Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00491/23.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/17/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:FGS;
ILEGITIMIDADE PASSIVA;
AUSÊNCIA DE DESPACHO PRÉ SANEADOR;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», residente na Rua ..., ..., ..., ..., ..., veio instaurar acção administrativa de impugnação de acto administrativo, cumulando pedido de condenação à prática de acto devido, contra o Instituto da Segurança Social, I.P., visando a decisão do Presidente do Fundo de garantia Salarial que indeferiu a sua pretensão de receber o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho.
O TAF de Braga julgou verificada a excepção de ilegitimidade passiva do Instituto da Segurança Social, I.P. e absolveu a Entidade Demandada totalmente dos pedidos formulados pela Autora.
Desta decisão vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
A) O presente recurso é interposto por um lado, por se considerar que o Tribunal a quo errou ao proferir a decisão na sentença apresentada ao absolver do pedido a Entidade Demandada.

B) Por outro lado, por não providenciar pelo suprimento das exceções dilatórias, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea a) do Código do Processo Administrativo.

C) O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julgo verificada a exceção de ilegitimidade passiva do Instituto da Segurança Social, I.P. e, consequentemente, absolvo totalmente a Entidade Demandada dos pedidos formulados pela Autora”.

D) A decisão acima referida configura a absolvição do pedido da Entidade Demandada.

E) Salvo o devido respeito, incide sobre a mencionada decisão um erro, já que a verificação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, deverá resultar na absolvição da instância da Entidade Demandada.

F) Apesar da sentença mencionar absolvição da instância do Réu, a verdade é que na decisão é referido expressamente a absolvição do pedido da Entidade Demandada.

G) A decisão é parte da sentença que produz efeitos relativamente ao litígio e a absolvição do pedido da Entidade Demandada produz efeitos jurídicos importantes.

H) Um dos efeitos jurídicos da decisão de absolvição do pedido é a impossibilidade da utilização da Autora da prerrogativa do artigo 87.º, n.º 8, do Código de Processo Administrativo.

I) A Autora só pode apresentar nova petição inicial suprimindo assim, as exceções dilatórias identificadas, se tiver ocorrido a absolvição da instância.

J) Salvo melhor opinião, existindo absolvição do pedido a Autora está impedida de utilizar tal prerrogativa.

K) Desta forma, deve o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente deve a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que julgue verificada a exceção de ilegitimidade passiva do Instituto da Segurança Social, I.P, e consequentemente, absolvo a Entidade Demandada da instância.

L) No caso em apreço, o foi alegada existência de exceção dilatória de ilegitimidade passiva, não tendo o Tribunal a quo providenciado pelo suprimento da referida exceção dilatória.

M) O Tribunal a quo ao não pronunciar o despacho pré saneador, efetuou uma errada aplicação do artigo 87.º, do CPTA.

N) Desta forma, deve sentença proferida nos presentes autos ser anulada e substituída pelo despacho pré saneador providenciando pelo suprimento da exceção dilatória em apreço.

Nestes termos e nos demais de Direito que suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência:

a) Errou ao proferir a decisão na sentença apresentada ao absolver do pedido a Entidade Demandada, devendo a ser substituída por sentença que absolva da instância a Entidade Demanda;

b) Errou ao não providenciar pelo suprimento das exceções dilatórias, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea a), do Código do Processo Administrativo, proferindo despacho pré – saneador.

Fazendo-se desta forma a costumada Justiça.
O Réu não juntou contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1 - Em 17 de Outubro de 2019, a Autora apresentou nos serviços da Segurança Social requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho (cfr. fls. 1 a 4 do PA);
2 - Em 20 de Novembro de 2019, o Presidente do Fundo de Garantia Salarial, emitiu, sobre a Informação, o seguinte Despacho “Concordo.”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 22 do PA);
3 - O despacho referido em 2) foi comunicado à Autora por ofício registado com o nº ...00 de 12 de Dezembro de 2019, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 25 do PA);
4 - A Autora interpôs reclamação do despacho referido em 2), o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. PA);
5 - Foi proferida Informação para Despacho, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. PA);
6 - Em 13 de Fevereiro de 2023, o Presidente do Fundo de Garantia Salarial, emitiu, sobre a Informação referida em 5), o seguinte Despacho “Concordo.”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 40 do PA);
7 - O despacho referido em 6) foi comunicado à Autora por ofício registado com o nº RF ...88 PT de 17 de Fevereiro de 2023, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 49 do PA);
8 - A presente acção deu entrada neste TAF de Braga em 14 de Março de 2023 (cfr. fls. 1 destes autos).

DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Está em causa a decisão que ostenta este discurso jurídico fundamentador:
O Fundo de Garantia Salarial, instituído pelo Decreto-Lei nº 219/99, de 15 de Junho, cujo regulamento foi aprovado pelo Decreto – Lei nº 139/2009, de 24 de Abril, é nos termos destes decretos – lei, uma pessoa colectiva de direito público, com a natureza própria de um fundo autónomo, dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa, patrimonial e financeira.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 10º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra ....entidades titulares de interesses contrapostos aos dos autor”.
Assim, dispõe de legitimidade passiva a outra parte na relação material controvertida, tal como configurada pelo autor e a 2ª parte do nº1 do art. 10º do CPTA estende a qualidade de sujeito passivo aos contra-interessados, ou seja, a todos aqueles que tenham interesse em contradizer, interesse que poderá traduzir-se num mero interesse destinado a evitar o prejuízo que poderá advir da procedência da acção.
Dispõe o nº 2 do art. 10º do CPTA que “Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público (...)”.
A Autora intentou a presente acção contra o Instituto de Segurança Social, I.P., no entanto, atento o estatuto jurídico do Fundo de Garantia Salarial e as suas atribuições legais, apenas este é responsável pelo acto emitido e aqui impugnado, pelo que o Instituto de Segurança Social, I.P. não tem qualquer interesse na questão aqui controvertida, nem para ele resultará da mesma qualquer efeito, tendo sido tal instituto apenas um núncio do acto praticado pelo Fundo de Garantia Salarial.
Pelo exposto, declaro verificada a excepção de ilegitimidade passiva do Instituto de Segurança Social, I.P. e, consequentemente, absolvo o réu da instância.

X
Avança-se, já, que tem razão a Recorrente.
Vejamos,
A Recorrente propôs ação administrativa de impugnação de ato administrativo, cumulando pedido de condenação à prática de ato devido, contra o Instituto da Segurança Social, I.P., visando a decisão do Presidente do Fundo de garantia salarial que indeferiu a pretensão da Autora de receber o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho.
A sentença, como se viu, decidiu julgar verificada a exceção de ilegitimidade passiva do Instituto da Segurança Social, I.P. e, consequentemente, absolveu totalmente a Entidade Demanda dos pedidos formulados.
O presente recurso é interposto por um lado, por se considerar que o Tribunal a quo errou ao proferir a decisão de absolvição do pedido da Entidade Demandada. E, por outro lado, por não providenciar pelo suprimento das exceções dilatórias, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea a) do CPTA.
Como alegado, a decisão acima referida configura a absolvição do pedido da Entidade Demandada.
Incorreu, por isso, em erro, já que a verificação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, deverá redundar na absolvição da instância da Entidade Demandada.
Apesar da sentença mencionar absolvição da instância do Réu, a verdade é que no segmento decisório é referido expressamente a absolvição do pedido da Entidade Demandada.
Como é sabido, a decisão é parte da sentença que produz efeitos relativamente ao litígio e a absolvição do pedido da Entidade Demandada produz efeitos jurídicos importantes.
Um dos efeitos jurídicos da decisão de absolvição do pedido é a impossibilidade da utilização da Autora da prerrogativa do artigo 87.º, n.º 8, do CPTA.
A Autora só pode apresentar nova petição inicial suprimindo assim, as exceções dilatórias identificadas, se tiver ocorrido a absolvição da instância. Existindo absolvição do pedido a Autora, repete-se, está impedida de utilizar tal prerrogativa.
Desta forma, assiste razão à Apelante.
E o que dizer do restante?
O artigo 87.º do CPTA prevê o seguinte:
“1 - Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
2 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
3 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
4 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
5 - As alterações à matéria de facto alegada não podem implicar convolação do objeto do processo para relação jurídica diversa da controvertida, devendo conformar-se com os limites traçados pelo pedido e pela causa de pedir, se forem introduzidas pelo autor, e pelos limites impostos pelo artigo 83.º, quando o sejam pelo demandado.
6 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.
7 - A falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância.
8 - A absolvição da instância sem prévia emissão de despacho pré-saneador, em casos em que podia haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias ou de irregularidades, não impede o autor de, no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação.
9 - Em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil em matéria de despacho pré-saneador e de gestão inicial do processo.”
No caso em apreço, foi invocada a existência de exceção dilatória de ilegitimidade passiva, não tendo o Tribunal a quo providenciado pelo suprimento da referida exceção dilatória.
O Tribunal a quo ao não pronunciar o despacho pré saneador, efetuou uma errada aplicação do artigo 87.º, do CPTA.
Desta forma, tem a sentença proferida nos presentes autos de ser anulada, com as legais consequências.
Procedem, pois, todas as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, anula-se a sentença recorrida e determina-se a baixa dos autos ao TAF a quo a fim de elaborar despacho pré saneador, providenciando pelo suprimento da exceção dilatória em apreço, nos termos supra assinalados.
Sem custas.
Notifique e DN.

Porto, 17/11/2023

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Nuno Coutinho