Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01456/08.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:MAIS VALIAS - REGIME TRANSITÓRIO.
Sumário:1.Na aplicação do regime transitório previsto no art. 5º/1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro que aprovou o CIRS podem destacar-se duas situações distintas:
uma em que o bem já era tributado no âmbito do CIMV e por isso continua a sê-lo no âmbito do CIRS (se preenchidos os pressupostos da norma de incidência).
2.E outra em que o bem não era tributado no âmbito do CIMV e por isso também não o será no âmbito do CIRS, não obstante as transformações sofridas.
3.O que releva na norma transitória do art. 5º/1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88 não é que a alteração qualitativa ocorra na vigência do CIRS mas sim que a “...aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

M..., melhor identificado nos autos, inconformada com a sentença proferida pela MMª juiz do TAF do Porto que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS de 2005, no valor de € 39.227,07 dela interpôs recurso finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

I - Inconformada com a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual julgou improcedente a impugnação, e com a mesma não se podendo conformar, veio a recorrente interpor recurso para o presente Tribunal;
II - Porquanto - salvo o devido e merecido respeito, que é muito - mal andou o Tribunal recorrido;
III - Na medida em que, conforme decorre dos autos, o prédio urbano, composto por uma casa com dois pisos, inscrito na matriz sob o artigo 1.., da freguesia de Valadares, concelho de Vila Nova de Gaia, adveio à posse da recorrente em dois distintos momentos, a saber:
- em 22 de Fevereiro de 1985, aquele adquiriu 25 % relativos à partilha resultante do óbito de seu pai, transitada em julgado em 24/3/1985; e,
- em 14 de Março de 2 000, coube-lhe 8,33 % do aludido prédio devido ao falecimento do seu irmão, J…;
IV - Atendendo a que 8,33 % do prédio sub judice advieram às suas propriedade e posse após a entrada em vigor do Código de IRS, a recorrente aceita a tributação dos rendimentos correspondentes àquela percentagem a título de mais valias;
V - Porém, não se pode conformar com a incidência de mais valias sobre os 25 % do prédio urbano adquirido em 1985;
VI - Reiterando-se que a recorrente adquiriu a quota-parte do prédio em apreço em 06/02/1 985, por partilhas homologadas por douto despacho de 25/02/1985, transitado em julgado em 24/03/1985, no âmbito do processo de inventário obrigatório que correu seus termos pelo 6.° Juízo Cível do Tribunal Judicial do Porto;
VII - Após a aquisição pela recorrente da mencionada quota-parte, mais concretamente no ano de 2003, por imposição da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, foi demolida a habitação implantada no prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1..., da freguesia de Valadares, concelho de Vila Nova de Gaia;
VIII - Havendo a recorrente, conjuntamente com os demais comproprietários, solicitado, nesse mesmo ano de 2003, o destaque da área de 974 m2;
IX - Facto que originou a criação de dois prédios urbanos, compostos por terrenos destinados à construção, os quais foram inscritos nas respectivas matrizes prediais sob os n°s 3… e 1…;
X - Compulsada a sentença ora em crise, constata-se, em suma, que a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” considerou que a operação de destaque fez surgir duas realidades económico-jurídicas distintas do prédio originário, concluindo pela tributação de mais valias em sede de IRS;
XI - Sempre salvo o devido respeito, não perfilhamos do mesmo entendimento;
XII - Encontramo-nos perante um facto tributário de formação sucessiva, integrado por dois momentos distintos: a aquisição e a transmissão;
XIII - No que concerne à aquisição, resultou dos factos dados por provados, designadamente sob a alínea D), que o predito prédio foi adjudicado à recorrente e aos irmãos desta, Maria…, F… e J…, em pastes iguais, por partilha no predito inventário obrigatório realizado a 6 de Fevereiro de 1985;
XIV - Donde resultou que, à recorrente couberam 25 % do referenciado prédio;
XV - Estabelecendo o artigo 5°, n.° 1, do Decreto-Lei a° 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, um “Regime transitório da categoria G”, designadamente:
“Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.° 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código” (sublinhado nosso);
XVI - Sendo certo que, o Código do Imposto de Mais Valias apenas previa a tributação no caso de “ transmissão onerosa de terreno para construção “, nos termos do preceituado no seu artigo 10.°, nº 1;
XVII - Dispondo o n.° 2 daquele dispositivo legal que se consideram terrenos para construção aqueles situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo;
XVIII - Dúvidas não subsistindo que, aquando da aquisição pela recorrente da respectiva quota-parte sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1..., da freguesia de Valadares, concelho de Vila Nova de Gaia, o qual era composto por uma casa com dois pisos, não se encontrava sujeito a tributação nos termos do Código do Imposto sobre Mais Valias;
XIX - Aliás, diga-se que, em 01 de Janeiro de 1 989, data de entrada em vigor do CIRS, o prédio mantinha a mesma natureza/qualificação da descrita na data de aquisição pela
recorrente, atendendo a que a operação de destaque apenas foi efectuada no ano de 2003;

XX - Relativamente à transmissão, pese embora seja douto entendimento do Meritíssimo Juiz do Tribunal “ a quo” que o pedido de destaque do prédio em causa” alterou forçosamente a natureza do prédio em questão “, constituindo “ duas realidades económico-jurídicas distintas do prédio originário “, entendemos - com o devido e merecido respeito, que é muito - impor-se uma solução jurídica distinta;
XXI - Até porque é inequívoco que, aquando da entrada em vigor do CIRS, na eventualidade de haver uma transmissão, o prédio em questão não se encontrava sujeito a imposto, no tocante a mais valias;
XXII - Pelo que a tributação, ou não, em sede de IRS a título de mais-valias sempre deverá ser apreciada aquando da respectiva aquisição;
XXIII - Na medida em que, o critério determinante na aplicação do regime transitório de tributação de mais valias, previsto no n.° 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n° 442-A/88, é a qualificação do bem no momento da entrada em vigor do diploma legal, e não o da sua posterior transmissão;
XXIV - Assim, para que a transmissão do terreno em análise fosse tributada em sede de IRS sempre seria necessário que, em momento anterior à entrada em vigor do CIRS (01/01/1989), aquele terreno revestisse a natureza de terreno para construção, o que, efectivamente, não sucedia;
XXV - Ademais, sempre se dirá que, no contexto de tributação de mais valias, não deverá atender-se à valorização que o prédio sofreu em virtude da transformação operada, vindo a qualificá-los como terrenos de construção;
XXVI - Ao determinar que a venda da percentagem de que a recorrente era proprietária se encontrava sujeita a tributação em sede de IRS - Mais Valias, o Tribunal “a quo” subordinou o seu regime a uma Lei que lhe não era aplicável, por não ser a Lei vigente à data da aquisição;
XXVII - Caso se pugnasse pela sustentabilidade de outra interpretação, sempre se estaria a aplicar retroactivamente a lei fiscal, o que, de resto, a Lei Geral Tributária proíbe, de acordo com o disposto no preceituado no artigo 12°, n.° 1:
“As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”;
XXVIII - Concluindo-se que, no caso sub Judice, a demolição do prédio implantado sob o artigo 1..., ordenada pela competente Câmara Municipal, bem como a operação de destaque levada a cabo, não poderão, em momento algum ou de qualquer forma, prejudicar a recorrente, como sustenta o Tribunal recorrido;
XXIX - Como flui do vindo de expor, facilmente se intui que a douta sentença, ora em crise, interpretou e aplicou erroneamente o regime transitório previsto no artigo 5.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30/11;
XXX - Inquinando, assim, a liquidação adicional de IRS, atendendo à ilegalidade que lhe está subjacente, no respeitante à quota-parte adquirida antes de 01/01/1989;
XXXI - Havendo, em consequência, violado, de entre outras, as seguintes disposições legais:
• Artigo 5°, n.° 1, do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11;
• Artigos 1.º e 10°, n°1, do Código do Imposto de Mais Valias;
• Artigo 12.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária:
• Artigos 515.° e 655°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável; e,
• Artigo 103°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa;
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso sob juízo, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue procedente a impugnação judicial sub judice;
Assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar sujeito a tributação os ganhos resultantes da alienação de prédio destacado de outro que em 1/1/1989 não era objeto de norma de incidência.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A). A impugnante declarou rendimentos da categoria G na declaração de IRS do ano de 2005, referentes à alienação de 33% de dois terrenos para construção pelos valores de €77.941,33 e € 133.333,33, adquiridos em 01/1984, por €1.047,48 cada, cf. declaração de fls. 19 a 22 do P.A. junto aos autos;
B). O prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Valadares sob o artigo
1...° fazia parte da relação de bens apresentada por Maria…, na qualidade de cabeça de casal por óbito de S…, cf. fls. 19 a 34 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

C). Na referida relação de bens consta na verba n° 26 “prédio de dois pisos, sito na Avenida da República, n° 3…, freguesia de Valadares, concelho de Vila Nova de Gaia, ainda não averbado à descrição n°41.601 a fls 60 do Livro 3107 e inscrito no artigo 1... da matriz predial urbana respectiva com o valor matricial de um milhão e duzentos e sessenta mil escudos”, cf. fls. 26 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;
D). A verba n° 26 foi adjudicada à impugnante, a Maria…, F… e a J… em partes iguais, por partilha no inventário obrigatório realizado a 06/02/1 985, cf. fls. 29 a 33 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;
E). O prédio urbano inscrito no artigo 1...° da matriz predial urbana da freguesia de Valadares foi demolido e foi solicitado o destacamento da área de 974 metros quadrados;
F). Do destacamento referido em E)., resultou a criação dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Valadares sob o artigo 3…° artigo 1…;
G). Por escritura pública celebrada a 18/11/2005, foi vendido pelo preço de € 400.000,00 o prédio urbano composto por terreno destinado à construção com a área de novecentos e setenta e quatro metros quadrados, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Valadares sob o artigo 3…, cf. fls. 7 a 10 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;
H). Por escritura pública celebrada a 30/03/2005, foi vendido pelo preço de € 233.823,98 o prédio urbano composto de terreno destinado a construção, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Valadares sob o artigo 1…, cf. fls. 12 do processo de reclamação junto aos autos;
I). A 05/01/2007, a impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual foi indeferida a 13/06/2008, cf processo de reclamação graciosa apenso aos autos;
J). A impugnante foi notificada do indeferimento a 25 de Junho de 2008, cf. fls.
K) Os presentes autos deram entrada a 04/07/2008 neste tribunal, cf. fls. 1 dos autos.
IV.FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. As demais asserções da douta petição inicial constituem antes conclusões de facto ou de direito.

O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados.
Nenhuma referência nos factos considerados provados à alegada aquisição da quota de 8,33% por parte do adquirente por motivo do óbito de seu irmão, co- proprietário dos terrenos vendidos, atendendo que nenhuma prova documental existe e a próprio impugnante não coloca em causa que as Mais Valias resultantes da alienação desses 8,33% estejam sujeitas a mais valias nos termos do IRS. A prova testemunhal não é suficiente para provar a sucessão por morte e uma vez que é necessário saber quais os herdeiros que concorreram a essa sucessão, a respectiva habilitação de herdeiros, a relação de bens e a partilha.
Os factos considerados como não provados, resultam da ausência de prova relativamente aos mesmos, sendo, no entanto, irrelevantes tais factos para a solução a dar à presente causa, atento o abaixo exposto.
As testemunhas inquiridas foram muito vagas e não demonstraram outros factos além dos trazidos pela prova documental.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

No ano de 1985, por força da partilha realizada por óbito de seu pai, homologada por sentença transitada em julgado, a Impugnante adquiriu 25% do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o art.º 1.../Valadares.
Em 14 de março de 2000, em virtude do falecimento de irmão, coube-lhe 8,33% do mesmo prédio.
Este prédio foi demolido e solicitado o destacamento da área de 974 m2, autorizado por despacho de 17/11/2003, de que resultou a criação de dois prédios destinados a construção inscritos na matriz predial urbana de Valadares sob os artigos 3…º e 1…º.
O U-3… foi vendido em 18/11/2005; o U-1… foi vendido em 30/3/2005.
Os valores da alienação integraram o cômputo do rendimento líquido do ano de 2005, categoria G, com o que a Impugnante discordou, apresentando Reclamação Graciosa contra a liquidação (aceitando no entanto a tributação referente aos 8,33% que lhe coube por falecimento de seu irmão em 14/3/ 2000).

A Reclamação foi indeferida com fundamento, entre outros, de que quando o prédio foi vendido era “um bem jurídico diferente de quando foi adquirido” (...) à data da transmissão, os prédios estão classificados como terrenos para construção e quando adquirido era classificado como prédio urbano habitacional. Verifica-se que estamos perante realidades diferentes, o bem jurídico alienado é diferente do bem jurídico adquirido, não estando assim abrangido pelo estatuído na norma de delimitação negativa de sujeição do n.º 1 do art.º 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11...”

A Impugnante não se conformou com o decidido e deduziu impugnação judicial contra o indeferimento da Reclamação Graciosa.

A MMª juiz por sentença de 15/11/2013 também julgou totalmente improcedente a impugnação. Louvando-se no acórdão do STA de 02/06/2010, processo n° 0998/09 considerou que
“... para que a transmissão do terreno em causa nos presentes nos autos fosse tributada em sede de IRS, era necessário que, antes da data da entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1 de Janeiro de 1989, esse terreno fosse qualificado como terreno para construção, pois só a valorização desse tipo de terrenos era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias.”
Resulta assim do entendimento vertido no douto Acórdão referido que, quando da aquisição da sua quota parte sobre o prédio inscrito sob o artigo 1...° da freguesia de Valadares o mesmo, por ser um prédio constituído por construção de dois andares, não estava sujeito a tributação nos termos do Código do Imposto sobre Mais Valias.
Ou seja, a realidade jurídica constituída por “prédio de dois pisos, sito na Avenida da República, n°3…, freguesia de Valadares, concelho de Vila Nova de Gaia, ainda não averbada à descrição n°41.601 a fls. 60 do Livro B- 107 e inscrito no artigo 1... da matriz predial urbana respectiva com o valor matricial de um milhão e duzentos e sessenta mil escudos” não estava sujeita a imposto e se tivesse sido tal realidade a transmitida em 2005, a mesma não seria tributada”.

Mas porque a realidade transmitida pela Impugnante em 2005 não corresponde à que adquiriu em 1985 considerou devida a tributação, fundamentando assim a decisão:
“O que resulta dos autos é que a impugnante e mais três pessoas adquiriram um prédio inscrito sob o artigo 1...° no qual constava uma construção - habitação - de dois andares sito em Valadares e que, em 2005, procederam à venda de dois terrenos para construção, não se colocando em questão que tais terrenos tiveram origem naquele.
Ora, alega a impugnante que a demolição da construção existente no prédio originário foi resultado de imposição pela Câmara Municipal - facto que não se provou.
No entanto, mostra-se tal circunstância irrelevante, pois o que, na opinião do Tribunal, faz com que não mereça censura o entendimento da Administração Tributária, não é a demolição da construção - pois estaria na mesma livre de ser tributado em sede de Mais Valias - mas sim o destaque solicitado.
Na verdade, com a apresentação do requerimento de destaque, a situação fáctica passou a ser distinta e sequentemente a realidade jurídica passou a ser distinta.
O que primeiramente foi adquirido era uma propriedade com determinadas características físicas - construção, confrontações - que devido a essas mesmas características estava isento de Mais Valias.
Porém, o que foi posteriormente vendido, fruto de transformação física, foram duas parcelas de terreno para construção, as quais resultaram não só da demolição da construção existente - irrelevante nos termos já supra referidos - mas do pedido de destacamento realizado.
Ora, o pedido de destacamento do prédio em causa, alterou forçosamente a natureza do prédio em questão, mudando a área, os confrontantes e o próprio uso do mesmo.
No destaque estamos perante o fraccionamento de um prédio, que obriga os interessados a requerer ao serviço de finanças da área da localização do prédio a alteração da matriz - cfr. artigo 13°, n.° 1, alínea c) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
O destaque implica a eliminação do artigo da matriz actualmente existente e a cada novo prédio resultante do destaque será atribuído um novo artigo cfr artigo 106º n,° 1, alínea e) do Código do IMI.
Assim sendo, conclui-se que o destacamento faz surgir duas realidades económico-jurídicas distintas do prédio originário.
Conclui-se do exposto, que necessariamente nenhuma crítica há a fazer ao entendimento da Administração Tributária e por conseguinte a venda da percentagem de que era proprietário a impugnante nos prédios vendido encontra-se sujeita a tributação em sede de IRS - Mais Valias.”

Recorre a Impugnante para este TCA sustentando a ilegalidade da liquidação por violação do disposto no art.º 5º/1 do CIRS segundo o qual “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.° 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código. Sendo certo que, o Código do Imposto de Mais Valias apenas previa a tributação no caso de “ transmissão onerosa de terreno para construção “, nos termos do preceituado no seu artigo 10.°, nº 1”.

Por conseguinte, a questão que nos é submetida consiste em saber se a sentença errou na interpretação e aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.°, n° 1, do Decreto Lei n° 442-A/88, de 30 de Novembro [diploma que aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)] ao julgar improcedente a impugnação contra a liquidação de IRS – Mais Valias- apurada pela AT em consequência da demolição de prédio urbano para habitação, posterior demolição e destaque (em 2003) de que resultou a constituição de dois prédios para construção.

O que passa por saber se os ganhos resultantes da venda, realizada em 2005 de prédio urbano para construção adquirido pela Impugnante em resultado de inventário obrigatório realizado em 6/2/1985 como prédio urbano para habitação, mantido como tal quando entrou em vigor o CIRS, posteriormente demolido e após destaque, já em 2003, de que resultaram dois prédios urbanos o U-3… e 1…0, alienados como tal em 2005, estão sujeitos a tributação em sede de IRS (a título de Mais-Valias), ou se estão isentos dessa tributação por se encontrarem abrangidos pelo regime transitório previsto no artigo 5.º/1 do Dec. Lei n.º 442-A/88.

Nos termos do disposto no art. 1º do CIMV o imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através de
1.º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial. (...)

Assim, a quota parte do prédio que em 1985 adveio à propriedade da Impugnante por transmissão “mortis causa” não estava sujeito a Imposto de mais valias e também não estava quando em 1/1/1989 entrou em vigor o CIRS.

O critério determinante da aplicação do regime transitório previsto no n.º 1 do art.º 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 é a da qualificação do bem no momento da entrada em vigor do diploma legal e não o da sua posterior transmissão.

Nessa linha de interpretação, o STA tem decidido, reiteradamente, que à luz do disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, pese embora tenha, posteriormente, adquirido a natureza de urbano (terreno para construção) e sido alienado como tal.

Nesse sentido, podem ler-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 9/11/2005, proferido no recurso n.º 733/05; de 29/03/2004, proferido no recurso n.º 1213/05; de 12/12/2006, proferido no recurso n.º 1100/05; de 6/06/2007, proferido no recurso n.º 179/07; de 13/02/2008, proferido no recurso n.º 763/07; de 29/10/2008, proferido no recurso n.º 539/08 e de 4/02/2009, proferido no recurso n.º 872/08, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

Com efeito, na aplicação do regime transitório previsto no art. 5º/1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro que aprovou o CIRS podem destacar-se duas situações distintas: uma em que o bem já era tributado no âmbito do CIMV e por isso continua a sê-lo no âmbito do CIRS (se preenchidos os pressupostos da norma de incidência).
E outra em que o bem não era tributado no âmbito do CIMV e por isso também não o será no âmbito do CIRS, não obstante as transformações sofridas.

Vejamos a 1ª situação: o bem já era sujeito a incidência no âmbito do CIMV, era, por exemplo um terreno para construção, então continua sujeito à norma de incidência do CIRS (categoria G).

É exemplo desta situação a versada no acórdão do STA n.º 01100/05 de 12-12-2006.
O bem foi adquirido por doação e partilha em 1977 e era composto por um artigo urbano e outro rústico.
Por sua vez, em 1984, por processo de loteamento, passa a ser tudo terreno de construção, depois, em 1992, aos dois lotes que couberam aos impugnantes, por força da lei foi dada a inscrição matricial em dois artigos, os quais, em 1995, foram objecto de permuta com a Câmara Municipal da Feira onde lhes é atribuído um valor de 7.360.000$00, valor este de onde se parte para o acto tributário controvertido.

O douto acórdão do STA decidiu que “No caso em apreço, a aquisição do imóvel em causa pelos impugnantes ocorreu em 1977 (alínea A do probatório), tendo o referido prédio sido em 1984 objecto de loteamento (alínea B do probatório), do qual resultaram as parcelas que, em 1995, aqueles cederam ao Município de Santa Maria da Feira (alínea E do probatório).
Assim, parece não haver dúvidas que, não obstante à data da sua aquisição o prédio em causa não possuir a natureza de terreno para construção, as duas parcelas de terreno cedidas pelos impugnantes em 1995, e destacadas daquele, passaram a destinar-se a construção urbana desde o processo de loteamento levado a cabo em 1984.
Ou seja, é evidente que à data da entrada em vigor do CIRS as referidas parcelas de terreno já estavam, em caso de transmissão, sujeitas a imposto de mais-valias.
E daí que não seja aqui aplicável o regime transitório previsto no artigo 5.º do DL 442-A/88, de 30/11.
Na verdade, para que este fosse aplicável era necessário que os ganhos resultantes da transmissão dessas parcelas não estivessem até então sujeitos ao imposto de mais-valias, o que não é o caso pois tratando-se de terrenos para construção caíam já no campo de incidência do artigo 1.º do CIMV.
Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não interessa tanto aqui a qualidade que o bem detinha no momento da sua aquisição mas sim a sua natureza à data em que o DL 442-A/88 entrou em vigor.” (1)

2ª situação. O bem não era sujeito a tributação quando entrou em vigor do CIRS, mas na vigência deste diploma sofreu uma transformação no seu estatuto – passou de rústico a urbano ou terreno para construção.

A hipótese mais comum é a dos prédios rústicos adquiridos antes da entrada em vigor do CIMV e que não eram sujeitos a tributação por mais valias, mas adquiriram posteriormente a natureza urbana. Nestes casos, entende o STA que também não há lugar a tributação em sede de IRS.

Exemplo é o acórdão do STA n.º 0998/09 de 02-06-2010 cujos factos submetidos a julgamento eram os seguintes (2):
1. O impugnante adquiriu a quota-parte de 1/2 no prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Santa Maria Maior, do concelho de Viana do Castelo, sob o artigo 412, em 08.06.1974, por partilhas homologadas por despacho de 20.04.1..., transitado em julgado em 06.06.1..., que tiveram lugar no processo de inventário obrigatório que correu termos sob o n° 16/82 pela 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.
2. Nessas partilhas coube ao impugnante a verba n° 35, que relacionava metade de um prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Maria Maior, do concelho de Viana do Castelo, sob o artigo 412, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n° 72.312, a fls. 191 v° do livro B-182.
3. Esse prédio, em resultado de processo de expropriação de que foi objecto, veio, posteriormente, a receber o artigo 465 da matriz predial rústica, da mesma freguesia e concelho, para a parte sobrante à expropriada.
4. No qual o impugnante manteve uma quota-parte de 1/2.
5. Em 02.10.2002, em resultado de operação de destaque autorizada por deliberação da Câmara Municipal de Viana do Castelo de 16.01.2002, deu entrada no Serviço de Finanças de Viana do Castelo declaração para alteração da inscrição do prédio dividido e inscrito sob o artigo 465, referido, e para inscrição da parte dele a destacar, com 2.500 m2, a que veio a ser atribuído o artigo urbano n° 3662.
6. Na qual o impugnante continuou a deter uma quota-parte de 1/2.
7. Em 26.11.2002, por escritura pública de compra e venda lavrada no primeiro Cartório Notarial de Viana do Castelo, a fls. 97 e ss. do livro 337-E, o impugnante e o comproprietário da restante parte do prédio, procederam ao destaque e venda do prédio inscrito sob o já citado artigo urbano 3662, pelo preço global de 523.737,80 €, cabendo 261.868,90 € à quota-parte de cada um deles.
8. Na referida escritura pública o imóvel vendido foi qualificado como urbano.

O STA decidiu que o ganho obtido pelo Impugnante com a transmissão onerosa, efectuada em 2002, não estava sujeito IRS (por “mais-valias”), pese embora esse prédio se tenha entretanto transformado num prédio urbano (terreno destinado a construção).
Esta jurisprudência foi reiterada no acórdão 0529/11 (3).

Ora, no caso dos autos, o prédio foi adquirido em 1985 como prédio urbano para habitação, pelo que os ganhos resultantes da sua alienação não estavam sujeitos CIMV.

E quando entrou em vigor o CIRS (1 de janeiro de 1989), o prédio mantinha o mesmo estatuto. A alteração qualitativa (destaque e terreno para construção) ocorreu já na vigência do CIRS.

Mas como vimos, o que releva na norma transitória do art. 5º/1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88 não é que a alteração qualitativa ocorra na vigência do CIRS mas sim que a “...aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”.

Mas como a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam foi efetuada antes da entrada
em vigor do CIRS, o recurso merece provimento e a liquidação deverá ser anulada na parte relativa a 25% do prédio em causa.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida julgar procedente a impugnação e determinar a anulação da liquidação na parte impugnada.
Custas pela AT em primeira instância.
Porto, 7 de dezembro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira

(1) Ac. do STA n.º 01100/05 de 12-12-2006 Relator: ANTÓNIO CALHAU
(2) Ac. do STA n.º 0998/09 de 02-06-2010 Relator: DULCE NETO
(3) Ac. do STA n.º 0529/11 de 12-01-2012 Relator: ASCENSÃO LOPES
Cfr. acórdão do STA n.º 01381/13 de 10-09-2014 Relator: ARAGÃO SEIA
Sumário: I – O artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, deve ser interpretado no sentido de que não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código e da venda ocorrida em 21/01/2002.
II – Não obsta à não tributação o facto de no ano de 2000 o impugnante ter efectuado uma declaração fiscal de alteração da classificação do prédio para terreno para construção.