Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00525/04.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:ACORDO ENTRE OS PERITOS NA REUNIÃO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL.
Sumário:1. O acordo alcançado pelos peritos no âmbito do procedimento de revisão vincula ambas as partes ali representadas
2. Os poderes do representante do contribuinte não estão limitados pelo requerimento de abertura da revisão da matéria tributável, salvo indicação expressa e inequívoca em contrário.
3. No caso de o acordo extravasar as competências legais, a administração tributária não pode tê-lo em conta na liquidação do tributo, nos termos do art. 62º do CPPT,
4. Se o contribuinte notificado do conteúdo do acordo nada disse, nos termos do art. 62º do CPPT, deve concluir-se que aceitou os termos do acordo alcançado entre os peritos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:B..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: B…, Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF do Porto que julgou improcedente a impugnação deduzida contra liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1999.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
a) As presentes alegações, ora ajuizadas no âmbito deste recurso, processualizado como agravo em processo cível, são tempestivas.
b) Uma vez, com efeito, que também está em causa a reapreciação da matéria de facto, o prazo em causa é de 15 dias com um acréscimo de mais 10 dias, não podendo também perder-se de vista que se implementa a faculdade prevista no art°. 145°, nº. 5 do CPC, quanto á entrega desta peça no terceiro dia útil posterior ao do termo do prazo para o efeito.
c) As produzidas asserções, quanto à plena tempestividade desta peça processual, assentam no disposto nos arts. 281º, 282°, n°. 3 do CPPT, 743°, n°. 1, 698°, n°. 6, 254°, nº. 3, 145°, nº. 5 do CPC e no DL N°. 121/76, de 11.02.
d) Foi pedida a decretação da insolvência da Recorrente por um seu credor, o que, todavia, não obvia ao direito de os órgãos de gestão societária da Recorrente prosseguirem no pleito, em representação sua.
e) Aliás, o prosseguimento deste pleito traduz um acto de boa e sã gestão, uma vez que, sendo legítimo convencimento da Administração da Recorrente que a Administração Tributária não tem direito ao crédito fiscal que se arroga, a dedução de oposição à sua consolidação é saudável, em termos até de protecção dos legítimos interesses e direitos dos credores da Recorrente.
f) Quanto antecede postula também que o próprio Administrador Judicial que venha a ser nomeado, nos autos de insolvência, não poderá opor-se ao prosseguimento deste pleito.
g) Na douta Sentença do Tribunal a quo dá-se como facto assente e provado o de que houve um acordo entre a Administração Fiscal e a Recorrente no sentido da fixação da matéria colectável nos termos em que esta foi fixada e que tal acordo decorreria de posição tomada pelo perito de parte.
i) Não pode sufragar-se, todavia, um tal entendimento, o que decorre das próprias declarações do perito de parte que acima se transcreveram.
j) Sendo assim um não facto o acordo em questão, por viciação mais do que manifesta da vontade do perito que representou a Recorrente, que o mesmo é dizer desta, atento que lhe não conferiu poder para vincular-se na sequência e em consequência de inusitadas e inaceitáveis pressões da Autoridade Tributária.
k) Verifica-se que o acordo em questão foi obtido em violação manifesta do disposto no art°. 227° do Código Civil, ocorrendo ofensa desta disposição na própria Sentença, na medida em que nela se não conheceu do verdadeiro arbítrio perpetrado e consumado pela Administração Tributária.
l) Quanto antecede propicia que se tenham de ter em linha de conta as disposições insertas nos arts. 253°, nº. 1 e 254° do Código Civil.
m) O facto dado como provado “existência do acordo” deve por isso dar-se como não provado, insubsistindo as consequências inerentes à hipótese contrária, que foi aquela que, claramente à revelia do probatório assegurado, foi cooptada na Decisão do Tribunal recorrido.
n) É especialmente de acentuar, nesta perspectivação do problema, a circunstância de a testemunha da Recorrente, que foi seu perito, ter deposto com plena liberdade perante o Tribunal, o que, de resto, é o natural dia a dia dos órgãos de Soberania que são os Tribunais.
o) A perfeição formal das notificações traduz uma garantia substantiva emergente do princípio da legalidade - in casu do princípio da legalidade fiscal.
p) A notificação que foi feita à Recorrente em 22.12.03, como outras mais, também procedimentais, que a antecederam, são todas verdadeiras não notificações, estando esta constatação feita, de resto, no douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público que opinou em sede de parecerística junto da Primeira Instância.
q) Estamos face, aqui, a uma verdadeira e própria agressão do disposto no art°. 39º, nº. 8 do CPPT, sendo certo que o facto relevante inerente à constatação da não notificação decorre provado do depoimento que, a propósito, acima se transcreveu e para que naturalmente se remete.
r) Por outro lado, aceitando que a notificação correcta aconteceu em 04.01.04 - o que é um facto positivo sem dúvida -, a verdade é que o procedimento administrativo em que se contém a inspecção externa durou um período de tempo claramente superior a seis meses, pelo que tem que ser neste exacto contexto, e não naquele que foi cooptado na douta Sentença recorrida, que tem de aplicar-se o normativo do art°. 46°, n°. 1 da LGT.
s) A Sentença em causa violou por conseguinte também o art°. 45º, n°. 1 da LGT, pois que, quando se operou a notificação da liquidação operada - esta também viciada por preterição de garantias essenciais no âmbito da tramitação tendente à obtenção de um válido acordo entre as partes -, já o direito de liquidar se extinguira por caducidade.
Pelo exposto, sempre contudo com o mui douto suprimento, entende-se que se deve revogar a douta Sentença que conheceu do mérito da causa nos termos em que conheceu, prolatando-se consequencialmente douto Acórdão que na íntegra consagre o ponto de vista da Recorrente: quanto à matéria de facto e quanto ao direito.
Assim decidindo - como se pede que se decida e como se espera que se decida - será feita por esse Venerando Tribunal Central Administrativo Norte a habitual e costumada e esperada JUSTIÇA!

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela extemporaneidade do recurso


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se o recurso é extemporâneo, se ocorreu caducidade do direito à liquidação e se o acordo alcançado no procedimento de revisão da matéria tributável foi efetuado contra a vontade do contribuinte, não o vinculando, permitindo assim discutir em sede de impugnação a falta de requisitos para lançar mão avaliação indireta e a existência de erro na quantificação.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
a). Na sequência de uma acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária à impugnante e ao exercício de 1999, foram efectuadas correcções meramente aritméticas à matéria tributável, no montante de € 100.008,20, bem como correcções com recurso a métodos indirectos, no montante de € 394.646,31, tendo sido apurado o lucro tributável de € 592.744,42, conforme resulta do relatório de inspecção e do procedimento de revisão constantes do processo administrativo apenso e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
b). Das conclusões da acção de inspecção constantes do relatório final vem referido que tais correcções assentaram, designadamente, no seguinte:
“III- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à
matéria colectável

Correcção do valor de compra e venda, relativamente às fracções A, B, M e O
(...)
IV - Motivos e exposição dos factos que implicam recurso a métodos indirectos
Correcção do valor de compra e venda, relativamente às restantes fracções
Como já foi referido, notificamos todos os compradores de fracções em cujas escrituras constavam obras de beneficiação, para apresentação de cópia do contrato promessa e cópia dos documentos comprovativos das obras de beneficiação realizadas no imóvel, não tendo obtido resposta, dos compradores das fracções designadas pelas letras “H” e “I”, não justificando assim, que tipo de obras foram realizadas (...).
Visto que, o vendedor declara não ter efectuado as obras, conclui-se que, ao valor de venda do imóvel será de acrescer o valor das obras de beneficiação realizadas, sendo o montante assim obtido, o valor efectivo de venda do imóvel.
Relativamente às fracções “D” e “J”, obtivemos as seguintes respostas à notificação efectuada:
Fracção D - Através de carta enviada aos nossos serviços (...), o comprador afirma que não pode apresentar os elementos pedidos, não justificando assim, as obras de beneficiação realizadas.
Fracção J - Em resposta, através de carta enviada aos nossos serviços (...), o comprador afirma que as obras de beneficiação realizadas, ficaram a cargo do vendedor, afirmando ainda, que o valor total da aquisição da dita fracção foi de € 62.948,30, ou seja, o valor do imóvel mais as obras de beneficiação realizadas.
Tendo em conta estes indícios, consubstancia-se estarmos perante várias celebrações de negócio simulado quanto ao valor, pelo que impossibilita a determinação directa e exacta da matéria colectável, de acordo com o disposto no art. 88°, alínea b) da Lei Geral Tributária, pelo que procedemos à aplicação de métodos indirectos no apuramento do lucro tributável aos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002, conforme o art 87°, alínea b) da Lei Geral Tributária, conjugado com o art 52° do CIRC.
V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
1- Apuramento do Lucro Tributável para o exercício de 1999
a) - Fracções com obras de beneficiação
Visto que o vendedor declara não ter efectuado as obras, e que os compradores não justificaram as mesmas, ou então, confirmaram que o valor total da transacção é a soma do valor do imóvel mais as obras de beneficiação realizadas (Fracção “J”), procedemos ao cálculo dos valores de venda das fracções vendidas do prédio em causa durante o ano de 1999, em cujas escrituras estão referidas obras de beneficiação. Assim, o montante das obras de beneficiação é adicionado ao valor do imóvel constante nas escrituras, pelo que temos as seguintes correcções:
b) - Restantes fracções
Para as restantes fracções do prédio, que não estão mencionadas obras de beneficiação, procede-se à correcção dos valores de venda, através de custo de venda por metro quadrado.
Assim, usando o valor de venda corrigido das duas fracções descritas no ponto III deste relatório, e dividindo pelas respectivas áreas, constante da propriedade horizontal do prédio, temos que:
(...)
Temos então que, as correcções efectuadas ao valor das vendas durante o exercício de 1999, com recurso a métodos indirectos é de:
Soma das correcções efectuadas = €100, 108,75 + €294.537,56 = €394.646,31”
c). No seguimento de tais correcções, a Administração Fiscal notificou a impugnante da fixação da matéria tributável relativamente ao exercício de 1999, no valor de €592.744,42 - cfr. fls. 70 do p. a apenso.
d). A ora impugnante apresentou pedido de revisão, nos termos do art° 91° da LGT, em 24 de Outubro de 2003 - cfr. fls. 73 a 79 do p. a. apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
e). Por acordo dos peritos, no âmbito do referido procedimento de revisão, a matéria tributável do exercício de 1999 foi fixada em € 250.764,96, nos termos constantes da deliberação junta a fls. 102 a 106 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por reproduzido.
f). A impugnante foi notificada da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão da matéria tributável em 3/12/2003.
g). No seguimento das alterações à matéria tributável da impugnante referentes ao ano de 1999, foi emitida a liquidação n° 8310020296, referente a IRC de 1999, no montante a pagar de € 104.237,06, que constitui o objecto da presente impugnação e cuja data limite para pagamento voluntário ocorreu em 14/01/2004 - cfr. fis. 112 do p.a apenso.
h). A presente impugnação foi apresentada em 15/4/2004 - cfr. fls. 2 dos autos.
i). A acção inspectiva efectuada à impugnante foi desencadeada a coberto da ordem de Serviço n° 49468, de 29/5/2003.
j). A impugnante foi notificada da realização da acção de inspecção externa que originou a liquidação impugnada em 9/6/2003 - cfr. fls. 57 dos autos.
l). A referida acção inspectiva decorreu entre 9/6/2003 e 25/7/2003 - cfr. fls. 47 do p.a.
m). A notificação da liquidação impugnada verificou-se em 5 de Janeiro de 2004, na pessoa do sócio gerente da impugnante, S… (art. 15° da p.i).
*
Não se provaram outros factos além dos supra - mencionados, designadamente, não se provou que o perito nomeado pela impugnante para intervir no procedimento de revisão da matéria tributável em sua representação, tenha excedido os poderes que lhe foram conferidos ou actuado ao contrário de tais poderes.
*
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos, na prova por admissão e no depoimento da primeira testemunha inquirida.

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS:
Ao abrigo do disposto no art.º 712º do CPC (art.º 662º do NCPC), aditamos à matéria de facto a alínea n) com o seguinte conteúdo:
n) Por ofício de 24/11/03, foi notificada ao contribuinte a fotocópia autenticada da acta de reunião nº 182 (fls. 108 e 109 do PA apenso)

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a fiscalização externa com referência ao exercício de 1999 que culminou com correções meramente aritméticas ao valor das vendas no montante de € 100 008,20 e correções por métodos indiretos no valor de € 394 646,31.

Instaurado procedimento de revisão da matéria tributável, foi alcançado acordo entre os peritos, na parte respeitante à tributação por métodos indiretos.

Após notificação das liquidações, a Impugnante deduziu impugnação judicial. Alegou, entre o mais, a caducidade do direito à liquidação cuja notificação deveria ter sido efetuada até 31 de dezembro de 2003, mas só foi (validamente) efetuada em 5 de janeiro de 2004. Para além disso, sustenta não estarem reunidos os requisitos para a avaliação indireta e ter ocorrido manifesto erro na quantificação da matéria tributável.
Previamente, defende que o acordo alcançado entre o perito por si indicado e o perito da AT não a vincula porque aquele ultrapassou o seu (da impugnante) querer, actuando ao contrário dos poderes que lhe tinham sido conferidos. Razão por que o acordo não pode ter o alcance limitativo que consta expresso no art. 86º/4 da LGT.

Por sentença de 15 de fevereiro de 2008 a MMª juiz do TAF do Porto julgou totalmente improcedente a impugnação.

A Impugnante não se conforma. Defende que houve erro no julgamento da matéria de facto – por não se provar que o seu representante excedeu os poderes que lhe foram conferidos – e quanto à (não) verificação da caducidade do direito à liquidação.

Neste TCA, suscitou o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer, a extemporaneidade do presente recurso, pois tendo o Recorrente sido notificado (presumidamente) da sua admissão em 13/3/2008 o prazo de 15 dias para apresentar alegações expirou em 7/4/2008. Contudo, o despacho de fls. 243 constatando que as alegações foram apresentadas através de correio eletrónico no dia 21/4/2008 considerou e decidiu que as mesmas foram apresentadas “...no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo” e, consequentemente, ordenou se procedesse “... ao cálculo da multa, nos termos e para efeitos do art.º 145º n.ºs 5 e 6 do C.P. Civil e notificou a impugnante/Recorrente para proceder ao pagamento da mesma...”.
Este despacho refere que o prazo para alegações será acrescido de dez dias, no caso de ser objecto de recurso a reapreciação da prova gravada (art. 698º n.º 6 e 743º n.º 1 do C.P.C)”.

Contudo, defende o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, o CPPT regula exaustivamente os recurso de actos jurisdicionais praticados no processo judicial tributário nos artigos 279º e segs. contendo normas específicas a observar designadamente quanto ao prazo para apresentar alegações do recurso. Pelo que os invocados artsº 698º e 743º do CPC não são aplicáveis no âmbito do processo judicial tributário.
Por conseguinte, conclui, o recurso deveria ter sido julgado deserto no tribunal recorrido, não se impondo a este TCAN o decidido no douto despacho de fls. 243, pelo que o recurso deverá ser julgado deserto.

Notificadas para se pronunciarem, as partes nada disseram.

Começando a análise do recurso pela questão da sua tempestividade, adiantamos desde já que, com o devido respeito, não acompanhamos a posição defendida pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, sufragando antes a interpretação de Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. IV pp. 444 (nota 2) que sobre a matéria refere o seguinte: “tanto o prazo para as alegações como o prazo para a resposta será acrescidos de 10 dias, no caso de ser objecto do recurso a reapreciação de prova gravada (arts. 698º n.º 6 e 743º n.º 1 do CPC, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, a que corresponde o n.º 7 do art. 685º na redação deste Decreto-Lei. Esta situação não podia ocorrer no processo judicial tributário antes da redação dada ao art. 119º do CPPT pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, pois o n.º 6 deste artigo na redação inicial determinava a redução dos depoimentos a escrito em todos os casos....” .

Improcede assim a questão prévia suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.

Prosseguindo com a questão da caducidade do direito à liquidação (conclusões n) e segs), a impugnante alegou nos artigos 12º e segs. da petição inicial que sendo a liquidação relativa ao exercício de 1999 deveria ter sido notificada até 31 de dezembro de 2003, mas apenas se verificou em 5 de janeiro de 2004, na pessoa de S…, sócio gerente da Impugnante. Por conseguinte, “a notificação em apreço foi claramente extemporânea, por ter-se verificado para além do prazo de quatro anos em que deveria ter acontecido” (art.º 16º da douta petição inicial).

Nos subsequentes artigos 18º a 68º da petição inicial contraria a tese da AT segundo a qual a Impugnante foi notificada em 22 de dezembro de 2003, que “se teria concretizado "ex vi" da implementação do disposto no art.º 240º n.º 3 do CPC”, alegando um conjunto de factos que na sua perspetiva implicam “...a nulidade da notificação pretensamente operada em 22 de Dezembro de 2003 (...) que apenas aconteceu em 6 de janeiro de 2004 (arts.º 63º e 64º da petição inicial).

A MMª juiz refletindo sobre a questão apreciou e decidiu o seguinte:
“A liquidação é referente a IRC de 1999, pelo que de acordo com o art. 45°, n° 1 e 4 da LGT (norma que previa, à data, o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos), o direito à liquidação do imposto caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, contados nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja no caso sub judice, o direito à liquidação caducava se a notificação não fosse efectuada até 31/12/2003.
No caso vertente, a impugnante sustenta que não foi validamente notificada da liquidação dentro daquele prazo, uma vez que a notificação apenas se verificou em 5 de Janeiro de 2004 na pessoa do seu sócio gerente.
Assim, “in casu”, a questão da caducidade do direito de liquidar impostos surgia relacionada com o modo como foi efectuada a notificação da liquidação.
Decorre, porém, do art. 46°, n° 1 da LGT que “o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho de início de acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.”
Resulta deste normativo que o prazo de caducidade do direito à liquidação se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, do início da acção de inspecção externa, efeito suspensivo que cessa se a inspecção externa ultrapassar o prazo de 6 meses após a notificação, caso em que o prazo da caducidade se contará desde o seu início, o que vale por dizer que tudo se passa como se não tivesse havido suspensão.
A suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto, nos termos do art. 46.°, n.° 1 da LGT, corresponde ao período de duração da acção de inspecção externa aí referida, que deve ser concluída, em princípio, no prazo de seis meses a contar da notificação do seu início - art. 36°, n.° 2 do RCPIT (Ac. do STA de 7/12/2005, Processo 0993/05).
No caso vertente, a acção de inspecção iniciou-se em 9 de Junho de 2003 e terminou em 25 de Julho de 2003, pelo que o prazo de caducidade esteve suspenso por um período de 1 mês e 15 dias.
Assim, é irrelevante apreciar a validade das anteriores notificações da liquidação à impugnante, uma vez que na data em que esta assume ter sido notificada - 5 de Janeiro de 2004 (art. 15° da p. i.)- ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto, devido à suspensão de tal prazo por força da acção de inspecção levada a cabo pela Administração Tributária (cfr. art. 46°, n° 1 da LGT).
Improcede, pois, a invocada caducidade do direito à liquidação.”

A Impugnante/Recorrente discorda do decidido. Pretende demonstrar, com a transcrição do depoimento da testemunha C… que na notificação efectuada pela AT “constata-se na verdade um total incumprimento das boas regras atinentes à forma como devem notificar-se os contribuintes, ou seja, estamos face a uma verdadeira e própria não notificação” (alegações fls. 178 e conclusões o) a q).

Mas a Recorrente fala da notificação efetuada pela AT em 22 de dezembro de 2003, enquanto a sentença prescindiu de analisar a legalidade desta notificação porque a Impugnante confessou ter sido efetivamente notificada em 5 de janeiro de 2004.

E tendo sido notificada nesta data, não ocorreu a caducidade do direito à liquidação. Como tal, não faz sentido discutir a validade uma notificação que não está em causa, nem serviu para fundamentar a improcedência da caducidade do direito à liquidação.

Contudo, a Recorrente alega que embora a sentença diga que “o prazo de caducidade esteve suspenso por um período de 1 mês e 15 dias”, de 9/6/03 a 25/7/03, o Exmo. Representante da Fazenda Pública na sua contestação alega que o termo da inspeção aconteceu em 24/9/2003.
Mas nem um nem outro prazo o Recorrente aceita, porque no seu entendimento “O procedimento tributário em apreço prolongou-se para além desta última data mercê de impulso procedimental da Recorrente que consistiu na reclamação da fixação da matéria colectável...” (alegações - fls. 179 – conclusões r) e s).

Também aqui a Recorrente não tem razão. O período de suspensão calculado e fixado pela MMª juiz não tem, obviamente, de ser coincidente com o alegado pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública.

Por ouro lado, o Recorrente refere-se ao “prolongamento” do procedimento tributário por período superior a seis meses para defender que o prazo de caducidade não se suspendeu.

Trata-se, contudo, de mera “confusão” semântica porque a suspensão do prazo de caducidade prevista no art. 46º/1 da LGT (na redação original) é a que respeita à duração da ação inspetiva - se ultrapassar seis meses desde a notificação do início da ação, a suspensão do prazo de caducidade não ocorre – e não do procedimento de liquidação. Realidades que, embora conexas, são distintas (cfr. art. 54º LGT).

Por conseguinte, também nesta parte a Recorrente não tem razão, improcedendo as conclusões n) e segs.

Prosseguindo, entramos agora na questão de saber se o “acordo” obtido na reunião do procedimento de revisão vincula ou não o contribuinte (para podermos indagar se a impugnação poderá, ou não, abranger a matéria “acordada” – cfr. art.º 86º/4 LGT).

Na douta petição inicial, a Impugnante alegou que “a relação estabelecida entre a Impugnante e o perito por si indicado não é uma relação de representação, pelo que o acordo mencionado a não vincula. E mesmo que assim se não entenda, a Impugnante no pedido de revisão da matéria tributável solicitou que por completo fosse anulado o acto tributário de fixação da matéria coletável. Era esta a pretensão da Impugnante, pelo que o perito da parte, indicado pela Impugnante, ultrapassou o querer desta, a sua vontade, o que potencia que actuou ao contrário dos poderes que lhe tinham sido conferidos. O perito, perante uma atitude “prepotentemente impositiva” do perito da Autoridade Tributária acedeu a fazer o falado acordo, mas com consciência de estar a ultrapassar os poderes que lhe tinham sido conferidos (art.s 83 e segs da douta petição inicial).

A MMª juiz decidiu a questão nos seguintes termos:
“Segundo o art. 86°, n° 4 da LGT “Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente Capítulo”.
E o n° 3 do art.° 92° da LGT estipula que “Havendo acordo entre os peritos nos termos da presente subsecção, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada”.
Portanto, das normas acabadas de citar resulta que o acordo obtido em sede de procedimento de revisão não poderá deixar de determinar a exacta quantificação da matéria tributável encontrada, sobre que irá incidir a liquidação, sem possibilidade de reacção graciosa ou judicial contra os actos procedimentais antecedentes e que o visem afastar ou fazer perder a sua eficácia, como seja a posterior impugnação judicial da falta de pressupostos para a passagem aos métodos indirectos ou a errónea quantificação da matéria colectável, os quais mesmo a existirem, se devem considerar sanados pelo posterior acordo alcançado em sede desse procedimento.
No âmbito da vigência da LGT, o acordo alcançado pelos peritos no âmbito do procedimento de revisão vincula ambas as partes ali representadas (AT e contribuinte), equivalendo a uma transacção, em que as partes fazem concessões recíprocas tendo em vista a sua obtenção, pelo que tal acordo só poderá ser anulado por falta ou vícios da vontade, ou por falta ou excesso dos poderes de representação (Ac. do TCAS de 12/9/2006, Processo 00024/03) - no mesmo sentido, entre muitos, Ac. do STA de 23/11/2004, Processo 0657/04, Ac. do TCAS de 30/11/2004, Processo 00232/04, Ac. do TCAN de 1/6/2004, Processo 00185/04.
Nesta matéria, também Diogo Leite de Campos e outros, in Lei Geral Tributária, 2 ed., pág. 394, entendem neste sentido, ao escreverem: “O sujeito passivo, apesar de não ter intervenção pessoal na elaboração do acordo, está vinculado por ele, como se depreende da parte final do n.º4 do art.° 86. °da LGT. Porém, a esta vinculação não poderão deixar de fazer-se as restrições que a lei civil estabelece relativamente à vinculação dos representados pelos actos dos representantes.”
No caso concreto, a impugnante suscitou no pedido de revisão da matéria tributável, designadamente, a questão da falta de fundamentação de facto e de direito para a utilização de métodos indirectos, a inexistência de proveitos em 1993 e a errónea quantificação da matéria tributável.
E, sobre estes pontos específicos pronunciaram-se os peritos, tendo o perito da Administração e da impugnante chegado a acordo, afirmando que “Apesar da reclamante invocar a falta de fundamentação de facto e de direito da aplicação de métodos indirectos, conforme item A) da sua petição, os peritos acabaram por concordar da efectiva existência de motivos que justificam o recurso à avaliação indirecta”, enunciando de seguida os argumentos que os levaram a concluir nesse sentido, conforme resulta da acta da reunião dos peritos, cuja cópia se encontra no processo administrativo apenso e dada por reproduzida na al. e) do probatório.
Assim, a questão da ilegalidade da fixação da matéria tributável por métodos indirectos alegada pela impugnante na petição inicial, por não estarem reunidos os pressupostos para a utilização de tais métodos, estando incluída no acordo a que se chegou no procedimento de revisão, não pode ser objecto de impugnação judicial do acto de liquidação que tem subjacente tal acordo.
Também o fundamento “erro na quantificação da matéria tributável” invocado na petição inicial não pode ser apreciado neste sede, por ter sido objecto de acordo no procedimento de revisão.
Sobre esta questão, escreveu-se na referida acta “(...) Reconhecendo-se ser um desiderato difícil de alcançar, por razões inerentes aos elementos conhecidos da situação controvertida, convieram os peritos em estabelecer uma rentabilidade fiscal de 20%, a qual apesar de conter um certo grau de subjectividade, afigura-se melhor se adequar à realidade, ainda que o perito do contribuinte continue de algum modo a manifestar a opinião de que este rácio lhe parece um nada excessivo. (...).”
E, concluem os peritos: “Em face de todo o exposto, acordaram os peritos na quantificação do lucro tributável de 250.764,98 €, como resulta da aplicação da taxa de rentabilidade fiscal de 20% ao volume de vendas de 1.253.824,91€, este apurado no âmbito da acção inspectiva.”
Como resulta da acta da comissão de revisão, embora o perito do contribuinte tenha manifestado inicialmente algumas reservas quanto à rentabilidade fiscal de 20%, certo é que não deixou de se alcançar um acordo quanto à quantificação da matéria tributável, tendo assinado a respectiva acta sem dela fazer consta qualquer menção ou reserva.
Concluindo, a impugnante está inibida de impugnar as questões que já tenham sido objecto de apreciação e decisão no acordo dos peritos, atenta a qualidade de representante do perito do contribuinte, pois tal significaria ir contra aquilo a que se tinha, ao fim e ao cabo, vinculado em sede do procedimento de revisão.
Só assim não seria, se a impugnante alegasse e provasse que o perito tinha excedido os poderes que a impugnante lhe tinha conferido.
Ora, efectivamente vem alegado que o perito ultrapassou o querer da impugnante, a vontade desta, actuando ao contrário dos poderes que lhe tinham sido conferidos (art. 83° da p.i).
Para prova de tais factos, a impugnante indicou, como testemunha, o perito que interveio no procedimento de revisão da matéria tributável, Dr. Rui Manuel Maia de Castro Azevedo.
Ora, do depoimento prestado por tal perito (contabilista há muitos anos e com experiência em procedimentos de revisão) não resultou minimamente demonstrado que tenha excedido ou actuado à margem dos poderes que a impugnante lhe tinha conferido.
De qualquer modo, tenha ou não sido entendimento totalmente unânime dos dois peritos a questão da percentagem da rentabilidade fiscal, o certo é que não deixou de se alcançar um acordo quanto à quantificação da matéria tributável, o que quer dizer que mesmo na falta de total convicção do perito do contribuinte quanto a este ponto, isso não o impediu de dar o seu acordo à matéria tributável obtida, como supra referimos.
Assim sendo, não se vislumbram motivos para aplicar as restrições estabelecidas pela lei civil em relação à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes.
Quanto à questão da impossibilidade de utilização simultânea dos dois métodos — avaliação directa e indirecta — para fixação da matéria tributável, embora invocado também pelo contribuinte em sede de procedimento de revisão, não foi aí objecto de análise e decisão, pelo que se impõe agora a sua apreciação.

E diga-se, desde logo, que não vemos qualquer impedimento legal para a utilização desses dois métodos para a fixação da matéria tributável.
Como resulta do art. 87° da LGT, a avaliação indirecta é um método residual, que só pode efectuar-se nas situações aí previstas, designadamente nas situações de impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável. Ou seja, a avaliação indirecta é subsidiária perante a avaliação directa.
No caso vertente, perante a alegada impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável, não vemos que existisse qualquer impedimento legal para o recurso à avaliação indirecta, como fez a Administração Tributária.
Conclui-se, pois, pela improcedência de tal fundamento.”

A RECORRENTE sustenta (fls. 170) que o acordo entre o perito da Autoridade Tributária e do contribuinte é um “não facto” por viciação mais que manifesta da vontade do perito que representou a Recorrente, que o mesmo é dizer desta, pois “...não lhe conferiu poder para vincular-se na sequência e em consequência de inusitadas e inaceitáveis pressões da Autoridade Tributária” (Conclusão J). O acordo em questão foi obtido em violação manifesta do disposto no art.º 227º do Código Civil, ocorrendo ofensa desta disposição na própria sentença na media em que nela se não conheceu do verdadeiro arbítrio perpetrado e consumado pela Autoridade Tributária (K).

Mas a nosso ver não tem razão.

É certo que, como salienta o Ilustre Professor Diogo Liete de Campos no seu douto parecer junto aos autos, reproduzindo o que escreveu em Lei Geral Tributária comentada e anotada(1) “O sujeito passivo, apesar de não ter intervenção pessoal na elaboração do acordo, está vinculado por ele, como se depreende da parte final do n.º 4 do art. 86º da LGT. Porém, a esta vinculação não poderão deixar de se fazer as restrições que a lei civil estabelece relativamente à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes, como está ínsito no n.º 1 do artigo 16º da L.G.T.
Para além disso, no artigo 62º do C.P.P.T., estabelece-se que a liquidação poderá não se fazer com base no acordo obtido no procedimento de revisão se houver manifesta violação de “competências legais” e tal violação for declarada pela administração tributária, oficiosamente ou a pedido do contribuinte. Em situações deste tipo, se o contribuinte requerer à administração tributária a declaração da existência de tal violação e não for atendida a sua pretensão, poderá impugnar a liquidação subsequente invocando tal violação”.

Acrescenta depois o Ilustre Professor “Nestes termos, o sujeito passivo só está vinculado na medida dos poderes concedidos ao seu mandatário. Podendo, no caso de o seu mandatário ter excedido tais poderes, invocar este vício em procedimento administrativo ou processo judicial. Não se estando perante um verdadeiro acordo vinculando o representado, por faltar vontade deste”.

A questão do acordo (ou desacordo, porque o problema pode colocar-se nestas duas vertentes) alcançado pelo perito representante (2) do sujeito passivo no procedimento de revisão da matéria tributável coloca sérias questões ao nível da prova do conteúdo dos poderes que lhe são conferidos e bem assim quanto ao modo de reagir contra o acordo (ou desacordo) que tenha ultrapassado os poderes outorgados.

Quanto à prova dos poderes conferidos pelo contribuinte, salientam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in "Lei Geral Tributária" anotada (3), que
“Configurando-se esta relação como de representação, justificar-se-á que se estabeleça a vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts. 1178.º, n.º 1, e 258.º do CC).
Porém, não poderão também deixar de aplicar-se a esta vinculação as restrições que a mesma lei civil estabelece em relação à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes, por não haver qualquer razão para, numa matéria em que está em causa a possibilidade de exercício de um direito de natureza análoga a um direito fundamental, estabelecer um regime mais oneroso para o representado do que o se estabelece, em geral, para qualquer relação jurídica.
Ora, nos termos da lei civil, mesmo quando o mandatário é representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, os seus actos só produzem efeitos em relação à esfera jurídica deste se forem praticados dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos ou sejam por este ratificados, expressa ou tacitamente (arts. 258.º, n.º 1, e 268.º, n.º, aplicáveis por força do preceituado no art. 1178.º, n.º 1, e art. 1163.º, todos do CC), regime este que, aliás, encontra suporte legal expresso em matéria tributária no n.º 1 do art. 16.º da LGT, que estabelece genericamente que os actos em matéria tributária praticados por representante em nome do representado só produzem efeitos na esfera jurídica deste dentro dos limites dos poderes de representação.
Assim, nos casos em que o representante do sujeito passivo defender ou aceitar, no procedimento de avaliação indirecta, posições distintas da defendidas por este, designadamente ao formular o pedido de revisão da matéria colectável, não poderá considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, se não se demonstrar que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes. …”.

Com o devido respeito, não acompanhamos a tese de que os poderes de representação do perito do contribuinte na reunião correspondem à posição defendida no pedido de revisão.

Desde logo, não faria sentido que no requerimento em que formula o pedido de revisão da matéria tributável o contribuinte assumisse, por escrito, uma posição definitiva quanto à matéria inviabilizando assim, que o debate entre os peritos alcançasse posição conciliatória.
Se é o debate contraditório entre os peritos que vai ditar o eventual acordo, formular no requerimento os limites do “acordo” frustraria necessariamente o debate subsequente. Debater o quê, e para quê, se um dos “debatentes” só aceita determinada solução?

Além de que seria contraproducente, pois se tivesse de enunciar no requerimento os limites máximos do acordo (ou seja, até onde estaria disposto a ceder), estaria a abdicar de conseguir posição mais vantajosa através do debate entre os peritos.

Por outro lado, se os poderes do representante do contribuinte se definissem pelo pedido de revisão, de que modo se definiriam os poderes do perito da AT?

E se uma das partes não “acorda”, de que modo pode subsistir a liquidação de um tributo fixada com base em acordo inexistente? Persiste a liquidação que foi baseada em “acordo”, ou deverá antes realizar-se nova reunião entre os peritos?
Ou pura e simplesmente a liquidação será efetuada como se não houvesse acordo?

Ou seja, não acompanhamos a tese de que os poderes do representante do contribuinte sejam limitados pelo pedido de revisão da matéria tributável. Parece-nos ser este mais próximo de uma petição inicial na qual a parte afirma as suas razões e pretensões, que ainda assim não a impedem de transigir sobre o objecto da causa (desde que não respeite a direitos indisponíveis – art. 289º/1 CPC) mediante recíprocas concessões (cfr. artigo 1248º do Código Civil).

É claro que o acordo obtido na reunião dos peritos poderá exceder os poderes conferidos pelo contribuinte ao seu representante.

Mas como salienta António Lima Guerreiro (4) “No caso do acordo extravasar as competências legais dos peritos do contribuinte e da Fazenda Pública, administração tributária não pode tê-lo em conta na liquidação do tributo, nos termos do art. 62º do CPPT, que é um mecanismo substitutivo da conformação da legalidade do acordo prevista no artigo 87 n.º 4 do CPT ...”.

Também a LGT anotada (5) (pp. 813 e 814) sugere que em caso de violação de competências legais há lugar à aplicação do art.º 62º do CPPT, devendo o contribuinte requerer à administração tributária a declaração de existência de tal violação. E se não for atendida a sua pretensão, poderá impugnar a liquidação subsequente invocando tal violação.

Com efeito, dispõe o n.º 1 do art. 62º do CPPT que “ Em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar por procedimento próprio, a liquidação efetua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de esta violar manifestamente competências legais” e de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito “A declaração da violação das referidas competências legais pode ser requerida pelo contribuinte ou efetuada pela administração tributária, sendo neste caso obrigatoriamente notificada ao contribuinte no prazo máximo de 15 dias após o termo do procedimento referido no número anterior”.

O que também está em consonância com o disposto no art. 1163º do Código Civil, nos termos do qual comunicada a exceção ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante, salvo acordo em contrário.

Portanto, tendo sido notificada do conteúdo da acta da reunião, sem ter reagido nos termos que deixámos enunciados, devemos considerar que a Impugnante aprovou a conduta do seu perito.

De facto, esta parece ser a solução mais acertada para a hipótese de violação dos poderes de representação. Se tal violação ocorrer, o contribuinte quando é notificado do conteúdo da reunião fica em condições de saber – se não sabia antes – os termos do acordo alcançado e se houve ou não violação dos poderes de representação. Se houve, não faz sentido “esperar” pela notificação das liquidações para reagir contra o acordo, até porque este, se não é (validamente) aceite por um dos contraentes, dificilmente poderá constituir fundamento para uma liquidação baseada... em “acordo” (cfr. Art. 82º/3 LGT).

Mas ainda que assim não se entendesse e se admitisse a impugnação da liquidação por ter subjacente um acordo celebrado contra as instruções do representado, sempre o contribuinte deveria provar que o seu perito extravasou os poderes que lhe foram conferidos na celebração do acordo em que outorgou.

Ora, a questão de saber se o perito do contribuinte acordou nos termos dos poderes que lhe foram confiados é uma questão de facto. Mas perante a prova alcançada nos presentes autos não restam dúvidas de que a Impugnante decaiu no cumprimento do seu ónus probatório nesta matéria (art. 74º LGT).

Ou seja, como consta da sentença, “...não se provou que o perito nomeado pela impugnante para intervir no procedimento de revisão da matéria tributável em sua representação, tenha excedido os poderes que lhe foram conferidos ou actuado ao contrário de tais poderes”.

É certo que no pedido de revisão da matéria tributável a Impugnante concluiu que o “pedido de revisão da matéria tributável deverá conduzir à total anulação do acto tributário, por manifesta ilegalidade na aplicação dos métodos indiretos” (fls. 79 do apenso).
Mas daí não podemos concluir que o sujeito passivo aceitaria a total anulação do acto tributário recusando qualquer acordo que não tivesse esse conteúdo.

Pois visando o procedimento de revisão da matéria tributável o estabelecimento de um acordo entre os peritos, assente num debate contraditório entre o perito do contribuinte e o da Autoridade Tributária (com a participação do perito independente, quando houver) só poderíamos entender o requerimento com esta restrição se dele constasse expressa e inequivocamente não se aceitar qualquer acordo que não passasse pela anulação total do acto tributário. Expressa e inequivocamente.

Não constando do requerimento tal “condição” expressa e inequivocamente formulada, prevalece o enunciado legal: ou seja, os peritos são chamados a debater as questões relativas ao valor da matéria tributável (art. 92º/1 LGT) e pressupostos da determinação indireta da matéria colectável (art.º 91º/14 LGT) visando o estabelecimento de um acordo, tudo como já supra expusemos.

Portanto, do pedido de revisão da matéria tributável nada recolhemos em benefício da tese defendida pela Recorrente.

E reapreciada a prova – testemunhal e documental – não vemos que outra conclusão pudesse ser extraída. Não vislumbramos que dela se possa extrair que o acordo ocorreu por “viciação mais do que manifesta da vontade do perito que representou a Recorrente (...) em consequência de inusitadas e inaceitáveis pressões da Autoridade Tributária”.

Na verdade, o depoimento do perito do contribuinte não revela quaisquer pressões inusitadas pelo perito da Autoridade Tributária nem violação das regras da boa fé. Segundo a testemunha, a rentabilidade na ordem dos 48% encontrada no relatório estava exageradíssima e “...portanto havia que chegar a uma taxa minimamente razoável que tivesse a realidade do mercado. Como é sugerido no requerimento, na petição essa taxa que é sugerida já está exagerada em relação ao mercado, que é de 5%, taxa líquida.”
O perito da Autoridade Tributária “...agarrou-se a percentagem de 20%, que é uma taxa indicada para o regime simplificado”.
Estiveram muito tempo a debater a questão.
E o perito do contribuinte viu-se “confrontado com uma situação, embora já a reduzir, portanto a matéria colectável” (...) ou era aquilo ou poderia não sair dali, portanto, ficaria tudo na mesma”.

E quando o ilustre advogado (sugestivamente) lhe perguntou se foi pressionado pelo perito da Autoridade Tributária, a testemunha respondeu que foi “...confrontado com uma situação de...” que o ilustre advogado completou como sendo de “irreversibilidade”, com posterior assentimento da testemunha.
Ou seja, a testemunha não admite ter sido pressionada para chegar a acordo.

E mal se compreenderia que tivesse sido, pois como já interveio em vários procedimentos de revisão, sabe que pode discordar do perito da AT e que está “...a representar o contribuinte, estamos a defender os interesses do contribuinte...”
E mais à frente, (fls. 168 e 219) respondendo a uma pergunta da MMª juiz, a testemunha refere, em relação aos termos do acordo, que achou “...por bem que, embora discordando, não é, aquilo é um acordo”

Esta última frase condensa toda a questão e os contornos que lhe subjazem. É de um acordo que se trata e isso implica -sem dúvida- recíprocas concessões (para utilizar a terminologia do art.º 1248º do Código Civil para a transação) em benefício de uma solução global que satisfaça ambas as partes. E ainda que numa ou outra parcela a parte preferisse outra solução, é o conjunto final que dita o benefício (ou não) que se alcança. Por conseguinte, o facto de constar da acta que o perito do contribuinte continuou a manifestar a opinião de que “...este rácio lhe parece um nada excessivo”, não impede – e não impediu – a celebração do acordo.

Nem vemos como pode resultar da prova qualquer “condicionamento” da vontade do perito por parte do perito da Autoridade Tributária (e notemos que a testemunha não se declarou “pressionado”, não obstante a direta pergunta do ilustre advogado nesse sentido).

O perito do contribuinte não é “obrigado” a chegar a acordo na reunião e pode muito bem declinar qualquer proposta da AT com que não concorde, sem que a sua representada - ou ele mesmo - sofra qualquer penalização por isso, como a testemunha demonstrou bem saber.

Por outro lado, não se demonstra – nem tão pouco se alega – quais eram as instruções concretas da Impugnante para a reunião e quais os limites que o perito não poderia ultrapassar para podermos avaliar se foram ultrapassados os poderes que efetiva e substancialmente lhe tinham sido conferidos, sendo certo que do requerimento de revisão também não os podemos retirar, como deixámos exposto.

Aliás, a testemunha em momento algum foi confrontada com a questão de saber se efetivamente ultrapassou os poderes que lhe foram confiados pela Impugnante.

Nestas circunstâncias, improcedendo as conclusões a) a n) apenas podemos concluir como na douta sentença recorrida:
“...a questão da ilegalidade da fixação da matéria tributável por métodos indirectos alegada pela impugnante na petição inicial, por não estarem reunidos os pressupostos para a utilização de tais métodos, estando incluída no acordo a que se chegou no procedimento de revisão, não pode ser objecto de impugnação judicial do acto de liquidação que tem subjacente tal acordo.
Também o fundamento “erro na quantificação da matéria tributável” invocado na petição inicial não pode ser apreciado neste sede, por ter sido objecto de acordo no procedimento de revisão”.



V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 22 de março de 2018
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles


(1) Com Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lisboa, Vislis, 3ª ed. 2003, pag. 474.
(2) E o art. 91º/1 LGT expressamente refere que o perito representa o contribuinte, ao contrário do anteriormente previsto no n.º 5 do art.º 86 do CPT em que o vogal nomeado pelo contribuinte não era seu representante, tendo antes o dever legal de agir com imparcialidade e independência técnica (cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in "Lei Geral Tributária" anotada, 2012, pp. 746).
(3) Páginas 746 a 748.
(4) In "Lei Geral Tributária" Anotada, Rei dos Livros, pp. 396
(5) Anotada por Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa.