Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03099/09.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
VALOR DA CAUSA.
GERÊNCIA DE FACTO.
ACTO ISOLADO.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) Considerando a alteração ao probatório, é manifesto que assiste razão à Recorrente quando aponta que o valor da causa fixado deverá ser corrigido para € 4.808,76, atento ao disposto no art. 97º-A, n.º 1, al. e), do CPPT, procedendo o recurso neste âmbito.
III) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
IV) Tal significa que, no caso de reacção do visado (leia-se oposição), a AT terá então, no desenvolvimento do processo, de afirmar esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.
V) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
VI) De um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.
VII) Analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte da ora Recorrida, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova e ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da ora Recorrida, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte da Recorrida, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M...
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 20-11-2013, que julgou procedente a pretensão deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO por M…, com referência à execução originariamente instaurada contra a sociedade “P…, Lda.”, e contra si revertida, por dívidas de IRC relativas ao ano de 2001, no valor total de €1.195,24.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 196-201), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida contra a reversão efectuada contra a aqui oponente nos autos de execução fiscal n.º 3468200501001337 e apensos, instaurado pelo serviço de finanças de Gondomar 2 para cobrança de dívidas de IRC dos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, em que é executada a devedora originária P… Lda., NIPC 5….
B. Decidiu o Tribunal a quo pela ilegitimidade da oponente para a presente execução, por entender que não se mostra provada nos autos o exercício, de facto, das funções de gerência.
C. O valor da causa foi fixado em € 1.195,24, nos termos do art. 306º do CPC, correspondendo ao valor da quantia exequenda revertida no presente processo de execução fiscal, dada como provada no ponto A) dos factos provados.
D. Incorreu a meritíssima Juíza a quo em erro de julgamento de facto, porquanto, a quantia exequenda revertida nos presentes autos não foi de € 1.195,24, relativa a IRC do ano de 2001, conforme ponto A) da matéria de facto provada, mas sim de € 4.808,76, relativa a IRC dos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, tal como se verifica na citação realizada, a fls. 60 e ss dos autos.
E. Pelo que, o valor da causa fixado deverá ser corrigido para € 4.808,76, atento ao disposto no art. 97º-A, n.º 1, al. e), do CPPT.
F. Em sequência, a matéria de facto, também, deverá ser corrigida de modo a ficar assente que as dívidas revertidas contra a oponente respeitam a IRC dos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, e não apenas a IRC do ano de 2001, conforme estipulado pela sentença recorrida.
G. Sendo certo que não existe qualquer presunção legal acerca do exercício de facto das funções de gerente de quem se encontra nomeado gerente de direito de uma sociedade, a verdade é que dos elementos carreados para os autos apenas se poderá concluir pelo efectivo exercício dessas funções por parte da aqui oponente.
H. Revelando-se para tal necessário o alargamento da matéria de facto dada como provada, de modo a nela incluir quer a remuneração auferida pela oponente na qualidade de MOE, quer a declaração de cessação de actividade por si assinada, cfr. doc 6 e 8 juntos à contestação apresentada.
I. Deste modo, uma vez que estamos perante a única gerente nomeada relativamente a uma parte substancial dos períodos a que respeitam as dívidas exigidas nos presentes autos, e que nessa qualidade auferiu rendimentos como MOE, assim como, representou a devedora originária na declaração de cessação de actividade apresentada, não poderemos concluir coisa diferente, se não, pelo exercício, de facto, das funções de gerência da devedora originária por parte da aqui oponente.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito. …”

A recorrida M… não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento de facto e bem assim apreciar se a ora Recorrida exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeada e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizada pelo pagamento das mesmas.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A). Contra a sociedade “P…, Lda”, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3468200501001337 e aps., por dívidas de IRC relativas ao ano de 2001, no valor de €1.195,24, cf. fls. 26 dos autos.
B). Por despacho proferido em 25/09/2009, a execução fiscal identificada em A), foi revertida contra a aqui Oponente, cf. fls. 43 e 44 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
C). A Oponente foi citada para a reversão em 01/10/2009, cf. fls. 46 dos autos.
D). À data da constituição da sociedade “P…, Lda”, a aqui Oponente M… e J…, constam da certidão do registo comercial da sociedade como sócios gerentes, cf. certidão de fls. 31 e 32 dos autos.
E). A sociedade obrigava-se com a assinatura de um dos gerentes, cf. certidão de fls. 31 e 32 dos autos.
F). Em 24/01/2003 a quota do sócio J… foi transmitida a favor de J…, por renúncia deste que ocorreu em 11/12/2002, cf. fls. 31 e 32 dos autos.
G). A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças competente em 3/11/2009, cf. fls. 2 dos autos.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem outros factos com pertinência para a decisão.
Não se mostra provado nos autos que a Oponente tenha auferido rendimentos na qualidade de gerente da sociedade executada originária nem se provou que a Oponente tenha representado a devedora originária perante a AT na declaração modelo 22 de IRC do ano 2001. …”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
H) Em 24-01-2013, foi averbada a cessação de funções de gerente de José Carlos da Silva, por renúncia em 11-12-2002 (fls. 32 dos autos)
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que o âmbito e objecto do recurso jurisdicional está balizado pelo teor das respectivas conclusões, o que significa que a este Tribunal está cometida, desde logo, a tarefa de indagar do apontado erro de julgamento ao nível da decisão sobre a matéria de facto, com reflexo, desde logo, na questão da determinação do valor da causa.
Com efeito, nas suas primeiras conclusões, a recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Nas suas alegações, a Recorrente aponta que o valor da causa foi fixado em € 1.195,24, nos termos do art. 306º do CPC, correspondendo ao valor da quantia exequenda revertida no presente processo de execução fiscal, dada como provada no ponto A) dos factos provados, sendo que incorreu a meritíssima Juíza a quo em erro de julgamento de facto, porquanto, a quantia exequenda revertida nos presentes autos não foi de € 1.195,24, relativa a IRC do ano de 2001, conforme ponto A) da matéria de facto provada, mas sim de € 4.808,76, relativa a IRC dos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, tal como se verifica na citação realizada, a fls. 60 e ss dos autos, pelo que, o valor da causa fixado deverá ser corrigido para € 4.808,76, atento ao disposto no art. 97º-A, n.º 1, al. e), do CPPT e em sequência, a matéria de facto, também, deverá ser corrigida de modo a ficar assente que as dívidas revertidas contra a oponente respeitam a IRC dos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, e não apenas a IRC do ano de 2001, conforme estipulado pela sentença recorrida.
Neste domínio, considerando a realidade constante dos autos, a Recorrente tem razão quanto à matéria agora posta em evidência, uma vez que tal realidade, em abstracto, tem relevo para a decisão da causa de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão.
Ora, face à prova documental apontada pela Recorrente e que é confirmada pela análise dos elementos presentes nos autos, devia o tribunal recorrido ter dado essa factualidade como provada, pelo que, tendo o Tribunal recorrido analisada de forma menos adequada a situação em apreço, há que afirmar a factualidade em apreço, uma vez que os autos contêm os elementos probatórios necessários para o efeito.

Assim e com fundamento nos documentos descritos pela Recorrente, decide-se alterar a al. A) do probatório nos seguintes termos:
A) Contra a sociedade “P…, Lda”, foi instaurado o processo de execução fiscal n° 3468200501001337 e aps., por dívidas de IRC relativas aos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, no valor global de € 4.808,76, cf. fls. 26 dos autos.

A partir daqui, e quanto à questão do valor da causa, sendo que, neste domínio, a decisão recorrida ponderou que “Nos termos do que dispõe o artigo 306° do Código de Processo Civil (CPC), ex v artigo 2° alínea e) do CPPT, fixo o valor da acção em €1.195,24”.
Pois bem, considerando a alteração ao probatório nos termos acima descritos, é manifesto que assiste razão à Recorrente quando aponta que o valor da causa fixado deverá ser corrigido para € 4.808,76, atento ao disposto no art. 97º-A, n.º 1, al. e), do CPPT, procedendo o recurso neste âmbito.

Quanto ao julgamento da matéria de facto, cabe ainda ter presente que a Recorrente apela ao alargamento da matéria de facto dada como provada, de modo a nela incluir quer a remuneração auferida pela oponente na qualidade de MOE, quer a declaração de cessação de actividade por si assinada, cfr. doc 6 e 8 juntos à contestação apresentada.
Ora, quanto ao primeiro elemento, não pode acolher-se o exposto pela Recorrente, dado que, os autos não exibem qualquer elemento capaz de suportar o exposto pela Recorrente, sendo ainda de notar que a contestação apresentada nos autos (com apenas 10 artigos) não contempla a junção de qualquer elemento, sendo que a Fazenda Pública limitou-se a invocar a excepção dilatória relacionada com a dedução de oposições a processos não apensados, nada alegando sobre qualquer outra matéria, do mesmo modo que não procedeu a qualquer junção de documentos.
Assim sendo, este Tribunal pode apenas aquilatar se dos autos existem documentos que façam prova bastante da factualidade atinente à realidade apontada pela Recorrente e que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC (actual art. 662º), oficiosamente, possa este Tribunal conhecer, em ordem à prova de tal fundamento.
Tal significa que se o primeiro elemento não pode ser considerada, já nada impede a ponderação do segundo elemento referido pela Recorrente, de modo que, com fundamento no documentos de fls. 41, decide-se aditar ao probatório o facto que será elencado sob a alínea I), nos seguintes termos:
I) A ora Recorrida subscreveu a declaração de cessação de actividade da sociedade devedora originária por referência a 31-12-2013 no local destinado à assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal, declaração entregue em 16-04-2004 no Serviço de Finanças de Gondomar -2 (fls. 41 dos autos)

A Recorrente insiste depois que, sendo certo que não existe qualquer presunção legal acerca do exercício de facto das funções de gerente de quem se encontra nomeado gerente de direito de uma sociedade, a verdade é que dos elementos carreados para os autos apenas se poderá concluir pelo efectivo exercício dessas funções por parte da aqui oponente, revelando-se para tal necessário o alargamento da matéria de facto dada como provada, de modo a nela incluir quer a remuneração auferida pela oponente na qualidade de MOE, quer a declaração de cessação de actividade por si assinada, cfr. doc 6 e 8 juntos à contestação apresentada.
Deste modo, uma vez que estamos perante a única gerente nomeada relativamente a uma parte substancial dos períodos a que respeitam as dívidas exigidas nos presentes autos, e que nessa qualidade auferiu rendimentos como MOE, assim como, representou a devedora originária na declaração de cessação de actividade apresentada, não poderemos concluir coisa diferente, se não, pelo exercício, de facto, das funções de gerência da devedora originária por parte da aqui oponente.

Na sentença recorrida, depois de se aludir ao acórdão do Pleno do STA no Acórdão no 1132/06 de 28/02/2007, foi entendido que:
“…
Ora, a Fazenda Publica não logrou demonstrar, nem suscitar a dúvida ao Tribunal que, neste caso, a Oponente foi gerente efectiva e de facto da executada originária.
Além do mais, sempre importa salientar que resulta do probatório que a gerência da sociedade executada originária se obrigava apenas a uma assinatura e, assim sendo, poderia esta ter sido gerida de facto pelo outro sócio que só renunciou à gerência em Dezembro de 2002.
Assim sendo, resta pois concluir que o Oponente é parte ilegítima. …”

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de dívidas de IRC relativas aos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Aliás, como se aponta no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.
Ora, como se colhe do aresto agora descrito, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado (leia-se oposição), a AT terá então, no desenvolvimento do processo, de afirmar esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.
Neste ponto, não pode deixar de notar-se a actuação discreta da FP que apenas em sede de alegações em 1ª Instância procurou fazer alguma elaboração sobre a matéria, sendo que, como se disse, este Tribunal pode apenas aquilatar se dos autos existem documentos que façam prova bastante da factualidade atinente à realidade apontada pela Recorrente e que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC (actual art. 662º), oficiosamente, possa este Tribunal conhecer, em ordem à prova de tal fundamento, situação que redundou apenas no facto aditado ao probatório e descrito na al. I).

Ora, considerando a realidade vertida no probatório, pode dizer-se que o único elemento apontado para a ora Recorrida ser considerada gerente de facto ou efectivo, reconduz-se ao facto de a mesmo ter sido nomeado para o exercício da gerência da sociedade devedora originária, matéria que abrange todo o período em que nasceram as dívidas, verificando-se que em 24-01-2013, foi averbada a cessação de funções de gerente de José Carlos da Silva, por renúncia em 11-12-2002 e que a ora Recorrida subscreveu a declaração de cessação de actividade da sociedade devedora originária por referência a 31-12-2013 no local destinado à assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal, declaração entregue em 16-04-2004 no Serviço de Finanças de Gondomar -2.

Ora, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra a ora Recorrida ao abrigo das normas apontadas, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que a ora Recorrida foi gerente de facto da sociedade nos termos apontados.
Com efeito, como já vimos, não competia à ora Recorrida fazer qualquer prova neste âmbito, cabendo à FP a alegação da matéria neste domínio, pois que, embora não seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pelo menos, na contestação, terá de indicar tais factos, por forma a cumprir com o ónus que a lei lhe comete.

Pois bem, voltando aos elementos efectivamente a considerar nos autos, o grande argumento que poderá ser ponderado circunscreve-se ao facto de a partir de certa altura a ora Recorrida se ter tornado o único gerente da sociedade executada, de modo que, estaria aqui o necessário fio condutor que permitiria uma percepção distinta da realidade em apreço.
Ora, tal argumento não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado.
Do mesmo modo, ainda que a partir de certa altura, a ora Recorrida apareça como o único gerente, nada garante que a situação se tenha desenvolvido nos termos sugeridos pelo Recorrente, de modo que, apesar do exposto, não se pode concluir decorrer uma qualquer presunção natural de que a ora Recorrido exerceu a gerência da sociedade executada.
Isto porque a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.

Por outro lado, não se olvida que a ora Recorrida subscreveu a declaração de cessação de actividade da sociedade devedora originária por referência a 31-12-2013 no local destinado à assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal, declaração entregue em 16-04-2004 no Serviço de Finanças de Gondomar -2.
Todavia, afigura-se-nos que esse (único) facto provado, e embora possa constituir um indício no sentido do exercício efectivo da gerência por parte do ora Recorrido, por si só, não é suficiente para permitir a conclusão de que o mesmo exerceu a gerência de facto da devedora originária no período em questão.
Como se decidiu no acórdão deste TCAN de 20/12/2011, proferido no processo 639/04.5BEVIS-AVEIRO, www.dgsi.pt, “[d]e um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto […] não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade…”.


Analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte da ora Recorrida, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da ora Recorrida, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte da Recorrida, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogando-se a sentença recorrida em relação à matéria do valor da causa, fixando-se o valor da causa no âmbito dos presentes autos em € 4.808,76, mantendo-se, no mais, a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente em ambas as instâncias com referência à matéria da Oposição (a decisão recorrida não tributou de forma autónoma o incidente do valor da causa) e do novo elemento acima apontado no que diz respeito ao valor da causa.
Notifique-se. D.N..
Porto, 27 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves