clientes.
aa. As divergências referidas no ponto anterior, estão transcritas não só no texto plasmado a fls, 7 a 10, da sentença recorrida, mas também nos quadros aí constantes, extraídos de página 6, 7 e 8, do RIT (quer quanto ao exercício de 2000 e 2001, quer ainda em relação ao de 1999).
bb. Note-se que, conforme mencionado na pág. 8, do RIT, os valores apurados neste controlo foram obtidos com a colaboração da Impugnante, aqui Recorrida, designadamente quanto ao esclarecimento de dúvidas e confirmação dos valores apurados, tendo os SIT, inclusive, notificado a Impugnante, relativamente às conclusões do referido controlo.
cc. As divergências apuradas, ora eram positivas (consumos superiores às vendas), ora eram negativas (vendas superiores aos consumos).
dd. Acresce que estas relativamente aos consumos assumiam pesos díspares, conforme se pode verificar nos quadros seguintes e que resultam da leitura objetiva do texto extraído do RIT e transcrito a fls 7 a 10, da sentença recorrida, a saber,
ee. Quanto à nota relativa às perdas/quebras normais (penúltimo parágrafo do ponto 2.2.1. do capítulo IV, do RIT), os SIT elaboraram a mesma partindo de um pressuposto claro e objetivo, segundo o qual parte das divergências encontradas, pela SIT, e quando positivas, poderiam ser justificadas como perdas/quebras normais na armazenagem e no engarrafamento.
ff. Porém, se todas as divergências derivassem dessas perdas normais os rácios calculados nos quadros anteriores (divergência/consumos) assumiriam valores que em média tenderiam para uma percentagem padrão.
gg. Ora, tal situação não se verifica, conforme decorre da leitura do texto transcrito a fls. 7 a 10, da sentença recorrida, bem como dos quadros acima transcritos e expostos, no ponto 55, desta peça.
hh. Ora, é esta interpretação simples e direta do texto e contexto do RIT, no que a este segmento cumpre agora alegar em sede de recurso, que a douta a sentença do Tribunal a quo não faz!
ii. A douta sentença do Tribunal a quo elabora um texto a fls, 20 e 21, que, com todo o respeito pelas eminentes decisões dos órgãos de soberania que são e devem ser os Tribunais, não passa de um mero exercício de retórica que se revela inócuo, pois que pura e simplesmente não entra sequer na análise dos quadros expostos a fls. 8, do RIT, que foi levado ao probatório, nem na teleologia imanente aos valores aí constantes.
jj. Mais, a sentença recorrida faz “tabula rasa” do conteúdo do texto que foi elaborado pelos SIT e reproduzido a fls 7 a 10, da sentença recorrida.
kk. Há que ter em conta, no âmbito do segmento agora em análise, que o Tribunal tem que efetuar uma valoração crítica de todos os factos relevantes para a decisão da causa.
ll. E que a falta de expressa fundamentação, da matéria de facto e de direito, também inclui a obrigação de análise crítica de toda a prova produzida nos autos e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal, sob pena de a sentença recorrida não poder subsistir na ordem jurídica, por se encontrar ferida de nulidade decorrente da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais.
mm. Neste contexto, a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica de toda a prova junta aos autos, pelo que, com este fundamento, deve ser revogada.
nn. Deste modo, a falta de apreciação crítica da prova documental carreada para os autos pela RFP e a total ausência de valoração da mesma faz incorrer a sentença recorrida em nulidade, nos termos do disposto no artigo 205.º da CRP, nos artigos 154.º e 607.º ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT, e nos artigos 123.º e 125.º, ambos do CPPT, impondo-se também a sua anulação por este motivo .
oo. Realce-se, ainda, que esta estimativa de 2%, para perdas/quebras normais, não foi fundamento para a aplicação de métodos indiretos, mas antes serviu como critério na quantificação dos rendimentos tributáveis.
pp. Pese embora tenha sido invocada aquela estimativa de 2%, pelos SIT, para perdas/quebras, no Cap. IV, do RIT, tal invocação, parece-nos, que teve por objetivo, única e simplesmente, alertar para o facto de as divergências efetivas poderem ser diferentes das apuradas no controlo quantitativo.
qq. Assim, caberia «ao contribuinte demonstrar que houve “erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada”», conforme aludido na página 18, da sentença do Tribunal a quo.
rr. Ora, a sentença do Tribunal a quo, quanto ao por nós referido no último ponto, acaba por afirmar o seguinte, “Atenta a procedência do invocado erro nos pressupostos de recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, fica prejudicado o conhecimento do invocado excesso na quantificação – cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.”
ss. Ou seja, a sentença do Tribunal a quo não entra sequer na apreciação da questão de saber se a aqui Impugnante demonstrou, ou não, que houve “erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada”», conforme aludido na página 18, da referida sentença a quo.
tt. Quanto à questão da amostragem às margens de lucro brutas declaradas, embora a sentença recorrida não tenha levado, à matéria de facto provada, esta questão, a RFP não deixa, por mera questão de dever de patrocínio, de considerar que os SIT demonstraram que a mesma não foi exequível, pelas razões descritas no ponto 2.2.2. do Capítulo IV, do RIT.
uu. Neste contexto, a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica de toda a prova junta aos autos, pelo que, com este fundamento, deve ser revogada.
vv. Ou seja, a falta de apreciação crítica da prova documental carreada para os autos pela RFP e a total ausência de valoração da mesma faz incorrer a sentença recorrida em nulidade, nos termos do disposto no artigo 205.º, da CRP, nos artigos 154.º e 607.º ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT, e nos artigos 123.º e 125.º, ambos do CPPT, impondo-se também a sua anulação por este motivo.
ww. Já quanto à análise do outro fundamento invocado para recorrer a métodos indiretos, as tais “movimentações financeiras sem documentação de suporte”, a sentença do Tribunal a quo também não leva este fundamento à matéria de facto provado, aliás como decorre da análise aos factos constantes da matéria de facto provada e não provada, a fls. 5 a 14 da sentença a quo.
xx. Somos de parecer, e assim defendemos, que existe aqui uma contradição evidente entre a omissão dos factos na fundamentação da decisão de facto e a posterior subsunção de factos omitidos ao devido enquadramento jurídico-legal.
yy. Neste contexto, a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica de toda a prova junta aos autos, pelo que, com este fundamento, deve ser revogada.
zz. Assim sendo, também neste segmento, a falta de apreciação crítica da prova documental carreada para os autos pela RFP e a total ausência de valoração da mesma faz incorrer a sentença recorrida em nulidade, nos termos do disposto no artigo 205.º da CRP, nos artigos 154.º e 607.º ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT, e nos artigos 123.º e 125.º, ambos do CPPT, impondo-se também a sua anulação por este motivo;
Mas vamos mais longe, e por mera cautela de dever de patrocínio,
aaa. É impressionante que a sentença recorrida não tenha levado, à matéria de facto provada, o facto que os SIT efetuaram “uma análise financeira à conta de suprimentos de sócios” onde detetaram, por um lado, “entradas e saídas de dinheiro efetuadas com base em documentos internos e simples declarações de recebimento ou pagamento, que não se consubstanciavam em operações identificáveis”; por outro lado, detetou “recebimentos de clientes e pagamentos a fornecedores” cujos movimentos passavam pela aludida conta de sócios, ou seja, verificaram-se movimentações financeiras a débito e a crédito da conta de suprimentos de sócios, sem qualquer documento de suporte.
bbb. E, ao mesmo tempo, após ter feito a referenciada redução fenomenológica dessa mesma realidade fenoménica, ilumina a mesma em sede de decisão de direito, com os argumentos aí plasmados, os quais, por uma questão de respeito e decoro, a RFP nem sequer se atreve a comentar com o devido rigor escolástico.
ccc. Não obstante, a RFP não deixa de considerar que, partindo da noção do RIT como um documento autêntico, com força probatória plena, e tendo o mesmo sido elaborado com base nos papeis de trabalho, recolhidos em sede de procedimento externo de inspeção, a sentença recorrida devia ter considerado que os SIT depararam-se de facto com uma série de operações financeiras não identificáveis, bem como de movimentações financeiras sem qualquer documento de suporte.
ddd. Ora, perante esta realidade plasmada no RIT, a sentença recorrida mostra-nos que tais operações e movimentações financeiras não foram contraditadas, nem sequer sujeitas a uma especial inquisição judicial.
eee. Mais, estas operações e movimentações não só deviam ter sido devidamente investigadas pela Tribunal como, após a devida recolha dos elementos de prova das mesmas, que constam, ou pelo menos devem constar, dos papéis de trabalho referentes ao RIT, teriam de ser, posteriormente, concatenadas com os restantes elementos de prova vertidos no RIT, enquanto documento com uma unidade sistemática e superior à simples soma das partes que o compõem.
fff. Ou seja, no processo judicial tributário, o Juiz não se encontra limitado ao material probatório apresentado pelas partes, segundo o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, conforme o legalmente consagrado nos termos do n.º 1, do artigo 99.º, da LGT, e no n.º 1, do artigo 13.º, do CPPT.
ggg. Deste modo, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto no artigo 13.º, do CPPT, e no artigo 99.º, da LGT, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário.
hhh. Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do da alínea c), do n.º 2, do artigo 662.º, do CPC, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites mencionados supra.
Posto isto.
iii. Há, ainda, que considerar que os SIT não se bastaram com a verificação dos referenciados factos para a aplicação de métodos indiretos, pois outros factos-índice que foram recolhidos, conforme resulta da matéria de facto provada, bem como daquela que devia ter sido levada à matéria de facto provada tal como acima defendemos a pontos 24 a 34 desta peça, os quais devidamente concatenados, não deixam quaisquer dúvidas quanto à impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável.
jjj. Deste modo, o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por ter considerado que “atentando na exposição dos factos e fundamentos de recurso à avaliação indirecta constantes do relatório de inspeção, concluímos que a fundamentação utilizada é manifestamente insuficiente, deste modo se impondo a anulação das liquidações impugnadas, as quais foram emitidas com base naquele mesmo relatório”.
kkk. Assim, face ao exposto concluiu-se que os elementos constantes da contabilidade e declarados não mereciam credibilidade e que a contabilidade não refletia a realidade da empresa, constituindo tais situações fundamentos suficientes para serem aplicados métodos indiretos, conforme o permitido pela alínea b), do n.º 1, do artigo 87.º, e pelo artigo 88.º, ambas da Lei Geral Tributária, para determinação dos resultados para efeitos de IRC e de IVA, para os exercícios de 2000 e 2001.
Por tudo quanto ficou dito,
lll. Resta concluir que a decisão que determinou a aplicação de métodos indiretos especificou fundada e concretamente os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.
mmm. Tendo a AT cumprido o ónus da prova da verificação dos pressupostos da aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria tributável, e não tendo a Impugnante cumprido o ónus da prova do excesso da respetiva quantificação.
nnn. Impõe-se determinar a improcedência das alegações da Impugnante e, em consequência, manter estáveis e vigentes no ordenamento jurídico as liquidações de IVA, referentes aos períodos de tributação de 2000 e 2001, efetuadas com base naquela decisão,
ooo. Decidindo como decidiu, é nossa convicção, a douta Sentença de que ora se recorre incorreu em erro de julgamento, consubstanciado em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, por errada apreciação crítica da prova e errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 63.º, 74.º, n.º 3, 77.º, n.º 4, 75.º, 81.º, 83.º e 87.º a 89.º, todos da LGT; nos artigos 69.º, 110.º, 123.º e 125.º, todos do CPPT, nos artigos 154.º e 607.º, ambos do CPC, o disposto no artigo 205.º, da CRP, o consagrado no artigo 6.º, do RCPIT, e, ainda, o disposto no artigo 90.º, do CIVA.
Terminam pedindo:
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente Recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, considerando-se a impugnação improcedente,
porém,
V. Exas., decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.
***
A Recorrida apresentou contra-alegações, que conclui como se segue:
I) Questão preliminar, porventura prévia:
1. A AT, a final da sua alegação, brindou-nos com nada menos do que sessenta e sete (67) conclusões, praticamente repetindo tudo quanto explanara no texto das alegações.
2. Como é consabido, as conclusões de recurso devem revestir uma forma sintética (CPC, art. 639.º n.º 1), devem consistir em uma finalização resumida, na sua função de definir e delimitar o objecto do recurso – o que, salvo o devido respeito, não foi o caso, na prolixidade de que elas se revestiram.
3. Nas palavras do Sr. Juiz-Desembargador Dr. João Aveiro Pereira (in O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil),
«A lei procura assim evitar a impugnação geral, vaga e indefinida, para obstar a que a parte contrária se veja numa situação insustentável na preparação do contraditório, sem entender convenientemente a posição do recorrente, os seus motivos de divergência, ficando assim privada de elementos importantes para organizar a sua defesa em contra-alegações. Além disso, as conclusões permitem ao Tribunal ad quem identificar e extrair correctamente as questões controvertidas suscitadas pelo recorrente. Ora, como a alegação do recorrente pode ser prolixa e confusa, torna-se necessário que no fim, em conclusões, se indiquem resumidamente os fundamentos da impugnação» (pág. 5).
4. Afigura-se por isso que a AT não terá acatado as imposições da lei processual no que respeita à formulação do que deveria ser uma síntese conclusiva.
5. Situação omissiva que os nossos Tribunais superiores têm feito equivaler à ausência de conclusões; cotejem-se:
«A repetição nas conclusões do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada repetir o que se disse antes na motivação, equivalendo a falta de conclusões à falta de motivação.
Não havendo indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações, não há conclusões, pelo que, em conformidade, deve o recurso ser rejeitado» – Acórdão da Relação de Lisboa de 2013.02.15, Proc. n.º 827/09.3PDAMD.L1-5.
«Equivalendo à ausência de conclusões, dará lugar à rejeição do recurso, nos termos do art. 641.º, n.º 1, al. b), Novo CPC» – Acórdão da Relação de Coimbra de 2015.11.10, Proc. n.º 158/11.3TBSJP.C1.
6. Consequentemente, deverá o presente recurso ser rejeitado.
Sem prescindir:
II) Quanto ao objecto do recurso:
7. Aborda-se cautelarmente a matéria que se crê ser a base da discordância da recorrente relativamente à sentença proferida, qual seja, a determinação sobre se terão ou não estado verificados os pressupostos legais para o recuso à tributação por métodos indirectos.
8. O que a recorrida se propõe fazer evitando a verbosidade, mormente a reprodução de passagens desmedidas da sentença recorrida (que as alegações da recorrente contêm) e dos «quadros» do RIT com cálculos numéricos (que as alegações também contêm – assim como as próprias «conclusões»), por desnecessidade, em dois sentidos: por um lado, esses elementos constam, como se disse, da sentença; por outro, para a questão fundamental de direito eles tornam-se absolutamente desnecessários.
9. A recorrida desde o início, mormente na petição de Impugnação Judicial que apresentou, expôs os argumentos em que se baseou e baseia para fundamentar o pedido de anulação da liquidação de IVA dos exercícios dos anos 2000 e 2001.
10. O Relatório da AT considerou, por um lado, quanto ao exercício de 2000, existirem diferenças positivas no que respeita ao mosto, ao vinho branco e ao vinho tinto italianos e nacionais e ao vinho rosé nacional; e diferenças negativas quanto ao vinho branco e ao vinho tinto espanhol; e no exercício de 2001, diferenças positivas no que respeita ao mosto, ao vinho branco, ao vinho tinto e ao vinho rosé; ou seja, considerou existirem omissões no registo contabilístico na compra e na venda de mosto como na compra e na venda de vinho.
11. E, por outro lado, que existiriam movimentações financeiras, a débito e a crédito, nomeadamente na conta de sócios, sem qualquer documento de suporte.
Ora:
12. Desde logo e «ab inicio», não era legítimo o recurso, pela AT, a «métodos indirectos» para cômputo do tributo acrescido que imputou à recorrida.
13. O recurso à avaliação indirecta tem natureza excepcional, apenas sendo legitimo à AT recorrer a métodos indirectos quando, face a anomalias ou incorrecções nos elementos contabilísticos do contribuinte, as mesmas não lhe permitam (à AT) fazer a respectiva correcção, ou seja, proceder à quantificação exacta do que esteja erradamente computado devido a essas anomalias ou incorrecções (LGT, art.s 81.º n.º 1 e 85.º n.º 1).
14. Mesmo «dando de barato» a existência de «omissões no registo contabilístico na venda de mosto, na venda de vinho, na compra de mosto e na compra de vinho», e de «movimentações financeiras sem qualquer documento de suporte», constata-se desde logo que em parte alguma a AT alega sequer que os elementos de que dispunha não lhe permitiriam fazer esse cálculo.
15. E é seguro que lhe cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos da avaliação indirecta, mormente os vindos de expor (LGT, art. 74.º n.º 3, 1ª parte).
16. Sendo igualmente certo que o recurso a métodos indirectos não é uma tributação sancionatória ou punitiva (como acontece, por exemplo, na situação da determinação da matéria colectável por manifestações de fortuna), sendo necessário que a AT demonstre a existência de anomalias – discriminando-as – e a impossibilidade de chegar ao cômputo exacto do imposto devido por via de rectificação dessas mesmas anomalias.
O que não foi feito.
17. Como bem refere a sentença recorrida,
«A lei impõe que a Administração Tributária especifique os motivos da impossibilidade da efectivação da avaliação directa da matéria tributável de modo a assegurar que a avaliação indirecta constitui uma ultima ratio».
O que, como se disse, não foi feito.
18. Por outro lado – e como, também aqui, bem refere a sentença recorrida – fica-se sem saber com que fundamento é que a AT decidiu que a estimativa de normais perdas na armazenagem e no engarrafamento dos produtos seria de «2%», pois que em parte alguma (mormente no RIT) foi alegado em que factores e com base em que dados e critérios, numa perspectiva clara e justificada, vale dizer, objectiva, foi tomada em conta a referida percentagem e não qualquer outra – pelo que não é legítimo tomá-la como exacta para efeitos dos cálculos que a AT afirma fazer.
19. Neste item, refere a sentença e, como se disse, acertadamente:
«A propósito da comparação que a inspecção tributária faz das quantidades compradas e das quantidades vendidas de mosto e vinho, invoca aquela uma estimativa de 2% de normais perdas na armazenagem e no engarrafamento dos produtos vendidos para concluir que permanecem significativas as divergências entre as entradas e as saídas de armazém.
Ora, para além de não justificar aquela percentagem – ficando sem se perceber porquê aquela e não outra -, também não se demonstra com números que expressão tem aquela percentagem no caso concreto e, concomitantemente, a expressão, em termos de percentagem, que têm os valores das diferenças apurados, de modo a ser possível controlar se, efectivamente, as diferenças correspondem a uma percentagem superior a 2%. Assim sendo, o controlo quantitativo efectuado pela administração tributária acaba por não ser apto a sustentar o recurso à avaliação indirecta».
20. Outrossim, mesmo «dando de barato» que essa percentagem representaria algo de rigoroso, mesmo assim, esses cálculos estariam viciados de uma petição de princípio: tomando em consideração apenas o tipo de vinho e não a sua origem, para o ano de 2000, em termos de controle quantitativo conclui-se que, quanto ao vinho branco, a diferença de litragem é de 15.238, ou seja, um desvio de 0,43% – longe, pois, daqueles 2%; e quanto ao vinho tinto, a diferença é de 104.948 litros, correspondente a uma quebra de 1,85% – inferior, pois, àqueles 2%.
21. E quanto ao ano de 2001, a diferença efectiva entre as quantidades vendidas e consumidas é tão-só de 9.081 litros, correspondente a uma quebra de 0,77% – também longe, pois, daqueles 2%.
Por outro lado:
22. Quanto às supostas «movimentações financeiras, a débito e a crédito, nomeadamente na conta de sócios, sem qualquer documento de suporte», a AT não fez a mínima concretização, designadamente quanto à respectiva identificação, o respectivo modo, as datas, as operações, a identificação dos sócios e/ou terceiros, tendo-se limitado a afirmações meramente conclusivas do género de «A contabilidade não reflecte a realidade da empresa».
23. Neste item, nada se encontra discriminado, especificado, concretizado ou detalhado, relativamente às operações alegadamente sem documento de suporte que teriam sido detectadas, podendo dizer-se afoitamente que não se trata unicamente de deficiente fundamentação por parte da AT, mas de ausência absoluta da mesma.
24. Ou seja, a AT não só não demonstrou que se encontravam verificadas as circunstâncias que lhe permitiriam socorrer-se de avaliações indirectas, como também, nos cálculos que fez, omitiu em absoluto a concretização dos factos que lhe poderiam permitir chegar a eles.
25. As asserções que a recorrente pretenderia ver lançadas na matéria de facto são… meras conclusões de direito que, como tal, não cabem naquela categoria, pelo que «é impressionante» (sic, p. 39 in fine) que queira ver lançados como factos expressões abstractas e conclusivas tais como «que os SIT efectuaram “uma análise financeira à conta de suprimentos de sócios” onde detectaram, por um lado, “entradas e saídas de dinheiro efectuadas com base em documentos internos e simples declarações de recebimento ou pagamento (…)”» ou «“recebimentos de clientes e pagamentos a fornecedores” cujos movimentos passavam pela aludida conta de sócios (…)»;
26. pois que se mostra a todas as luzes evidente que asserções como as transcritas são conceitos indeterminados, meramente abstractos, asserções essas que são absolutamente omissas quanto aos factos que, se e quando demonstrados, as pudessem legitimar, designadamente no que respeita:
- a quantificações (quais os montantes em que se teriam traduzido as «entradas e saídas de dinheiro com base em documentos internos» ou os «recebimentos de clientes e pagamentos a fornecedores»);
- a concretização e identificação dos documentos que teriam titulado essas «entradas e saídas»;
- a concretização e identificação dos clientes e fornecedores constantes desses documentos;
- a localização no tempo dessas ocorrências (quando se teriam verificado);
- a identificação dos sócios em causa.
27. Ou seja, expressões como as transcritas no precedente n.º 25. são, como se disse, meras afirmações conclusivas que, como tal, não contém qualquer concretização ou especificação; e a enunciação da matéria de facto, por definição, apenas pode conter… factos; não pode conter argumentos ou conclusões, como parece pretender a recorrente.
28. Sendo absolutamente rigoroso o que consta da sentença proferida quando diz:
«Quanto ao outro fundamento invocado para recorrer a métodos indirectos – movimentações financeiras sem documentação de suporte -, no relatório de inspecção não se faz a menor alusão ao montante dos movimentos efectivamente realizados, à identificação dos sócios mencionados, às datas em que ocorreram os alegados movimentos, aos documentos e declarações supostamente utilizados, à identificação dos clientes e fornecedores cujos alegados recebimentos e pagamentos passavam pela conta de sócios, etc., surgindo aquela conclusão completamente desprovida de sustentáculo possibilitador do controlo do acerto da mesma.
29. Donde se conclui que não era legítimo o recurso, pela AT, a «métodos indirectos» para cômputo dos impostos em causa.
Por outro lado:
30. Várias vezes, ao longo da sua alegação, a recorrente procura inculcar que a sentença recorrida não teria feito uma «apreciação crítica da prova documental», pugnando por uma «ampliação da matéria de facto» e pela suposta verificação de uma «nulidade» por «falta de fundamentação» ou de «falta de apreciação crítica da prova documental»;
31. todavia, há que ter presente que factos não são documentos e documentos não são factos, não sendo por isso legítimo invocar documentos para colmatar a falta de concretização de factos, não cumprindo ao Tribunal ir «pescar à linha» algo constante dos documentos sem que a AT tivesse especificado a razão de ser do recurso aos métodos indirectos.
32. Dito de outra forma, a sentença recorrida fundou-se em matéria de direito, matéria essa que se manteria inalterada e inalterável mesmo que nela fosse lançada a referência a documentos ou fossem nela incluídos mais «quadros» com cálculos…
33. Donde se conclui que a arguição de uma suposta «nulidade» nesse sentido, várias vezes alegada pela recorrente, não tem qualquer fundamento ou cabimento; e, se a sentença concordou com argumentos apresentados pela recorrida, não é por essa razão que é legítimo afirmar, como faz a recorrente, que ela sentença teria decidido «por mera adesão».
34. Em síntese: não era legítimo o recurso, pela AT, a «métodos indirectos» para cômputo do imposto que imputou à recorrida, pelo que se impunha a anulação das liquidações realizadas com base num relatório que se socorreu desses métodos, ou seja, assente em premissas ilícitas na respectiva elaboração.
Termina pedindo:
Termos em que deverá ser o presente recurso objecto de rejeição ou, quando assim se não entenda, deverá ser confirmada a sentença recorrida, face ao seu absoluto rigor.
Com o que apenas se fará
JUSTIÇA!
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso.
***
Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
***
Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, importa apreciar se a sentença sob recurso padece de nulidade por falta de fundamentação de facto, decorrente da falta de apreciação critica da prova documental, ou, assim não se entendendo, se padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são assacados pela Recorrente.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
V – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto apurada com relevância para a decisão da causa, para além da que antecede, por ordem lógica e cronológica:
A. Com data de 25.02.2003, foi elaborado “Relatório de inspecção tributária”, por referência à impugnante, com o seguinte teor – cfr. fls. 1 e ss. do processo de reclamação graciosa:
“(…)
Ordem de serviço/Despacho n.º ...77 e ...74
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)

B. Em 26.02.2003, sobre o relatório que antecede recaiu despacho de concordância – cfr. fls. 11 do processo de reclamação graciosa.
C. Em nome da impugnante foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º ...80 relativa ao exercício de 2000, no valor de € 17.671,23, com data-limite de pagamento de 30.04.2004 – cfr. fls. 63 do processo de reclamação graciosa.
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa.
Motivação
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, e no acordo das partes. A este propósito, relevou ainda a factualidade constante do relatório de inspecção e que não foi posta em causa pela impugnante.
*
Aditamento à fundamentação de facto:
Atendendo ao alegado pela Recorrente, e como melhor se explicita abaixo, no segmento do recurso em que é apreciada a sua alegação relativamente ao erro de julgamento de facto que aponta à sentença recorrida, são aditados os seguintes factos à sentença sob recurso:
A1. Do RIT consta ainda o seguinte:
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
B1. O pedido de revisão da matéria tributável formulado pela Recorrida, foi indeferido, mantendo-se os valores fixados no RIT, constando o seguinte da fundamentação do parecer do perito da Administração Tributária no qual se sustentou o indeferimento (cf. decisão e ata, respetivamente a fls. 168-169 e 159 a 167 dos autos):
“(…)
B. DAS RAZÕES DA FALTA DE ACORDO E DA PROPOSTA DE TRIBUTAÇÃO
1. Argumenta o reclamante que os motivos invocados para a utilização dos métodos indirectos não têm a virtualidade de legitimar a metodologia usada e os critérios utilizados para a quantificação efectuada por métodos indirectos e a própria quantificação parte de pressupostos errados;
2. Invoca também que o pressuposto de que existem desvios significativos entre as quantidades vendidas e as quantidades consumidas não é verdadeiro porque:
2.1 Ocorrem perdas de existências, que o próprio relatório assume ser aceitável sem que se tenha extraído dai as necessárias e adequadas consequências;
2.2 Não há qualquer motivo para não tratar, em 2000, os vinhos por tipos, independentemente do país comunitário de proveniência, tal como foi feito em 2001;
2.3 Assim sendo, a mistura do vinho por tipo conduz a uma diferença de litragem, no vinho branco no valor de 15.238 litros (=28.505+814+42.929), ou seja um desvio de 0,43%, muito inferior à percentagem de quebras aceite como normal;
2.4 Do mesmo modo, relativamente ao vinho tinto, resulta uma diferença de 104.948 litros (= 54.444+26.555+132.837), correspondendo a uma quebra de 1,85%, igualmente inferior à percentagem de quebras aceite como normal;
2.5 Em relação ao ano de 2001, há que proceder a uma correcção no valor do stock final de vinho branco, uma vez que deve ser acrescida de 110.490 litros respeitantes a vinhos entregues à consignação nos dias 13 e 15 de Fevereiro de 2001, conforme os DAA's 698635, 698634, 698633, 698632, 698631, os quais/ por lapso, não foram tidos em consideração no inventário final e foram objecto de facturação em 31.12.2002. Daqui resulta uma diferença efetiva de 9.081 litros, correspondente a uma quebra de 0,77%;
3. Não há motivos que sustentem a aplicação dos métodos indirectos, devendo ser atendido o pedido de forma a anular as fixações efectuadas;
4. Os argumentos aduzidos pelo reclamante, reiterados aliás na reunião efectuada com vista ao procedimento de revisão, não merecem a bondade que parece estar-lhes subjacente, já que se limitam a ser uma repetição dos invocados aquando do exercício do direito de audição e que foram na devida altura objecto de demonstração clara da falta de credibilidade, senão vejamos:
4.1. No que se refere ao controlo quantitativo, os desvios apurados quanto ao mosto no exercício de 2000, não obstante as razões alegadas, a verdade é que esses desvios não afectaram a quantificação das vendas;
4.2. Também na área do controlo quantitativo e quanto aos vinhos do exercício de 2000, a questão da possibilidade de mistura já ser permitida, a verdade é que o contribuinte no exercício em questão também não relevava contabilisticamente essa possibilidade, ou seja, contabilizava vendas de vinho de origem espanhola, italiana ou nacional;
4.3. Também os desvios apurados no controlo quantitativo do mosto do exercício de 2001, não tiveram qualquer influência no apuramento das vendas, donde a irrelevância da questão;
4.4. Por último, a correcção proposta quanto aos stocks de vinho branco de 2001 decorrente da alegada entrega à consignação, a reclamante não apresentou qualquer documento de remessa à consignação, assim como não foi apresentada qualquer factura na data do termo do prazo da consignação, ou seja um ano, com a respectiva liquidação do IVA devido nos termos da alínea d) do n.º 3 do art. 3.º do Código do IVA, limitando-se a empresa reclamante a emitir uma factura, durante o período em que decorreu o procedimento de inspecção, com imposto liquidado sobre um preço de venda (€ 0,08) exageradamente abaixo do preço de custo;
5. Quanto ao argumento de não estarem cumpridos os pressupostos para o recurso à aplicação dos métodos indirectos, o sujeito passivo veio elencar uma série de argumentos de natureza meramente subjectiva que não põem em causa a virtualidade da aplicação dos métodos indirectos, já que ficou claramente demonstrada a existência de inexatidões que condicionam o cálculo, de forma clara e inequívoca, do lucro tributável;
6. Nesta perspetiva, parece claro que não existem razões que contrariem os cálculos sugeridos pelo serviço de inspecção tributária, razão peja qual se propõe a manutenção dos valores apontados pelos Serviços de Inspecção Tributária
(…)
II.2. Fundamentação de Direito
Antes de mais, e quanto à questão prévia suscitada pela Recorrida, não obstante a dificuldade de síntese revelada pela Recorrente na elaboração das conclusões das alegações, a mesma não é de molde a justificar a rejeição do recurso, pois ainda assim as referidas conclusões revelam-se idóneas para delimitar de forma clara e inteligível o objeto do recurso, permitindo apreender as questões que pretende suscitar na impugnação que deduz e que ao tribunal superior cumpre solucionar.
Avançando.
Nas suas alegações de recurso a Recorrente imputa à sentença a nulidade “por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica de toda a prova produzida nos autos e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal”, nos termos do disposto “no artigo 205.º da CRP, nos artigos 154.º a 607.º ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT, e nos artigos 123.º e 125.º, ambos do CPPT” (cf. conclusões kk a oo das suas alegações de recurso).
Desde já se adianta que a Recorrente não tem razão.
Com efeito, e estando em causa, como aliás, reconhece, prova documental, a fundamentação da motivação do Tribunal, tal como transcrita supra, é suficiente para que se compreenda o motivo pelo qual aquela prova foi levada em consideração.
Assim, não deixou o Tribunal de especificar quais os meios de prova nos quais fundamentou os vários pontos da factualidade provada e de explicitar que a decisão de facto assentou na respetiva apreciação, e, sobretudo, na fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária, como, de resto, não podia deixar de ser, atendendo a que em causa estava, em primeira linha, a apreciação da fundamentação da decisão dos Serviços de Inspeção Tributária em recorrer à avaliação da matéria tributável através de métodos indiretos.
Refira-se, por outro lado, que da apreciação do teor do recurso o que parece resultar é que a Recorrente não se conforma com as ilações retiradas da fundamentação de facto, e, sobretudo, com a circunstância de na sentença, por se ter considerado que os SIT não justificaram a estimativa de 2% para perdas/quebras normais” a que chegaram, não se ter detido sobre a restante argumentação ali expendida para justificar o recurso à avaliação da matéria tributável através de métodos indiretos.
Ora, manifestamente, nenhuma destas questões é fundamento para que se conclua que a sentença padece de nulidade por “por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica de toda a prova produzida”, como pretendido pela Recorrente.
Tanto basta para que se negue provimento ao recurso neste segmento, concluindo-se que, ao contrário do alegado, a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe é imputada.
Prosseguindo, alega ainda a Recorrente, e em síntese, que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto, por ter deixado de fixar factos que se encontravam provados documentalmente (cf. conclusões g. a s. das suas alegações de recurso), mais alegando que tendo deixado de ser fixados factos pertinentes, e não tendo as partes exercido contraditório quanto as mesmas, que a sentença deverá ser anulada, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 662.º do CPC, ex vi art. 281.º do CPPT.
Ora, e atendendo a que, de facto, em causa está a (falta de) fundamentação (material) do ato tributário, e embora se perceba que o Tribunal a quo terá entendido que o motivo pelo qual o ato foi anulado o eximiria de ir mais além na reprodução da mesma, a verdade é que, e desde logo para resulte com clareza da decisão que as fragilidades do RIT não foram supridas, designadamente, em sede de procedimento de revisão da matéria tributável, se entende que é de dar razão à Recorrente neste excerto do seu recurso, ainda que somente quanto ao extrato da fundamentação pertinente.
Com efeito, não se vislumbra qualquer utilidade na reprodução da fundamentação relativamente a questões que não são objeto da ação, como seja, a referente à matéria contraordenacional.
Assim sendo, e em conformidade, foi efetuado supra o aditamento à fundamentação de facto no qual se fez constar a restante fundamentação do ato na parte pertinente, assim como a decisão resultante do procedimento de revisão da matéria tributável, visto que a mesma integra a fundamentação do ato de liquidação.
Quanto ao demais, é negado provimento ao recurso neste segmento, uma vez que o restante aditamento pretendido à fundamentação de facto se revelaria inútil, por inócuo para a decisão a proferir.
No entanto, a consequência deste aditamento, não é o pretendido pela Recorrente, uma vez que a supramencionada patente insuficiência da fundamentação material do ato não foi objeto de qualquer suprimento posterior.
De facto, e ao contrário do que alega a Recorrente (cf. ponto oo. das conclusões das suas alegações de recurso), a estimativa de 2% para as perdas/quebras normais interfere, obviamente, na decisão de lançar mão da avaliação indireta da matéria coletável, pois que se o afastamento da margem de quebras/perdas não fosse significativo, o recurso ao mesmo não se justificaria.
Pelo que a gritante falta de fundamentação material do critério selecionado pelos SIT é, de facto, suficiente para pôr em crise a legitimidade para recorrer à avaliação indireta, por falta de verificação dos respetivos pressupostos.
Sendo certo que também quanto à questão da “análise financeira à conta de suprimentos”, a Recorrente não tem razão, pois efetivamente, e como é referido na sentença sob recurso, “no relatório de inspecção não se faz a menor alusão ao montante dos movimentos efectivamente realizados, à identificação dos sócios mencionados, às datas em que ocorreram os alegados movimentos, aos documentos e declarações supostamente utilizados, à identificação dos clientes etc.”.
Ora, tanto basta para o presente recurso seja julgado integralmente improcedente, por não se verificarem os pretendidos erros de julgamento de direito que a aqui Recorrente imputa à sentença recorrida.
No entanto, sempre se dirá a este respeito que, e ainda que o Tribunal a quo tivesse entendido ser pertinente ir mais longe na apreciação do ato de liquidação em questão, atentas as fragilidades do mesmo, e do procedimento a ele conducente, a consequência da ação seria, inevitavelmente, a mesma, com a necessária decisão de procedência da impugnação judicial.
Com efeito, estas fragilidades, conducentes à anulação do ato de liquidação, resultaram profusamente ilustradas no acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 27 de abril de 2022 no âmbito do proc. n.º 668/06.4BEPRT (não publicado), e no qual a Relatora e a primeira adjunta deste coletivo figuraram, respetivamente, como primeira e segunda adjuntas, e no qual estava em causa o ato de liquidação de IRC de 2001 sustentado no mesmo RIT, com a mesma fundamentação, e que se reproduz no excerto pertinente, para ilustração do que se acaba de afirmar:
(…)
Do erro de julgamento de direito.
(…)
Dispõe o nº 1 do artigo 52º do Código do IRC, na redacção vigente à data dos factos (aplicação de métodos indirectos):
1 -A determinação do rendimento por métodos indirectos verifica-se nos casos e condições previstos nos artigos 87º e 89º da lei geral tributária e segue os termos do artigo 90º da referida lei e do artigo, com as adaptações necessárias.
(…).
2- A aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo.
Preceitua o artigo 77º da LGT (Fundamentação e eficácia)
1 –(…)
2-(…)
3-(…)
4 - A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.
(…)
Por sua vez, preceitua a artigo 87° da LGT(Realização da avaliação indirecta):
1-A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
a)…;
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;(…)
Determina o art 88º da LGT (Impossibilidade de determinação directa de exacta da matéria tributável)
A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.
No caso vertente, está em causa a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios resultante da acção inspectiva levada a efeito à Recorrida, no âmbito da qual a Administração Tributária lançou mão da avaliação indirecta, por alegada impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AT, como meios subsidiários ou residuais.
Como bem se compreende, o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte. É que, se por um lado o sistema parte do princípio da boa fé dos contribuintes na revelação dos seus reais e efectivos rendimentos tributáveis, por outro, não pode ignorar que a simples existência de regras parte do pressuposto da possibilidade do seu incumprimento que, nessa medida, não pode deixar de se mostrar acautelada pelo legislador. Razão pela qual o referido sistema assente no princípio da veracidade do declarado pelos distintos sujeitos passivos seja «temperado» pelo verdadeiro dever de cooperação que, sobre eles, impende de prestarem todos os esclarecimentos e revelarem todos os elementos que, nos casos menos “transparentes”, desde logo por inusuais, permitam esclarecer e eventualmente confirmar, dentro do que lhes seja exigível, a aderência do declarado à realidade.
Daí que, nos casos em que se mostre ilegitimamente violado aquele dever de cooperação, como será, designadamente, o caso de o sujeito passivo recusar, sem justificação atendível, os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei esta fique legitimada para o recurso aos referidos meios alternativos disponibilizados por lei, desde que com observância dos restantes pressupostos, por esta, estipulados. Ou seja, sinteticamente, o alcançar da tributação dos rendimentos reais auferidos, por via do aludido sistema declarativo pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos.
E, como se referiu, quando assim não suceda, isto é, quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração, designadamente pela recusa de apresentação daqueles referidos elementos, cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência à realidade do declarado, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo valor tributável, a AF ficará legitimada a recorrer ao meio alternativo de tributação.
Assim, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou, dito de forma diversa, é à AT que cabe fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...”( VIEIRA DE ANDRADE in “A Justiça Administrativa” (Lições), 2º edição, pág. 269.).
Do que resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu, - pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal- a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, de se servir dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível, o rendimento tributável efectivo.
Contudo, o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas-aritméticas/avaliação indirecta - e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, pelo contrário, qualquer um deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT encontra-se vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar. Ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...” (Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303).
Importa, também, referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AF, sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente á maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional (Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, pag 305). E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o ónus da demonstração do eventual excesso da quantificação, por tal via, operado, passa a impender sobre o contribuinte.
Todavia, o que se vem de dizer não esgota o tema relativo aos princípios que regem o regime jurídico da avaliação indirecta, particularmente no que concerne ao ónus que vincula a AT. Isto porque, em sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta.
Na realidade, o ónus que impende sobre aquela, em tais casos, para além da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Na realidade, e como já se teve oportunidade de referir, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos os súbditos nacionais que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza, o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação pelo seu lucro real/efectivo.
Apelando, à jurisprudência do TCA Norte de , Ac, de 11..06.2013 lavrado in rec nº 06122/12) “..Cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].V) Só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada. E, ainda, como se sumaria no acórdão deste TCA Norte de 23.05.2019 lavrado in Rec. 00063/06.5BEMDL“... Cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários e, nesta medida, demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários
Assim, impendendo sobre a AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários .
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AT tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que, nomeadamente, que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada e que, acrescentamos agora, permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só então passará a caber ao contribuinte, como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.
Volvendo ao caso sub judice, insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida, no entendimento de que se encontravam reunidos os pressupostos para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, impondo-se, por isso, apreciar, em face dos elementos recolhidos pela AT, se a sua actuação se revela certeira e conforme à lei.
A sentença recorrida não reconheceu razão à ora, Recorrente.
Vejamos, pois, e antes de mais se no caso vertente se verificam ou não os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos e se ficou evidenciado pela AT a impossibilidade de comprovação e quantificação da matéria colectável de forma directa e exacta. , ou seja se encontram reunidos os pressupostos para a determinação da matéria tributável, mediante avaliação indirecta.
Permitimo-nos adiantar que, embora a Recorrente invective contra a sentença a quo, a verdade é que não conseguiu atacar com sucesso nenhum dos seus fundamentos, não logrando obter o almejado desiderato . Senão vejamos.
Do RIT extracta-se que a actuação da AT entendeu recorrer à tributação por métodos indirectos ancorada no controlo quantitativo das existências na análise financeira às demonstrações financeiras da Impugnante, cujos resultados conduziram à conclusão de que ocorriam movimentos nas contas de sócios que deveriam ter sido relevadas nas correspectivas contas de terceiros bem como, na ausência de documentação para as relevações contabilísticas efectuadas.
No que tange ao controlo controlo quantitativo, verifica-se que a AT concluiu pela existência de omissões no registo contabilístico, quer na compra e venda de mosto, quer na compra e venda de vinho.Relativamente à compra e venda de mosto, o próprio relatório inspectivo afirma que o sujeito passivo tinha razão na sua alegação, desconsiderando as omissões detectadas enquanto critério determinante para a tributação por métodos indirectos.
Assim, apenas constituiu motivo para o recurso a métodos indirectos, neste critério, as divergências encontradas quanto à compra e venda de vinho branco.
Todavia a Impugnante veio alegar e demonstrar, em sede de direito de audição, que tinha enviado à consignação, 110.490 litros de vinho branco, juntando cópia das DA’s n.º .....31, 6....32, .....33, ......634 e .....35 (pontos 10 a 14 do probatório). Posteriormente, em sede de pedido de revisão, juntou a factura n.º ...02, de 31/12/2002, onde consta as referências àquelas DA’s, o valor dos litros de vinho branco enviado à consignação e a correspectiva facturação da mesma quantidade.
Quanto ao circunstancialismo que envolveu a emissão da factura posta em crise, a AT sustentou que a Impugnante não tinha emitido a factura da liquidação do imposto ao fim de um ano, como determ ina o art.º 3.º, n.º 3, al. d) co Código do IVA, nem tinha efectuado a entrada nos stocks por via das devoluções, mais alegando que não tinha sido apresentado qualquer documento de remessa à consignação. Já no procedimento de revisão, a AT alega que limitou-se a empresa reclamante a emitir uma factura, durante o período em que decorreu o procedimento de inspecção, com imposto liquidado sobre um preço de venda (€ 0,08) “exageradamente abaixo do preço de custo”.
Quanto à data em que foi emitida a factura face à imposição do Código do IVA, tal obrigação só por si não tem a virtualidade de sustentar a posição da At porquanto, sempre esta poderia constituir, em sede inspectiva, fundamento para se proceder a correcções da matéria colectavel e consequentemente proceder à liquidação de imposto mas não para o apuramento da efectiva existência de stocks finais.
Resulta da factualidade levada ao probatório que o exacto valor que resulta da soma algébrica dos litros de vinhos a que se reportam as DA s 698635, 698634, 698633, 698632, 698631, (que como bem evidenciam foram emitidas sequencialmente, entre 13 e 15 de Fevereiro 13.02. 2001) perfaz o valor total de 110490 que corresponde ao valor que a At apurou que não figurava nos stocks finais de 2001.
Todavia a actuação da AT, peca por defeito e manifesta inércia, bastando-se com a propalada emissão “tardia da factura”, já na pendencia do procedimento inspectivo, sem curar uma analise mais minuciosa não só daqueles elementos já ao seu dispor como aqueles que lhe poderiam obter mediante a realização de diligências probatórias destinadas a confirmar a vecidade ou não da explicação dada pelo sujeito passivo de que aquele vinho branco fora entregue à consignação, nomeadamente, no sentido de apurar se tal mercadoria tinha efectivamente sido enviadas ao apontado cliente, e se este havia ou não devolvido parte ou se tinha comprado a totalidade da mesma. Todavia não o fez.
Como é sabido a actuação da At encontra-se sujeito aos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material.
Assim, detectada a uma irregularidade na escrita do sujeito passivo , e tendo este prestado esclarecimentos no sentido de que tinha sido enviada à consignação uma quantidade relevante de mercadorias, impunha-se à AT apurar junto do cliente, se tal explicação efectivamente tinha subjacente factos reais, nomeadamente se confirmava a entrega de tais quantidades, naquele período , se efectivamente era essa a natureza do acordado ( à mingua de contrato formal), o que não fez, em clara violação do disposto nos art.ºs 58.º da LGT e 6.º do RCPIT (realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, adoptando oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo) e do art.º 63.º da LGT, mormente através da solicitação da colaboração de terceiros com quem a Impugnante mantenha relações económicas (63.º, n.º 1, al. d) da LGT), mediante uma fiscalização cruzada.
Para alcançar as conclusões que suportam a correcção impugnada era imperioso que se aferisse e reconstruisse eventuais e distintos circuitos de vendas, identificando os clientes, meios de pagamento e se recolhessem indícios que lidos à luz das regras da experiência e da natureza do mercado em que o sujeito passivo desenvolve a sua actividade denunciassem/evidenciassem a existência de operações à margem do registo contabilístico. Ora, sobre esta “realidade paralela e alegamente omitida” nada é desvendado no relatório inspetivo que esta na génese da liquidação em analise, quedando-se o labor dos Serviços Inspectivos na mera ponderação de elementos formais (essenciais e efectivamente o ponto de partida) invocada discrepância do “trinómio quantidades produzidas/quantidades vendidas/existências finais”
Porém, bastando-se com a mera análise documental, ao arrimo de critérios meramente formais (lembre-se, falta de emissão de factura após a não devolução da mercadoria no prazo de um ano, não apresentação de documento que atestasse a efectiva entrega das mercadorias à consignação e falta de registo contabilístico das mesmas devoluções) actuou manifesto em detrimento da verdade material. Impunha-se à AT analisar em concreto a real situação do sujeito passivo, realizando, se necessário fosse, acrescidas diligências investigatórias junto da entidade inspeccionada ou de terceiros, como é seu dever, para assegurar o respeito pelas garantias dos contribuintes (artigos 55.º e 60.º LGT e 6.º, 7.º, 9.º, n.º 1 e 60.º RCPIT), o que não aconteceu no caso sub judice.
Assim, tal como ponderou e bem o Tribunal a quo , considerando que: (i) a AT não imputou às omissões detectadas de vinho tinto e vinho rosé, qualquer relevância; (ii) as diferenças apuradas no inventário final de vinho branco foram de 9.081 litros considerado o valor de vinho branco vendido entregue ao seu cliente à consignação ; (iii) as diferenças apuradas no vinho tinto representam 0,88% do consumo, e as diferenças apuradas de vinho branco, representam 0,77% do consumo, o que perfaz um somatório de 1,65 % do consumo e, portanto, bem dentro da margem aceite de 2% pela AT para efeitos de quebras no sector; conclui-se que o critério do controlo quantitativo em que a AT se suportou para recorrer à tributação por métodos indirectos, não se verificou, porquanto as omissões detectadas mostram-se justificadas pelas perdas (quebras) usuais no normal decurso da actividade pelo que, com base neste critério, a AT não carreou elementos suficientes para estar legitimidade a proceder às correcções por métodos indirectos.
No que tange ao critério atinente às verificações efectuadas em sede de análise financeira, a AT esteou a sua posição nos seguintes termos :”Efectuou-se uma análise financeira, nomeadamente à conta de suprimentos de sócios, tendo-se detectado as situações, que se passam a descrever:
- entradas e saídas de dinheiro, efectuados com base em documentos internos e simples declarações de recebimento ou de pagamento, que não se consubstanciavam em operações identificáveis.
- recebimento de clientes e pagamento a fornecedores cujos movimentos passavam pela conta de sócios.
Vindo a concluir que se verificam “movimentações financeiras, a débito e a crédito, nomeadamente na conta de sócios, sem qualquer documento de suporte”.
Tal como se salientou na sentença sob escrutínio, cotejadas as conclusões constantes do relatório final de inspecção tributária, respeitantes à análise financeira efectuada pelos Serviços Inspectivos, verifica-se que não foram enunciados factos susceptíveis de concretizar e fundamentar as considerações ali exaradas, porquanto não foram concretizados os montantes dos aludidos movimentos financeiros a débito e a crédito, as datas em que ocorreram e a identificação dos sócios, sequer por referência a documento anexo em que tais dados se encontrassem eventualmente corporizados ou explicitados, nem foi especificada a influência de tais movimentos financeiros na credibilidade da contabilidade da Impugnante, quando conjugada com os demais dados apurados, quedando sem desvendar a que se reportam as que lhes subjazem, nomeadamente se se reportam a compra e venda de produtos, prestação de serviços, pagamentos de outros fornecedores, empréstimos, etc.
Não se mostram, pois, apreensíveis os concretos factos em que assentaram as conclusões exaradas no relatório inspectivo decorrentes da análise financeira, nem as ilações que, com base nos mesmos foram extraídas, tanto mais que ressalta contraditório concluir-se que inexistem documentos de suporte, quando no âmbito do procedimento se apurou que efectivamente existiam, ainda que de natureza interna, o que só por si não assevera que é “forjado” ou “elaborado à media dos interesse em causa” e que por isso não tem dignidade probatória, sendo que o recebimento e pagamento de e para clientes alegadamente ocorrer pela conta sócios, ainda que traduza numa irregularidade contabilística cremos ser suprível, mediante um esforço probatório dirigido a identificar a respectiva razão de ser.
A eventual dificuldade acrescida no labor investigatório, não significa impossibilidade investigatória. No caso vertente Impunha-se que a At tivesse ido mais longe na sua actuação.Pelo que não tendo a AT reunido indicadores objectivos aptos a demonstrar que as alegadas irregularidades por si detectadas impossibilitavam a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, consequentemente, outra conclusão não podia ter alcançado o Tribunal a quo de a AT não logrou demonstrar os pressupostos do recurso à tributação por métodos indirectos, o que inquinava inelutavelmente a liquidação impugnada .
Termos em que falece o invocado erro de julgamento de direito
Destarte, não enfermando a sentença a quo dos vícios que lhe vêm assacado, não merece a decisão recorrido qualquer censura, impondo-se julgar improcedente o recurso.
(…)
Assim sendo, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
***
Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, a Recorrente é condenada em custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
É à ATA que cabe fundamentar, formal e materialmente, a verificação dos pressupostos para o recurso à avaliação indireta da matéria coletável, pelo que não resultando tal fundamentação do ato de liquidação, nada há a censurar à sentença na qual, em consequência, foi declarada a respetiva ilegalidade.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 2 de março de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Cláudia Almeida – Paulo Moura.